Máscara e Educação em Jean-Jacques Rousseau
A vida de Jean-Jacques Rousseau está representada por quatro grandes períodos.
O primeiro, dito precoce, ocorre entre 1728 a 1748. O segundo, nostálgico,
ocorre entre 1749 a 1756. O terceiro, de esperança, entre 1756 e 1762. O
quarto, de desencanto, entre 1763 e 1778. É sobre este último período que
aqui nos iremos debruçar. O período abarca os escritos autobiográficos mais
pertinentes do autor, a saber, Confissões (1770), Rousseau juiz de Jean Jacques
(1776)e Devaneios de um Caminhante Solitário(1778). Caracteriza-se pelo
reconhecimento e assunção, por parte de Rousseau, do carácter estruturalmente
totalitário da sociedade. Na sociedade, o homem encontra-se preso e
circunscrito à figura do cidadão, enredado por um conjunto de máscaras que mais
não fazem do que remeter a condição humana ao esquecimento. A máscara é
necessária à artificialidade da vida em sociedade, enquanto modo específico que
o homem tem de se representar no seu seio. A memória constitui, porém, o
antídoto para a máscara, a qual está por isso condenada a ser banida do tempo
histórico. É pela recordação que se recuperam os princípios fundamentais da
condição humana, mesmo que apenas a título de simples hipótese. Se à memória
cabe o papel de resgatar e recuperar esses princípios, é à educação que cabe
atualizar esse tempo originário redescoberto pela memória. É assim que se
percebe o estatuto primordial que Rousseau empresta à memória. Diz o autor nas
Confissões:
Custa-me não só explicar as ideias, como até recebê-las. Estudei os
homens e creio-me um observador razoável: contudo, nada sei ver do
que vejo; só vejo bem aquilo de que me lembro, e só nas minhas
recordações tenho espírito. Não sinto nada, não penetro em nada de
quanto se diz, de quanto se faz, de quanto se passa na minha
presença. O sinal exterior é tudo que me impressiona. Em seguida,
porém, tudo isso me vem à memória: recordo-me do lugar, do tempo de
tom, do olhar, do gesto, da circunstância; nada me escapa. Acho
então, pelo que se fez ou se disse, o que se pensou, e raramente me
engano. (1988: 121-122)
A resposta à pergunta quem foi Rousseau? revela-se mais na sua vida do que em
qualquer edificação teórica levada a cabo, quer pelos seus contemporâneos, quer
por alguns dos seus estudiosos. É pelo seu autorretrato, considerado a partir
das leituras dos textos autobiográficos, em que o recurso à memória é
fundamental, que devemos procurar uma resposta a essa pergunta. Afirma
Rousseau: Garanto a verdade dos factos que vos serão narrados, eles realmente
aconteceram com o autor do texto que transcreverei. ( ) eu vo-lo ofereço para
que o examineis (1999: 348). Mas um gesto interrogativo suplementar deve ser
acrescentado ao da interpretação do texto rousseauniano. Conhecemos o autor
pela obra ou conhecemos a obra pelo autor? Christopher Kelly apresenta a sua
posição, que diverge da de Starobinski, ao afirmar: Ele [Starobinsly]
interpreta o pensamento de Rousseau à luz da sua personalidade tal como
revelada nos seus escritos, ao passo que a presente leitura interpreta a
apresentação da sua personalidade à luz do seu pensamento (2001: 308). Mas em
nosso entender, nem o autor é a mera expressão do seu génio literário, nem a
obra está totalmente refém da personalidade do autor. Num primeiro momento
deve-se considerar a vida e a personalidade de quem escreve. Num segundo
momento, porém, deve-se considerar a obra enquanto detentora de uma dimensão
mais alargada. Ela abandona a sua natureza particular, facultada pela
biografia, e passa a ter um alcance necessário e generalista.
Cassirer afirma, relativamente à génese da obra de Rousseau:
( ) as ideias fundamentais de Rousseau, embora brotem diretamente de
sua natureza e de sua peculiaridade, não permanecem fechadas, nem
presas nessa peculiaridade individual ' que elas em sua maturidade e
perfeição apresentam-nos uma problemática objetiva válida não somente
para ele próprio ou a sua época, mas que contém em toda a sua
acuidade e determinação uma necessidade interna rigorosamente
objetiva [que] emerge de maneira muito gradual do solo originário
individual da natureza de Rousseau, e ela deve ser de certo modo
arrancada desse solo originário, deve ser conquistada passo a passo.
(1997: 42)
Essa necessidade interna de que aqui fala Cassirer está bem patente, por
exemplo, no Discurso sobre as Ciências e as Artes (1750). O texto inaugura um
período polémico na vida do autor e apresenta-se como uma resposta para a
pergunta colocada a concurso pela Academia de Dijon, sobre se o
restabelecimento das ciências e das artes contribui para aperfeiçoar os
costumes. Logo no início é-nos apresentado um conjunto de premissas que
servirão de base e guiarão toda a obra de Rousseau:
É um espetáculo grande e belo ver o homem sair a bem dizer do nada
por seus próprios esforços; dissipar, pelas luzes da sua razão, as
trevas em que o envolvera a natureza; elevar-se acima de si mesmo;
alçar-se pelo espírito até às regiões celestes; percorrer a passos de
gigante, assim como o Sol, a vasta extensão do universo; e, o que é
ainda maior e mais difícil, penetrar em si mesmo para aí estudar o
homem e conhecer-lhe a natureza, os deveres e o fim. (2002: 11)
Qual a natureza do Homem? Quem é o Homem? São naturalmente duas questões
centrais no pensamento do autor. E é a partir delas que uma terceira surge:
Qual a condição originária do Homem? Aquilo que distingue estas questões, mais
do que a resposta específica que cada uma delas exige, é o seu significado
epistemológico global na obra de Rousseau. Assim, as duas primeiras questões
são questões prévias: necessitam de ser colocadas antes de qualquer
reconhecimento factual, ou seja, são questões que assumem um carácter metódico.
A terceira questão possui um carácter interpelativo na medida em que é de
natureza factual, entenda-se, histórica. Será a partir dela que se desencadeará
todo o processo reflexivo que subsequentemente permitirá responder às duas
questões iniciais. Veja-se o que Rousseau afirma no prefácio ao Discurso sobre
a Origem e os Fundamentos da Desigualdade entre os Homens (1755):
De que se trata, então, precisamente neste Discurso? De apontar, no
progresso das coisas, o momento em que, sucedendo o direito à
violência, a natureza foi submetida à lei; de explicar por qual
encadeamento de prodígios o forte pôde resolver-se a servir o fraco,
e o povo a comprar uma tranquilidade imaginária pelo preço de uma
felicidade real. (2002: 160)
Saber qual o momento em que a condição humana degenerou, aquele em que decaiu
de uma condição originária para outra artificial, é o tema central no
pensamento de Rousseau. O caminho escolhido pelo autor para obter uma resposta
a essa pergunta é duplo. Não sendo um caminho paradoxal, é um caminho com
sentidos paralelos: o sentido do particular e o sentido do genérico. Isso é
particularmente evidente quando Rousseau diz: É do homem que devo falar, e a
questão que examino indica-me que vou falar a homens ( ). Defenderei, pois, com
confiança, a causa da humanidade ( ) (2002: 159). Repare-se que Rousseau
começa por dizer que é do homem e é para homens que vai falar, por isso deve
ser feita uma interpretação literal dos termos. Ou seja, consideramos que
Rousseau, através da interpelação que expressamente faz aos seus leitores, cria
um jogo dialético entre o eu e o outro. É na dinâmica desse jogo que
Rousseau constrói a sua teoria. Uma leitura sincrónica da obra, que respeite a
cronologia de composição dos textos, fez com que alguns estudiosos, como refere
Gay, entendessem ( ) ter encontrado aessência de Rousseau num ou noutro de
seus trabalhos ou em algum de seus cintilantes epigramas (1997: 8). E
sublinha, pondo em relevo o alcance das suas palavras:
Pior, um número de estudiosos de Rousseau inferiu o suposto carácter
confuso ou autocontraditório de sua obra a partir do inegável facto
de que os seus escritos inspiravam movimentos amplamente divergentes,
descurando a notória propensão de discípulos a distorcer a filosofia
de seu mestre pela seleção daquilo de que necessitam. Muitos
pensadores têm sofrido nas mãos de comentadores, mas poucos têm tido
de suportar tanto quanto Rousseau. (Ibidem)
No entanto, uma leitura diacrónica possibilita encontrar um princípio
subjacente e unificador a toda a obra de Rousseau: o próprio Rousseau. A sua
própria pessoa é o elemento que congrega o processo vivencial que torna
possível a Rousseau apresentar-se, quer como o modelo, quer, ao mesmo tempo,
como o último homem a tentar recuperar a sua condição originária. A este
propósito, diz Baczko que ( ) na sua imagem do mundo, Rousseau passa ( ) muito
facilmente dos fenómenos particulares às características globais (1974: 16).
Assim, se a leitura da obra for feita, de modo sequencial, dos últimos escritos
para os primeiros, o que encontramos é o modelo vivo daquele que tenta
responder à questão inicial, a saber: qual a condição originária do Homem?
Partilhamos da perspectiva de Kelly quando este escreve:
A sua perspetiva relativa à necessidade de se afirmar enquanto um
modelo de comportamento na vida pública explica numerosos dos seus
atos públicos tais como o abandonar Paris, a recusa em aceitar
pensões reais e posições honorárias lucrativas e outros conspícuos
exemplos de comportamentos que enfatizam o seu não-interesse e
independência. ( ) Este esforço também explica a sua crescente
vontade de identificar a sua doutrina com ele próprio. (2001: 311)
Por isso, as Confissões,mais de que uma apresentação de Rousseau para um
julgamento perante Deus e perante os homens, encerram em si aquela temática que
perpassa por todo o pensamento do autor, a relação entre o estudo do indivíduo
e o estudo da humanidade. Entende nesse sentido Gauthier ser esta uma obra de
estudo normativo, pois é ( ) o primeiro trabalho em que um homem verdadeiro à
natureza é representado, e assim fornece o modelo com o qual todas as outras
representações dos seres humanos podem ser comparadas (2006: 108).
A postura crítica de Rousseau evidencia-se, quer pelo estilo literário, quer
pelo tipo de relação que pretende manter com os seus leitores. Os leitores são
os seus interlocutores, com os quais estabelece um permanece jogo: ele
pergunta, problematiza, objeta. Rousseau quer comprometer os homens e fá-lo na
pessoa dos seus leitores. Sobre este aspeto, salienta Baczko: Que os seus
leitores fossem do seu tempo, ou de mais à frente, das gerações seguintes, é
uma relação pessoal muito particular que Jean-Jacques Rousseau acaba por lhes
impor a respeito da sua obra e dele próprio (1974: 283). Que a postura crítica
não depende apenas de uma questão de estilo depreende-se das seguintes palavras
do autor: ( ) peço aos leitores que deixem meu belo estilo de lado e apenas
examinem se raciocinei bem ou mal; pois, finalmente, apenas do fato de um autor
se exprimir em bons termos, não vejo como se possa daí concluir que esse autor
saiba o que diz (Rousseau, 2006: 141). Essa postura tenta ir mais além, na
medida em que faz uso de uma habilidade tática: a inversão dos acontecimentos.
Se o Discurso sobre as Ciências e as Artes e o Discurso sobre a Origem e os
Fundamentos da Desigualdade entre os Homens nos apresentam o processo
degenerativo do homem natural, por sua vez, é nos textos autobiográficos que
Rousseau apresenta a possibilidade do regresso à verdadeira natureza do homem,
através da descrição do processo degenerativo do cidadão. A nosso ver, as
Confissões revelam esse jogo dialético de forma muito nítida. Veja-se o
entendimento de Baczko relativamente a este ponto:
Nas Confissões Jean-Jacques Rousseau faz à vez mais e menos do contar
os acontecimentos da sua vida: ele escreve antes e sobretudo a
história dos estados da sua alma à medida que tais acontecimentos
acontecem, estes sendo para ele as causas ocasionais desses
sentimentos e ideias. Com um grau variável de exatidão essa fórmula
aplica-se a toda a obra de Jean-Jacques, uma vez que é sempre o mundo
apreendido pelo prisma da sua personalidade que ele nos apresenta. As
questões as mais gerais e mais abstratas ' o lugar do homem no
universo e os princípios do governo político, as origens do mal moral
e a relação do homem com Deus ' Jean-Jacques apresenta-as não apenas
como objetos de reflexão, mas também como problemas pessoais, que ele
integra na sua vivência. (1974: 283)
Tomando-se a si próprio como exemplo, Rousseau mostra o processo degenerativo
do cidadão. Quando decide falar da reforma que operou na sua vida, o seu
objetivo é mostrar ( ) aos meus semelhantes um homem em toda a verdade da
natureza, e esse homem serei eu. Eu só (1988: 21). Ideia que repete de forma
ostensiva no terceiro diálogo de Rousseau juiz de Jean Jacques:
De onde o pintor e apologista da natureza hoje tão desfigurada e
caluniada teria podido tirar seu exemplo? Será que ele não o
encontrou no seu próprio coração? Ele descreveu esta natureza tal
como a sentia em si mesmo. ( ) Numa palavra : foi necessário que um
homem se retratasse a si mesmo para nos mostrar o homem natural ' e
se o autor não tivesse sido tão singular quanto os seus livros, ele
jamais os teria escrito. Mas onde existe ainda esse homem da natureza
que vive uma vida verdadeiramente humana; que não leva em
consideração a opinião dos outros, e que se deixa levar pura e
simplesmente pelas suas inclinações e pela sua razão, sem atentar
para o que a sociedade e o público aprova ou censura? ( ) Se vós não
me tendes pintado o vosso J.J, acreditaria que o homem natural não
existisse mais, mas a relação marcante daquele que me haveis pintado
com o Autor cujos livros li não me deixaria duvidar que um fosse o
outro, quando nenhuma outra razão tinha para assim o crer. (1959:
936)
É num diálogo constante entre o eu e o outro, expresso no seguinte
comentário: Quem quer que sejais, vós a quem o meu destino ou a minha
confiança fizeram árbitro deste caderno ( ) (1988:19), que Rousseau coloca em
evidência o sentido último das Confissões. Rousseau descrever-se-á tal como é,
sem recurso a qualquer máscara, a qualquer tipo de artificialismo,
apresentando-se como ( ) o único retrato de homem, pintado exatamente segundo
o natural e em toda a sua verdade, que existe e que provavelmente existirá
jamais (Ibidem). É nesta ansia obsessiva de busca pelo original que Rousseau,
reconhecendo a dificuldade de edificar tal projeto, sente a necessidade de se
manter em constante interação com os seus interlocutores. Por isso afirma:
( ) é preciso que ele me siga em todos os desvarios do meu coração,
em todos os escaninhos da minha vida; que nem um só instante me perca
de vista, com receio de que, ao encontrar na minha narração a mais
pequena lacuna, o menor hiato, não tenha de perguntar a si mesmo: -
Que fez ele durante este tempo? ' e não tenha que me acusar por eu
não querer dizer tudo. (1988: 70)
A exposição pública que Rousseau faz de si é reconhecidamente assumida por ele.
Existe como que uma necessidade constante de vigiar as suas palavras: No
projeto que formei de me mostrar inteiramente ao público ( ) preciso conservar-
me incessantemente debaixo dos seus olhos ( ) (Ibidem). O objeto de escrutínio
é articulação e adequação que deve haver entre o plano do dizer e o plano do
fazer, entre as palavras e a ação concreta. Nas Confissões Rousseau refere a
dificuldade em se ser virtuoso:
Extraí daí esta grande máxima de moral, talvez a única de utilidade
prática, que é a de evitar as situações que põem os nossos deveres em
oposição com os nossos interesses, e nos revelam o nosso bem no mal
dos outros, convencido de que, em tais situações, mesmo que a elas
tragamos um sincero amor da virtude, fraquejamos mais cedo ou mais
tarde sem dar por isso, e tornamo-nos injustos e maus nas ações, sem
deixarmos de ser justos e bons na alma. (1988: 67)
A virtude só é virtude, para Rousseau, se, pela sua prática, estiver de acordo
com o dever. Escreve Kelly a propósito da reforma de hábitos e comportamentos
que a dada altura Rousseau operou na sua vida:
É à luz desta linha de raciocínio que se deve julgar a reforma
pessoal assaz pública de Rousseau, empreendida poucos anos depois da
publicação do Primeiro Discurso. Ao longo de todo o relato do
lançamento da sua carreira literária nos Livros VIII e IX das
Confissões especial atenção é prestada à tentativa de incorporar nas
suas atividades públicas os princípios que ele ensina nos seus
livros. (2001: 310)
Kelly articula em três pontos o que, em sua opinião, Rousseau pretendia quando
escreveu as Confissões. Por um lado, pretendia apresentar a ideia do que
significa ser um autor. Acrescentamos nós, um autor de textos autobiográficos.
Diz Rousseau: Sei perfeitamente que o leitor não tem grande necessidade de
saber tudo isto, mas eu, eu é que tenho necessidade de lho dizer (1988: 36).
Por outro lado, pretendia afirmar a sua teoria a partir da natureza da sua
pessoa e dos seus escritos, de que o homem é naturalmente bom mas as
instituições acabam por corrompê-lo. Finalmente, pretendia mostrar como o homem
pode ser transformado pela experiência social, e portanto, desnaturado:
Fôsseis vós, vós mesmo, enfim, um dos meus implacáveis inimigos,
deixai de o ser com as minhas cinzas, e não leveis a vossa cruel
injustiça até ao momento em que nem vós nem eu já seremos vivos, a
fim de que, ao menos uma vez, possais prestar a vós próprio a nobre
justiça de haverdes sido generoso e bom quando podíeis ser mau e
vindicativo. (1988: 19)
Se as Confissões são um texto de aproximação entre o autor e o seu público, a
verdade é que Rousseau, ao mesmo tempo, sente urgência em ( ) apresentar ao
leitor as ( ) desculpas ou as ( ) justificações (1988:70) do que vai relatar.
Mas porquê tal necessidade, pois não é a verdade dos factos que será
apresentada? É justamente esta espécie de hesitação que confere um carácter por
vezes paradoxal aos seus textos. Repare-se porém na justificação apresentada
por Rousseau:
Enquanto a nobre imagem da liberdade me exaltava a alma, as de
igualdade, de união, de doçura dos costumes comoviam-me até às
lágrimas, inspirando-me um vivo desgosto por haver perdido todos
estes bens. Em que erro eu me achava. Mas como este erro era natural
julgava ver tudo isso na minha pátria, porque a trazia no coração.
(1988:150)
É o conceito de verdade que aqui está em jogo. Para Rousseau um erro
natural não pode ser considerado como uma mentira: Leitores vulgares, perdoai
meus paradoxos, é preciso cometê-los quando refletimos; e, digam o que
disserem, prefiro ser homem de paradoxos a ser homem de preconceitos (1999:
91). Daí as desculpas e as justificações que ele sente necessidade de fazer
perante os seus leitores serem essencialmente de carácter preventivo. Rousseau
apresenta-as na tentativa de alertar os seus leitores para aquilo que possam
parecer paradoxos, os quais nunca deverão ser entendidos como mentiras ou como
artificialismos. A este respeito, escreve Gauthier:
As Confissões são um retrato que é para ser fiel ao seu objeto ' que
é para ser verdadeiro a Rousseau. Mas é também um retrato que é para
ser executado de modo a ser fiel à natureza. Se somente aquilo que é
verdadeiro à natureza pode ser representado de acordo com a natureza,
então, para que as duas fidelidades possam ser sustentadas, Rousseau
deve ele próprio ser verdadeiro à natureza. E uma vez que Rousseau é
diferente, por implicação, os outros homens não são verdadeiros à
natureza ( ). A verdade única das Confissões depende da verdade única
do seu confessor. (2006: 108)
A questão que permanece é a de saber como pode o homem ser fiel à sua natureza.
A proposta de Rousseau é a quase prosaica: Moldam-se as plantas pela cultura,
e os homens pela educação (1999: 8), o que aponta para uma concepção do
processo educativo que podemos designar por clássica. A propósito desse
carácter clássico de Rousseau, diz Casulo:
E Rousseau, em que medida foi ele um clássico? ( ) Na realidade,
ninguém, antes de Rousseau, tinha entrevisto a recuperação do humano
por uma educação natural. Nem o satírico Juvenal e a sua pueris
maxima reventia debetur, nem Vitorino de Feltre na pedagogia seguida
na sua Casa Giocosa, alguma vez foram tão longe quanto Rousseau.
Nenhum deles ousou a radicalidade de, na relação pedagógica e tendo
em vista a regeneração do Homem, afirmar o puerocentrismo por sobre o
poder social delegado na proeminência do educador. (2009: 24-25)
No Emílio (1761), diz Rousseau a propósito da República de Platão, texto no
qual a concepção clássica do processo educativo tem origem: Não é uma obra
de política, como pensam os que só julgam os livros pelo título: é o mais belo
tratado de educação jamais escrito (1999: 12). A proposição de Rousseau
conjuga uma aproximação mais do que acidental entre os dois autores. A
propósito da concepção que Platão tem da educação, e da sua articulação com o
político, escutemos Jaeger:
O Estado de Platão versa, em última análise, sobre a alma do Homem. Que ele nos
diz do Estado como tal e da sua estrutura, a chamada concepção orgânica do
Estado, onde muitos vêem a medula da República platónica, não tem outra função
senão apresentar-nos a imagem reflexa ampliada da alma e da sua estrutura
respetiva. E nem é numa atitude primariamente teórica que Platão se situa
diante do problema da alma, mas antes numa atitude prática: a atitude de
modelador de almas. A formação da alma é a alavanca com a qual ele faz Sócrates
mover todo o Estado. O sentido do Estado, tal qual a sua obra fundamental o
revela, não é diferente daquele que podíamos esperar, depois dos diálogos que a
precederam, o Protágorase o Górgias. É, se nos apoiarmos na sua essência
superior, a educação. (2001: 751-752)
Rousseau repete o mesmo gesto prático de Platão. Não se limita a pensar o lugar
do homem no mundo, pensa sobretudo qual deve ser esse lugar. A esse respeito
afirma O'Hagan: ( ) o seu pensamento está unificado por um profundo
naturalismo, porém, ao mesmo tempo, animado por uma poderosa, criativa tensão
entre dois ideais conflituantes de como devemos viver (2003: xii). O'Hagan
caracteriza o naturalismo de Rousseau como um esforço de colocar o homem no seu
lugar natural e compreender a sua condição atual ( ) como o resultado de um
processo de desenvolvimento em que o ambiente, natural e social, desempenha um
papel crucial (Ibidem). A resposta que formularam depende da ideia de homem
que têm. Cada um deles sustentou a ideia de homem num mesmo alicerce, a
educação. Mas que educação? Aquela que visa a formação integral do homem, a
paideia no sentido grego. Sobre a paideia em Platão, diz Cambi:
Platão fixa em seu pensamento dois tipos de paideia, uma ' mais
socrática -, ligada à formação da alma individual, outra ' mais
política -ligada aos papéis sociais dos indivíduos, distintos quanto
às qualidades intrínsecas da sua natureza que os destinam a uma ou
outra classe social e política. Já neste primeiro modelo de formação,
ligado à condição do homem aprisionado na caverna, do corpo e da
doxa (opinião), sublinha-se o forte acento individual e dramático da
paideia, cujo objetivo é o reconhecimento da espiritualidade da alma
e da sua identidade contemplativa. (1999: 89)
Assim, temos por um lado Platão, que pretende estabelecer uma sociedade ideal
através da articulação entre uma visão política da educação e um modelo de
formação das diversas classes sociais. Explica Cambi: A cidade ( ) teorizada
por Platão vê presentes três classes sociais: os governantes, os guardiões e os
produtores, aos quais correspondem tipos humanos e morais bastante diferentes
(1999: 90). Por outro lado, temos Rousseau, que pretende, pela educação, criar
o cidadão para a sociedade perfeita, aquela que vemos descrita no Contrato
Social (1762). Estabelecer a comparação entre o método que é proposto pelos
dois autores para alcançar esse idêntico objetivo pedagógico parece-nos por
isso necessária e inevitável. Consideremos a Alegoria da Caverna de Platão. O
seu intuito é pôr em evidência o modo como a natureza humana está condicionada
desde a nascença, condicionamento esse que, por ser tão familiar e estar tão
enraizado no homem pelo hábito, é entendido como sendo a sua condição natural.
A caverna é uma metáfora da sociedade humana. As sombras projetadas pela luz da
fogueira no fundo da caverna são a verdadeira realidade dos homens agrilhoados
no seu interior, dos homens que vivem em sociedade, apesar de falsa por
comparação à realidade projetada pela luz verdadeira do sol. Há dois caminhos
possíveis para quem está no interior caverna. Ou sai dela, ou permanece no seu
interior. Quem caminha até à luz do sol inevitavelmente acaba por reconhecer a
situação alienada em que se encontrava. Platão descreve-o como um caminho árduo
e penoso, inicialmente feito com relutância. O prisioneiro grita e protesta
quando arrancado aos seus grilhões. Liberto, será só capaz de enxergar as
sombras projetadas pela luz do sol, imagens difusas da verdade, só gradualmente
tornando-se capaz de fitar diretamente para os objetos iluminados, a sociedade
vista sem artifícios, e por fim olhar a própria luz do sol, a fonte da
desilusão e do desencantamento, que quase o cegará. Quem, por outro lado, se
mostrar relutante em abandonar a caverna, há-de sentir ressentimento e maldizer
a aparente sobranceria de quem, tendo saído da caverna, tendo olhado para a
sociedade com o olhar irónico de quem a vê de fora, lhe vem anunciar que vive
num estado de torpe ignorância. O conhecimento da verdade da sua condição, nos
termos da teoria da anamnese platónica, já está na posse do prisioneiro, apenas
disso se tendo esquecido. Escutemos por comparação Rousseau, quando diz, no
Emílio:
Suponhamos que uma criança tivesse ao nascer a estatura e a força de
um homem adulto, e saísse, por assim dizer, completamente armada do
ventre de sua mãe, como Palas saiu do cérebro de Júpiter. Esse homem-
criança seria um perfeito imbecil, um autómato, uma estátua imóvel e
quase insensível; nada veria, nada ouviria, não conheceria ninguém,
não seria capaz de voltar os olhos para o que precisasse ver; não
somente não perceberia objeto algum fora dele, como não relacionaria
nenhum objeto com o órgão sensorial que o fizesse ser percebido; as
cores não estariam em seus olhos, os sons não estariam em seus
ouvidos ( ). Formado de repente, esse homem tampouco seria capaz de
se erguer sobre seus pés. Precisaria de muito tempo para aprender a
se manter em equilíbrio, e talvez nem mesmo fizesse a tentativa ( ).
(1999: 44)
Este homem-criança de Rousseau é o prisioneiro alienado da caverna de Platão,
um homem com os sentidos severamente embutidos, incapaz de perceber
adequadamente o que está à volta dele, de percecionar o mundo tal qual o mundo
é, e sobretudo reconhecer a sua própria natureza, o reconhecimento de si. É
esse homem que Rousseau quer resgatar da sua condição de equívoco e
artificialidade. Rousseau não enveredará pelo caminho nostálgico de um regresso
ao passado, tal como aparece jocosamente referido no comentário de Voltaire, de
que ( ) sente-se vontade de andar de quatro patas, quando se lê vossa obra
(2002: 245). Eis e réplica de Rousseau a esse comentário, feita em Rousseau
juiz de Jean Jacques, dita pela personagem pseudónima do francês:
Mas a natureza humana não regride se não retornar aos tempos de
inocência e igualdade uma vez que de tal nos afastemos; trata-se de
um dos princípios acerca dos quais ele [Rousseau] mais insistiu.
Assim o seu propósito não pode ser o de trazer os numerosos povos nem
os grandes estados à sua simplicidade primeira, mas apenas parar, se
possível, o progresso daqueles cuja pequenez preservou de uma marcha
assaz rápida em direção à perfeição da sociedade e em direção à
deterioração da espécie. (1959: 935)
A esse título, explica ilustrativamente Cassirer:
Não se pode criar o verdadeiro saber do homem a partir da etnografia
ou da etnologia Existe somente uma fonte viva para este saber: a
fonte do autoconhecimento e da autorreflexão. ( ) Para distinguir o
homme naturel do homme artificiel, não precisamos retroceder a
épocas há muito passadas e desaparecidas ' nem fazer uma viagem ao
redor do mundo. Cada um traz em si o verdadeiro arquétipo ' mas sem
dúvida quase ninguém conseguiu descobri-lo sob o seu invólucro
artificial, sob todos os acessórios arbitrários e convencionais e
trazê-lo à luz. (1997:51)
Através da educação Rousseau propõe um caminho ascendente, que, partindo de uma
situação de artificialidade, deve permitir a cada homem libertar-se
individualmente da máscara que traz consigo. Culminando no autoconhecimento
enquanto gesto de reconhecimento, pela memória, da natureza humana e da sua
condição. Em paralelo com o que sucede na Alegoria da Caverna, Rousseau
oferece-nos um Emílio que também é libertado dos seus grilhões, ou como diz o
autor, das algemas do preconceito e da artificialidade. Mas há uma diferença.
Enquanto em Platão e educação tem por função levar o prisioneiro a relembrar-se
da sua condição originária para o poder retirar à sociedade, à qual ele mostra
dificuldade em regressar, em Rousseau a educação tem por função levar o aluno a
fazer esse mesmo exercício com vista a reinseri-lo na sociedade, sem que isso
para ele constitua necessariamente um perigo uma dificuldade. O gesto de
Rousseau é profilático. O problema ao qual Rousseau pretende dar resposta não é
tornar o homem inalienado, tornando-o para isso alheado da sociedade, mas de
como tornar o homem capaz de viver em sociedade sem que essa vida em sociedade
forçosamente o corrompa, tornando-o artificial e desnaturado. Emílio é esse
homem.
Será Emílio o cidadão apto à vida da sociedade perfeita, o cidadão virtuoso,
precisamente aquele que é capaz de reconhecer a sua natureza sem se deixar
enganar pelas sombras da caverna. Por outras palavras, é aquele que não se
deixa alienar na sociedade. Mas é tal gesto possível? Para Rousseau esse gesto
só é possível a partir de um movimento pessoal. Se o fim último é comunitário,
o gesto primeiro é pessoal. Daí que o papel do preceptor seja essencial na
educação do aluno. Rousseau é perentório, quando afirma:
( ) e eu até gostaria que o aluno e o preceptor se considerassem de
tal modo inseparáveis que o destino dos seus dias sempre fosse entre
eles um objeto comum. O aluno não cora por seguir na infância o amigo
que deverá ter quando adulto; o preceptor interessa-se por trabalhos
cujo fruto deverá colher, e todo o mérito que dá ao seu aluno é um
capital que aplica em prol da sua velhice. (1999: 31)
Repare-se que também nos diálogos platónicos Sócrates dirige-se sempre à pessoa
individual. Sócrates nunca tem mais do que um interlocutor ao mesmo tempo. O
processo maiêutico surge como um exercício individualizado, nunca como gesto
comunitário. Concordamos por isso com Cambi, quando afirma:
A formação humana é para Sócrates maiêutica e diálogo que se realiza
por parte de um mestre, o qual desperta, levanta dúvidas, solicita
pesquisa, dirige, problematiza ( ). A paideiade Sócrates é
problemática e aberta; mas fixa o itinerário e a estrutura do
processo com as escolhas que o sujeito deve realizar; consigna um
modelo de formação dinâmico e dramático, mas ao mesmo tempo
individual e universal. Estamos diante de um modelo de paideia entre
os mais lineares e densos, já que Sócrates bem reconhece o carácter
pessoal da formação, seu processo carregado de tensões, sua tendência
ao autodomínio e autodireção e o facto de ser uma tarefa contínua. A
pedagogia da consciência individual orientada pela filosofia
qualifica-se como, talvez, o modelo mais móvel e original produzido
pela época clássica; características que, por milénios, tornarão tal
modelo paradigmático e capaz de incidir em profundidade sobre toda a
tradição pedagógica ocidental. (1999:88-89)
Fazendo um gesto semelhante ao de Sócrates, Rousseau sublinha a importância de
dar um cunho individual à formação do aluno, evidenciando a necessidade de uma
proximidade entre os interlocutores de forma a estabelecer um compromisso, não
se coadunando esse compromisso com o seu exercício em assembleia. Escreve
Rousseau:
Nem sequer compreendo como se ousa falar em reunião; porquanto, a
cada palavra, seria necessário passar revista a todas as pessoas que
aí se encontram; seria necessário conhecer o seu carácter, saber as
suas histórias para termos a certeza de nada dizer que possa ofender
alguém. (1988:122)
É através da educação que se alcança o ideal de homem: o conhece-te a ti mesmo.
Esse ideal corresponde ao reconhecimento e à missão que compete a cada homem de
conservar da sua natureza. Pode-se afirmar que tragicidade do humano não está
em viver em comunidade, mas em alienar-se na sociedade. Viver em comunidade
significa viver com os meus semelhantes, ou seja, viver com aqueles com quem se
partilha a mesma natureza. Coisa diferente é o homem alienar-se na sociedade,
quer porque ignora, quer porque rejeita a sua natureza, acreditando encontrar
na vontade de todos a vontade geral. A procura de um ideal de homem é um dos
aspetos que Jaeger mais sublinha quando descreve a paideia grega:
Acima do Homem como ser gregário ou como suposto euautónomo, ergue-se
o Homem como ideia. A ela aspiram os educadores gregos, bem como os
poetas, artistas e filósofos. Ora, o Homem, considerado na sua ideia,
significa a imagem do Homem genérico na sua validade universal e
normativa. Como vimos, a essência da educação consiste na modelagem
dos indivíduos pela norma da comunidade. Os Gregos foram adquirindo
gradualmente consciência clara do significado deste processo mediante
aquela imagem de Homem, e chegaram por fim, através de um esforço
continuado, a uma fundamentação, mais segura e mais profunda que a de
nenhum povo da Terra, do problema da educação. (2001:14-15)
Parece então pertinente perguntar pelo sentido último da educação. Na paideia
grega esse sentido assenta na formação:
A palavra Bildung (formação, configuração) é a que designa do modo
mais intuitivo a essência da educação no sentido grego e platónico.
Contém ao mesmo tempo a configuração artística e plástica, e a
imagem, ideia, ou tipo normativo que se descobre na intimidade do
artista. Em todo lugar onde esta ideia reaparece mais tarde na
História, ela é uma herança dos Gregos, e aparece sempre que o
espírito humano abandona a ideia de adestramento em função de fins
exteriores e reflete na essência própria da educação. (2001: 13-14)
Para Rousseau, porém, a formação é um elemento apenas instrumental à educação.
O seu sentido último é, em vez disso, manifestamente existencial, uma vez que
é por ela que se adquire tudo aquilo de que se carece quando se nasce. As três
educações de Rousseau, a da natureza, relacionada com o desenvolvimento interno
das faculdades e dos órgãos, a dos homens, relacionada com o uso que cada um
faz do seu desenvolvimento, e a educação das coisas, relacionada com a
aquisição da nossa experiência sobre os objetos que nos afetam, articulam-se na
finalidade de dar ao homem condições para que viva de forma plena a sua
existência: Viver não é respirar, mas agir; é fazer uso dos nossos órgãos, dos
nossos sentidos, das nossas faculdades, de todas as partes de nós mesmos que
nos dão o sentimento da nossa existência (1999: 15). É justamente visando este
fim que Rousseau defende a necessidade, pelo menos num primeiro momento, da
prática de uma educação negativa, a qual, consistindo em ( ) não ensinar a
virtude ou a verdade ( ) (1999: 91), garante ( ) proteger o coração contra o
vício e o espírito contra o erro (Ibidem).
Ao reconhecimento da natureza do homem, deve juntar-se o problema da sua
conservação. O'Hagan salienta a importância deste tema em Rousseau: Ele
desenvolveu-o como um tema unitário transversal a todo o âmbito das suas
preocupações, desde a antropologia especulativa do Segundo Discurso, passando
pela experiência educacional imaginária do Emílio ao exercício de construção de
modelos políticos do Contrato Social (2003: xii). Com efeito, se é à memória
que cabe o papel de resgatar e recuperar os princípios fundamentais da condição
humana, e à educação atualizar esse tempo originário redescoberto pela memória,
porque se trata de um exercício de memória, nada impede que o esquecimento
reganhe terreno e venha instalar-se novamente. Como conservar esse
conhecimento? Rousseau responde: Lembrai-vos de que, antes de ousar empreender
a formação de um homem, é preciso ter-se feito homem; é preciso ter em si o
exemplo que se deve propor (1999: 93). Onde está esse exemplo? No próprio
Rousseau, na medida em que ele expressa, através do exemplo da sua vida, o
sentimento natural de existência próprio ao homem. Os textos autobiográficos de
Rousseau revelam um autor que, não conseguindo alcançar o amor dos seus
semelhantes em vida, ainda assim alimenta a esperança de o alcançar séculos
depois, e sempre no mesmo registo, dirigindo-se e comprometendo diretamente os
seus leitores: Leitores, não temais de mim precauções indignas de um amigo da
verdade; nunca esquecerei a minha divisa, mas tenho todo o direito de
desconfiar dos meus juízos (1999: 347-348).