O pensamento geográfico nos alunos do ensino básico, com base na taxonomia do
pensamento espacial
1. Introdução
Na disciplina de Geografia a mobilização de conceitos geográficos, a
contextualização, a argumentação e a inferência de dados geográficos
possibilitam a análise das experiências e das aprendizagens específicas dos
alunos na construção de esquemas concetuais, a partir de informações
assimiladas, categorizadas e manipuladas. O modelo taxonómico de Jo e Bednarz
(2009), usado para avaliar manuais escolares nos EUA, permitiu observar
"the use of spatial concepts such as distance, direction and region;
tools of representation like maps and graphs; along with the appropriate
thinking processes, to conceptualize and solve problems" (Jo, Bednarz e
Metoyer, 2010: 49) baseado no NRC (2006) - National Research Council dos
EUA. O estudo dos manuais escolares de Geografia constitui, neste sentido, um
importante contributo para o desenvolvimento do spatial thinking nos alunos (Jo
& Bednarz,2009). Acredita-se que a taxonomia do pensamento espacial pode
ser um instrumento norteador pertinente na análise da construção do pensamento
geográfico dos alunos e, por esta via, permitir avaliar a literacia espacial
(Martinha, 2011).
Por conseguinte, o presente estudo procurou determinar como os alunos do Ensino
Básico constroem o pensamento geográfico? Que tipo de conhecimentos e
informações mobilizam?
O objetivo geral foi caraterizar o tipo de descrições e interpretações
geográficas que os alunos adotam na formulação e na transmissão de
conhecimentos. A temática escolhida foi o relevo: as diferentes formas de
relevo e a sua formação, conforme o Programa da disciplina de Geografia do
Ensino Básico. A ficha como proposta de exercício foi implementada em contexto
real de sala de aula, depois da exposição, análise e debate da matéria em
sumário.
Procurámos, assim, observar o tipo de conceitos geográficos e de raciocínios
mobilizados pelos alunos, a partir da análise do conteúdo das descrições e
interpretações geográficas elaboradas por eles. Por fim, equacionámos o modo
como o pensamento geográfico pode ser incorporado no estudo da Geografia,
através da formulação, avaliação e aplicação de perguntas de pensamento
geográfico e questões de nível superior que permitam o desenvolvimento de
processos de raciocínio mais propícios à concetualização e à resolução de
problemas.
Em Portugal, o estudo dos manuais escolares de Geografia foi desenvolvido por
Martinha (2011) com o intuito de determinar em que medida estes materiais
didáticos contribuem para o desenvolvimento do denominado spatial thinking.
Seguindo o contributo teórico e científico de estudos anteriores, pretendeu-se
observar, em contexto real de sala de aula, como se processa o pensamento
geográfico dos alunos do Ensino Básico e a forma como estes mobilizam as
diferentes categorias de conceitos propostos pela Taxonomia de Pensamento
Espacial (Jo & Bednarz,2009), dimensão pela qual salientamos o caráter
inovador deste estudo em Portugal.
1.1. A Educação Geográfica no Ensino Básico
Atendendo ao Currículo do Ensino Básico, o objetivo do ensino da Geografia
consiste na formação do pensamento espacial dos alunos enquanto instrumento de
transformação da realidade e de construção da cidadania do indivíduo. Neste
processo, cabe portanto ao professor propiciar os elementos teóricos e os meios
cognitivos e operacionais necessários ao desenvolvimento da consciência do
espaço, dos fenómenos e dos processos integrantes da prática social. Ambiciona-
se "o desenvolvimento do pensamento espacial e formação de cidadãos
geograficamente competentes, ativos e intervenientes na sociedade" (CNEB,
2001: 18).
As competências essenciais da Geografia foram definidas de modo a centrar a
aprendizagem da disciplina na procura de informação, na observação, na
elaboração de hipóteses, na tomada de decisões, no desenvolvimento do
pensamento crítico, na prossecução do trabalho em equipa e na realização de
projetos, assim como na formação para a cidadania:
"A educação geográfica utiliza as dimensões conceptual e instrumental do
conhecimento geográfico para proporcionar aos alunos oportunidades de
desenvolverem competências geográficas e, nessa medida, a geografia desempenha
um papel formativo no desenvolvimento e formação para a cidadania" (CNEB,
2001: 5).
Esse modo de pensar geográfico é importante para a realização de práticas
sociais variadas, uma vez que as mesmas são sempre práticas socio-espaciais.
Souza (2011) aponta, neste sentido, que a construção do pensamento espacial
decorre de processos epistémicos próprios da didática da Geografia que, por sua
vez, se fundamentam nas teorias e metodologias próprias da Filosofia, da
Psicologia e da Educação. Isso significa que a noção de Geografia como ciência
que compreende a produção do espaço, a noção de mediação da psicologia
histórico-cultural de Vygotski (1998) e a noção de retificação do erro da
filosofia bachelardiana são, para o autor, os fundamentos para um pensamento
espacial crítico.
Vygotski (1998) refere que o meio social e cultural ocupa espaços
significativos no entendimento da participação do indivíduo no espaço, bem como
o processo de aprendizagem. Para isso, ele cria a noção de estruturação das
funções psíquicas superiores, um princípio que propõem a análise de como o meio
social age no indivíduo, criando funções superiores de origem essencialmente
social. Com esta posição, Vygotski (1998) opõe-se à teoria de Piaget por
conceber que o desenvolvimento segue, não no sentido da socialização, mas no da
conversão das relações sociais em funções mentais.
Na mesma linha, Jodelet (1985) concebeu as representações sociais como
modalidades de conhecimento prático orientadas para a comunicação e para a
compreensão do contexto social, material e concetual em que vivemos. Apesar de
se manifestar através dos elementos cognitivos - imagens, conceitos,
categorias, teorias - o conhecimento não se reduz aos seus componentes
cognitivos: é também socialmente elaborado e partilhado. Por conseguinte,
"as representações sociais devem ser estudadas articulando elementos
afetivos, mentais, sociais, integrando a cognição, a linguagem e a comunicação
às relações sociais que afetam as representações sociais e à realidade
material, social e ideativa sobre a qual elas intervêm" (Jodelet, 1989).
A construção e comunicação do espaço vivido resultam, assim, de representações
dos fenómenos sociais que, não obstante o seu conteúdo cognitivo, têm de ser
entendidos a partir do seu contexto de produção.
A teoria das representações sociais de Moscovici (1988) partia da premissa de
que existem formas diferentes de conhecer e de comunicar o conhecimento -
eram estas estruturas dinâmicas, distinguidas pela sua flexibilidade e
permeabilidade, ao contrário das representações coletivas de Durkheim ou,
mesmo, das representações culturais de Sperber (1989).
Segundo Moscovici (1988) as representações sociais constituem uma reabilitação
do senso comum, do saber popular, do conhecimento do cotidiano e do
conhecimento pré-teórico de que falavam Berger e Luckmann (1978). Moscovici
(1988) reconhece assim que, ao enfatizar o poder de criação das representações
sociais, assumindo o seu caráter duplo de "estruturas estruturadas"
e "estruturas estruturantes", inscreve a sua abordagem no
construtivismo, ou num âmbito mais geral no "terceiro movimento das
teorias do conhecimento" que surgiu em simultâneo com o paradigma da
"construção social da realidade" de Berger & Luckmann (1966)
(Spink, 1993: 303).
O Currículo Nacional para o Ensino Básico reconhece, no mesmo sentido, que
" ainteração que cada indivíduo estabelece diariamente com o meio ajuda a
construir o conhecimento do espaço" tal como acontece, por exemplo, com a
competência da localização que se desenvolve desde o nascimento (Câmara, et.
al, 2001: 6). A Geografia não se apresenta como um catálogo composto com base
na memorização e na localização de factos geográficos isolados mas antes como
"um livro aberto" sobre o Homem, sobre a forma como ele se organiza
no espaço e sobre as relações que estabelece com o meio (Bailly et al., 2009:
19).
Deste modo, a Geografia cumpre o seu propósito de tornar os alunos capazes de
visualizar os factos e de os descrever através de mapas mentais. Além disso,
pretende o Currículo que o aluno seja capaz de analisar e interpretar de forma
crítica as informações geográficas e de relacionar conceitos como
"identidade territorial", "património",
"individualidade regional" e "cultura" (CNEB, 2001:
108-109).
A Geografia é, assim, a disciplina consagrada ao estudo do espaço terrestre e
da sua influência na identidade, na história e no sentimento de pertença a um
povo, assim como a ordem regional e as formas do homem se organizar no espaço.
O domínio da Geografia permite-nos, por conseguinte, desenvolver o
"pensamento geográfico" enquanto capacidade de reunir e mobilizar
um conjunto de conceitos e de ideias que nos permitem estabelecer conexões
entre os lugares, analisar a sua organização humana, as formas de interação e
as escalas que implicam, sendo para tal mobilizado conhecimento prévio e
subjetivo do espaço vivido.
1.2. O pensamento geográfico e a literacia espacial
O propósito da Geografia consiste, como vimos no ponto anterior, na produção de
conhecimentos sistematizados e geograficamente enquadrados num determinado
espaço, onde se cruzam as experiências vividas e os conceitos geográficos,
motivo pelo qual a Geografia é considerada como uma disciplina que se encontra
entre as Ciências Naturais e as Ciências Sociais. É através dela e nela que se
procuram respostas para as questões que o Homem coloca sobre o Meio Físico e
Humano, reunindo e transmitindo conhecimentos acerca das diferentes culturas e
o modo como os espaços estão relacionados (CNEB, 2001: 107).
Assim, se por um lado importa conhecer a altitude da ilha do Pico (2351m), no
arquipélago dos Açores, ou o ponto mais alto de Portugal Continental, na Serra
da Estrela (1993m), é ainda mais relevante compreender a formação e a evolução
destes maciços montanhosos, bem como a sua influência no clima, no
aprovisionamento da água, no desenvolvimento da vegetação, na fixação da
população, na atratividade turística e na afirmação de uma identidade
territorial.
Segundo Castellar (2005) a literacia visual geográfica constitui-se como uma
estratégia de expressão, a montante e a jusante do conhecimento geográfico. Tal
explica-se, no caso dos mapas, por estes poderem apresentar-se como o ponto a
partir do qual se explana e se interpreta o conhecimento geográfico e, por
outro lado, como uma ferramenta utilizada, desde a Antiguidade, para
representar o conhecimento geográfico.
"Os mapas e as imagens presentes nas aulas são procedimentos,
ou seja, estratégias de aprendizagem que possibilitam aos alunos
trazer para a discussão o conhecimento prévio e ao mesmo tempo
mobilizam habilidades mentais (classificar, analisar, relacionar,
sintetizar…) e estimulam a percepção, bem como a observação e a
comparação das influências culturais existentes nos diferentes
lugares. Permitem ainda que os alunos entendam os mapas como
construções sociais que transmitem ideias e conceitos sobre o mundo,
apesar da pretendida neutralidade e objetividade que os meios
técnicos utilizam para confecioná-los" (Castellar, 2005: 221).
Como tal, o estudo da Geografia permite formar cidadãos capazes de integrar
diversos saberes - ambiental, social, económico e cultural - cujo
impacto em cada unidade de território são capazes de identificar, permitindo a
formação de um saber integrado e coerente. O Ensino da Geografia constitui-se,
assim, fundamental na compreensão de problemas atuais uma vez que estes possuem
uma forte componente territorial, como acontece com as temáticas da
Geopolítica.
O objetivo do ensino da Geografia é o de tornar os alunos capazes de visualizar
os factos e de os descrever através de mapas mentais (Melo, Coelho &
Santos, 2010). A Geografia tem como missão fazer compreender a organização do
Homem, as atividades na Terra, assim como explicar as relações que se
estabelecem entre o meio e a sociedade e, por fim, aplicar os conhecimentos
reunidos na organização sustentável e equilibrada do espaço.
Uma reflexão sobre a literacia espacial e o pensamento geográfico é essencial
para a compreensão da tomada de decisões e da aprendizagem dos alunos. A
literacia espacial é apontada como uma forma fundamental de literacia na medida
em que incorpora um leque alargado de disciplinas e carreiras, não só para
especialistas geoespaciais, como também para toda a sociedade nas suas
realizações e na forma como esta utiliza os recursos de que dispõe (Bednarz
& Kemp, 2011). Há ainda um reconhecimento crescente de que a literacia
espacial é tão importante como a literacia matemática (numérica) e a literacia
clássica (a capacidade de ler e escrever).
Nos EUA, a Academia Nacional de Ciências (2006) definiu o pensamento espacial
como uma componente-chave da literacia espacial, ou seja, como "o cerne de
muitas grandes descobertas em ciência, que estão na base de muitas das
atividades da força de trabalho moderna, e que permeia as atividades
quotidianas da vida moderna". Neste sentido, a literacia espacial é um
componente de muitas profissões e carreiras como a arquitetura, a engenharia, a
medicina, ao controle de tráfego aéreo e as artes, por exemplo. Para os
geógrafos, e outros estudiosos envolvidos no estudo do espaço geográfico, ser
capaz de pensar em, com e através do espaço é ser espacialmente proficiente e,
portanto, é algo cada vez mais valioso.
De acordo com a concetualização de Goodchild e Janelle (2010), definimos a
literacia espacial como "uma ampla gama de perspetivas, conhecimentos,
habilidades e hábitos da mente, ou disposições". A aplicação destes
conhecimentos e perspetivas pode ser caracterizada como raciocínio espacial,
isto é, a habilidade de pensar de forma sub-espacial, aplicando processos
específicos para resolver problemas e tomar decisões. A literacia espacial
surge, assim, como o resultado do pensamento espacial e do raciocínio espacial
e, portanto, se podemos pensar e raciocinar como e sobre o espaço, então,
existe literacia espacial.
O estudo do National Research Council, dos EUA, designado Learning to Think
Spatially(2006), propôs um conjunto de três componentes espaciais do pensamento
geográfico. São elas: 1) os conceitos de espaço, 2) os instrumentos de
representação e 3) os processos de raciocínio. Assim, ocorre pensamento
geográfico na medida em que são mobilizados conceitos espaciais, representações
espaciais (como diagramas, mapas e gráficos) e processos cognitivos. O
raciocínio espacial passa, assim, por uma conjugação de conceitos, habilidades
e abordagens cognitivas que permitem aos indivíduos usar o espaço para modelar
o mundo, real e imaginário, em pontos importantes e produtivos. Ocorre,
portanto, que as formas de pensamento prático são, concomitantemente, campos
socialmente estruturados que só podem ser compreendidos quando referidos às
condições da sua produção e aos núcleos estruturantes da realidade social que
integram, tendo em vista seu papel na criação desta realidade (Spink, 1993:
304). O pensamento espacial surge, por conseguinte, como um processo que
promove e efetiva o desenvolvimento da literacia espacial (Bednarz &
Bednarz, 2008).
Neste sentido, as questões formuladas, verbal ou textualmente, são ferramentas
fundamentais para estimular o pensamento dos alunos. No entanto, importa
perceber que tipologia de questões devem ser adotadas no sentido de facilitar o
desenvolvimento das habilidades cognitivas de pensamento geográfico. Jo,
Bednarz e Metoyer (2010) apontam um conjunto de contribuições sobre como os
professores de Geografia podem incorporar nas suas aulas uma ferramenta
concreta para a elaboração de questões propícias ao desenvolvimento do
pensamento geográfico nos alunos.
Através da apresentação dos resultados de um estudo empírico e de uma revisão
das contribuições teóricas da literatura, estes investigadores sugeriram formas
de incorporar o pensamento geográfico no estudo da Geografia, através da
formulação, da avaliação e da aplicação de perguntas de pensamento geográfico e
de questões de nível superior que estimulam no aluno a utilização de conceitos
espaciais como a distância, a região e a direção; ferramentas de representação,
como os mapas e os gráficos; e os processos de raciocínio adequados à
concetualização e à resolução de problemas (Jo, Bednarz & Metoyer, 2010:
49).
Os autores retomam, assim, o conceito de "pensar geográfico" para
propor um modelo de formulação de questões propícias ao desenvolvimento do
pensamento geográfico, também identificado com um pensamento inferencial,
abstrato e mobilizador de diferentes conceitos e perspetivas (Jo, Bednarz &
Metoyer, 2010).
De acordo com o National Geography Standards (1994), o pensamento espacial pode
ser enquadrado através de duas questões: o que os alunos conhecem (sobre o
espaço e as ferramentas de representação) e o que eles podem fazer (processos
de raciocínio) a partir dos conhecimentos que possuem.
Na construção do pensamento geográfico e partindo da aplicação das ferramentas
da literacia espacial cruzam-se, portanto, o conhecimento objetivo e o
conhecimento subjetivo do campo socialmente estruturado.
1.3. A taxonomia do pensamento espacial
A taxonomia do pensamento espacial de Jo e Bednardz incorpora três componentes
do pensamento espacial: (1) conceitos espaciais, (2) a utilização de
ferramentas de representação e (3) processos cognitivos. As três categorias
estão posicionadas tridimensionalmente na estrutura taxonómica e variam segundo
diferentes níveis de abstração e dificuldade dentro de cada categoria de
análise (Jo, Bednarz, & Metoyer, 2010) conforme ilustra e exemplifica a
Figura_1.
A categoria dos conceitosfoi formulada com base na categorização de conceitos
proposta por Golledge (2002) que distingue os conceitos não espaciais, os
conceitos espaciais primitivos, os conceitos espaciais simples e os conceitos
espaciais complexos, organizados segundo uma abstração e complexidade
crescentes.
Os conceitos espaciais primitivos como os de "localização",
"magnitude", "escala" e "região" são
fundamentais para a análise espacial, assim como os conceitos espaciais
simples, como os de "distância" (que resulta do intervalo entre
duas localizações), ou "rede de vizinhança" (Graves, 1984). Estes
conceitos constituem a base para desenvolver o pensamento geográfico dos alunos
e, em conjunto com as ferramentas espaciais apropriadas, fornecem uma base para
a conceção da pesquisa, a resolução de problemas e a estruturação dos programas
de educação.
Os conceitos espaciais complexos, por sua vez, são aqueles que derivam da
conjugação de conceitos espaciais simples, enquanto rede (uma conjugação de
localizações) ou hierarquia (que combina os conceitos de localização, magnitude
e conetividade). Por sua vez, os conceitos não espaciais são aqueles que não
representam qualquer noção de espaço, como Produto Interno Bruto (PIB) e
população, por exemplo (Jo, Bednarz, & Metoyer, 2010).
Em relação às ferramentas de representação, são utilizadas duas categorias na
estrutura taxonómica, que correspondem ao uso e ao não uso de representação,
respetivamente. Segundo os autores (Jo, Bednarz, & Metoyer, 2010), uma
distinção em termos do tipo de representação utilizada nas questões não é
significativa porque tornaria mais complexa e dificultaria a análise. A este
nível trata-se, antes, de identificar a utilização, ou a não utilização, de uma
representação geográfica.
A terceira categoria de análise, os processos cognitivos, foi segmentada em
três níveis de análise segundo o modelo proposto por Costa (2001): o nível dos
inputs, outputs e processing. O nível dos inputs representa processos como o
reconhecimento, a definição, a identificação, a nomeação e a listagem de
informação que foi memorizada - neste nível, os processos cognitivos não
implicam um julgamento, mas lançam as bases para que tal seja possível em
níveis superiores. Ao nível dos outputs realiza-se a produção de novos
conhecimentos a partir da informação obtida nos níveis inferiores de
pensamento, segundo um processo de avaliação, generalização e criação -
este tipo de raciocínio implica já a formulação de um julgamento e corresponde
a um nível superior de dificuldade e complexidade. No nível de processamento os
alunos analisam, classificam, explicam e comparam a informação adquirida no
nível dos inputs. Encontramo-nos aqui perante processos cognitivos que exigem o
reconhecimento de informação assimilada no nível anterior (Jo, Bednarz, &
Metoyer, 2010).
As três componentes do pensamento espacial são representadas na estrutura
tridimensional da taxonomia que é constituída por 24 células. Cada célula é
única e cruza as três componentes do pensamento espacial que envolve (segundo a
organização tridimensional da mesma).
Por exemplo, a célula 1 representa um conceito não espacial, que não mobiliza
uma representação, nem um nível de entrada e de processamento cognitivo, assim
não tem nada que estimule o pensamento espacial. No extremo oposto, a célula 24
representa um conceito espacial complexo que mobiliza a utilização de uma
representação espacial e implica um nível de processamento cognitivo que está
associado a um nível mais complexo de pensamento espacial.
Como vimos pelos exemplos demonstrados, a taxonomia proposta por Jo e Bednarz
(2009) constitui-se como uma ferramenta para a conceção e a seleção de
perguntas que integram os três componentes do espaço, evoluindo em termos de
níveis comparáveis de conceitos, processos cognitivos e de representação
espacial.
2. Metodologia
O estudo pretendeu analisar, numa perspetiva qualitativa, a construção das
descrições e interpretações geográficas dos alunos do 7º ano do Ensino Básico
(com idades compreendidas entre os 12 e os 13 anos). O estudo foi realizado na
EB 2,3 Dr.º Francisco Sanches, em Braga, que albergava um total 1465 alunos e
integrava os Territórios Educativos de Intervenção Prioritária (TEIP). A Escola
EB 2,3 Dr.º Francisco Sanches integra a maior percentagem de população escolar
do Agrupamento de Escolas com o mesmo nome, pelo que foi estudada uma amostra
constituída por 25 alunos que frequentavam o 7º ano do Ensino Básico, da no ano
letivo de 2011/ 2012. Foram obtidas 20 respostas válidas (N=20).
Para a implementação do estudo foi proposta a realização de uma ficha de
leitura subordinada ao tema do revelo. O objetivo do estudo foi caraterizar as
descrições e interpretações geográficas que os alunos adotaram na formulação e
na transmissão dos conhecimentos, atendendo à Taxonomia do Pensamento Espacial
de Jo e Bednardz (2009).
A análise tridimensional permitiu, por esta via, perceber quais as posições
taxonómicas mais frequentemente utilizadas pelos alunos participantes no
estudo, quer através da apreensão de unidades parcelares de informação, quer
através da elaboração de argumentos pessoais.
Em termos de procedimentos analíticos optámos por recorrer a uma análise do
conteúdo substantivo das descrições e interpretações geográficas dos alunos
(Berelson, 1984: 18). A categorização das unidades de análise foi feita com
base na estrutura tridimensional (espacialidade do conceito, uso de ferramentas
de representação e processo cognitivo). Significa, portanto, que na
classificação de cada unidade de análise foi necessário a classificar nestes
três diferentes domínios. Primeiramente atenta-se ao conceito espacial que a
atividade envolve (que pode variar desde "não espacial" a
"espacial primitivo", "espacial simples" e
"espacial complexo") (Jo & Bednarz, 2009).
Trata-se de uma estrutura testada e validade que define categorias de análise
para a elaboração e a avaliação de questões, ao mesmo tempo que constitui uma
ferramenta de estudo. A pertinência do estudo apresentado reside, ainda, na
possibilidade de conhecer os processos de apreensão e de construção do
conhecimento, a fim de estabelecer possíveis ilações para o ensino da
Geografia.
3. As unidades de construção das descrições e interpretações geográficas dos
alunos do Ensino Básico - resultados do caso de estudo
A análise das descrições e interpretações geográficas revelou que os conceitos
espaciais simples foram os mais frequentes na análise e corresponderam a 60%
dos conceitos utilizados. Igualmente frequente foi a categoria dos conceitos
espaciais complexos que registou 31% de observações. Por outro lado, a
mobilização de conceitos não espaciais e espaciais primitivos foi a mais
residual, com 5% e 4% respetivamente.
Os alunos utilizaram sobretudo conceitos simples no nível de input e no nível
do processamento cognitivo, por esta ordem, sendo que também aplicaram, em
ambos os níveis de pensamento espacial, o instrumento de representação sugerido
pela ficha de trabalho: o Mapa Hipsométrico de Portugal Continental.
Os conceitos simples no nível de input foram os mais frequentes em toda a
análise e referiam-se sobretudo a topónimos e a nomes das serras e montanhas de
Portugal Continental: "São Mamede", "Serra
d'Aire", "Algarve", "Espinhaço de Cão",
"Gerês" e "Alentejo". No nível de input encontrámos
também a referência a designações e definições, nomeadamente, os conceitos de
fronteira, planície, montanhas e montes. Observou-se, por exemplo, a definição
(input) de conceitos simples, como "planícies" e
"planaltos", associada à descrição da superfície terrestre -
conceito complexo - como se verifica na seguinte descrição e
interpretação geográfica:
"A superfície terrestre apresenta planícies (são regiões planas
com altitudes inferiores a 200 metros) e planaltos (são regiões
planas com altitudes superiores a 200 metros)" (Sara).
Podemos apontar mais exemplos de descrições e interpretações geográficas sobre
o relevo que recorrem a conceitos simples (no nível de processamento cognitivo)
e que se socorrem do Mapa enquanto instrumento de representação espacial, como
por exemplo: "Planícies alentejanas … extensas e com raros percursos de
água" (Sascha) - uma descrição e interpretação geográfica que
implicou a organização e análise da informação geográfica de forma localizada.
Ainda na categorização dos conceitos simples, encontrámos os que mobilizam
processos cognitivoscomo a análise, o contraste, a distinção e a síntese, com
as seguintes descrições e interpretações geográficas: "a maior elevação
de Portugal chamada Elbrus" (Catarina); "na parte interior há mais
montanhas do que no litoral, na parte litoral há mais planícies"
(Agatha), assim como a utilização dos conceitos elevação, como os de
"altura", "Portugal Continental", "Península
Ibérica" e "Pico da Estrela".
Ao nível dos conceitos não espaciais registou-se a utilização dos conceitos
"paisagens" e "cascatas", cuja referência mobilizou um
pensamento de ordem inicial, assim como a utilização do instrumento de
representação sugerido no enunciado.
Contrariamente, os demais conceitos não espaciais registados na análise, como
os de "clima", "quente", "frio",
"Verão" e "Inverno", não mobilizaram a utilização do
instrumento de representação sugerido, pelo que surgem ao nível dos inputs.
De entre os conceitos primitivos, apontámos os de "rio",
"praia" e "cidade", posicionados ao nível do input e,
pelo contexto em que foram empregues, revelam a utilização do Mapa Hipsométrico
proposto. Por outro lado, os conceitos de "fauna", "flora" e "neve" encontram-
se no nível de processamento cognitivo, nomeadamente pela descrição geográfica
que refere "o Gerês… com bastante fauna e flora" (Sascha),
estabelecendo uma ligação entre a localização geográfica, o relevo e a vida
animal e vegetal.
Associado ao pensamento espacial complexo, verificámos a comparação
(processamento cognitivo) entre o Norte e o Sul de Portugal, em termos de
relevo, nas seguintes descrições geográficas:
"A sul de Portugal predominam as planícies e os planaltos de
baixa altitude" (Pedro);
"A parte Norte é mais montanhosa que a central"
(Adelaide);
"O Gerês é a 3ª maior serra de Portugal" (Sérgio)
"O Gerês é a 2ª serra mais alta do Norte de Portugal"
(Sara);
"A Serra da Estrela é a montanha mais alta de Portugal
continental".
Ainda no nível de processamento cognitivo apontámos a mobilização de conceitos
espaciais complexos como os de "altitude", "zona
central", "zona extensa", "zona montanhosa",
"hemisfério norte", "hemisfério sul",
"Norte", "Sul" e "Nor-Nordeste". No nível
de input, por sua vez, verificámos que os alunos utilizaram conceitos complexos
como os de "relevo", "hemisfério" e "superfície
terrestre".
Ao nível dos outputs, observámos a utilização de um pensamento avaliativo e
criativo nas respostas dos alunos na seguinte descrição que associa o Inverno
na Serra da Estrela a férias e viagens: "A Serra da Estrela no Inverno é
um centro turístico, porque neva constantemente" (Sascha).
A tabela_1 apresenta uma síntese da distribuição de frequências relativas às
diferentes posições taxonómicas mobilizadas pelos alunos.
Conforme os dados da tabela_1, observámos que os conceitos espaciais simples
foram a categoria de conceitos mais referida pelos alunos, designadamente, na
posição taxonómica 16 - que corresponde ao nível de input - 56,4%
dos conceitos geográficos utilizados posicionam-se nesta categoria de análise.
A posição 17 da Taxonomia refere-se também aos conceitos simples, mas no nível
de processamento cognitivo - apenas 6,3% dos conceitos geográficos
utilizados se posicionam nesta célula. A segunda categoria de conceitos mais
utilizada posiciona-se na célula 22 - os conceitos espaciais complexos,
no nível de input. Também significativa foi a percentagem de conceitos
posicionados na célula 23 (11,0%) e que corresponde a conceitos espaciais
complexos no nível de processamento cognitivo.
4. Discussão e Conclusões
Recorrendo à Taxonomia de Jo e Bednarz (2009) foi é possível analisar a
tipologia de conceitos e de raciocínios mobilizados pelos do Ensino Básico, da
Escola Francisco Sanches, em Braga.
A observação das descrições e interpretações geográficas revelou a apropriação
predominante de conceitos espaciais simples, como os topónimos (as designações
de localidades, serras e montanhas), tendo sido também visível a utilização
progressiva dos conceitos espaciais complexos, ao nível do output e sobretudo
do input. A toponímia, surgindo num contexto de espaço e tempo, permite uma
abordagem da distribuição espacial dos lugares, do seu contexto histórico e
político, bem como do seu significado na representação cartográfica (Seemann,
2005).
Prevaleceram, ainda, ao longo do objeto de análise as referências a saberes
memorizados relacionados com factos geográficos isolados. Foi pouco frequente,
no entanto, a análise multidimensional e crítica do espaço, associada a
processos cognitivos de nível superior, propícios ao desenvolvimento da
literacia e do pensamento geográficos (Câmara et al., 2001; CNEB, 2001).
Sabemos que é a interação entre o indivíduo e o espaço que o tornará um cidadão
consciente da sua participação no espaço, não apenas na capacidade de
visualizar os factos e de os descrever através de mapas mentais (Goodchild
& Janelle, 2010; Melo, Coelho & Santos, 2010), como também pela
possibilidade de agir sobre esse mesmo espaço no sentido de obter os recursos e
o conhecimento de que necessita (Bednarz & Kemp, 2011; Bednarz &
Bednarz, 2008).
O estudo desenvolvido permitiu, ainda, promover a leitura e a produção de
textos como atividades potenciadoras do pensamento espacial crítico (Souza,
2009; Vygotski, 1998). Por outro lado, a escrita tem a mais-valia de contribuir
para um maior sentimento de segurança na produção escrita, na apropriação dos
conceitos e na tomada de posição. Embora as ilações formuladas não possam ser
extrapoladas para outras unidades do real, considerámos que o estudo permitiu
avaliar a literacia espacial e o pensamento geográfico dos alunos da escola
estudada, e por esta via perspetivar a concretização dos objetivos curriculares
da disciplina de Geografia.
Sabemos que a disciplina de Geografia cumpre o seu propósito se proporcionar a
apropriação de conceitos espaciais, progressivamente mais complexos, que
impliquem um processamento cognitivo associado à formulação de hipóteses,
análises e inferências, com sentido crítico, pertinência e criatividade.