Estratégias empresariais e gestão do desenvolvimento no sector de componentes
para automóvel
1. INTRODUÇÃO
A modernidade constitui uma descontinuidade em relação à era antecedente, de
tal modo que o cenário moderno é qualitativamente diferente do tradicional.
Grosso modo, a intensidade e a extensividade das transformações que marcam os
tempos modernos, ou seja, o ritmo e o alcance das mudanças na modernidade, não
só desconhecem qualquer equivalente nos períodos históricos anteriores como têm
um claro impacto sobre a competitividade das empresas (Giddens, 1992). É um
facto que, perante as actuais transformações sócio-económicas, as empresas têm
alterado significativamente o modo como gerem os recursos humanos. Todavia,
ainda persiste um hiato entre um discurso de gestão muito centrado na
valorização do factor humano e as práticas efectivamente desenvolvidas pelas
empresas. Objectivamente este hiato tem-se revelado de várias formas, entre as
quais se destaca, por exemplo, a análise em termos da gestão estratégica dos
recursos humanos, ou seja, da (des)articulação entre as estratégias de negócio
das empresas e as práticas efectivas ao nível dos seus recursos humanos
(Schuler e Jackson, 1987).
A definição do modelo de gestão pressupõe, assim, que a empresa pense e decida,
em cada momento do seu ciclo de vida, sobre as estratégias(onde se incluem os
objectivos das empresas) que lhe permita alcançar os objectivos definidos, bem
como as práticas de gestão dos recursos humanosque lhe estão associadas, num
processo de retroalimentação mútua. Dado que a qualificaçãodos recursos humanos
de uma entidade é um dos maiores garantes de sucesso do negócio, é necessário
manter presente que a gestão dos recursos não se esgota na contratação. É,
igualmente, importante manter os trabalhadores motivados no desempenho das
funções através de práticas de formação, de carreiras e de remuneração
qualificantes.
Este artigo tem por base uma investigação inserida no doutoramento em
Sociologia sob o tema Estratégias empresariais e gestão de recursos humanos.
Apresentamos aqui alguns dados sobre a relação entre estratégias empresariais e
algumas das práticas de gestão dos quadros superiores (QS) nas empresas do
sector de componentes para automóvel. Estruturalmente, começamos por traçar o
quadro teórico que sustenta a análise, seguindo-se uma referência à metodologia
utilizada e à apresentação dos resultados. Concluímos com uma síntese dos
resultados mais relevantes sobre as relações encontradas.
2. ENQUADRAMENTO TEÓRICO
2.1. CONCEITO E TIPOLOGIAS DE ESTRATÉGIA EMPRESARIAL
De significado diversificado, a estratégia é um conceito de grande utilização
no meio académico e empresarial, dotado de grande amplitude. De entre os muitos
significados do conceito estratégia, um dos mais utilizados é o de Thompson e
Strickland (2000), Wright (2000) e Chrisman (1988). Para Thompson e Strickland,
estratégia é um conjunto de mudanças competitivas e abordagens comerciais que
os gestores executam para atingir o melhor desempenho da empresa ( ) para
reforçar a posição da organização no mercado, promover a satisfação dos
clientes e atingir os objectivos de desempenho (Thompson e Strickland, 2000:
10). Wright define estratégia como planos de gestão com vista a alcançar
resultados consistentes com a missão e os objectivos gerais da organização.
Para Chrisman, estratégia «descreve as características fundamentais que as
organizações definem, tendo por base as suas competências, os seus recursos e
as oportunidades relativamente à envolvente externa, que lhes permitem traçar
metas e alcançar os seus objectivos» (Chrisman, 1988: 414). Estratégia é,
assim, a mobilização de todos os recursos da empresa visando atingir os
objectivos a curto, médio e longo prazos, decidindo sobre quais os recursos que
devem ser adquiridos e utilizados para que se possa tirar proveito das
oportunidades e minimizar os factores que ameaçam o alcance dos resultados
desejados.
A estratégia é, assim, a chave para desenvolver um negócio de forma eficaz e
eficiente. Isso pode ocorrer através do desenvolvimento de produtos diferentes,
serviços e mercados, e através, inclusive, da mudança da natureza inteira do
negócio. A estratégia ensina a empresa como fixar a direcção do negócio, uma
direcção para a qual devem ser envolvidos todos os intervenientes da
organização, desde o topo até à base, procurando dotar a empresa de vantagem
competitiva (Reading, 2002).
No que se refere às tipologias de análise, saliente-se a teoria desenvolvida
por Porter (1985, 1990), que remete para a análise dos padrões de concorrência
empresarial e das estratégias adoptadas pelas empresas para actuarem no mercado
e para obterem vantagem competitiva ' teoria da vantagem competitiva (Porter,
1985). A vantagem competitiva descreve, segundo Porter, o modo como uma empresa
pode escolher e implementar uma estratégia genérica a fim de obter e sustentar
uma posição de privilégio.
De acordo com o modelo de Porter (1985), ao lidar com as cinco forças
competitivas, as empresas podem ganhar vantagens competitivas baseadas em três
tipos de estratégias genéricas: baseada nos custos, diferenciação e foco/nicho.
A estratégia baseada nos custos traduz-se na procura de uma vantagem
competitiva em diversos segmentos industriais através da redução de custos. O
seu âmbito de actuação é alargado, procurando chegar a diversos segmentos em
simultâneo, geralmente com um produto standarda baixo custo para os clientes
que são sensíveis ao preço. A estratégia de diferenciação baseia-se na procura
de vantagem competitiva em diversos segmentos através da identificação das
características valorizadas pelos clientes. Optando por esta estratégia, a
empresa deve procurar ser única no seu sector no que respeita a algumas áreas
do produto/serviço mais valorizadas pelos consumidores, agrupados em diferentes
segmentos. A estratégia de foco/nicho reflecte-se na procura de vantagem
competitiva num só segmento ou num grupo de segmentos de mercado/industriais
pelos quais a empresa optou, excluindo os restantes segmentos. A estratégia de
foco pode ser dividida em foco no custo (obtem vantagem de custo no segmento) e
em foco na diferenciação (obtem diferenciação no segmento).
Partindo das premissas subjacentes ao trabalho de Porter sobre a estratégia
competitiva, Schuller e Jackson (1987), Treacy e Wiersema (1995) e Miles e Snow
(2003) desenvolvem três arquétipos da estratégia competitiva, estabelecendo
relações entre essas estratégias e as práticas de gestão de recursos humanos.
Para Schuller e Jackson existem três estratégias competitivas que as empresas
podem utilizar para ganhar vantagem competitiva: inovação, qualidade e redução
dos custos (Schuler e Jackson, 1987).
A estratégia de inovação é utilizada para desenvolver produtos e/ou serviços
diferentes dos seus concorrentes. O foco principal desta estratégia está na
oferta de algo novo e diferente. Dado que o imperativo para uma empresa que
prossiga uma estratégia de inovação é o de ser o único produtor, é, pois,
necessário criar condições para favorecer a inovação. A estratégia de
qualidade, que consiste em fazer bem sempre, é utilizada para a melhoria de
produtos e/ou serviços e de processos face aos seus concorrentes. O foco
principal nesta estratégia está, pois, no incremento da qualidade e não na
oferta de algo novo e diferente. Este tipo de estratégia pressupõe que os
trabalhadores estejam engajados com a qualidade e com a melhoria contínua. Na
estratégia de redução dos custosas empresas alcançam vantagens competitivas por
produzirem ao mais baixo custo. Uma posição de baixo custo produz, para as
empresas, retornos acima da média na sua indústria apesar da presença de
intensas forças competitivas ' a posição de custo dá à empresa uma defesa
contra a rivalidade dos concorrentes. Baixo custo em relação aos seus
concorrentes torna-se o tema central de toda esta estratégia, apesar da
qualidade, da assistência e outras áreas não poderem ser descuradas (Schuler e
Jackson, 1987).
Desenvolvimentos posteriores sobre a tipologia genérica de Porter foram também
feitos por Treacy e Wiersema (1995), os quais basearam as suas análises nas
teorizações de Porter. Para eles, qualquer estratégia, independentemente das
suas características mais específicas, pode ser classificada em uma de três
categorias: excelência operacional, inovação no produto e relação com o cliente
(Treacy e Wiersema, 1995).
A estratégia de excelência operacional é aplicada pelas empresas que competem
em mercados onde a relação qualidade/preço é a maior determinante da
competitividade de produtos ou serviços. Esta estratégia implica desenvolver e
colocar no mercado produtos/serviços que optimizem a relação qualidade/preço. A
rentabilidade da empresa é função directa da margem de lucro por produto e da
escala de produção. Corresponde, grosso modo, à estratégia baseada nos custos
na óptica de Porter. As empresas que competem com uma estratégia deinovação no
produto estão continuamente a investir para criar conceitos de produto
radicalmente novos para clientes e segmentos de mercado definidos. O que é
crítico para este tipo de empresas é a rápida concepção de novos produtos e de
seus respectivos processos de produção. É aí que fazem a sua diferenciação.
Finalmente, as empresas que adoptam a estratégia orientada para o cliente são
voltadas para as necessidades de clientes específicos e procuram especializar-
se no desenvolvimento de produtos, sistemas e soluções que correspondam aos
seus desejos. A aposta na melhoria da qualidade é factor diferenciador neste
tipo de estratégia.
Miles e Snow partem das teorizações de Porter para sustentarem as suas análises
sobre a relação entre as estratégias de negócio da empresa e as estruturas
organizacionais e os sistemas de gestão de recursos humanos (Miles e Snow,
2003). Ao analisarem as estratégias competitivas de empresas de diferentes
sectores, os autores identificam três tipos principias de comportamentos
estratégicos em função das características específicas das organizações: os
defensores, os prospectores e os analistas (Miles e Snow, 2003).
Os chamados defensores têm o domínio relativamente estreito e estável da
relação produto-mercado. O gestor de topo neste tipo de organização é um perito
na sua área de actuação, mas tende a procurar, fora do seu domínio,
oportunidades relativamente a novos produtos. Como consequência, estas
organizações raramente necessitam fazer grandes ajustes ao nível da tecnologia,
estrutura, ou métodos de trabalho, dedicando-se essencilamente a melhorar a
eficiência das operações existentes. Os designados prospectores caracterizam-se
pela procura incessante de novas oportunidades ao nível dos produtos e mercados
e, regularmente, procuram dar reposta às potenciais tendências ambientais
emergentes. Estas organizações estão frequentemente na primeira linha ao nível
da criação de mudanças e incerteza, às quais os seus concorrentes devem
responder. Dada a sua crescente preocupação com a inovação (produto e
processos), estas organizações não são completamente eficientes. Ao nível do
produto-mercado, os analistas operam em dois tipos de domínios principais: um
relativamente estável e outro inovador em constante mudança. No domínio
estável, estas organizações operam duma forma rotineira e eficiente através da
utilização de estruturas e processos formalizados. No domínio mais inovador, os
gestores-chave dedicam uma atenção especial aos seus concorrentes, na procura
incessante de ideias novas ' adoptando aquelas que parecem ser as mais
prometedoras e consistentes. Os analistas estão atentos às oportunidades de
diversificação, bem como às inovações do mercado e de produto (Miles e Snow,
2003).
2.2. GESTÃO DO DESENVOLVIMENTO: A FORMAÇÃO PROFISSIONAL E O DESENVOLVIMENTO DE
CARREIRAS
A crescente importância do capital humano no desenvolvimento das organizações
constitui um vector fundamental que marca as sociedades actuais. Por um lado,
eles formam um conjunto designado pelo conceito de capital intangível,
tornando indissociáveis as capacidades individuais das capacidades colectivas
de mudança. Por outro lado, a formação passa a ser uma componente essencial da
gestão de recursos humanos, no interior da organização. Através de uma política
de formação global, participada e interactiva, é possível construir uma visão
sobre o futuro da organização, dos seus objectivos, das suas estratégias e dos
seus valores. Este tipo de política pressupõe a optimização da formação nos
contextos de trabalho, que passa pela criação de ferramentas e dinâmicas
formativas.
A articulação entre as práticas formativas com os contextos de trabalho é
sustentada pelo reconhecimento do valor formativo do ambiente de trabalho.
Assim, diferentes autores incidem as suas análises na importância da dimensão
educativa da empresa (Pain, 1990), a qual tende a constituir-se como um
importante sistema educativo (Cannac, 1985) marcada pela excelência da formação
experiencial (Bonvalot, 1989).
A formação é um processo sistemático planeado que tem a ver com a aquisição de
conhecimento e de competências (Wexley e Latham, 2002). Esta definição faz
referência ao aspecto individual da formação e desenvolvimento, e pode ter em
vista os seguintes objectivos: aumentar os níveis de conhecimento; aumentar as
competências individuais; aumentar a motivação para o desempenho. A formação e
desenvolvimento são esforços planeados pelas organizações, com vista a
facilitar a aprendizagem, por parte dos seus trabalhadores, de competências
relacionadas com as suas funções (Wexley e Latham, 2002). Esta definição faz
referência ao aspecto organizacional da formação, através da qual se procura
desenvolver o desempenho e, com isso, melhorar a eficácia da organização.
A formação está, como vemos, intimamente relacionada com a aquisição de
competências. Entendemos que as competências designam conhecimentos e
capacidades que são mobilizados em situações profissionais ou contextos de
trabalho particulares (Suleman, 2007). Trata-se, pois, de conhecimentos e
capacidades que são estruturados em função de um problema a resolver (pode ser
uma actividade a realizar, um projecto a gerir, um conflito a resolver, etc.).
Como tal, a competência é caracterizada pela relação com a actividade/problema
a resolver e pela selecção e/ou estruturação dos conhecimentos e capacidades
para responder ao problema.
Com base nesta definição, os recursos e as competências integram um conjunto
diverso de conhecimentos e capacidades que as situações de trabalho tendem a
exigir. Integram uma dimensão teórica ' que permita a compreensão e a
familiaridade com determinados domínios científicos, técnicos, tecnológicos e
organizacionais; uma dimensão instrumental' relativa à aplicação prática de
saberes e de utilização de instrumentos, metodologias e estratégias; uma
dimensão social ' relativa a comportamentos no trabalho e de relação com os
outros; e uma dimensão cognitiva ' relativa ao desenvolvimento de capacidades
que estruturam a acção, que permitem aprender, raciocinar e tratar informação,
que não são observáveis directamente mas através dos comportamentos (Suleman,
1999).
Este último item está associado à política de formação e de mobilidade
profissional. É o conjunto destes conteúdos que permite identificar quais as
competências que se procuram desenvolver, ao nível dos QS, pela política de
formação e de mobilidade profissional das empresas. Para além disso, permite,
ainda, identificar o posicionamento das empresas no que se refere à existência
ou não de acções de formação profissional, ao tipo de acções realizadas, aos
factores e às modalidades de estímulo à formação profissional para os QS.
A aposta nos quadros mais qualificados é uma das esferas da empresa em que a
formação pode desencadear benefícios significativos dado que da sua
concretização depende, em grande medida, o desenvolvimento das suas carreiras
(Canário, 2000). Pretende-se, assim, manter uma cultura orientada para o
desenvolvimento de carreiras sustentada na formação e no desempenho ' uma
cultura que permita assegurar a progressão dos trabalhadores mais qualificados
num mercado dinâmico e cada vez mais competitivo (Coimbra et al., 2001).
A progressão individual e o desenvolvimento de carreiras surge como uma
excelente ferramenta de gestão para o desenvolvimento do Potencial Humano.
Alinhadas com os objectivos estratégicos do negócio e com a cultura
organizacional, criam valor para as organizações e oportunidades de realização
para os colaboradores através dos seguintes eixos de desenvolvimento:
aprendizagem pela experiência, aprendizagem pela formação e aprendizagem pela
prática (Balassiano e Costa, 2006).
Este modelo está intrinsecamente ligado à gestão do desempenho e aos processos
de detecção de gap´s de desenvolvimento. As metodologias de progressão e
desenvolvimento de carreiras, geradoras de elos de confiança e realização
profissional/pessoal na organização, potenciam as capacidades individuais, as
experiências, o conhecimento e os saberes adquiridos. Destacam-se, na
actualidade, a mobilidade funcional; a formação ' enfoque na melhoria do
desempenho e desenvolvimento de competências; o coaching e desenvolvimento
profissional ' associado ao balanço de competências; e os programas de gestão
de carreiras adaptáveis às expectativas dos profissionais, necessidades das
organizações e exigências da envolvente (Arthur et al., 2005).
Em síntese, o potencial formativo dos contextos de trabalho surje, na
actualidade, como condição fundamental para que a experiência dos seus
profissionais se converta em «saber». Deste ponto de vista, seria a
inteligência do acto de trabalho por aqueles que o realizam que asseguraria o
desenvolvimento da sua carreira (Barbier, 1992). É esta articulação, entre
modalidades de organização do trabalho, modalidades de organização da formação
e modalidades de desenvolvimento da carreira que tornam viáveis a produção
simultânea, por mútua interacção, de estratégias de mudança ao nível individual
e colectivo.
3. METODOLOGIA: TÉCNICAS DE INVESTIGAÇÃO E AMOSTRA
Para a realização deste estudo recorreu-se ao inquérito por questionário, pelo
qual se procurou caracterizar a condição empresarial das empresas do sector de
componentes para automóvel, recolhendo-se o essencial dos elementos necessários
para uma caracterização das dimensões «estratégias empresariais» (estratégia
principal) e «práticas de gestão» (formação e carreiras). Antes da aplicação do
inquérito foi realizado um pré-teste (a cinco empresas do sector) de forma a
validar o conjunto de questões nele inseridas.
Houve cuidados específicos na aplicação dos questionários. Primeiro, houve
necessidade de identificar as empresas do sector de componentes para automóvel.
Este processo foi efectuado a partir de duas bases de dados: uma fornecida pela
AFIA (Associação de Fabricantes para a Indústria Automóvel) e outra fornecida
pela Autoeuropa. Tal permitiu-nos identificar cerca de 170 empresas. Segundo,
houve necessidade de identificar quais as pessoas melhor colocadas para
responder ao questionário. Dado que o inquérito por questionário a aplicar
incidia sobre duas dimensões principais (caracterização geral/estratégias
empresariais e práticas de gestão de quadros), identificou-se como
interlocutores privilegiados o director geral e o responsável de recursos
humanos das empresas. Terceiro, houve a necessidade de recorrer a vários meios
para o contacto com os interlocutores: por telefone, carta e e-mail. Depois de
aceite a colaboração por parte da empresa, procedeu-se ao envio dos inquéritos
por questionário às 170 empresas através de e-mail ou por correio (em alguns
casos foi solicitada a presença do investigador, sendo o preenchimento do mesmo
feito presencialmente).
Para a análise dos dados do inquérito por questionário foi utilizado o programa
estatístico para as ciências sociais ' SPSS (Pereira, 1999; Pestana e Gageiro,
2005). As principais técnicas que foram utilizadas na análise são as que
passamos a caracterizar:
· Análise descritiva ' estudo das características não uniformes das unidades
observadas ou experimentadas;
· Correlação ' estatística que avalia a magnitude e direcção da associação ou
correlação entre duas variáveis sem que, no entanto, nenhuma delas seja tida
como dependente em relação à outra. O valor do coeficiente varia entre -1 e
1, valores negativos revelam que a alteração duma das variáveis num sentido
implica a alteração da outra em sentido contrário; valores iguais a zero
revelam a não existência de associação linear entre as duas variáveis; valores
superiores a zero revelam que alterações numa das variáveis implicam alterações
no mesmo sentido da outra variável (Pestana e Gageiro, 2005);
· Teste não-paramétrico (teste de kruskal wallis) ' aplica-se na relação entre
uma variável ordinal com uma dicotómica e é utilizado para testar a hipótese de
igualdade no que se refere à localização. Exemplo:Ho: As distribuições x são
iguais em tendência central; Ha: Existe pelo menos uma distribuição x que
difere em tendência central (Pestana e Gageiro, 2005);
· Análise de componentes principais ' técnica exploratória multivariada que
transforma um conjunto de variáveis correlacionadas num conjunto menor de
variáveis independentes, combinações lineares das variáveis originais,
designadas por componentes principais (Maroco, 2007:329);
· Análise factorial ' alfa de cronbach ' técnica de análise exploratória de
dados que tem por objectivo descobrir e analisar a estrutura de um conjunto de
variáveis interrelacionadas de modo a construir uma escala de medida para
factores que de alguma forma controlam as variáveis originais (Maroco, 2007:
361);
· Medidas de associação baseadas no qui-quadrado (coeficiente V de cramer) '
quando há relação de dependência entre duas variáveis, avalia-se o grau de
associação existente. As medidas para variáveis nominais são baseadas no Qui-
Quadrado (X2). Trata-se de um teste de significância estatística, ou seja,
permite determinar a probabilidade de que a associação observada entre duas
variáveis tenha ocorrido por acaso. Varia entre 0 e 1, significando
respectivamente a ausência de associação ou associação perfeita entre as
variáveis.
No que se refere à definição da amostra, o inquérito por questionário dirigiu-
se a empresas do sector de componentes para automóvel. A amostra teve como
aspecto principal na sua definição a adequação aos objectivos definidos
(Ghiglione e Matalon, 1992). E neste caso isso parece verificar-se, no sentido
em que a amostra cobre um leque amplo de empresas do sector de componentes para
automóvel, dispersas territorialmente pelo País e de várias dimensões. A
amostra do estudo é constituída por 72 empresas (das cerca de 170 empresas do
sector obteve-se uma taxa de resposta na ordem dos 42%).
Passamos à sua caracterização:
· quanto à dimensão, o grosso das empresas são PME's (15,3% são pequenas
empresas e 68,1% são empresas de média dimensão). Empresas de grande dimensão,
ou seja, com 500 ou mais trabalhadores temos 16,7%;
· quanto à distribuição territorial, apresenta uma forte concentração em quatro
distritos principais: 23 empresas no distrito de Setúbal (19 das quais em
Palmela); 14 em Lisboa; 9 em Aveiro; 8 no Porto e 4 em Évora. Surgem depois
três distritos com três empresas cada: Viana do Castelo, Viseu e Leiria. De
realçar a fraca existência de empresas deste sector no interior do País;
· quanto à actividade principal das empresas, destaca-se a grande diversidade
de actividades, embora se verifique uma grande concentração de empresas (29)
cuja actividade reside na produção de componentes automóveis (CAE ' 34300), e
(7) na transformação/comercialização de plásticos para automóveis (CAE '
25240). Para além destas duas, existem ainda mais 22 actividades referenciadas
(onde se incluem uma, duas ou três empresas);
· quanto à composição do capital, as empresas consideradas são maioritariamente
de capital privado estrangeiro, ou seja, 58,3% das empresas são exclusivamente
de capital privado estrangeiro. Cerca de 13,9% das empresas possui 100% de
capital privado nacional, e 8,3% das empresas possuem exclusivamente capital
público.
4. RESULTADOS DO ESTUDO EMPÍRICO
4.1. SOBRE AS ESTRATÉGIAS EMPRESARIAIS
Começamos por caracterizar as empresas quanto à sua estratégia. No que se
refere às variáveis utilizadas para concretizar a dimensão «estratégias
empresariais», tendo por base a revisão da literatura, formulou-se a seguinte
questão: Qual a estratégia principal da empresa para se adaptar ao mercado?
Identificaram-se quatro opções de resposta: estratégia centrada no baixo custo;
estratégia centrada na melhoria da qualidade; estratégia centrada na inovação;
estratégia de foco; outra estratégia? Os tipos de estratégia considerados no
inquérito por questionário remetem para os desenvolvimentos da teoria das
vantagens competitivas de Porter (Porter, 1980, 1985; Schuler e Jackson, 1987;
Treacy e Wiersema, 1995). Esta teoria assenta num modelo de competitividade
dinâmico, definido por três tipos de estratégias: a estratégia baseada nos
custos; a estratégia baseada na diferenciação; e a estratégia de foco. A
estratégia de foco foi retirada do inquérito, depois de realizado o pré-teste,
dado não permitir diferenciar as empresas.
Os resultados do inquérito apontam para uma significativa percentagem de
empresas que apostam na diferenciação pela qualidade. Com efeito, do conjunto
das empresas do sector de componentes para automóvel, 54,2% centram a sua
estratégia na qualidade, 23,6% centram a sua estratégia no baixo custo e 22,2%
centram a sua estratégia na inovação.
4.2. SOBRE A FORMAÇÃO PROFISSIONAL
No que se refere às questões directamente relacionadas com as práticas de
«formação profissional», procurou-se analisar as mesmas tendo por base as
seguintes variáveis: promoção de formação profissional (últimos 3 anos); tipo
de formação profissional; número de acções de formação profissional; número de
horas de formação profissional; razões para a realização de formação
profissional; competências a desenvolver na formação profissional.
4.2.1. REALIZAÇÃO DE FORMAÇÃO PROFISSIONAL PARA OS QS
Relativamente à formação profissional procurou-se identificar se as empresas
promoveram acções de formação profissional para os QS nos últimos três anos,
diferenciando-os por perfis (perfil técnico ' funções direccionadas para
actividades que têm de ser realizadas, inserindo-se nas tarefas de execução,
técnicas e operativas; perfil de liderança ' define as relações dos quadros com
os seus subordinados em termos de motivação, liderança, iniciativa) (Maurel,
2006).
Os resultados da tabela seguinte mostram que a grande maioria das empresas
promoveu formação profissional nos últimos três anos para os QS, não
evidenciando grandes diferenças de acordo com os perfis considerados (QS com
perfil técnico ' 90,1%; QS com perfil de liderança ' 88,7% das empresas).
Todavia, as diferenças são evidentes se compararmos a realização de formação
profissional face à estratégia empresarial.
Tabela 1 ' Promoção de formação profissional por estratégia empresarial
Ou seja, a promoção de formação profissional é maior em empresas que preconizam
uma estratégia de qualidade e de inovação. Com efeito, independentemente do
perfil considerado, a quase totalidade das empresas com estes dois tipos de
estratégia promoveu formação profissional para os seus QS. Quanto às empresas
com estratégia de baixo custo, apesar de maioritariamente promoverem formação
profissional nos últimos três anos, uma grande percentagem (41,2%) não promoveu
qualquer acção de formação.
Os resultados de associação de V de Cramer mostra claramente que a promoção de
formação profissional para os QS diverge entre as empresas que adoptam uma
estratégia de baixo custo face às que adoptam uma estratégia de qualidade e
inovação. Existe associação estatisticamente significativa entre o tipo de
estratégia e a promoção de formação profissional (V de Cramer=.589, p<.01 para
QS com perfil técnico; V de Cramer=.532, p<.01 para QS com perfil liderança).
4.2.2. TIPO DE FORMAÇÃO PROFISSIONAL PARA OS QS
Procurámos também identificar qual o tipo de formação profissional predominante
consoante o perfil associado aos QS. Como mostra a tabela 2, o tipo de formação
profissional para os QS varia significativamente de acordo com as funções
exercidas por estes, ou seja, de acordo com o perfil considerado.
Tabela 2 ' Tipo de formação profissional por perfil dos QS
Explicitando, para os QS com perfil técnico as empresas privilegiam, sobretudo,
a formação através de congressos, seminários e feiras (49,2%), seguido da
formação no posto de trabalho (21,5%) e da formação em sala (21,5%). Já ao
nível dos QS com perfil de liderança, as empresas privilegiam a formação em
sala (45,3%), seguida da formação através de congressos, seminários e
feiras. Registe-se a pouca apetência das empresas consideradas pela formação
através de estágios(0,0% respectivamente) e pela formação outdoor (6,2% e
18,8% respectivamente).
Procuramos, seguidamente, verificar a relação entre o tipo de formação
profissional e a estratégia principal adoptada pelas empresas (Tabela 3).
Tabela 3 ' Tipo de formação profissional por estratégia empresarial
Da análise da tabela 3 depreende-se que, ao nível dos QS com perfil técnico, o
tipo de formação privilegiado pelas empresas de baixo custo assenta na
formação em sala e na formação no posto de trabalho (41,7%
respectivamente). Enquanto as empresas com estratégia de inovação e de
qualidade assentam as suas acções de formação nos congressos, seminários e
feiras (56,8% e 62,5% respectivamente).
Ao nível dos QS com perfil de liderança, o tipo de formação profissional
efectuada varia, sobretudo, entre as empresas com estratégia de baixo custo e
de qualidade e as empresas de inovação. Enquanto nas primeiras predominam as
acções de formação em sala (75,0% e 52,8% respectivamente), nas segundas
privilegia-se a formação através de congressos, seminários e feiras (50,0%) e
a formação outdoor (43,8%).
O teste V de Cramer revelou existir diferenças estatisticamente significativas
entre as empresas que adoptaram predominantemente uma das estratégias sob
estudo quanto ao tipo de formação profissional privilegiado, pelo que podemos
afirmar que existe associação entre o tipo de estratégia e o tipo de formação
profissional (V de Cramer=.344, p<.05 para QS com perfil técnico; e V de
Cramer=.369, p<.01 para QS com perfil de liderança).
4.2.3. ACÇÕES DE FORMAÇÃO PROFISSIONAL PARA OS QS
Identificámos ainda qual o número de acções de formação profissional, per
capita, para QS com perfil técnico e de liderança. Para o efeito foi realizada
uma escala de Likert de 3 pontos cotada entre uma acção de formação até mais
de 5 acções de formação.
Ao nível dos QS, nos últimos 3 anos, as empresas realizaram maioritariamente
entre 2 a 5 acções de formação profissional, independentemente dos perfis
considerados (QS com perfil técnico ' 59,4% das empresas, e QS com perfil de
liderança ' 61,9% das empresas). Referência ainda para a percentagem
considerável de empresas que realizaram mais de 5 acções de formação
profissional nos últimos 3 anos (QS com perfil técnico ' 25,0%; QS com perfil
de liderança ' 23,8%).
Se considerarmos a formação por tipo de estratégia, o teste de Kruskal Wallis
revela que não existem diferenças estatisticamente significativas (X2=5,343,
2gl, p>.05) entre as empresas que adoptaram predominantemente uma das
estratégias sob estudo quanto ao número de acções per capita dadas aos QS com
perfil técnico. Porém, para os QS com perfil de liderança/gestão de equipas, o
número de acções de formação dadas difere consoante a estratégia empresarial
(X2=8,167, 2gl, p<.05).
A este nível, o gráfico seguinte mostra que as empresas com estratégia de
inovação são as que mais apostam na formação (pensada em termos de número de
acções), seguidas das que adoptam estratégia de qualidade, ambas com resposta
modal na categoria 2 a 5 acções per capita. Finalmente, as empresas que adoptam
estratégia de baixo custo têm o menor investimento em número de acções de
formação, com moda situada em apenas 1 formação per capita para os QS com
perfil de liderança (Gráfico 1).
Gráfico 1 – Acções de formação profissional para os QS com perfi l de liderança
por estratégia empresarial
4.2.4. HORAS DE FORMAÇÃO PROFISSIONAL PARA OS QS
Procurámos identificar qual o número de horas de formação profissional per
capita para os QS com perfil técnico e de liderança, nos últimos 3 anos. Para
tal foi realizada uma escala de Likert de 4 pontos cotada entre < 50 horas de
formação até mais de 200 horas de formação. As empresas em estudo realizaram
maioritariamente entre 50 a 99 horas de formação profissional,
independentemente dos perfis considerados (perfil técnico ' 40,6% das empresas,
e perfil de liderança ' 47,6% das empresas).
O teste de Kruskal Wallis revelou que não existem diferenças estatisticamente
significativas (X2=4,782, 2gl, p>.05) entre as empresas que adoptaram
predominantemente uma das estratégias sob estudo quanto ao número de horas per
capita para os QS com perfil técnico. Porém, para os QS com perfil de
liderança, o número de horas de formação difere por estratégia empresarial
(X2=7,653, 2gl, p<.05).
Para este caso, os resultados indicam que as empresas com estratégia de
inovação são as que mais apostam na formação, seguidas das que adoptam
estratégia de qualidade, ambas com resposta modal na categoria 100 a 200
horas de formação per capita. Finalmente, as empresas que adoptam estratégia de
baixo custo têm o menor investimento em número de horas de formação, com moda
situada no intervalo de < 50 horas e 50 a 99 horas de formação per capita
(Gráfico 2).
Gráfico 2 – Horas de formação profissional para os QS com perfil de liderança
por estratégia empresarial
4.2.5. RELAÇÃO ENTRE O Nº ACÇÕES E Nº HORAS DE FORMAÇÃO PROFISSIONAL PARA OS QS
Pensar o investimento em formação em termos de número de acções pode diferir de
pensá-lo em termos de duração das mesmas, já que ambas poderão ser
independentes entre si.
No sentido de averiguar se há práticas de formação muito diferenciadas (poucas
acções de formação de longa duração, ou muitas de curta duração) procedemos a
um teste de associação entre estas duas variáveis para os QS com perfil
predominantemente técnico e de liderança. Em ambos os casos encontrámos
associações positivas e estatisticamente significativas (com um r de Spearman
de .681 para QS com perfil técnico, e de .643 para QS com perfil de liderança,
ambos significativos para p<.01).
Neste sentido, se estivermos a falar de empresas que concederam apenas 1 acção
de formação profissional para os QS, o número de horas tende a situar-se nos
itens < 50 e 50 a 99 horas de formação, independentemente do perfil
considerado. Não havendo nenhuma empresa que tenha realizado apenas uma acção
de formação com 100 ou mais horas. A tendência é para o número de horas
aumentar à medida que se aumenta o número de acções de formação, corroborando a
associação constatada anteriormente.
4.2.6. RAZÕES PARA A REALIZAÇÃO DE FORMAÇÃO PROFISSIONAL PARA OS QS
Quanto às razões para a realização de formação profissional para os QS foi
solicitado que se categorizassem em termos de grau de importância. Foi
realizada uma escala de Likert de 4 pontos cotada entre nada importante até
muito importante.Os itens são categorizados de forma independente já que
podem co-ocorrer com o mesmo grau de importância. Passamos à análise descritiva
dos mesmos:
Os resultados do gráfico 3 indicam que os itens mais importantes, tomados como
aqueles que se apresentam acima da média do grupo para todos os itens (2.9),
são: aumento da competitividade/produtividade, introdução de novos modos de
organizar o trabalho, melhoria da qualidade a prestar ao cliente, introdução/
mudança de equipamentos, melhoria/introdução de novos produtos e identificação
com os objectivos da empresa. Estes são os motivos mais valorizados pelas
empresas. Os menos valorizados são alteração da estrutura e as mudanças no
planeamento, controlo e gestão da produção.
Gráfico 3 – Factores para a realização de formação profissional
Posteriormente, analisamos os componentes principais dos itens relacionados com
as razões para a realização de formação profissional ao nível dos QS (Tabela
4).
Tabela 4 ' Análise de componentes principais (a)
Nesta solução existe um conjunto formado pela introdução/mudança dos
equipamentos, introdução de novos modos de organizar o trabalho, melhoria/
introdução novos produtos e aumento competitividade/produtividade, cujo
indicador de consistência interna é bastante elevado (Alfa de Cronbach=.918).
São itens que remetem para a inovação para a competitividade. Depois existe um
conjunto formado pela identificação com objectivos empresa, melhoria qualidade
serviços ao cliente e pelo reforço adaptabilidade trabalhadores, cujo indicador
de consistência interna é elevado (Alfa de Cronbach=.808). Estes itens remetem
para a mobilização dos recursos humanos. E, finalmente, surge um conjunto
formado pelas mudanças no planeamento/controlo/gestão/produção e pela alteração
da estrutura empresa que, com consistência interna um pouco abaixo do aceitável
(Alfa de Cronbach=.652), parece remeter para a mudança estrutural. Os factores
encontrados encontra-se suportada na literatura revista uma vez que são
considerados centrais nas responsabilidades de gestão dos quadros (Mintzberg,
2000; Huy, 2001).
Partindo da análise dos factores encontrados pela análise factorial
exploratória apresentada, procedemos à comparação das médias nestes factores
entre as empresas com diferentes estratégias principais. Os resultados mostram
que existem diferenças de média entre as empresas com estratégias diferentes
para o caso da inovação para a competitividade [F(2, 68)=11.561, p=.000], com
os testes Post Hoc (Bonferroni, Scheffe e Tukey) a revelarem existir diferenças
estatisticamente significativas entre empresas (empresas com estratégia de
inovação/baixo custo). Para o caso da mobilização dos recursos humanos e da
mudança estrutural não existem diferenças estatisticamente significativas.
4.2.7. COMPETÊNCIAS A DESENVOLVER NA FORMAÇÃO PROFISSIONAL PARA OS QS
Ao nível da formação profissional procurámos identificar quais as competências
que se procuram desenvolver para os QS de modo predominante, distinguindo entre
quadros que exercem funções técnicas (perfil técnico) e quadros com funções de
liderança (perfil de liderança). Os resultados indicam que as competências a
desenvolver na formação para os QS apresentam diferenças de acordo com os seus
perfis.
Ao nível dos QS com perfil técnico (Gráfico 4), os itens mais importantes,
aqueles que se apresentam acima da média do grupo (1,45) são conhecimentos
técnicos e tecnológicos. Seguem-se a orientação para os resultados, a
capacidade de identificar e resolver problemas, trabalhar em equipa, adaptar-se
à mudança, e planear/organizar/controlar o trabalho. Estas parecem ser as
competências-alvo da formação profissional para os QS. As restantes situam-se
abaixo da média.
Gráfico 4 – Competências a desenvolver com a formação profissional para os QS
com perfil técnico
Ao nível dos QS com perfil de liderança (Gráfico 5), os itens mais importantes,
tomados como aqueles que se apresentam acima da média do grupo (1,66) são:
capacidade de liderança, orientação para os resultados, capacidade de
identificar e resolver problemas, trabalhar em equipa e planear/organizar/
controlar o trabalho. Todas as restantes competências situam-se abaixo da
média, sendo as menos desenvolvidas com a formação profissional: seleccionar e
processar informação, ser flexível, capacidade de raciocínio, agir de forma
rápida e capacidade de aprendizagem.
Gráfico 5 – Competências a desenvolver com a formação profissional para os QS
com perfil de liderança
Posteriormente, procurámos relacionar as competências que se procuram
desenvolver com a formação profissional para os QS com a estratégia
empresarial. Aqui os testes realizados (Qui-Quadrado e V de Cramer) revelaram
não existir diferenças estatisticamente significativas. Podemos, assim, afirmar
que as competências a desenvolver com as acções de formação profissional são
uma «invariante» nas empresas do sector de componentes para automóvel, que não
dependem da estratégia empresarial.
3.2.8. MODALIDADE DE ESTÍMULO À FORMAÇÃO PROFISSIONAL PARA OS QS
Quanto às modalidades de estímulo à formação profissional promovidas pelas
empresas, refira-se que a ênfase é dada ao apoio financeiro por iniciativa da
empresa (praticado por 79,2% das empresas). Todas as restantes formas de
estímulo à formação profissional são pouco praticadas, evidenciando-se aqui o
reconhecimento salarial, apenas considerado por 8,3% das empresas (Tabela 5).
Tabela 5 ' Modalidades de Estímulo à Formação Profissional para os QS por Tipo
de Estratégia
Considerando as formas de estímulo à formação profissional por estratégia
empresarial, constatamos que apenas a implicação da formação na progressão/
promoção apresenta diferenças significativas entre as empresas, sendo
privilegiada nas empresas com estratégia assentes na inovação (62,5%).
Com efeito, à excepção deste item, os testes aplicados revelaram não existir
diferenças estatisticamente significativas entre as empresas agrupadas por tipo
de estratégia. Podemos, assim, afirmar que, ao nível do estímulo à formação
profissional, apenas a implicação da formação na progressão/promoção (X2=6,984,
2gl, p<.05) está associada e depende do tipo de estratégia implementada nas
empresas do sector de componentes para automóvel. A variação assenta no binómio
empresas com estratégia de inovação versus empresas com estratégia de baixo
custo e qualidade.
4.3. SOBRE A GESTÃO DE CARREIRAS
No que se refere às questões directamente relacionadas com as práticas de
«gestão de carreiras», procurou-se analisar as mesmas tendo por base as
seguintes variáveis: processos de desenvolvimento de carreiras; modalidades de
progressão na carreira.
4.3.1. PROCESSOS DE DESENVOLVIMENTO DE CARREIRAS DOS QS
Ao nível do desenvolvimento de carreiras procurámos identificar quais os
processos aplicados pelas empresas para os QS (Gráfico 6). Para a generalidade
das empresas, os itens da gestão de carreiras mais referidos, tomados como
aqueles que se apresentam acima da média do grupo (1,44), são a avaliação da
carreira pela empresa (1,736), o aperfeiçoamento da carreira através de
programas de formação (1,542) e o aperfeiçoamento da carreira através de
preparação individual. Os demais processos situam-se abaixo da média. A
orientação da carreira através dos serviços de informação (1,139), o
aperfeiçoamento da carreira através da rotatividade entre postos de trabalho
(1,347) e a avaliação da carreira feita pelo trabalhador (1,417) são os
processos menos valorizados.
Gráfico 6 – Processos de gestão de carreiras aplicados aos QS
Considerando os processos de desenvolvimento de carreiras por estratégia
empresarial, constatamos algumas diferenças, sobretudo, quanto à avaliação da
carreira feita pelo trabalhador, ao aperfeiçoamento da carreira através da
preparação individual e ao aperfeiçoamento da carreira através de programas de
formação (Tabela 6).
Tabela 6 ' Processos de gestão de carreiras dos QS por estratégia empresarial
A avaliação da carreira feita pelo trabalhador é um processo preferencialmente
aplicado às empresas que assentam a sua estratégia na inovação (68,8%). Quanto
ao aperfeiçoamento da carreira através da preparação individual e ao
aperfeiçoamento da carreira através de programas de formação, a variação é
segundo o binómio empresas de qualidade e de inovação versus empresas de
baixo custo, ou seja, são processos cuja aplicação é significativamente
superior nas primeiras. A sua aplicação é bastante reduzida nas empresas de
baixo custo (76,5% das empresas não aplicam este processo).
Os testes aplicados revelaram existir diferenças estatisticamente
significativas entre as estratégias das empresas quanto à avaliação da carreira
feita pelo trabalhador (X2=7,294, 2gl, p<.05), ao aperfeiçoamento da carreira
através da preparação individual (X2=6,068, 2gl, p<.05) e ao aperfeiçoamento
da carreira através de programas de formação (X2=8,426, 2gl, p<.05), pelo que
podemos afirmar que estes processos de desenvolvimento de carreiras variam e
dependem da estratégia empresarial preconizada. Os restantes processos não
apresentam associação estatisticamente significativa com o tipo de estratégia.
4.3.2. MODALIDADES DE PROGRESSÃO DOS QS
Para as modalidades de progressão na carreira dos QS, foram identificados
quatro tipos de progressão, tendo sido solicitado que as categorizassem em
termos de importância. Para o efeito foi realizada uma escala de Likert de 4
pontos cotada entre nada importante até muito importante.
A análise dos itens relativos às práticas de promoção e progressão revela
inadequação para efeitos de agregação (KMO=.523) sendo a matriz de correlações
a seguinte:
Estas revelam uma lógica de resposta que remete para a associação positiva
(r=.347, p<.01) entre a progressão por aquisição de diploma e por conclusão de
formação profissional (que remetem para um mesmo tipo de validação das
competências) enquanto que a progressão por mérito surge negativamente
associada à progressão por antiguidade (r=-.327, p<.01), que com efeito parece
remeter para a incompatibilidade entre estes dois critérios.
Passando à descrição das modalidades de progressão dos QS, os resultados
indicam que o item mais importante, aquele que se apresenta acima da média do
grupo para todos os itens (2.6) é a progressão por desempenho e mérito (3.87).
Esta parece ser, sem dúvida, a modalidade de progressão mais valorizada pelos
respondentes. As menos valorizadas são por ordem crescente, progressão por
antiguidade (1.94), progressão por conclusão de curso de formação profissional
(2.21) e progressão por aquisição de diploma escolar (2.24).
As importâncias médias dos descritivos das modalidades de progressão dos QS
indicam claramente uma valorização do desempenho e do mérito na ascensão na
carreira dos QS, em detrimento das tradicionais modalidades, nomeadamente, da
antiguidade, claramente a modalidade menos valorizada pelas empresas.
Procurando relacionar as modalidades de progressão com a estratégia
empresarial, o teste de Kruskal Wallis revela que não existem diferenças
estatisticamente significativas entre a estratégia adoptada pelas empresas
quanto à valorização das modalidades de progressão na carreira (Kruskal Wallis,
p>.05 para todos os itens).
5. PRINCIPAIS CONCLUSÕES
O objectivo principal deste estudo foi o de captar as principais relações entre
estratégia e as práticas de desenvolvimentodos QSno sector de componentes para
automóvel. As empresas revelaram possuir diferentes estratégias e diferentes
práticas ao nível da formação profissional e da gestão de carreiras, os quais
estão corporizados em algumas das diferentes dimensões analíticas consideradas.
Especificando:
a) as empresas com estratégia de inovação e de qualidade realizaram
maioritariamente acções de formação profissional para os seus QS; nas empresas
com estratégia de baixo custo existe um equilíbrio entre as empresas que
realizaram e que não realizaram acções de formação profissional para os QS;
b) as empresas com estratégia de qualidade e de inovação privilegiam acções de
formação profissional realizadas em congressos, seminários e feiras, para os QS
com perfil técnico. As empresas com estratégia de baixo custo privilegiam a
formação em sala e no posto de trabalho;
c) as empresas com estratégia de qualidade e inovação realizaram
maioritariamente entre 2 a 5 acções de formação profissional para os QS com
perfil de liderança; as empresas com estratégia de baixo custo realizaram
maioritariamente 1 acção de formação profissional para os mesmos quadros;
d) as empresas com estratégia de qualidade e de inovação realizaram
maioritariamente entre 100 a 200 horas de formação profissional para os QS com
perfil de liderança; as empresas com estratégia de baixo custo realizaram
maioritariamente entre 50 a 99 horas de formação profissional para esses
quadros;
e) as razões para a realização de formação profissional dos QS divergem de
forma significativa para as empresas com estratégia de inovação (inovação para
a competitividade);
f) a avaliação da carreira feita pelo trabalhador é um processo aplicado
sobretudo às empresas que assentam a sua estratégia na inovação. Quanto ao
aperfeiçoamento da carreira através da preparação individual e ao
aperfeiçoamento da carreira através de programas de formação, a variação é
segundo o binómio empresas de qualidade e de inovação versus empresas de
baixo custo, ou seja, são processos cuja aplicação é significativamente
superior nas primeiras.
g) as modalidades de progressão dos QS indicam claramente uma valorização do
desempenho e do mérito na ascensão na carreira dos QS, em detrimento das
tradicionais modalidades (e.g. a antiguidade é claramente a modalidade menos
valorizada pelas empresas).
Dos resultados apresentados conclui-se que as empresas do sector de componentes
para automóvel fazem depender as práticas de gestão da formação e das carreiras
para os seus QS das estratégias adoptadas e implementadas.
Nas empresas com estratégia de qualidade e de inovação, por comparação com as
empresas com estratégia de baixo custo, as práticas desenvolvidas revelam uma
aposta/valorização clara dos seus QS. No plano da gestão da formação e das
carreiras dos QS, as práticas concebidas e implementadas remetem principalmente
para o que alguns autores denominam por «práticas de trabalho de elevado
desempenho» ou «high-performance work system»(Becker et al., 2001; Ciavarella,
2003). Ou seja, identificam-se um conjunto de práticas que, regra geral, são
integradas no sistema como um todo, como sejam a aposta na formação
profissional (pensada em número de acções e número de horas), a aposta no
desenvolvimento de carreira e a progressão na carreira contigente ao
desempenho.
A articulação entre as estratégias empresariais e as práticas de gestão, para
os QS, é uma consequência do próprio processo de formulação e implementação
estratégica. Essa articulação depende, ainda, do papel dos QS enquanto agentes
de desenvolvimento estratégico das empresas. Neste sentido, ao possuírem
diferentes estratégias de negócio, as empresas do sector de componentes para
automóvel revelaram, também, possuir diferentes formas de as preconizar no que
se refere às práticas de gestão da formação e de gestão das carreiras dos seus
quadros. Ambas (estratégia empresarial e gestão da formação/carreiras)
sustentam e são sustentados por si e entre si.
Compreender a importância da articulação entre as práticas de gestão do
desenvolvimento dos quadros e as estratégias empresariais é relevante para
avaliar a importância da área de recursos humanos e para planear mudanças de
posicionamento. Neste sentido, considerando as análises efectuadas e as
conclusões formuladas, novos estudos sobre a relação entre práticas de gestão e
estratégias empresariais podem ser recomendados. Apresentamos algumas
sugestões:
· estudos (exploratórios e confirmatórios) em empresas de diferentes sectores
de actividade, para uma melhor compreensão do papel dos quadros enquanto
agentes estratégicos de desenvolvimento;
· estudos (exploratórios e confirmatórios) em empresas de diferentes sectores
de actividade, para uma melhor compreensão dos efeitos da gestão do
desenvolvimento de quadros e das estratégias empresariais na performance
organizacional;
· estudos comparativos entre as práticas de gestão do desenvolvimento de outros
grupos profissionais em empresas de diferentes sectores de actividade.
· a partir da formulação de uma tipologia genérica sobre as relações entre
estratégias empresariais e práticas de gestão do desenvolvimento de quadros,
empreender uma investigação que procure testar essa tipologia numa amostra
representativa de organizações, permitindo efectuar generalizações.
Tabela 7 ' Correlação entre as modalidades de progressão dos QS
Em função da importância e da complexidade do tema, inúmeros percursos de
investigação podem ser seguidos por investigadores interessados na sua
exploração. Esta linha de investigação constitui um campo profícuo para o
desenvolvimento de outros estudos. Assim sendo, este estudo teve como objectivo
principal explorar e lançar novas luzes sobre um tema complexo, mas ao mesmo
tempo estratégico para as empresas.