Comprendre la télévision
François Jost, Comprendre la télévision, Paris, Armand Colin, 2005; Régine
Chaniac e Jean-Pierre Jézéquel, La télévision,Paris, La Découverte, 2005.
A centragem da comunicação global através da língua inglesa tem por
consequência a primazia dada na academia e na edição aos estudos anglo--
americanos, apagando-se involuntariamente a atenção sobre trabalhos de
qualidade noutras línguas. Nos estudos televisivos, esse apagamento é evidente,
tendo menor circulação do que trabalhos medianos em inglês, trabalhos de
qualidade em francês, alemão, português e tantas outras línguas. Os autores
nórdicos optaram por usar com frequência o inglês, publicando nessa língua na
internet (por exemplo, www.nordicom.gu.se) ou em livro, o que tem permitido uma
justa visibilidade a autores como o norueguês Jostein Gripsrud (Understanding
Media Culture, Oxford, Arnold, 2002). Seria muito positivo para a investigação
em Portugal que houvesse uma política estruturada de tradução e divulgação em
inglês dos trabalhos de referência de investigadores de língua portuguesa.
Em França, os estudos televisivos não têm esta denominação, estando englobados
nos estudos comunicacionais, mediáticos e de imagem. François Jost, autor de
Comprendre la télévision, é professor de Ciências da Informação e da
Comunicação na Universidade de Sorbonne Nouvelle Paris III e director do Centro
de Estudos das Imagens e dos Sons Mediáticos (CEISME), em Paris; os seus
trabalhos mais importantes da última década dedicaram-se à televisão. Este
livro de 2005 é um pequeno manual de 128 páginas que permite, em simultâneo,
desenvolver ferramentas de análise da televisão e aplicá-las em casos práticos.
Mas Jost consegue ao mesmo tempo inserir elementos sobre a evolução do media e
dos seus géneros. O autor pretende também, ao longo do livro, estabelecer as
características que distinguem a televisão, em especial do cinema, valorizando
o «contexto» em que os programas existem enquanto produtos culturais. Nesse
sentido, aproxima-se da pragmática dos estudos televisivos britânicos, que
estabelecem uma análise dos conteúdos televisivos em três vertentes: o texto
(valorizando-se a análise semiótica), a institucionalidade (permitindo explicar
condicionantes do resultado final através da análise do canal, empresa,
legislação, economia dos media, etc.) e as audiências (elemento decisivo não só
nos conteúdos, como na sua colocação em «grelha» televisiva). Daí que, além do
texto, cuja análise parece em geral sobrevalorizada em França, o autor acentue
a necessidade do estudo da programação e ainda do género, a que já dedicou
trabalhos anteriores, por considerá-lo fulcral no estudo dos programas.
Tal como autores de língua inglesa, como Jason Mittell1, o autor considera que
o género é definido também pela audiência e pela instituição, e não apenas pelo
texto quando analisado pelos especialistas. Jost usa o conceito feliz de
«promessa de género» (p. 43) como âncora para essa definição: o canal promete
um programa de um certo género, a apreciação pelos especialistas e pela
audiência permitirá confirmar se a promessa é cumprida. O capítulo sobre o
género é um dos mais conseguidos, embora o autor não explique a afirmação
pressuposta do «directo» como género. Apesar da sua importância fundamental
para a «ontologia» do media, o directo é um tipo de comunicação transversal a
vários géneros, não sendo auto-suficiente quanto a conteúdos e até à inserção
neles: por exemplo, além da informação e dos programas de entretenimento de
variedades, não só houve programas ficcionais (teatro) em directo nos primeiros
anos da TV, como se voltou a esse tipo de transmissão recentemente (por
exemplo, episódio da novela Anjo Selvagem em directo, TVI).
Jost considera que os programas de televisão se inserem num de três «mundos»
o do real, o da ficção e o do jogo ou na sua intercepção. Na sua análise não
recorre apenas a conceitos da literatura, da antropologia e da sociologia. De
facto, Jost é um autor que nunca deixa de lado o contexto social como chave
explicativa dos programas, sendo este seu trabalho um exemplo de aplicação de
uma definição ampla de cultura. A ferramenta analítica dos três mundos (pp. 62-
103) torna-se útil para o estudo concreto de casos, passo que o autor
exemplifica no último capítulo deste livro.
O facto de Jost se apresentar desde a primeira página como «tomando o partido
do espectador» (p. 5) não significa que este livro se destina apenas ao público
em geral que possa querer iniciar-se na literacia dos media (ou «educação para
os media», p. 7), mas antes representa uma atitude analítica independente não
só das instituições mediáticas, mas também do que parece ser a corrente
maioritária nos estudos televisivos franceses, de «oposição» às indústrias
culturais tout court. Neste aspecto, Jost aproxima-se dos seus colegas anglo-
americanos, que pouco cita, aliás, preferindo dar ao leitor portas de acesso
apenas a estudos quase todos franceses. Essa opção é aceitável num livro de
iniciação e por se tornar necessário um conhecimento dos conteúdos analisados:
muitas vezes é complexo estudar televisão quando os estudos se reportam apenas
a programas que o leitor desconhece. No caso específico do leitor português,
essa bibliografia serve como índice de um corpus a par do anglo-americano. Este
livro, em geral, tem como outro interesse para o leitor português as muitas
semelhanças da história da televisão em França e em Portugal, não só do ponto
de vista institucional, como de conteúdos e audiências.
Este livro serve como ponto de situação da televisão no início do século xxi.
Todavia, falha na ausência da consideração sobre a evolução do media: nada diz
quanto a novas técnicas de transmissão de conteúdos, novas técnicas de
interactividade, fragmentação crescente de canais e de audiências, sobre a
diminuição do peso social do media. Desta forma, Comprendre la télévision é um
manual quase exclusivamente sobre a televisão generalista e as suas formas de
apresentação.
Como que colmatando essa falha, também em 2005 uma socióloga e um economista
franceses publicaram um pequeno manual cuja característica determinante é a
atenção prestada à evolução recente do media, a par de um enquadramento
histórico. O pequeno livro (122 páginas) faz um acompanhamento correcto da
evolução da televisão, mostrando quanto o envolvimento institucional e
comercial determinou em boa parte o modelo de televisão estatal para a
comercial, hoje ainda em torno da televisão generalista (capítulos i e ii), mas
já em mudança para um modelo que ainda se desconhece na sua inteireza. A
evolução técnica também influi, mas os autores desde o início rejeitam uma
interpretação determinista a este respeito.
Apesar de a maior parte dos exemplos sobre a televisão generalista no livro
serem dos anos 80, o que revela alguma paragem no tempo da sua investigação,
eles são ilustrativos e Chaniac e Jézéquel avançam sem falhas para o tema da
multiplicação dos canais e da introdução da televisão paga (iii) e daí para a
«emergência de um novo modelo de televisão» (iv): a diversificação da oferta,
mas com uma programação «regida pela penúria», a fragmentação dos públicos e as
interrogações sobre o «fim dos canais generalistas». Sobre o futuro da
televisão (v), os autores interrogam-se ainda sobre as novas possibilidades
resultantes da convergência de técnicas de informação e da «polivalência das
redes e terminais» e ainda sobre a interactividade. Terão estas evoluções
necessariamente consequências sobre o género de programas que a televisão
oferece aos espectadores? Embora o texto do último capítulo e o da conclusão
sejam claros e bem justificados, é pena que os autores não tenham desenvolvido
o conceito promissor de «desprogramação» (pp. 89 e seg.), isto é, sendo a
programação essencial à definição de televisão (como também refere Jost), o seu
esvaziamento poderá levar ao próprio desaparecimento do que definimos como
televisão: «A questão central para o futuro da televisão, quaisquer que sejam
os modos de difusão, mantém-se a sua capacidade de criar programas susceptíveis
de conquistarem os públicos e de constituírem assim um património à sua medida»
(p. 114).
Eduardo Cintra Torres
1 Jason Mittell (2004), «A cultural approach to television genre theory»,
inRobert C. Allen e Annette Hill, The Television Studies Reader, Londres,
Routledge, pp. 171-181.