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EuPTHUHu0807-89672013000200010

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variedadeEu
ano2013
fonteScielo

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O caráter híbrido do conceito de referência em Ricœur

1. Introdução Proponho-me a desenvolver, neste artigo, uma análise do conceito de referência em Ricœur. Esta análise sustenta a tese de que o conceito de referência em Ricœur tem um caráter híbrido. É óbvio que uma tal tese não se pode resumir a uma mera síntese daquilo que Ricœur diz sobre a referência, uma vez que Ricœur nunca diz que o seu conceito de referência é híbrido. A análise parte, pois, de uma visão diferente que exporei muito sucintamente.

Durante pelo menos um século, e grosso modo ainda hoje, costumava-se distinguir entre dois macroparadigmas da filosofia da linguagem, o anglo-saxónico e o continental. Não obstante esta distinção levantar uma série de questões, não obstante esta opinião não ser unânime e de se poder falar numa tendência para uma maior aproximação ou até um esbatimento das fronteiras entre estes macroparadigmas, penso que uma diferença fundamental que vigorou durante um período razoavelmente extenso do século XX. Esta diferença tem a ver, segundo a minha opinião, com dois pressupostos diferentes.

O primeiro pressuposto, o da linhagem analítica, parte do princípio de que é inerente à linguagem uma indelével bipolaridade que se revela pela e na função da referência (entendido este termo num sentido extremamente lato, englobando a denotação, representação, referência no sentido restrito, etc.) da linguagem.

Não interessam em primeira linha, sob este ponto de vista, as diferenças entre realismo(s) e anti-realismo(s), nominalismo(s) e realismo(s), etc.; o que interessa é que uma grande parte da empresa de investigação parte dessa bipolaridade. A linguagem estabelece uma ligação, seja qual for a sua especificidade, com uma instância extralinguística, e é isso que cunha determinantemente a maior parte das investigações da filosofia analítica, principalmente todas as questões relacionadas com a verdade, que estão por exemplo no centro das assim chamadas truth-conditional-semantics ou truth theories.

A outra abordagem que marca muitas das teorias chamadas ‘continentais' parte do princípio de que não faz muito sentido assentar a filosofia da linguagem nesta bipolaridade, pois essa, em última instância, sempre se revela como unipolaridade. A linguagem faz, cria, constitui aquilo que é o mundo. Não convém, portanto, pressupor uma realidade nua e crua, uma realidade em si, pois a única realidade que temos é a realidade linguisticamente moldada, a que se chama ‘mundo'. É essa decididamente a posição que Ernst Cassirer defendeu, e que está na base de muitas outras filosofias ‘continentais', e.g. de Nietzsche, Heidegger, Gadamer, Apel, Habermas, Derrida, etc. Não quer isso dizer que estas teorias, entre si, não possam divergir muito, e tampouco quer dizer que o fenómeno de referência esteja excluído das reflexões teóricas. Mas a referência perde o valor de um problema nuclear, pois é um fenómeno que brota da própria linguagem e que pode ser pensado satisfatoriamente no âmbito do seu domínio.

Embora possa haver algo fora de mim, esse ‘fora' apenas ganha contornos, cognoscibilidade, inteligibilidade se lhe for atribuída, consciente ou inconscientemente, significância, e essa significância advém e constitui-se na e pela linguagem. Não se adaptam aqui coerentemente as antinomias idealismo ' realismo, ou construtivismo ' representacionalismo, etc., pois o fundamental é apenas que a bipolaridade linguagem ' realidade se torna aproblemática ou num problema menor, e foi esse talvez o aspeto que conferiu às teorias de Husserl, Heidegger, Ortega y Gasset a notoriedade de ter elegantemente vencido o problema tão antigo como difícil, da cisão entre objeto e sujeito.

Partindo então desta distinção entre os dois grandes macroparadigmas da Filosofia da Linguagem e os seus diferentes pressupostos fundamentais,[1] debruçar-me-ei sobre o conceito de referência em Ricœur. Baseio a minha análise sobretudo, se bem que não exclusivamente, no texto Interpretation Theory: Discourse and the Surplus of Meaning[2] de 1975, publicado quase que imediatamente após a publicação de La métaphore vive. Tal como Ted Klein afirma no prefácio de Interpretation Theory, este texto contém Paul Ricoeur's philosophy of integral language (Klein 1976: vii), exposta numa síntese densa e magnificamente lúcida.

2. A referência como ligação entre linguístico e extralinguístico Na sua Autobiographie intellectuelle[3], Ricœur confessa que a conceção da referência como ligação entre linguístico e extralinguístico constituiu, ao longo de muitos anos, uma preocupação central da sua teoria da linguagem: J'ai dit plus haut avec quelle véhémence je plaidais pour une conception du langage qui rendît justice à sa visée extra-linguistique (AI, 46). A escolha destas palavras demonstra por si que havia necessidade, na perspetiva de Ricœur, de combater uma conceção ‘errada', uma conceção que falhava gravemente na empresa de entender o fenómeno da linguagem. É sabido que essa era a conceção estruturalista da linguagem, na altura bastante consagrada e divulgada.

A refutação da conceção estruturalista constitui, pois, o ponto de partida das reflexões de Ricœur sobre a linguagem. Esta refutação é motivada, em primeiro lugar, pelo facto de o estruturalismo desembocar numa desvalorização daquilo que é exterior à linguagem. Cientificamente valioso é apenas aquilo que se passa no sistema da langue, no interior da linguagem, de maneira que a ligação com o seu exterior seria, do ponto de vista científico, negligenciável. As palavras com as quais Ricœur termina a sua breve síntese do estruturalismo na parte inicial de Interpretation Theory expõem claramente a sua crítica a esta posição:

The last postulate [o do estruturalismo; este postulado sustenta que todas as relações são imanentes ao sistema] alone suffices to characterize structuralism as a global mode of thought, beyond all the technicalities of its methodology. Language no longer appears as a mediation between minds and things. It constitutes a world of its own, within which each item only refers to other items of the same system, thanks to the interplay of oppositions and differences constitutive of the system. In a word, language is no longer treated as a form of life, as Wittgenstein would call it, but as a self- sufficient system of inner relationships. (IT, 6)

Se bem que se saiba hoje que a redução da posição de Saussure a um rigoroso favorecimento da sincronicidade em detrimento da diacronicidade é falsa e um mito criado pelos editores da primeira edição do Cours, isso não alterará profundamente o pretexto da crítica de Ricœur. Pois é um pressuposto duro do estruturalismo que o código da estrutura determina a mensagem. Seja na linguística (e.g. Saussure, Círculo de Praga, Hjelmslev), na teoria da literatura (e.g. Barthes, Jakobson e o formalismo russo), na antropologia (e.g.

Lévi-Strauss), a primazia dada ao código é um facto assumido, um essential, um axioma duro. As ciências estruturalistas que partem deste princípio de que aquilo que unicamente interessa é a investigação das regras que vigoram no interior de um sistema de signos são apelidadas, por Ricœur, de Semiótica. The object of semiotics ' the sign ' is merely virtual (IT, 7), pois assenta na arbitrariedade dos signos e nas suas interrelações intrasistémicas, na mera diferença que, segundo Saussure, é um princípio negativo. Mas não é a virtualidade em si que é o maior mal, mas antes a ignorância do facto de que a ‘exteriorização' da linguagem é algo decididamente essencial. quando se prova que este último postulado é justificado, se prova ao mesmo tempo a insuficiência da Semiótica.

Convém intercalar aqui uma observação importante: o que rejeita Ricœur aqui é de facto uma posição que está na base de muitas teorias continentais da linguagem. Esta posição parte do princípio de que a estrutura da língua determina o pensar e o agir dos seus falantes, e foi defendida não pela corrente linguística da Sprachinhaltsforschung na Alemanha (Weisgerber, Ipsen, Trier, Gipper etc.) durante meio século (de 1925 a 1975), mas também por filósofos como Cassirer, Hönigswald, o primeiro Apel, e de uma certa maneira também por Heidegger e Gadamer. Para além de Humboldt e Herder recorreu-se, nalguns autores, principalmente a Saussure, pela sua conceção da língua como um facto social que exerce um impacto sobre os seus respetivos falantes. Mas esta posição não se prende necessariamente com o estruturalismo, pois, a título de exemplo, não se encontra em Lévi-Strauss e apenas de uma forma fundamentalmente transformada em Barthes, ou foi rigorosamente contestada por Jakobson. Daí que possamos alertar para um facto importante: o pressuposto de que a língua e a sua estrutura, ou uma estrutura de um sistema de signos em geral, determina a ‘conceção do mundo' não se prende necessariamente com o estruturalismo, tampouco como a defesa da tese da construção linguística da conceção do mundo não se prende necessariamente com o pressuposto de que a linguagem é um sistema fechado. É este facto que fornece o motivo deste artigo. Pois a minha tese parte do princípio que Ricœur, por um lado e devido à sua aversão à ‘clausura' da semiótica estruturalista, quer provar que a linguagem necessita de algo extralinguístico, tese que leva diretamente à derrota da tese dura da semiótica sobre a linguagem como sistema auto-suficiente e fechado. Por outro lado, o próprio Ricœur defende uma posição que sustenta pelo menos de uma certa maneira que o mundo é, no fundo, linguisticamente construído. Como esta posição se encontra (para Ricœur) em ‘perigosa' proximidade da semiótica, haverá a maior necessidade de marcar claramente as diferenças. E esta marcação das diferenças passa pelo conceito de referência.

Atentar-me-ei, após esta breve descrição do contexto subjacente do problema em questão, à análise do perfil que o conceito de referência adquire em Ricœur.

Tendo em conta o aspeto mais fundamental, ‘referência' significa para Ricœur que se sai da clausura do sistema dos signos. É esta ideia que alicerça e motiva a distinção entre semiótica e semântica que assinala o combate teórico com o qual Ricœur se compromete. Segundo Ricœur, a semiótica ignora que ‘a linguagem', a vários níveis diferentes, implica uma saída de si mesma.

O primeiro destes níveis é indicado pelo entendimento de ‘semântico'. À semântica pertence a frase, à semiótica o signo. A frase, por sua vez, não se deixa reduzir à sua função de signo, não é apenas um signo, mas algo que, ao combinar um signo (nome) com outro (verbo), predica algo de um sujeito (IT, 6- 9). Esta predicação apenas é entendida na sua plena essência quando se tem em conta a função da referência. Daí que apenas a semântica e não a semiótica possa entender o fenómeno da referência.

A um segundo nível, a saída do sistema fechado dos signos é implicada pelo discurso. O discurso, embora contenha em si as especificidades da langue e da parole no sentido saussuriano, é mais do que a mera soma de langue e parole, pois o emprego dos termos de langue e de parole, segundo Ricœur, levaria, de antemão, a um caminho errado, i.e. à visão de que a parole é a mera aplicação casual do código da langue. Muito pelo contrário, acontece algo no discurso que não é cientificamente previsível quando se investiga apenas a langue enquanto sistema semiótico. Embora o significado dos signos seja um momento que subjaz a cada discurso e que se deve à langue, este significado apenas ganha o seu valor predicativo no discurso, i.e. no momento em que se relaciona um significado com algo que lhe é exterior, com uma ‘coisa'[4]. Visto que o código, o sistema dos signos, se tornará atual e sairá do estado de virtualidade apenas quando um signo for relacionado com o exterior, e visto que este relacionamento ocorre no discurso enquanto ‘evento', prova-se assim que o discurso é um termo muito mais abrangente do que os dois termos de langue e de parole. Pois o termo de parole não nos diz nada sobre o valor de verdade[5], sobre a adequação ou não da aplicação do código da langue, e a langue não é, em termos ontológicos, nada ou é apenas virtual se não for ligada àquilo que lhe é exterior.

A um terceiro nível, entra também em jogo o próprio conceito de referência.

Neste âmbito, convém, no entanto, ter em consideração que o próprio Ricœur distingue entre dois tipos de referência, a referência ostensiva situacional e a referência estabelecida na escrita (cf. IT, 80ss.). No que concerne ao primeiro tipo de referência, este caracteriza-se por a ‘coisa' referida estar presente ou acessível ao locutor e aos interlocutores aos quais se dirige o discurso. Aqui, a dimensão do extralinguístico está implicada de uma forma mais direta: a coisa referida ou o estado de coisas referido fazem parte da mesma situação ‘real'. No subcapítulo Meaning as "Sense" and "Reference" (IT, 19-22), encontram-se formulações absolutamente claras sobre o problema em questão. Relacionando as suas teses direta e explicitamente com as definições de sentido e referência em Über Sinn und Bedeutung de Frege, Ricœur realça as implicações ontológicas do conceito de referência:

This notion of bringing experience to language is the ontological condition of reference, an ontological condition reflected within language as a postulate which has not immanent justification; the postulate according to which we presuppose that something must be in order that something may be identified. This postulation of existence as the ground of identification is what Frege ultimately meant when he said that we are not satisfied by the sense alone, but we presuppose a reference. (IT 21)

Chegamos, por assim dizer, com esta visão ontológica sobre a referência, ao cume da posição de Ricœur, pois a demonstração da necessidade da pressuposição da existência autónoma da coisa referida implica indubitavelmente uma saída do círculo fechado da linguagem. Chegados ao cume, falta apenas confirmar quais as conexões entre os mencionados três níveis conceituais (semântica, discurso, referência). No que respeita à conexão entre semântica e referência, podemos ler o seguinte:

Finally, semiotics appears as a mere abstraction of semantics. And the semiotic definition of the sign as an inner difference between signifier and signified presupposes its semantic definition as reference to the thing for which it stands. The most concrete definition of semantics, then, is the theory that relates the inner or immanent constitution of the sense to the outer or transcendent intention of the reference. (IT, 21s.)

Relativamente ao discurso, aparece nele manifestamente não a referência ao mundo, mas também às dimensões ilocucionária e ‘interlocucionária' (ou ‘alocucionária') (cf. IT, 14) do ato de fala. No âmbito do problema em análise neste ensaio posso negligenciar esta questão. Basta que fique claro que o discurso, segundo Ricœur, estabelece uma auto-referência ao locutor e uma referência ao mundo, pressupondo assim também ele a saída do sistema fechado da linguagem. Acrescento as passagens do texto de Ricœur que me parecem explicitar o assunto em questão com suficiente clareza:

Discourse refers back to its speaker at the same time that it refers to the world. This correlation is not fortuitious [sic], since it is ultimately the speaker who refers to the world in speaking. Discourse in action and in use refers backwards and forwards, to a speaker and a world. (IT, 22)

Em jeito de conclusão desta primeira parte, convém então salientar o seguinte: para combater a visão redutiva da semiótica estruturalista sobre a linguagem, Ricœur recorre ao conceito de referência na aceção que lhe foi dada por Frege em Über Sinn und Bedeutung e que cunhou fortemente o tipo das análises da linhagem analítica da filosofia da linguagem que se sucedeu. A referência pressupõe, assim, uma saída da clausura da linguagem, de modo que seria redutor conferir à linguagem todo o peso da ‘construção' da realidade. Sem o seu correlato, a realidade ‘além da linguagem', não construção de um mundo. Esta conclusão, porém, vem a ser, de uma certa forma, contrariada pelo segundo tipo de referência que é a referência estabelecida pela escrita e, no último Ricœur, pelo texto.

3. A referência como exteriorização do sentido A referência estabelecida pela escrita difere da referência ostensiva/ situacional pelo facto de (geralmente) não existir uma situação comum entre locutor / autor de um texto e ouvinte / leitor, havendo, antes pelo contrário, um hiato espácio-temporal entre enunciação e receção do discurso. Mas esta suspension or suppression (IT, 81) da referência ostensiva não significa que não haja referência nenhuma:

Does this mean that this eclipse of reference, in either the ostensive or descriptive sense, amounts to a sheer abolition of all reference? No. My contention is that [poetic] discourse cannot fail to be about something. In saying this, I am denying the ideology of absolute texts. (IT, 36)

Esta afirmação sustenta não a tese de que existe um tipo de referência não situacional, mas também que esta referência não é (ou apenas em raríssimos casos) ‘autoreferencial', como pretendiam, relativamente ao discurso poético, os formalistas russos. Antes pelo contrário, a referência da escrita abre uma nova realidade, à que Ricœur chama mundo. For me, the world is the ensemble of references opened up by every kind of text, descriptive or poetic, that I have read, understood, and loved. (IT, 37). Esta realidade de segunda dimensão é uma realidade que o homem pode ter, pois implica, bem à maneira de Heidegger, ter uma noção da temporalidade da nossa existência. Mesmo assim, mantém uma caraterística peculiar que marca a diferença para com o pensamento de Heidegger. Esta diferença diz respeito ao entendimento e à conceção da noção de realidade. Pois, segundo Ricœur, a escrita, mesmo estando separada da situacionalidade e ‘realidade' direta ou, por assim dizer, ostensivamente alcançável, não se reduz ontologicamente à linguagem, porque [l]anguage is not a world of its own. It is not even a world. (IT, 20). O que é então o mundo e o tipo de realidade deste mundo, se não é nem a realidade de primeiro grau nem a linguagem? Estamos a chegar ao cerne da nossa questão: ficou, por um lado, claro que o discurso situacional pressupõe a referência de primeiro grau às ‘coisas', à realidade de primeiro grau. Neste sentido, o recorrer a Frege é perfeitamente entendível. No que respeita ao entendimento do tipo de referência estabelecida pelos textos, não temos a mesma certeza. Veremos esta questão mais de perto.

Para começar, relembro a convicção fundamental da filosofia continental nas suas mais variadas versões: segundo este paradigma, aquilo a que Ricœur chama mundo é uma realidade que depende essencialmente da conceptualização linguística, pois sem esta nem sequer haveria mundo, ou seja, se bem que possa haver algo fora do alcance linguístico, este algo apenas se transforma em mundo se passar pelo ‘tratamento' linguístico. Pois a linguagem disseca, combina, forma e compõe a nossa visão das coisas, ou seja, dito à maneira de um Kant metacriticamente transformado, não experiência ‘objetiva' senão como experiência linguisticamente moldada. Ontologicamente, esta realidade brota do seio da linguagem e depende fundamentalmente dela, e não está oposta a ela ou separada dela, o que não quer dizer que ela própria tenha um caráter meramente ou exclusivamente linguístico. Será que Ricœur é capaz de contrariar definitivamente este paradigma ou de passar ao lado dele? Penso que não, e reservo esta última parte do artigo à justificação da minha posição.

(i) Num primeiro argumento sustento que Ricœur concebe a referência ao mundo, ou seja a referência que é o mundo, como conceptualização, como projeção realizada por meio da linguagem. As passagens que demonstram esta posição são numerosas. Cito apenas duas: na página 37 de Interpretation Theory, Ricœur razão a Heidegger e à sua análise da compreensão em Ser e Tempo: o que entendemos num discurso (da escrita) is not another person, but a pro-ject, [sic] that is, the outline of a new way of being in the world. (IT, 37). É sabido que o aspeto de novidade, mencionado na passagem citada, se prende, para Ricœur, essencialmente com a função da ‘metáfora viva'. É a metáfora viva que constrói novas perspetivas sobre o mundo, ou dito mais radicalmente, que constrói novos mundos. Daí Ricœur, emInterpretation Theory, cuja publicação sucedeu imediatamente à de La métaphore vive, poder resumir o teor nuclear da sua teoria da metáfora apresentada com a seguinte frase: But metaphor theory ( ) shows how new possibilities for articulating and conceptualizing reality can arise through an assimilation of hitherto separated semantic fields. (IT, 57; itálico presente autor). E mais algumas páginas à frente, quando elogia o contributo de Max Black para os progressos nas teorias sobre a metáfora,[6] incidindo sobretudo sobre a função paralela de novos modelos teóricos e da metáfora, Ricœur anota:

As Max Black puts it, to describe a domain of reality in terms of an imaginary theoretical model is a way of seeing things differently by changing our language about the subject of our investigation. This change of language proceeds from the construction of a heuristic fiction and through the transposition of the characteristics of this heuristic fiction to reality itself. (IT 67; itálico presente autor)

que salientar aqui não apenas o traço fundamental da conceptualização e da sua ‘aplicação na' ou ‘transposição para' a realidade, mas também a distinção de duas realidades, uma de primeiro e uma de segundo grau, em plena correspondência com as


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