Quem Retuita Quem? Papéis de ativistas, celebridades e imprensa durante os
protestosbr no Twitter
Introdução
Os protestos que ocorreram no Brasil a partir de junho de 2013 foram objeto de
inúmeros debates e mensagens nos sites de rede social2. Informações diversas
circularam em sites como o Twitter, tanto a partir de veículos de imprensa
quanto a partir de pessoas que estavam tuitando a partir dos locais dos
protestos, ou, ainda, por aqueles que compartilhavam as mensagens a partir de
suas casas. De diferentes lugares e por diferentes motivações, diversos atores
sociais contribuíram para a cobertura dos protestos.
Inicialmente constituídos como um movimento contra o aumento das passagens de
transporte público, os protestos multiplicaram-se durante o mês e aumentaram
seu escopo de demandas, incluindo também manifestações contra os gastos com
infraestrutura para eventos esportivos internacionais a serem realizados no
país3, corrupção, saúde e educação4 e etc. Durante os protestos, sites como
Twitter e Facebook exerceram um papel importante na articulação e reverberação
dos mesmos5, não apenas para os participantes do evento mas, igualmente, para
quem não estava presente, como uma forma de poder acompanhar o que estava
acontecendo nas ruas.
Nesse contexto, aqui discutimos os protestos ocorridos no Brasil a partir de
dados coletados no Twitter nos meses de junho e julho de 2013. Nosso objetivo é
explorar a dinâmica de difusão de informações do protestos focando os tipos de
atores mais envolvidos na propagação das informações. Assim, a questão que guia
este trabalho é: Como a participação de diferentes tipos de atores atou na
difusão de informações nos protestos no Twitter? A partir deste foco,
pretendemos também explorar como essa atuação relaciona-se com a localização
geográfica desses atores durante os eventos e que tipos de discursos são
construídos.
Protestos, Participação, Difusão de Informações e Twitter
A temática do papel dos sites de rede social em protestos políticos não é nova.
Vários autores têm focado esses eventos, buscando compreender melhor essa
influência, especialmente devido ao seu espalhamento no mundo. Assim, o
movimento Occupy, por exemplo, foi estudado por Gleason (2013); os Indignados,
na Espanha, aparecem nos trabalhos de Vallina-Rodriguez, Scelatto, Haddadi,
Forsell, Crowcroft e Mascolo (2011) e Toret (2012); bem como outras obras
discutem essa articulação também no Brasil (como Malini & Antoun, 2013).
Sabe-se que esses movimentos usam sites de rede social para articular e
reverberar suas ações (Castells, 2012; Malini & Antoun, 2013). A estrutura
horizontalizada, proporcionada pela mídia digital, bem como a democratização de
seu acesso têm, também, um papel na adoção dessas ferramentas nesses contextos.
Indivíduos e grupos usam o espaço das redes sociais para participar e conferir
novos papéis para essas tecnologias. Entretanto, antes de discutir esses
papéis, precisamos focar a questão da participação.
Participação e Ativismo Digital
Em um contexto de ativismo digital, diferentes atores e papéis podem ser
identificados à medida em que os usuários se apropriam dos espaços sociais para
a propagação de informações. Neste trabalho, interessam-nos particularmente os
papéis relacionados à participação a partir de sites de rede social.
Bordenave (1983), em seu trabalho clássico, já explicitava a participação como
uma ação democrática, onde não basta "tomar parte", mas onde é preciso também
observar-se "como" se toma parte em algo. Neste caso, por focarmos a
participação em ações coletivas de protesto no Brasil, cabe também questionar:
Que tipo de participação podemos observar neste contexto, diante das mídias
digitais?
Zago e Batista (2009), discutindo as Google Bombs como formas de ação coletiva
no digital, explicitam essa questão, explorando ainda as motivações para a
participação com base na percepção de valores de capital social. Para os
autores, a participação em ações no espaço digital é potencializada pelas
conexões que são sustentadas pelos sites de rede social.
Há estudos que focam em um tipo específico de participação que interessa
particularmente a este trabalho: o uso do Twitter para a cobertura ao vivo de
eventos, como em Hawthorne, Houston e McKinney (2013: 552). Para os autores,
"Tuitar ao vivo oferece aos usuários uma oportunidade de se envolver em
uma conversação pública sobre eventos políticos e com isso potencialmente
influenciar o enquadramento do que ocorreu" (tradução nossa)6. Ao fazer
isso, esses que estão participando/acompanhando o evento permitem outros tipos
de participação por outras pessoas que não estão acompanhando diretamente o
acontecimento.
Ao estudar o movimento Occupy, o estudo de Gleason (2013: 966) sugere que o
Twitter permite múltiplas oportunidades de participação: "desde criar,
taguear, e compartilhar conteúdo até ler, assistir e seguir uma hashtag"
(tradução nossa)7. Todos esses tipos de participação contribuem para que as
pessoas possam se informar sobre um protesto. No estudo de Bechmann e Lomborg
(2013), a participação está associada à criação de valor. Um usuário participa
quando cria valor para outros usuários. Penney e Dadas (2013) identificaram
sete papéis sobrepostos durante o movimento Occupy: (1) facilitação de
protestos face-a-face, (2) cobertura ao vivo de protestos face-a-face, (3)
retuíte de informações e incorporação de links, (4) expressão de visões
pessoais sobre o movimento, (5) envolvimento em discussões sobre o movimento,
(6) estabelecimento de conexões com outros ativistas e (7) facilitação de ações
online. Esses modos de participação são essencialmente diferentes daqueles que
tradicionalmente observamos nos espaços offline, uma vez que se assemelham a
ações típicas da mídia (como cobertura ao vivo, ou retweet de informações) para
além da ação de protestar na rua.
Finalmente, o estudo de Enjolras, Steen-Johsen e Wollebaek (2012) identificou
diferentes segmentos da população participando em sites de rede social em
comparação à participação em outros meios, o que fortalece ainda mais a
hipótese de que atores diferentes atuam de formas diferentes no ecossistema de
circulação de informações durante um protesto. Assim, pessoas que tuitam direto
das ruas podem não ser necessariamente as mesmas que tuitam de casa e cada
grupo pode desempenhar um papel diferente na participação nesses eventos.
Difusão de Informações, Protestos e Twitter
Trabalho, interessa-nos também perceber quais os efeitos que as diferentes
formas de participação dos atores no Twitter têm na difusão de informações
sobre os protestos, ou seja, como essas articulações impactam nesses fluxos
informativos.
Ao estudar-se a difusão de informações, busca-se compreender como a informação
é propagada entre diferentes atores sociais, ou seja, como a informação passa
de um indivíduo para outro (Gruhl, Guha, Liben-Nowell & Tomkins 2004;
Recuero, 2009). Diversos estudos têm focado o papel das tecnologias digitais na
criação de novos fluxos e formas de circulação de informações e de um modo
especial, o papel dos sites de rede social nesse processo (Bakshy, Rosenn,
Marlow & Adamic, 2012; Kwak, Lee, Park & Moon, 2010; Wu, Hoffmann,
Mason & Watts, 2011). Kwak et al. (2010) chegam a discutir se o Twitter não
estaria mais próximo a um veículo de comunicação do que a um site de rede
social, na medida em que há uma intensa difusão de informações na ferramenta.
Enquanto site de rede social, o Twitter é um espaço propício para a articulação
desses eventos principalmente por suas características de públicos em rede
(boyd, 2010). A autora explica que esses públicos têm uma dimensão ao mesmo
tempo relacionada ao espaço público constituído pelas tecnologias e ao
"coletivo imaginado" da intersecção de pessoas neste espaço. Esses públicos,
formados diante de características técnicas como a permanência das interações
nos arquivos, sua buscabilidade, sua escalabilidade e replicabilidade, bem como
por características dinâmicas como o colapso dos contextos, que torna a
interação mais difícil, a presença de audiências invisíveis e o borramento das
fronteiras do público e do privado, são essenciais para o surgimento do
ativismo em rede. É justamente o fato de que essas tecnologias permitem a
formação desses públicos que fornece o substrato para a difusão de informações
que vai proporcionar essas ações coletivas (Bruns & Burgess, 2011).
O uso de hashtags8 também tem uma influência bastante grande na difusão de
informações no Twitter, pois constitui uma forma de "amarrar" a narrativa
(boyd, Golder & Lotan, 2011). Nesse contexto, o emprego de hashtags para
abordar grandes acontecimentos é associado à criação de públicos ad hoc (Bruns
& Burgess, 2011). Para os autores, a utilização de hashtags para a
cobertura de eventos pode sinalizar uma conversação entre os indivíduos e a
criação de uma comunidade de interessados em torno de um tópico. As hashtags
podem ser criadas de forma ad hoc, ou seja, não há uma autoridade central ou um
conjunto de regras regulando como criar e usar hashtags.
Ainda com relação a hashtags no contexto de protestos, Bastos, Travitzki e
Raimundo (2012) discutem o papel das hashtags políticas como
"panfletagem", na medida em que contribuem para espalhar a ideia e
obter apoio, ou seja, refletem uma forma de participação nos eventos.
Ao lado das hashtags, o retuíte, ou RT9, também é um recurso do Twitter
primordial para a difusão de informações sobre protestos, na medida em que
possibilita que uma mesma informação se espalhe através da replicação. O estudo
de Bastos, Travitzki e Raimundo (2012) considerou o RT como a métrica
fundamental para a difusão de informações no Twitter durante manifestações
políticas.
As diferenças na difusão de informações no Twitter entre participantes na rua e
participantes offline foi explorada por Starbied e Palen (2012) no contexto dos
protestos ocorridos no Egito em 2011. Também partindo do RT como medida para a
difusão de informações, os autores identificaram que os perfis com mais
retweets eram de usuários que estavam no local dos eventos, o que traz indícios
de que os demais poderiam estar usando o RT como uma forma de identificar e
recomendar usuários locais.
Procedimentos metodológicos
No presente estudo, utilizamos uma combinação de métodos e técnicas para
identificar os papéis dos usuários na circulação de informações no Twitter
sobre os protestos ocorridos no Brasil em 2013. Para chegar na classificação de
papéis proposta neste artigo, tomamos como ponto de partida um recorte, a
seguir explicitado, feito a partir de um conjunto de dados inicial.
O conjunto de dados analisados neste artigo compreende um período de 38 dias,
entre 11 de junho e 19 de julho de 2013. Durante o período, foram monitoradas
35 palavras-chave e hashtags associadas aos protestos brasileiros no Twitter
através do yTK10. A partir de um total de mais de 3 milhões de tweets, foi
possível identificar a localização de uma parcela dessas mensagens (1.4 milhões
de tweets), provenientes ou referindo um total de 3.268 cidades brasileiras.
Buscamos identificar a localização dos tweets a partir da combinação de três
métodos: local mencionado no perfil do usuário que fez a postagem, presença de
hashtag indicando a localização no texto do tweet, e geolocalização do tweet.
Esse esforço de localização foi empreendido na tentativa de se poder
diferenciar de onde as atualizações foram feitas, como uma forma de identificar
a articulação entre os participantes que tuitaram nas ruas e de casa.
Os resultados a seguir apresentados se referem a uma amostra do total de tweets
em que foi possível identificar a localização. A amostra é composta por três
recortes randômicos de 49.611 mensagens únicas, perfazendo um total de 148.833
atualizações. As análises foram feitas usando o R (2009).
Procedimentos de Análise
Em função do volume de dados, o primeiro passo foi identificar papéis que
poderiam indicar diferentes apropriações em termos de difusão de informações,
para proceder a um recorte que compreendesse um grupo de usuários específicos.
Ao observar os dados, identificamos dois papéis iniciais no protesto:
produtores de conteúdo e replicadores de conteúdo. Essas categorias foram
construídas a partir das principais formas de participação que identificamos:
atuar de forma a replicar e difundir as informações, de um lado, e produzir
informações que são replicadas por outros usuários, de outro. Assim, utilizando
o retweet como métrica para "medir" a difusão de informações
(Bastos, Travitzki & Raimundo, 2012), procedemos a um recorte de usuários
que tivessem feito ou recebido pelo menos 100 RTs11. A escolha por 100 RTs como
ponto de corte foi arbitrária, e teve como objetivo limitar a quantidade de
usuários em cada grupo, para identificar aqueles que mais contribuíram para a
difusão de informações no Twitter. Para facilitar a compreensão, chamamos os
usuários que fizeram 100 ou mais RTs de "ativistas" e os usuários
que receberam 100 ou mais RTs de "celebridades"12. Um terceiro
grupo foi criado sinalizando aqueles usuários que identificamos como sendo
veículos de informação jornalística, independente de terem ou não feito ou
recebido 100 ou mais RTs, uma vez que se considerou que a apropriação desse
grupo de usuários poderia ser diferente da dos demais. Para compor esse grupo,
compilamos uma lista de 1.400 contas de veículos jornalísticos no Twitter e
categorizamos os usuários que postaram essas mensagens como
"imprensa".
Em conjunto, os usuários classificados como celebridades foram responsáveis por
4.405 postagens, ativistas postaram 1.474 tweets do recorte e imprensa 152
tweets. De uma forma geral, podemos observar que a participação como produtor
de conteúdo (celebridade, usuários com mais de 100 RTs) foi mais intensa que a
de reprodutor de conteúdo (ativista, usuários que fizeram mais de 100 RTs),
ainda que a maior parte das postagens do recorte se referissem a usuários com
participações intermediárias (ou seja, que receberam RTs ou foram retuitados
menos de 100 vezes). A Figura_113 mostra a distribuição de postagens dos três
grupos e sugere uma correlação entre a frequência de mensagens no período
investigado. Esse sincronismo foi explorado por meio de duas análises de
regressão linear simples entre a distribuição de mensagens nos três grupos,
tomando a distribuição de tweets de ativistas como variável dependente e a
distribuição de tweets da imprensa e de celebridades como variáveis
independentes.
Para identificar os tipos de usuários que compunham cada grupo, procedemos a
uma análise qualitativa dos perfis dos 50 usuários que mais fizeram ou mais
receberam RTs no período. A partir dos três grupos de usuários delimitados
("celebridades", "ativistas" e "imprensa"),
partimos para uma análise de conteúdo de foco referencial (Bardin, 2004) dos
tweets postados por esses usuários. A análise de conteúdo foi realizada usando
o software Textometrica (Lindgren & Palm, 2011), que registra a frequência
de palavras e suas co-ocorrências. Os tweets foram separados por grupo. Dentro
desses três conjunto de dados, codificamos os termos mais utilizados por
frequência até o limite de 100 termos, utilizando-se um conjunto de palavras a
ser descartadas ("stopwords"). O foco foi semântico e foram
privilegiados substantivos e adjetivos em detrimento de outros léxicos. Esses
termos foram então codificados em categorias semânticas, de acordo com a
proposta da análise de conteúdo.
Para analisar as co-ocorrências entre os termos, utilizamos procedimentos da
análise de redes sociais. As redes semânticas são representadas através de
grafos gerados com o Gephi14. Os nós representam os termos e conceitos que
apareceram nos dados, enquanto as conexões representam a co-ocorrência dos
termos em um mesmo tweet. Dois termos possuem uma conexão quando ocorrem juntos
em um mesmo tweet. Essa conexão, quanto mais forte, mais aproxima os conceitos.
Além disso, o tamanho de cada nó indica seu grau (frequência) no conjunto de
dados. Grupos de nós mais centrais indicam maior frequência conjunta em relação
aos demais. Nos grafos, os nós estão coloridos por "modularidade", ou
vizinhança (tendência a aparecer juntos).
Ativistas, Celebridades e Imprensa
A seguir, apresentamos os resultados da observação dos três grupos de usuários,
buscando identificar seus papéis para a difusão de informações sobre os
protestos. Em um primeiro momento, analisamos a composição de cada grupo,
seguido de considerações sobre a localização dos usuários e sobre as redes de
co-ocorrência observadas em cada grupo.
Tipos de usuários por grupo
O grupo de "celebridades" inclui desde usuários com mais de 10 mil
seguidores que costumam ser bastante retuitados independente do que postam, até
usuários com menos seguidores que, circunstancialmente, receberam um grande
número de RTs em determinadas atualizações sobre os protestos no período. Isso
acontece porque a classificação de celebridades inclui usuários que tiveram 100
ou mais replicações em seus tweets, o que pode tanto significar celebridades de
fato quanto usuários comuns.
Uma análise dos 50 perfis que mais fizeram ou receberam RTs na amostra aponta
que, dentre os usuários identificados como celebridades, estão veículos de
imprensa (@ultimosegundo, @estadao), celebridades de fato (atores brasileiros
como @bgagliasso e @lua_blanco, humoristas como @marcelotas, @raqueiroga),
jornalistas (@luckaz e @aprevidelli), usuários bastante conhecidos na
blogosfera brasileira (como @naosalvo e @marcogomes) e alguns perfis ativistas
(@bhnasruas e @lulzsecbrazil). Há poucos usuários com menos de 2 mil
seguidores. Um exemplo é uma usuária com pouco mais de 200 seguidores na época
do estudo que postou uma foto do protesto em São Paulo e recebeu 675 retweets
únicos15, um alcance três vezes maior do que seu próprio perfil, demonstrando o
papel dos RTs na difusão de informações (Bastos, Travitzki & Raimundo,
2012; Starbid & Palen, 2012).
Já dentre os usuários classificados como ativistas, há uma predominância de
usuários comuns com poucos seguidores no Twitter, sendo raros os usuários com
mais de 2 mil seguidores neste grupo. Dentre os 50 usuários que mais fizeram
retuítes, o usuário com menor número de seguidores possui 9 seguidores e sua
última postagem foi feita em 20 de junho de 2013, ainda durante os protestos, o
que parece indicar a criação de um perfil no Twitter apenas para poder agregar
informações sobre os eventos. Também aparecem alguns perfis ligados a ativismo,
tanto de associações quanto de indivíduos. Esses perfis, em grande parte,
exerceram papel de agregadores do que estava acontecendo nos protestos, na
medida em que postaram mais de 100 RTs no período. Esse uso está associado ao
RT de informações e links identificado por Penney e Dadas (2013) no estudo
sobre o movimento Occupy.
Formas de localização
A Figura_2 mostra a distribuição de mensagens em que a fonte de informação é
hashtag, geocode ou perfil do usuário. O gráfico mostra que os usuários
identificados como ativistas usam mais hashtags para transmitir um conjunto de
opiniões e agendas políticas em um índice mais alto que celebridades ou
imprensa, na medida em que 81% dos usuários que retuitaram mais de 100
atualizações tornaram sua localização visível através de hashtags ao invés de
geocode ou informações no perfil. Nos demais grupos de usuários, conseguimos
observar pequenas diferenças de uso. Dentre os perfis de imprensa, 66% usavam
informações do perfil para identificar a localização dos protestos, ao passo
que celebridades usam mais hashtags, embora em uma proporção menor (57%) que no
caso de ativistas.
Essas diferenças na forma de localização sugerem diferentes formas de
apropriação entre os grupos: enquanto ativistas tendem a retuitar mensagens com
hashtags, numa forma de planfletagem (Bastos, Travitzki & Raimundo, 2012),
a imprensa parece se focar na cobertura dos protestos na área de abrangência do
veículo, ao passo que celebridades usam uma combinação das três formas de
localização, com destaque para um pequena proporção (3%) de mensagens
geolocalizadas, o que sugere postagens direto do local dos acontecimentos.
Essas três formas de localização podem também sinalizar diferentes formas de
participação nos protestos: alguém que está na rua pode tuitar direto do local
do acontecimento e identificar seu tweet por geolocalização, ao passo que
alguém que está em casa pode usar uma hashtag para identificar sua postagem.
Essa hashtag pode se referir a um evento próximo a si, ou até mesmo a outros
lugares não necessariamente próximos ao usuário.
Em termos geográficos, os integrantes dos três grupos estavam concentrados
principalmente em capitais da região Sudeste do Brasil. No grupo de imprensa,
49% postou de São Paulo e 47% do Rio de Janeiro. No grupo de celebridades, 36%
das postagens partiram de São Paulo, 34% do Rio de Janeiro e 11% de Belo
Horizonte, porcentagens bastante parecidas ao grupo de ativistas, com 32%, 38%
e 10% respectivamente. Essa distribuição guarda relação com as cidades onde os
protestos envolveram mais participantes, e também com o fato de os principais
veículos jornalísticos do país estarem situados no eixo Rio-São Paulo.
Redes de co-ocorrências
As Figuras_3, 4 e 5 mostram os conceitos que mais apareceram em cada grupo e as
conexões mais fortes entre eles. Conforme apresentado nos procedimentos
metodológicos acima, os conceitos foram criados a partir da combinação de
expressões e palavras com sentidos semelhantes, como ao combinar
"protesto", "protestos" e "proteste" em um
único conceito comum, "protestos". Nosso objetivo aqui é mapear o
discurso desses grupos, de forma a compreender melhor as possíveis diferenças
nas "falas" desses grupos.
No grupo da imprensa (Figura_3), é possível observar algumas hashtags
panfletárias (Bastos, Travitzki & Raimundo, 2012) agrupadas em um cluster
na parte inferior esquerda do grafo. O uso de hashtags por veículos de imprensa
é bastante incomum. No caso dos dados observados, quase todas as hashtags
partiram do perfil @odiahoje, referente a um veículo informativo sobre o Rio de
Janeiro no formato blog. Neste grafo podemos observar, ainda, que os
componentes estão todos conectados, embora as hashtags não sejam tão centrais.
Ainda no grupo "imprensa", o termo mais central é
"protestos", e podemos observar que a rede gira em torno dele. Não
há, entretanto, uma hashtag em posição central. Embora a presença de termos
associados a tarifa e ônibus estejam presentes, eles não são muito centrais,
aparecendo de forma bastante relacionada entre si, com poucas conexões com o
restante do grafo. Também nota-se, no cluster azul, a associação da violência
aos "protestos", bem como, no cluster rosa, a associação dos termos
relacionados àquilo que a imprensa identificou como a principal demanda das
manifestações: a tarifa. No cluster amarelo, aparece o governo. Esses dados
indicam uma ação narrativa e uma tentativa de incorporação da apropriação dos
Twitter pelos demais usuários na construção de sua participação no evento. Além
disso, indicam também um discurso específico, diferente daqueles dos usuários,
conforme veremos a seguir.
No grupo de ativistas (Figura_4), é possível observar um hub de termos
associados a determinadas hashtags de localização (protestosp, protestorj,
protestobh). Nessa rede, podemos ver que há alguns clusters de co-ocorrência
de termos, unidos por palavras como "polícia",
"manifestantes" e outros. Essa estrutura parece evidenciar uma ação
mais informativa, na medida em que parece haver uma preocupação em informar o
local da atualização através da hashtag. O retweet de informações é um dos
papéis identificados por Penney e Dadas (2013) Mesmo não estando no local dos
protestos, ao empregar hashtags com localização esse grupo pode usar a rede
para contribuir com a narrativa sobre os protestos. Essa clusterização em torno
de hashtags também sugere a formação de públicos ad hoc (Bruns & Burgess,
2011) em torno dos protestos nesses lugares.
Outros elementos relevantes são a associação da violência com a polícia
(cluster rosa), com maior centralidade, e a pluralização das demandas,
localizadas junto aos protestos que aconteceram em cada lugar.
Esses dados indicam um outro discurso: mais localizado, mas focado no que
acontecia em cada evento. Nota-se que não há uma unidade no discurso, mas uma
pluralidade, onde abrem-se diferentes demandas e narrativas a partir de cada
cluster. Vemos também o uso de hashtags panfletárias localizadas no cluster
amarelo.
A rede de co-ocorrências do grupo de "celebridades" (Figura_5) está
centrada no termo "manifestação", mas também é possível ver
claramente a presença de clusters associados a hashtags de localização
(protestosp, protestorj e protestobh, como na rede de
"ativistas"). Os termos associados a ônibus e tarifas aparecem
isolados em uma ilha, sugerindo que os tweets desse grupo que abordaram essa
temática o fizeram sem necessariamente relacionar com as manifestações.
Dentre as diferenças do discurso deste grupo, observamos o uso do termo
"manifestação" e não "protesto" como na imprensa. Além disso, também não vemos
clusters em torno de termos e discussões únicas, mas novamente, uma pluralidade
de termos associados com as manifestações. Além disso, da mesma forma que o
grupo anterior, observamos também que junto ao conceito "polícia", juntam-se
"bombas" e "gás", relacionando a ação da mesma diretamente com parte da
violência. O caráter ativista de uso de hashtags panfletárias está também no
grafo, mas associado com localidades específicas, como em protestorj (como no
grafo anterior).
Essas diferentes associações semânticas contribuem para identificar os
diferentes papéis complementares exercidos pelos três grupos na difusão de
informações sobre os protestos. Vemos o caráter panfletário presente em todos
os discursos. Além disso, vemos claramente que há diferenças entre o que a
imprensa narra e o que ativistas e celebridades narram. O caráter localizado
das narrativas desses últimos também evidencia uma participação mais "local",
possivelmente repassando e criando informações que interessam a espaços
geográficos específicos, ao contrário da imprensa. Além disso, o destaque dado
a violência é menor nesses discursos do que no da imprensa. Também é importante
ressaltar o foco na narrativa "ao vivo" dos três grupos.
Resultados
Sites de rede social propiciam outras formas de participação (Gleason, 2013)
nos movimentos sociais em rede (Castells, 2012) para além da participação nas
ruas. Nesse sentido, a cobertura ao vivo de eventos (Hawthorne, Houston &
McKinney, 2013) pode aparecer ao lado de reverberação nas redes do que acontece
nas ruas (Malini & Antoun, 2013).
Assim, ao observar a circulação de informações sobre os protestos no Twitter
nos três grupos, identificamos diferentes formas de envolvimento e participação
na difusão de informações. Pode-se dizer que os usuários identificados como
ativistas, celebridades e imprensa de certa forma atuaram como
"hubs" dos protestos, tanto como fonte de informações
(celebridades, imprensa) quanto como distribuidores de conteúdo (ativistas).
Além disso, "ativistas" contribuem para desencadear cascatas de
informação16, ao retuitar conteúdos e dar visibilidade a determinados
desdobramentos dos protestos, notadamente a mobilização, através de hashtags
panfletárias (Bastos, Travitzki & Raimundo, 2012), associada à localização
da narrativa, também identificada pela associação com as hashtags
"localizadas". O discurso dos ativistas, de modo geral, parece focado nessa
narrativa local, bem como na violência associada à polícia. Por outro lado,
"celebridades" geram conteúdo com potencial de ser reproduzido.
Independente de os usuários receberem retuítes por conta da quantidade de
seguidores que já possuem ou por conta do conteúdo da mensagem postada, essas
mensagens se espalham, e, ao espalhar, podem atingir outros pontos da rede. É
interessante observar que o discurso dessa categoria esteve também associado à
narrativa mais geral dos protestos, além de, em menor escala, localização dos
protestos, uso de hashtags panfletárias e à discussão sobre a questão da
tarifa. É importante também ressaltar que este foco discursivo é próximo do
foco anterior. Finalmente, a "imprensa" contribui para a narrativa
dos protestos de uma forma geral e pouco localizada. Notamos também que sua
narrativa está focada nos protestos em si e na violência dos mesmos, bem como
na identificação da redução da tarifa como principal demanda.
Os papéis identificados e as formas de localização dos mesmos permitem traçar
algumas considerações sobre a participação na circulação de informações no
Twitter sobre os protestos e na articulação entre o ambiente online e offline
nos movimentos sociais em rede. Pudemos identificar, diferentes formas de
participação online nos protestos - como no caso da cobertura ao vivo dos
eventos estando presencialmente no local (em tweets localizados através de
geocode) de um lado, ou na circulação de conteúdo sobre os protestos estando ou
não no local de realização dos protestos (como no caso de tweets com hashtags
que identificam o local a que se refere o tweet), ou nos tweets da imprensa com
a cobertura de suas respectivas áreas de cobertura (com localização
identificada através do perfil). Assim, enquanto usuários produzem conteúdo no
local dos eventos, há outros que atuam de forma a dar visibilidade e reproduzir
esse conteúdo. Ou seja, aqueles usuários que produzem o conteúdo dependem de
outros para dar-lhe visibilidade, o que indica que as formas de participação de
Penney e Dadas (2013) não ocorrem juntas. Quando observamos essas funções a
partir da classificação dos papéis na participação, temos aqueles usuários que
receberam alto grau de replicação de suas mensagens sobre os protestos
(celebridades) em oposição àqueles que reproduziram inúmeras mensagens sobre a
temática (ativistas). Neste caso, há formas diferentes de ação. Enquanto os
primeiros dão visibilidade, os segundos parecem focar na mobilização de outros
usuários em torno da causa (Bastos, Travitzki & Raimundo, 2012). Assim, a
primeira forma de participação dos ativistas parece ser, mais do que
estabelecer conexões com outros ativistas (Penney & Dadas, 2013), mobilizar
outras pessoas.
Além disso, retuitar mensagens em torno de hashtags comuns pode representar a
criação de públicos ad hoc em torno dos protestos (Bruns & Burgess, 2011).
O fato de os tweets do grupo de "ativistas" se concentrarem em
torno de hashtags diferentes (Figura_4, acima) pode indicar a formação de
grupos específicos em torno de determinadas hashtags. Desse modo, ao reproduzir
uma determinada hashtag, o usuário "se filia" a uma discussão em
torno daquele assunto.
As diferenças de discurso observadas entre os grupos, em especial no grupo de
imprensa, também podem ser ressaltadas pela distribuição das mensagens ao longo
do tempo. A Figura_1 indica que a imprensa abandonou ou diminuiu drasticamente
a cobertura dos protestos a partir da segunda semana de julho, período em que
as celebridades e ativistas permaneceram tuitando os protestos. O gráfico em
escala logarítmica apresentado na Figura_1 mostra um flatline a partir do dia 8
de julho para tweets da imprensa, o que é particularmente interessante em vista
da clara correlação entre os três grupos de usuários no período mais intenso
dos protestos. Esse é o único momento em que a frequência de mensagem de um dos
grupos destoa significativamente das demais, embora seja possível argumentar
que essa discrepância começa já no fim de junho e não apenas após 8 de julho (a
mudança no padrão de frequências começa entre 24 de junho e 8 de julho).
Com base nesses resultados, realizamos duas análises de regressão linear entre
o número de mensagens diárias na amostra tuitadas por ativistas, celebridades e
imprensa. Mesmo sem a remoção de um único outlier, o resultado da regressão
linear simples entre tweets de ativistas (variável dependente) e celebridades
(variável independente) mostrou um coeficientes de correlação (R) de 0,98 e
coeficiente de determinação R² de 0,97 (p<0,001). Por outro lado, o resultado
da regressão linear simples entre tweets de ativistas (variável dependente) e
tweets da imprensa (variável independente) apresentou resultados bem mais
humildes, com coeficiente de correlação (R) de 0,54 e coeficiente de
determinação R² de 0,52 (p<0,001), indicando que a distribuição de tweets de
ativistas e celebridades apresenta uma associação linear significativamente
mais forte que entre ativistas e imprensa. Esses resultados apontam para uma
relação potencialmente simbiótica e de retroalimentação entre ativistas e
celebridades, ao mesmo passo que as mensagens da imprensa aparecem
relativamente descoladas desse grupo.
Resumidamente, podemos identificar algumas funções associadas aos papéis
desempenhados pelos grupos analisados: a) no grupo de ativistas, podemos
identificar o papel de reverberação dos protestos, através do emprego de
hashtags panfletárias e de localização para desempenhar uma função de agregação
de conteúdo; b) no grupo de celebridades, observarmos uma cobertura ao vivo dos
protestos (pequena parcela de tweets geolocalizados) junto de uma tentativa de
dar visibilidade a uma narrativa dos protestos com foco ativista; c) por fim,
no grupo de imprensa, notamos uma narrativa mais imparcial do ocorrido, com
menos hashtags e de forma intensa por um período menor, mas com um papel
importante em termos de articular a cobertura no âmbito de abrangência do
veículo (por isso, a localização se deu mais pelo perfil e podemos observar uma
menor presença de hashtags em comparação aos outros dois grupos).
Discussão
O trabalho procurou discutir o papel na difusão de informações via Twitter de
três grupos de usuários nos protestos realizados no Brasil a partir de junho de
2013: ativistas, celebridades e imprensa. Ao observar os tipos de usuários, a
localização e a relação entre os termos mais frequentes utilizados nos tweets,
pudemos identificar semelhanças e diferenças na apropriação de cada grupo.
Enquanto a imprensa fornece a narrativa tradicional dos acontecimentos, essa
cobertura é complementada pelos tweets do grupo "celebridades". A
informação acaba sendo ainda mais reverberada pelos "ativistas",
que, ao retuitarem as informações, contribuem para espalhá-las para diferentes
redes. Assim, enquanto celebridades e imprensa dão visibilidade aos protestos
através da cobertura dos acontecimentos, ativistas contribuem para uma
reverberação dessas mensagens. Nesse contexto, hashtags podem servir de
megafone para os usuários. Apesar disso, observamos também diferenças nos
discursos narrados, especialmente entre imprensa e demais usuários.
Mesmo que não participem ativamente dos protestos, ativistas podem contribuir
para a reverberação dos mesmos. Estudar esses papéis ajuda a entender que no
contexto digital a participação política é mais ampla e engloba outras ações
para além do envolvimento direto na manifestação. Participa aquele que cria
valor (Bechmann & Lomborg, 2013), seja produzindo algo novo ou repercutindo
o que já foi produzido. Participantes nas ruas e em casa se articulam na
divulgação de informações sobre os protestos, com o complemento da ação da
imprensa. Sem alguém para reverberar o que acontece nas ruas, talvez os
protestos não tivessem atingido a proporção que atingiram nas ruas. Do mesmo
modo, sem uma cobertura paralela à da imprensa, é possível que a narrativa dos
protestos fosse outra.
O estudo aqui empreendido possui algumas limitações, como o fato de trabalhar
com um recorte estabelecido a partir de uma amostragem dos dados, o que pode
não ser totalmente representativo do todo, e o fato de limitar a coleta de
dados a tweets que contivessem palavras-chave e hashtags específicas associadas
ao protesto, o que pode limitar o escopo e a abrangência de tweets da imprensa,
por exemplo, caso tenham se utilizado de outros termos para fazer a cobertura
das manifestações pelo Brasil. De qualquer modo, os resultados apontam que há
algo a ser levado em consideração ao se estudar os papéis associados às
dinâmicas de difusão de informações relacionadas a protestos. Os resultados
observados indicam que a participação de diferentes públicos (celebridades,
ativistas e imprensa) se deu de forma diferente no texto dos protestos de junho
de 2013 no Brasil. Há uma retroalimentação e uma relação de complementaridade
entre os três papéis aqui apontados, que pode ser explorado mais a fundo em
estudos futuros sobre os protestos brasileiros e sobre outras manifestações
políticas em suas articulações com os sites de rede social. Uma outra
possibilidade de linha de investigação diz respeito à identificação de
diferentes papéis em outros contextos, como no caso da discussão de debates
políticos.