Redes e capital social no domínio do marketing de relacionamento: Uma análise
de possíveis complementaridades
Apesar de a noção de marketing constituir um processo social e de gestão
através do qual os indivíduos e grupos obtêm o que necessitam através da
criação, oferta e troca de produtos que detêm um determinado valor (Kotler,
1999), é interessante notar que a vertente social no domínio marketing tem
vindo a ser negligenciada ao nível da literatura. Todavia, atualmente, com o
crescimento exponencial das redes sociais, fenómeno intimamente relacionado com
a importância do Twitter, Facebook e LinkedIn, etc., assiste-se ao
ressurgimento da importância da vertente social no domínio do marketing e da
estratégia.
O objetivo deste artigo, de natureza essencialmente conceptual, consiste em
tentar conciliar duas correntes teóricas na área da estratégia, nomeadamente a
teoria das redes e capital social e a teoria do marketing de relacionamento.
Enquanto a primeira constitui um importante mecanismo de transferência de
recursos e/ou informação, a segunda visa estabelecer, desenvolver e manter
relações duráveis no tempo. Deste modo, o argumento central deste artigo reside
no facto de que apesar das inúmeras complementaridades que assistem a estas
duas abordagens, curiosamente têm sido escassos os estudos e análises que
colocam em confronto estas duas tradições de pesquisa, pelo que se torna
necessário desenvolver um conhecimento mais aprofundado neste domínio.
Em termos de organização do artigo, a primeira parte centra-se nas redes e
respetivas áreas de aplicação. De seguida, procede-se à análise dos conceitos
de redes e capital social, seguindo-se uma seção em que se procura analisar as
diferentes complementaridades entre redes e marketing de relacionamento.
Posteriormente, procede-se a uma caracterização da análise de redes sociais
(ARS). Finalmente, apresentam-se algumas conclusões, implicações e limitações.
Redes e áreas de aplicação
· Redes interorganizacionais
Apesar de a literatura na área de redes ser vasta, não deixa de ser
interessante afirmar que o estudo das diferentes vertentes de uma rede continua
a suscitar um profundo interesse por parte de inúmeras áreas do conhecimento,
em particular no domínio da estratégia empresarial.
Uma das razões deste interesse prende-se com o facto de que as estruturas
organizacionais em rede, também designadas de «configurações orgânicas»
(Nohria, 1992) são aquelas que melhor respondem a ambientes complexos,
exigentes e competitivos com os quais as organizações atualmente se deparam,
sendo também aquele tipo de estruturas que permite alcançar vantagens
competitivas sustentáveis no longo prazo (Jarillo, 1988).
De salientar que existe atualmente uma profusão de conceitos relacionados com a
noção de redes organizacionais, facto que dificulta a sua própria definição. É
comum a utilização de termos como parcerias, alianças estratégicas, coligações,
arranjos cooperativos e outros.
Ao nível organizacional podemos considerar dois tipos de redes, nomeadamente as
redes intra e interorganizacionais. Enquanto a primeira facilita e otimiza
determinadas atividades da cadeia de valor da empresa, a segunda permite o
relacionamento entre diferentes atores (clientes, fornecedores, outras
entidades). Para uma compreensão mais aprofundada das redes
interorganizacionais é importante que se faça, por vezes, uma incursão teórica
por outras teorias, como é o caso da teoria dos recursos (Wernerfelt, 1984;
Barney, 2001) e a teoria dos custos de transação (Williamson, 1991).
No âmbito das redes organizacionais, importa salientar o contributo de Jarillo
(1988) ao defender que as redes podem ser conceptualizadas como uma forma de
governação, podendo ser utilizadas pelos gestores para posicionarem as suas
empresas num estádio competitivo mais elevado, sendo esta a razão pela qual o
termo estratégico foi adicionado ao conceito de rede. As relações que uma
empresa estabelece numa rede organizacional, que traduzem acordos de longo
prazo com objetivos claramente definidos, são essenciais para definir a sua
posição competitiva futura. Jarillo (1988) retoma alguns conceitos clássicos
como a noção de hierarquias e mercados (Williamson, 1975) e defende que a
perspetiva de redes não deve ser analisada à luz nem de um nem de outro, mas
deve ser entendida com base nos conceitos de integração/coordenação e
adaptação.
Inspirando-se em Williamson (1975), Jarillo (1988) refere também que uma
empresa apresenta diferentes curvas de custo na produção de diferentes
subcomponentes que integram o processo de fabrico de um produto. Neste
processo, enquanto algumas das curvas de custo decrescem significativamente,
outras mantêm-se mais estáveis, outras ainda crescem significativamente.
Se estivermos na presença de um mercado eficiente, em que várias empresas que
operam no mercado têm diferentes caraterísticas em termos de recursos
(valiosos, raros, inatingíveis e não substituíveis) e produzem o mesmo produto,
a forma mais eficiente de organizar a produção é alocar dentro da rede
interempresarial o fabrico de cada subcomponente da cadeia de valor à empresa
(ou unidade de produção) que conseguir alcançar um maior nível de eficiência/
eficácia em termos de custo. De tal modo que, se essa empresa se especializar
na produção daquelas subcomponentes do produto, consegue obter uma curva de
custos decrescentes. Em face disto, poderia fornecer essas mesmas
subcomponentes a outras empresas teoricamente menos eficientes na produção da
mesma, a um preço de custo inferior.
Neste sentido, não surpreende que vários autores defendam que o acesso a
determinados recursos/competências específicos depende do grau de inserção de
uma organização numa determinada rede empresarial (Uzzi, 1996), pelo que as
redes organizacionais são consideradas como um mecanismo que contribui para a
atração de recursos escassos, especialmente se estes não estiverem disponíveis
facilmente no mercado.
Esta situação é mais evidente em relação a organizações de menor dimensão que,
devido à sua natureza, dispõem de uma menor capacidade de gerar/atrair recursos
e competências e, como tal, a pertença a uma estrutura em rede permite aceder a
recursos críticos que não dispõem internamente. Por outras palavras, a
participação e cooperação em redes interempresariais permite à empresa aceder a
um conjunto de recursos/competências externos à própria empresa, contribuindo
para uma modificação/reconfiguração dos próprios recursos e competências
atuais, sobretudo em ambientes mais dinâmicos (Teece et al., 2009).
De referir também que nem todos os atores que integram uma rede organizacional
estão imbuídos do mesmo tipo de poder e controlo face às diferentes atividades
desenvolvidas. À medida que as organizações implementam a sua estratégia,
sobretudo, nos casos em que dão provas de terem sido bem-sucedidas, as
necessidades de exercício de controlo das operações vão aumentando.
Como tal, o grau de controlo pode ser exercido tendo por base duas abordagens.
A primeira baseia-se em mecanismos de natureza mais formal, refletidos num
conjunto de regras e procedimentos mais centralizados ' integração vertical das
atividades da cadeia de valor (postura de hierarquia). A segunda, pelo
contrário, procura exercer um controlo baseado em processos e mecanismos
informais de cooperação, privilegiando uma abordagem mais descentralizada de um
conjunto de atividades da cadeia de valor para o mercado (postura de mercado)
(Williamson, 1991).
Independentemente da posição assumida, não restam dúvidas de que os mecanismos
de coordenação das organizações que funcionam em rede estão posicionados num
continuumentre estas duas posturas (hierarquia-mercado). É o ambiente
competitivo e o grau de incerteza ambiental que vão determinar um
posicionamento específico da organização no referido continuum.
Com o objetivo de melhorar o grau de cooperação entre os diferentes atores que
integram uma rede, as organizações estruturadas em rede tendem a privilegiar os
mecanismos informais baseados na socialização, cooperação, confiança,
compromisso e partilha de valores. Neste sentido, o grau de integração ou
composição estrutural da rede entre os diferentes atores que a integram tem de
ser tido em linha de conta, uma vez que esta estrutura de rede pode
proporcionar um conjunto de oportunidades e constrangimentos entre os diversos
atores (Granovetter, 1985). Este aspeto irá ser tratado mais particularmente na
seção seguinte.
Redes sociais de natureza interpessoal
A análise das redes sociais (ARS) tem como objetivo analisar a estrutura social
de relacionamentos entre um grupo de indivíduos (ou atores), sendo que os
diferentes tipos de relacionamentos se baseiam numa diversidade de interações
que vão desde afetos, influência, troca de informação/recursos até troca de
produtos e serviços.
A origem da teoria das redes sociais remonta sobretudo ao início da década de
1930, em particular, ao trabalho clássico conduzido por Moreno (1934), um
médico psiquiatra de Viena que fugiu da Alemanha nazi para os EUA. Este autor
começou por examinar as ferramentas e métodos da Gestalt theory e da
sociometria que tinham como objetivo representar e mapear os relacionamentos
entre indivíduos através de pontos ligados por linhas (geometria dos
relacionamentos interpessoais).
Num período posterior, com a inclusão de algumas ferramentas matemáticas,
Cartwright e Harary (1956) recorrem à teoria dos grafos, cujos fundamentos
teóricos tinham por base a quantificação dos relacionamentos representados por
grafos constituídos por vértices e arestas.
Não obstante os contributos anteriores, a ARS tornou-se popular sobretudo no
início da década de 1970 com a introdução das tecnologias de computação,
permitindo análises mais complexas a grupos mais alargados de indivíduos.
Recentemente, a ARS tem vindo a adquirir particular proeminência em diversos
campos do conhecimento científico, designadamente no domínio da antropologia,
sociologia, medicina e, crescentemente, na estratégia empresarial. Neste
contexto, surgiu a noção de capital social, que traduz redes de relacionamento
baseadas em torno de princípios de confiança, cooperação e ação coletiva
(Nahapiet e Ghoshal, 1998).
Redes e capital social
Dada a sua natureza multidimensional, a definição do conceito de capital social
não tem sido pacífica entre os diversos autores, especialmente porque se trata
de um conceito que está na encruzilhada de várias ciências.
Num artigo clássico sobre a análise de redes sociais, Granovetter (1973)
analisa os laços existentes entre indivíduos e classifica-os entre fortes
(aqueles laços nos quais os indivíduos despendem de mais tempo e requerem maior
intensidade emocional) e fracos (laços menos intensos que são mantidos com
pessoas conhecidas). Este tipo de ligações constitui um valioso recurso para os
indivíduos e organizações.
Segundo este autor, as ligações fracas entre atores são mais adequadas do que
as ligações fortes porque permitem uma transmissão de informação não redundante
entre grupos (ou redes) e uma ligação entre aquelas vertentes da rede que estão
mais desconectadas. Num estudo posterior, Granovetter (1985) defende que as
relações sociais podem mediar transações económicas e, neste sentido, melhorar
a capacidade das organizações interagirem com outros atores (incluindo
clientes). Assim, as redes sociais resultam de um investimento intangível que
pode vir a ser benéfico sob o ponto de vista económico no curto e médio prazo.
Na ótica dos atores individuais, a noção de capital social consiste nas
relações em rede e partilha de recursos subjacente a uma dada estrutura social
em rede.
Putnam (1993), à semelhança de Granovetter (1973), também identifica dois tipos
de redes: horizontais e verticais. Enquanto as primeiras se caracterizam por
ligações fortes, coesas e solidárias, as segundas permitem estabelecer a
ligação com diferentes grupos. De referir que o debate em torno da noção de
capital social tem vindo a integrar diversas abordagens em termos daquilo que
são os elementos estruturais de uma rede (Gargiulo e Benassi, 2000).
Entre essas destacam-se os termos de bonding social capital e bridging social
capital (Putnam, 2001). A primeira abordagem (bonding) refere-se àquele tipo de
estrutura de rede em que os diferentes atores estão ligados entre si através de
ligações fortes e mutuamente recíprocas. Este tipo de estrutura de rede
evidencia a importância da produção de normas sociais e sanções internas que
facilitam a confiança e cooperação nos processos de troca. Uma forte ligação
entre os diferentes membros, para além de reforçar os mecanismos de confiança e
cooperação, diminui o grau de incerteza e reduz o grau de comportamento
oportunístico entre os diversos membros nos processos de troca. Burt (1992) a
este propósito refere que as normas e padrões de comportamento que emergem
deste tipo de ligações restringem e limitam o comportamento dos atores e os
processos de inovação.
Em contrapartida, a segunda (bridging) defende que os benefícios do capital
social resultam sobretudo da diversidade da informação e daquilo que se designa
por brokerage resultante da oportunidade criada pelas ligações fracas entre
elementos distintos de uma rede social (Burt, 1992, 1997). Este tipo de capital
social permite a aquisição de outras formas de capital, nomeadamente o
financeiro, humano e acesso a recursos logísticos. Os atores que detêm uma
posição mais fraca entre dois clusters têm melhores condições para aceder a
mais e melhor informação/recursos de outras estruturas em rede e, desta forma,
beneficiarem das vantagens competitivas resultantes desse facto.
Burt (1997) considera que os atores em contacto com uma rede rica em structural
holes podem monitorizar a informação de forma mais eficaz, ampla e rápida do
que o fariam se a monitorizassem através de mecanismos formais. Sem uma ligação
através de uma fratura brokerage, os dois grupos manter-se-iam autónomos
(isolados) e, como tal, não beneficiariam do acesso a nova informação ou
recursos pertencentes ao espaço informacional de outras redes. Burt (2001)
também refere que apesar do comportamento do tipo brokerage proporcionar maior
valor em termos de informação e acesso a novos recursos e oportunidades, a
coesão social de uma estrutura em rede continua a assumir um papel crítico para
a realização das atividades de grupo resultantes dessa mesma nova informação
proveniente dos structural holes.
Nas últimas décadas, a maioria dos estudos empíricos têm vindo a corroborar
estas duas abordagens do capital social, embora inúmeros académicos tenham
vindo a integrar ambas as perspetivas numa só (Gargiulo e Benassi, 2000).
De referir também o importante contributo de Bourdieu (1986), que define
capital social como a posse de recursos atuais e potenciais associados a uma
rede de relacionamentos institucionais duráveis mais ou menos formais que se
traduzem, em última análise, num reconhecimento mútuo. Os recursos são
utilizados pelos indivíduos, tendo por base uma estratégia de progresso dentro
de uma dada hierarquia social e o acesso aos mesmos resulta da interação entre
o indivíduo e a estrutura.
Redes, capital social e marketing de relacionamento
Face àquilo que foi dito, o desafio que se coloca é o de identificar a
relevância das redes sociais e capital social no domínio do marketing e, em
particular, no marketing de relacionamento.
Antes de mais, importa referir que os consumidores e organizações são parte
integrante de vários subsistemas sociais que estão interligados entre si.
Vários autores têm vindo a corroborar esta perspetiva, sobretudo aqueles que
partilham dos princípios advogados pela teoria de troca social (social exchange
theory) (Easton e Araújo, 1994). Esta teoria tem como finalidade explicar a
origem da troca e relacionamentos com base em fatores como o poder, estatuto
social, compromisso e confiança.
Apesar destes conceitos terem origem no domínio da psicologia social e
sociologia, vários autores têm vindo a incorporá-los gradualmente no contexto
das organizações (Gulati, 1995). Apesar do conceito de troca ser central na
definição do próprio conceito de marketing, a teoria da troca social tem sido,
de algum modo, negligenciada na literatura de marketing. Recentemente, esta
visão tem sido recuperada por alguns autores sobretudo no contexto
interorganizacional e, em particular, na relação diádica entre fornecedores e
intermediários (Easton e Araújo, 1994), bem como no domínio do marketing de
relacionamento.
No que concerne ao marketing de relacionamento, este consiste em todas as
atividades de marketing direcionadas para o estabelecimento, desenvolvimento e
manutenção de trocas relacionais eficientes e bem-sucedidas (Morgan e Hunt,
1994).
As origens do conceito de marketing de relacionamento podem ser identificadas a
partir de quatro correntes da literatura, designadamente: a cadeia de valor e
gestão de canal; o marketing interativo; as redes e interações; e o marketing
de serviços (Eiriz e Wilson, 2006).
Para melhor compreender o marketing de relacionamento que se baseia
essencialmente em díades, é necessário ter presente que o enfoque é colocado na
construção contínua e duradoura de relacionamentos baseados numa lógica de
confiança, compromisso e de cooperação. Em suma, em relacionamentos de natureza
social.
Morgan e Hunt (1994) defendem que, apesar de não existirem dúvidas sobre os
inúmeros fatores de contexto que contribuem para o sucesso (ou fracasso) do
marketing de relacionamento, o grau de confiança e de compromisso são fatores
críticos para uma cooperação bem-sucedida. Estes dois fatores são chave porque
estimulam os marketeers a trabalhar na manutenção e investimento na relação
através de uma cooperação efetiva entre parceiros; resistir a benefícios
alternativos do curto prazo em detrimento do longo prazo com os parceiros
atuais; assumir alguma ponderação na adoção de comportamentos de risco, sob
pena dos respetivos parceiros os interpretarem como comportamentos
oportunísticos.
De igual modo, a teoria das redes sociais baseia-se em interações só que, em
vez de lidar com díades, inclui tríades de atores. Na ótica das redes e capital
social as ligações entre os vários stakeholders (consumidores incluídos)
assenta também em fatores de confiança, compromisso, partilha de valores e
cooperação (ligações fortes e fracas).
É genericamente reconhecido que o conceito de capital social está intimamente
ligado às redes sociais. Nahapiet e Ghoshal (1998) consideram três dimensões
para definir o conceito de capital social, a saber: estrutural, cognitiva e
relacional.
A dimensão estrutural refere-se às propriedades do sistema social e rede de
relações globais entre os diversos atores. Compreende o padrão de ligações
entre os diversos atores, nomeadamente quem é que acede a quem e de que forma.
A dimensão relacional descreve o tipo de relacionamentos que uma organização
estabelece ao longo de um determinado período de tempo. Entre os vários
fatores-chave desta dimensão, destacam-se a confiança, lealdade, normas,
sanções, obrigações, expectativas e identidade.
Finalmente, a terceira vertente do capital social é a dimensão cognitiva que
remete para uma linguagem e código de valores comuns entre os diferentes atores
de uma rede, contribuindo para uma visão partilhada que incorpore objetivos
comuns. Esta visão partilhada reforça as ligações entre os atores de uma rede
uma vez que é de esperar que estes detenham as mesmas perceções sobre um
determinado fenómeno melhorando o processo de comunicação e, subsequentemente,
a partilha de recursos (Nahapiet e Ghoshal, 1998). Estabelecendo a ponte com o
marketing de relacionamento, esta vertente cognitiva está expressa na partilha
de valores e de uma visão comum, sendo fundamental para o desenvolvimento de um
maior compromisso e cooperação entre os diferentes membros de uma rede
organizacional (Dwyer, Schurr e Oh, 1987).
Aspetos distintivos da análise de Redes Sociais (ARS)
A ARS recorre a uma metodologia que é distinta das abordagens ditas
tradicionais (item response theory), uma vez que uma das suas caraterísticas
prende-se com a análise das interações entre atores e não entre atributos dos
mesmos.
A ARS inclui, por norma, um conjunto de indicadores baseados em interações.
Scott (2000) identifica duas categorias de dados: os dados de atributo e os
dados relacionais. Enquanto os dados de atributo consideram as atitudes,
opiniões e comportamentos dos diferentes atores/consumidores, os dados
relacionais descrevem as ligações, agrupamentos e pontos em comum que
relacionam os diferentes atores/consumidores (e.g., arestas, direção e
intensidade, centralidade, densidade, conjuntos coesivos, buracos estruturais,
cliques, posições estruturais, clusters e outros).
Em termos metodológicos, ao contrário das técnicas da estatística clássica que
se baseiam no grau de independência dos atributos (i.e., tipificadas na
ausência de multicolinearidade), a ARS assume que os atores são
interdependentes, ou seja, assume que o comportamento e as atitudes dos
indivíduos devem ser analisados à luz de interações e respetivo posicionamento
num determinado sistema ou estrutura social. Neste sentido, dada a sua
natureza, as diversas ferramentas da estatística clássicas não se adequam ao
tratamento de dados relacionais (Wasserman e Faust, 1999). Isto é
particularmente notório caso se pretenda calcular o número de tríades presentes
numa rede que vão muito para além daquilo que é esperado, além do acaso. Ou
seja, o teste de hipóteses baseia-se no grau de interdependência de tríades e
não de díades.
Neste sentido, as medidas (ou indicadores) usados na ARS têm como objetivo
descrever e compreender as propriedades de uma determinada estrutura de
interações que ajudam a explicar questões de pesquisa de natureza mais
descritiva. Contudo, o comportamento social e as atitudes dos diferentes atores
(ou consumidores) são, por natureza, complexos.
Apreender as diferentes interações de uma rede social obriga, em alguns casos,
a uma análise dinâmica da mesma. Esta área remete para a vertente dinâmica das
redes que considera para efeitos de análise estruturas de natureza multimodal e
ligações multiplexas, tendo em conta um determinado contexto de incerteza. Em
última instância, a vertente dinâmica da rede preocupa-se em saber como é que
uma rede de relacionamentos evolui, como é que se altera e como se estabiliza
no decorrer do tempo.
Neste sentido, afigura-se indispensável recorrer a modelos estatísticos que
procurem apreender essa complexidade. Recentemente, o recurso a modelos
estatísticos do tipo p* (designados «pi star») têm vindo a ser utilizados com o
objetivo de descrever o nível de reciprocidade existente numa rede ' ou seja, o
grau de extensão a partir da qual a ligação entre A e B é recíproca para todos
os pares da rede, partindo do pressuposto de que o nível de reciprocidade numa
rede de relações é maior do que aquilo que se esperaria com base no acaso
(Contractor et al., 2006). Com a introdução das recentes tecnologias de
computação, a maioria dos algoritmos baseados em modelos de grafos exponenciais
aleatórios tem vindo a ser implementada em programas estatísticos específicos,
como é o caso da linguagem R («package sna»), UCInet, PNet, MultiNet e SIENA.
Conclusões, implicações e limitações
Uma das principais conclusões a retirar deste artigo, prende-se com o facto de
que as redes sociais podem proporcionar um melhor conhecimento da dinâmica de
interação entre diferentes atores (ou consumidores) e grupos de atores. Neste
sentido, numa ótica de marketing relacional, a ARS permite detetar padrões de
comportamento de compra específicos, padrões que são mais visíveis quando os
consumidores pertencem a uma estrutura em rede traduzida na partilha de
representações, sistemas de referência e de ações comuns. Esta afirmação está
na linha daquilo que Enemark et al. (2014) designam por problemas de ação
coletiva.
Por outro lado, os atores/consumidores que relevam uma dada configuração
estrutural em rede podem aceder de forma mais ou menos privilegiada a um
conjunto de oportunidades e/ou estar sujeitos a maiores ou menores
constrangimentos que orientam a sua própria ação.
É possível identificar consumidores ou subgrupos de consumidores mais
influentes (ou líderes de opinião) que, por norma, apresentam um posicionamento
mais central e, deste modo, constituem um veículo importante de transmissão
(word-of-mouth) de informação estratégica e tácita de marketing.
Assumindo que existem determinados grupos de consumidores que adotam mais
rapidamente novos produtos do que outros, é também de esperar que estes exerçam
uma maior influência e persuasão, traduzida numa alavancagem dos seus
relacionamentos (ou dinâmicas sociais). Neste sentido, a ARS pode ter um papel
importante porque considera a análise de tríades em detrimento de díades
tipicamente associadas ao marketing de relacionamento.
O conhecimento desta realidade tem importantes implicações para a prática do
marketing, uma vez que, após a identificação do posicionamento estrutural de
certos consumidores com base na natureza de determinado tipo de interações
(i.e., interesses comuns sobre a utilização de certos produtos, ligação
emocional com certos produtos), é possível desenvolver uma comunicação
especificamente direcionada para estes de modo a aumentar a notoriedade de uma
marca, bem como promover novos produtos.
A ARS permite também aferir comportamentos do tipo brokerageque podem resultar
de mecanismos de mobilidade social traduzidos na adoção das mesmas práticas de
consumo de grupos de referência. Conforme refere Iyengar et al. (2011), as
técnicas sociométricas permitem a identificação da verdadeira posição dos
líderes de opinião de forma mais eficaz do que as técnicas tradicionais.
Acresce referir que numa perspetiva teórica têm sido escassos os estudos
empíricos que exploram a ARS em contextos de word-of-mouthmarketing.
Numa perspetiva metodológica, este artigo defende também que apesar de a
principal unidade de análise se centrar na variável relação (ou interação), a
recolha de dados sobre atributos individuais (i.e., idade, sexo, ocupação,
rendimentos, etc.) pode ser também necessária para definir o perfil dos membros
de uma rede. A análise dos atributos contribui para a deteção de padrões de
homofilia dentro da própria rede que se refere à tendência para a constituição
de ligações sociais entre os membros de um determinado grupo uma vez que
partilham de um determinado atributo comum. A título ilustrativo, os
consumidores que têm a mesma idade e sexo podem revelar uma maior propensão
para adquirir o mesmo tipo de produtos. Este conceito de homofilia está na
génese do processo de segmentação dos mercados que é uma vertente crítica no
domínio do marketing.
Contudo, como seria de esperar, a ARS apresenta algumas limitações. As medidas
utilizadas no âmbito da ARS são descritivas e não explicam a razão e o porquê
de determinada estrutura em rede (ou morfologia) que vai para além do acaso.
Uma outra limitação prende-se com a diferença entre complete networks e ego-
networks. Enquanto as primeiras requerem uma análise completa a todos os
elementos da rede, o que significa que os dados têm de ser recolhidos de forma
intensiva, a mesma situação não se verifica nas redes tipo ego-networks em que
os relacionamentos são analisados na ótica de cada indivíduo (ego), podendo os
dados ser recolhidos com base numa amostragem do tipo snowball.
Para além da natureza sensível dos dados, a recolha de dados em rede pode ser
sensível em função do tempo. Quando uma determinada análise é conduzida para
avaliar o grau de efetividade de uma determinada intervenção para alterar a
estrutura de uma rede, afigura-se importante identificar o momento oportuno no
tempo (pré e pós-testes) entre uma intervenção específica numa dada rede e o
impacto que teve passado algum tempo nessa mesma rede (Hatala, 2006).
Finalmente, uma intervenção profunda numa dada rede social pode fazer com que
determinados atores da rede se ausentem da mesma, pelo que a sua ausência pode
comprometer a morfologia de interações existentes antes e depois e sobretudo
alterar a composição estrutural da própria rede. Por analogia com a análise dos
atributos («item to item» Nova Iorque), estas questões não se colocam porque a
unidade de análise é o próprio indivíduo ou organização.