Prefácio
Prefácio
Foreword
Rosa Maria Perez*
*Antropóloga, Departamento de Antropologia, ISCTE-IUL (University of Lisbon
Institute); Visiting and Institute Chair Professor (Anthropology), Indian
Institute of Technology (IIT), Gandhinagar.
rosa.perez@iscte.pt
The Indian Ocean has been known and ignored, dismissed and described
Michael Pearson, 2003
O Índico tem sido um apetecível objeto de estudo. Uma análise da produção
disponível conduz-nos, todavia, a duas constatações principais: a negligência
dada aos autores locais ' e decorrente perda de importantes temas e debates ' a
favor de autores europeus por um lado, e, por outro, a proeminência da História
na abordagem do Índico, frequentemente refém de olhares nacionalistas e
orientalistas. Poucas são as exceções e não podem deixar de ser referidas:
Michael Pearson, Kirti N. Chaudhuri, Sugata Bose, Thomas Metcalf, entre outros.
De muitos pontos de vista este dossier tem um carácter inaugural. À timidez de
análises que se fecham disciplinarmente, ele oferece o rasgo de cruzar
diferentes olhares, para uma tentativa de compreensão de um dos contextos do
mundo globalmente menos tratados ' na distribuição e organização do poder, nas
suas estruturas sociais e religiosas, nas suas formas e políticas culturais,
nas suas hegemonias e nas suas subalternidades, na sua geopolítica e relações
internacionais. No seu conjunto, percorrendo e cruzando as margens do Índico
Oriental, os diferentes autores tornam plausível a ideia de uma estrutura do e
no Oceano Índico que ultrapassa o somatório daquilo que os trabalhos a ele
dedicados nos têm oferecido: fragmentos narrativos.
Ora se este conjunto de textos dá inteligibilidade a algumas narrativas do
Índico ele vai mais longe e insinua a sua sofisticada diversidade cultural,
assente em três grandes civilizações: bantu-swahili, árabo-persa e indiana,
que, entre as margens do Índico foram cenário de encontros sofisticados e
complexos, tecidos por relações comerciais, em cujo esteio circulavam pessoas e
ideias, fluxos culturais e religiosos, absorções linguísticas, literárias e
artísticas, trocas e repúdios, desenhando um mosaico civilizacional que não tem
atraído de forma sistemática os humanistas e os cientistas sociais.
Efetivamente, neste vasto puzzlemarítimo é possível identificar um ar de
família' que contraria e contradiz perspetivas eminentemente atomistas. Por
outras palavras, embora o Oceano Índico não apresente uma óbvia unidade
cultural, podemos detetar nas suas sociedades, em épocas e sob formas e
articulações diferenciadas, recorrências antropológicas e históricas cuja
pertença a uma unidade civilizacional mais vasta foi demonstrada, no plano da
história, por Kirti Chauduri.
A tanto nos convida este Narrando o Índico: avaliar a forma como, prescindindo
de um olhar eurocêntrico, podemos encontrar, em diferentes planos narrativos,
um painel cultural que a Europa colonizou politicamente ao mesmo tempo que foi
culturalmente colonizada.
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