Figuras heroicas no Horto do Esposo
E por em maior prol trage ao homem o nome de temeroso como a lebre ca o nome de
ardido e bravo come leon.
Horto do Esposo
A obra que me propus estudar tem uma orientação doutrinária claramente afastada
de heroísmos, feitos de armas, guerras, preferindo a humildade à coragem
destemperada e ao atrevimento, o que não augura, aparentemente, grandes
probabilidades de sucesso no tratamento do tema anunciado no título.[1] Salva-
nos nesta demanda, contudo, a ocorrência pontual de exempla onde se concede a
oportunidade a alguns heróis para mostrarem as suas façanhas. Terá sido talvez
uma bondosa cedência do autor aos desejos da primeira destinatária da obra, que
lhe pedira explicitamente "uu livro dos fectos antigos e das façanhas dos
nobres barões" (Horto: 3) que lhe permitisse uma leitura recreativa e
prazenteira nos dias de descanso. Avisa, contudo, o cisterciense que os
assuntos seculares e profanos não conduzem ao amor de Deus e por isso o livro
falará sobretudo "das façãnhas e dos exemplos dos sanctos homees" (Idem, 5).
O Horto do Esposo é agora uma obra de fácil acesso depois da edição crítica de
Irene Freire Nunes, coordenada pelo Prof. Helder Godinho e publicada no final
de 2007. Antes, tínhamos que recorrer à edição de Bertil Maler, publicada no
Rio de Janeiro em 1956. Ambas se basearam em duas versões integrais do texto
(nenhuma é a original), dois manuscritos alcobacenses da Biblioteca Nacional de
Lisboa, um redigido na primeira metade do séc. XV e o outro nos finais deste
mesmo século.
No lapso de tempo que medeia entre as duas iniciativas de trazer a público esta
importantíssima obra do nosso património cultural e literário da Idade Média
está a descoberta, na Torre do Tombo, de fragmentos desconhecidos da obra, em
pergaminho, provenientes do Mosteiro de Santa Maria de Lorvão e que poderão
sugerir a existência de um terceiro manuscrito. Foram descobertos por Arthur
Askins, em Junho de 1997, Harvey Sharrer e Aida Fernanda Dias, em Julho de
1998. Estes fragmentos foram publicados em 2002, em transcrição e reprodução
fotográfica (Askins & Dias & Sharrer, 2002).
Nada se apurou sobre a identidade do autor do Horto para lá da tese defendida
por Mário Martins, já em 1948, de que se trata de um texto escrito
originalmente em língua portuguesa (e não de uma tradução) por um monge da
abadia cisterciense de Alcobaça. A tese foi corroborada por Bertil Maler, que
adiantou ainda a convicção de que, tendo em conta a identificação das fontes em
que o mesmo se baseou, estamos perante um autor culto e que tinha por certo ao
seu dispor uma biblioteca bastante rica e variada. Uma referência única na obra
a factos políticos contemporâneos, nomeadamente o período conturbado que se
viveu em Portugal depois da morte de D. Fernando, levou também Mário Martins a
apontar o período entre 1383 e as primeiras décadas do séc. XV como o que
corresponde à sua composição. Estaria certamente concluído antes de 1438, data
da morte de D. Duarte, uma vez que já consta do inventário da sua biblioteca.
Os estudos sobre o Horto insistem sobre a receção favorável que a obra terá
tido no seu tempo, a avaliar pelas informações, não muito abundantes é certo,
sobre a existência de códices em instituições religiosas mas também em
bibliotecas particulares. José Mattoso identificou a aquisição de um exemplar
do Horto do Esposo pelo mosteiro de Bouro entre 1408 e 1437 (Mattoso, 2002:
289-290); a descoberta dos fragmentos da Torre do Tombo coloca a obra também no
mosteiro de Lorvão. Temos alguns dados seguros sobre o conhecimento da obra por
parte de duas ilustres figuras da elite intelectual portuguesa da primeira
metade do séc. XV, o rei D. Duarte e o seu sobrinho, o Condestável D. Pedro
(Maler, 1964: 24; Fonseca, 1982: 297, Mattoso, ibidem). Sobre as razões desta
difusão, tem sido enfatizado sobretudo o seu caráter didático e a sua natureza
doutrinária orientada para um "público simples" (Pereira, 2007: LVII).
É seguramente verdade que a escrita no Horto tem uma vocação eminentemente
didática e que o discurso doutrinário se apoia em argumentos credíveis e em
histórias de natureza exemplar colocados ao serviço de uma explícita intenção
edificante. A obra parece ter sido apreciada, contudo, muito para além dessa
vertente de vulgarização e de simplificação hermenêutica das fontes, tal como o
seu autor prevê no Prólogo, afirmando que o livro servirá a destinatários de
qualquer condição, incluindo sábios e estudiosos. Adão da Fonseca, no seu
estudo sobre o Condestável D. Pedro, aponta o apreço que obras como o Horto e
outras relacionadas com o mosteiro de Alcobaça mereceram na corte portuguesa
até ao tempo de D. Afonso V, pela sua temática, valores e espiritualidade.
Também se lamenta, de forma recorrente, que o monge tenha ignorado a realidade
que o circundava, "um homem que mostra na sua obra pouquíssimo interesse pela
sua época e que por isso não nos ensina nada sobre ela. (…) Só por acaso deixa
escapar – felizmente para nós – a alusão que nos permite datar o livro."
(Maler, 1964: 23). Em primeiro lugar, o Horto não está concebido como uma
crónica, nem o seu autor parece ser um homem que viva próximo de ambientes
laicos, dominados pelos sucessos imediatos da política e da sociedade. Devemos
reconhecer, como Gouveia Fernandes, que o autor do Horto viveu "refugiado no
mosteiro, mas nem por isso [deixou] de observar atentamente a agitação do
século" (Fernandes, 2001: 100), referindo-se em concreto ao acontecimento que
parece ter tido maiores reflexos e implicações no seu tempo, a crise gerada
pela morte do rei D. Fernando. A ênfase nessa passagem do Horto tem deixado na
sombra e no esquecimento a referência que, no mesmo contexto, se faz a
acontecimentos da história de Castela (Livro IV, cap. XLIII).[2] Não podemos
deixar de notar como estes comentários, ainda que breves, são reveladores dos
horizontes alargados ao âmbito peninsular através do olhar abrangente da
realidade que une, sob o signo da instabilidade e da incerteza, toda a
Península Ibérica naquele período, para onde se transferiram também as
hostilidades entre a Inglaterra e a França no âmbito da Guerra dos Cem Anos.
Embora não seja esse o seu foco principal, o monge cisterciense não está
alheado do seu tempo, um tempo que lhe inspira uma escrita que nos seus
propósitos pedagógicos se propõe demonstrar como tudo neste mundo é efémero e
incerto. Agora, como no passado, não se escapa ao capricho da Fortuna e os mais
trágicos exemplos são os daqueles cuja vida se reparte entre os extremos: a
mudança do mais alto estado para a condição mais indigna. Daí que recorra com
frequência a figuras exemplares marcadas pela sua condição social, reis,
imperadores, príncipes, marcados pela arbitrariedade da Fortuna: "Por em
Boecio, falando do estado dos rex que parece mais firme, diz assi: Cheos som os
tempos antigos e os tempos d’agora de enxemplos de muitos rex que a sua bem
aventurança foi mudada em grande mezquindade." (Horto: 236).[3]
São mais eficazes do ponto de vista persuasivo os exempla protagonizados por
figuras históricas, mas o autor não despreza outras personagens cuja força
retórica provém da reconhecida qualidade cultural associada à sua criação.
Refiro-me em particular à recuperação de matérias literárias da Antiguidade
clássica, como é o caso de Ulisses e de Hécuba. Sobre esta heroína da lenda
troiana recorda-se que foi por muito tempo rainha de Troia e caiu no cativeiro
e na servidão depois de chegar à velhice (Idem, 174).
Da Antiguidade chegam também os exemplos históricos, mais fortes em
credibilidade, em particular os ligados à história de Roma: Viriato,
Vespasiano, Cipião, Aníbal, Trajano, Júlio César. E também Alexandre Magno,
talvez a figura heroica mais importante da obra, aqui retratada sobretudo a
partir dos confrontos com os reis orientais Dario e Poro, dos quais sai sempre
vencedor, mesmo quando os combates são desproporcionados. É nesses casos que a
sua figura se reveste de expressivos contornos épicos, glorificando-o como
guerreiro inigualável (Horto: 174). Mas as virtudes de Alexandre excedem esta
sua faceta militar. Assim, vemo-lo em combate singular com o rei Poro, que
vence, ferindo-o e derrubando-o do cavalo. Mas poupa-lhe a vida por
generosidade, dando assim testemunho da sábia educação e dos valores que lhe
foram incutidos pelo seu mestre, Aristóteles (Idem, 63).
Dario morreu depois de um combate com Alexandre, vítima da traição dos seus
servos. Alexandre vingou e chorou a sua morte, prestou-lhe as últimas
homenagens, ainda que fosse seu inimigo, mostrando "grande bondade de justiça"
(Ibidem). A sua qualidade como herói ultrapassa a virilidade guerreira, está
também na sua formação espiritual.
O perfil heroico de Alexandre traça-se ainda a partir da sua relação com o ouro
e com as riquezas de um modo geral. Tem a noção clara de que a riqueza pode ser
fatal para os guerreiros, entorpecendo a sua energia, atrofiando a sua força,
por isso diz aos soldados: "Enquanto vos nom haviades riquezas nom havia gente
que podesse empeecer-nos mas, despois que fostes carregados de ouro e de prata,
fostes fectos preguiçosos e deleixados" (Idem, 131). Mas, por outro lado, não
abdica ele próprio das riquezas conquistadas. A prosperidade económica é
incompatível com a função guerreira, mas não com a função de soberania. É assim
que encontramos referências aos tesouros que rei Poro distribui generosamente e
que ele aceita: "E por em mostrou-lhe rei Poro todos seus tesouros, que tiinha
escondidos e fez rico Alexandre e seus cavaleiros daqueles tesouros" (Idem,
63). O tesouro está sempre associado à figura do rei, como nos diz Duby:
Toujours le palais des souverains avait abrité un trésor, une
collection d’objects précieux, brillants, étranges, que l’on
disposait aux grandes fêtes autour de la personne du lieutenant de
Dieu, comme une lisière d’étincellement entre lui et le reste des
hommes (…). À ces bijoux s’ajoutaient des livres puisque la première
des vertus royales était la sagesse, la faculté de percer les
mystères d’une Écriture. (Duby, 1979: 49-50)
O rei precisa, assim, de se rodear de um tesouro que evidencie o seu poder e
que lhe permita ser generoso. Dele podem fazer parte os livros mas também as
mulheres, eventualmente roubadas ou conquistadas.[4] No Horto uma das vitórias
de Alexandre sobre Dario arrasta para o cativeiro a mãe e a mulher do rei
persa, que daria por elas metade do seu reino, uma troca que Alexandre nunca
aceitou (Horto: 175).
A esta face luminosa do guerreiro forte e justo junta-se em Alexandre a do
soberano. Um rei, normalmente, não ascende à realeza antes de ser armado
cavaleiro, isto é, antes de atingir o grau supremo na ordem da cavalaria. Mas
esses não são os únicos valores para se atingir a realeza. A inteligência, a
sabedoria, a indulgência e a segurança, a generosidade são, entre outros, os
atributos de um soberano. A espada cede lugar a outros instrumentos próprios
desta função: o cetro, o trono, a coroa, o manto. O poder do rei não é apenas
militar, é o de regulador da Ordem. Alexandre vê o seu poder estender-se a todo
o mundo e no Horto ele surge-nos em toda a majestade, exercendo o seu poder a
partir do trono, elevado e central:
Outrossi el-rei Alexandre o Grande veeo aa cidade de Babilonia. E
estando ali, veerom-lhe messegeiros das provincias de todo o mundo.
Ca de Cartago e de Africa veerom a ele messegeiros pera lhe
obedecerem e de Espanha e de França e de Cicilia e das partes de
Italia. Tam grande foi o temor que houverom os poboos do Occidente de
Alexandre, que andava no Oriente, que de todo o mundo lhe mandavam
subjeiçom e obediencia e de tam estranhas e tam alongadas terras que
adur era de creer que podessem chegar novas de seus fectos. Estando
Alexandre em esta tam grande gloria deste mundo, perdeo todo mui
tostemente, ca seus servidores lhe derom ali peçonha, com que morreo.
(Horto: 109)
E aí temos a ilustração da tragédia a que nem os mais poderosos escapam:
Alexandre, que atingiu o auge do poder e da glória, morreu traído pelos seus,
como Dario e Viriato.
Este é um eixo fundamental na definição do percurso vital das personagens do
Horto. Assume particular importância a intervenção da Fortuna no caso daquelas
cuja queda é mais imprevisível e inesperada. O tema é tão relevante que no seu
esforço para atingir a maior eficácia persuasiva o autor recorre a imagens
diferentes para ilustrar o conceito. Dessas, destacamos três que nos pareceram
as mais sugestivas. Em primeiro lugar, a inevitável comparação com a roda para
expressar os vaivéns da vida e da sorte:
E assi podedes entender como a boa andança do mundo é vãa e mudadiça.
Ca assi como aquele que see sobre a roda aas vezes cae em baixo e aas
vezes é posto em alto, segundo se move a roda, bem assi faz a fortuna
do mundo: aas vezes abaixa os grandes e aas vezes exalça os baixos.
(Idem, 124)
Tradicionalmente a Fortuna é comparada à roda, mas a imagem pode ser mais
completa, com a representação também de uma mulher. O monge cisterciense não
ignoraria essa tradição e também ele nos apresenta a associação da
instabilidade da Fortuna ao feminino, apoiando-se numa fonte que só à primeira
vista pode parecer inesperada neste contexto, o poeta Ovídio:
Uu grande poeta que chamam Ouvidio, em uu livro dos Enganos da
Fortuna, figura e pinta a fortuna em esta guisa: ua fegura de molher
que tem na mão seestra duas flores, scilicet, ua rosa seca, porque a
fortuna da boa andança deste mundo tostemente trespassa. Outrossi
tiinha em na mão ua flor de lilio a que caíam as folhas. (Idem, 325)
É uma bela figuração, uma mulher, não com uma roda, mas segurando duas flores,
ambas em declínio. A imagem marca de modo redundante e portanto reforçado, a
inexorável mudança a que estamos sujeitos, entre a prosperidade e a decadência.
Tudo neste quadro sugere fragilidade, beleza efémera, promessa de dissolução.
Mas o nosso autor encontra ainda um outro símile, uma terceira imagem para
mostrar a instabilidade da Ventura, que aqui substitui a Fortuna:
Nom queiras confiar em na paz e em no assessego da ventura, ca o mar
em uu ponto se avolve, e em uu dia meesmo, em que os navios andarom
assessegados e com prazer, em esse mesmo dia se alagarom. Ex que
fremosa comparaçom do mar e da ventura que faz perder o assessego e a
paz do coraçom e faz alagar a primeira alegria. (Idem, 197)
O contexto em que se insere a comparação sugere que a mesma se atribui a
Séneca, mas o que aqui nos parece mais relevante é percebermos que estamos
perante um escritor, alguém que conhece bem o valor das palavras e para quem
estas não têm um valor meramente instrumental. O espanto do sujeito do discurso
perante a beleza desta comparação dá bem a medida do seu apurado sentido
estético, da sua vocação literária, como hoje diríamos.
As aventuras heroicas não merecem um grande desenvolvimento narrativo, com
algumas exceções, porque, como dissemos no início, a obra faz uma apologia da
cavalaria do céu em detrimento da cavalaria secular, e assim o discurso é
contido nas façanhas e mais aberto na exploração das virtudes e valores
espirituais. Gostaríamos de terminar com a referência a um episódio que ganhou
maior visibilidade que qualquer das outras pequenas narrativa do Horto depois
de ter sido fonte de inspiração de Jorge de Sena para a sua novela O Físico
Prodigioso (1979). Luciano Rossi chamou-lhe novela arturiana porque o incipit
nos remete para um prometedor relato de aventuras: um jovem que encontra e
consola três donzelas chorosas às portas de um castelo habitado apenas por
mulheres. Na verdade, o protagonista desta narrativa – "filho de uu rei",
"fremoso", "grande fisico" e "virgem" (Horto: 40) – assume o papel de herói
libertador, mas os meios a que recorre não são os dos cavaleiros andantes.
Oferece o seu sangue casto, de virtudes terapêuticas, para curar a senhora do
castelo e com o dom da palavra resgata da cova escura os cavaleiros mortos,
devolvendo o equilíbrio e a ordem àquela comunidade. Este herói parece ser um
dos que têm condições para inverter a dinâmica da Fortuna, restaurando o bem
perdido. Ao serem devolvidos à vida, os cavaleiros do castelo imploram ao
mancebo: "Vem trigosamente e dá a nós as doas que perdemos em outro tempo."
(Ibidem). O anónimo caminheiro, filho de rei, casto e formoso, facilmente se
associa à figura de Cristo, pela dimensão redentora do sangue, pelo poder
milagroso da Palavra.
O Horto insiste nesta mensagem: só nos libertamos da lei inconstante da Fortuna
pelo despojamento dos bens materiais, pela conversão e pela aspiração à pureza
espiritual. A vasta galeria de personagens do Horto e principalmente as que têm
perfil heroico, porque foram poderosas, realizaram feitos extraordinários,
ganharam um lugar na História, são apresentadas em função do contraste entre a
fase luminosa da prosperidade e o negro declínio e servem precisamente como
demonstração desta doutrina. Dir-se-á que esta temática não apresenta nada de
novo, nem de original. Pelo contrário, ela tem, de facto, uma longa tradição
literária, filosófica, doutrinal, que vem da Antiguidade clássica e domina toda
a Idade Média. Mas isso não faz do Horto um produto cultural tardio ou
anacrónico, porque o tema da vida terrena sujeita à instável Fortuna e a
libertação pela Divina Providência (e pela Fama, em obras de cariz profano)
estará presente ainda ao longo de todo o séc. XV na literatura ibérica, em
obras de poetas e intelectuais portugueses, como é o caso do Condestável D.
Pedro na Tragedia de la Insigne Reyna doña Isabel (1457) e nas Coplas del
menosprecio e contempto de las cosas fermosas del mundo (1453-1454) e ainda de
castelhanos como Juan de Mena em Laberinto de Fortuna, mais conhecido como Las
Trescientas (1444), e Jorge Manrique com as belíssimas Coplas por la muerte de
su padre (1476), que o haviam de imortalizar, e onde avulta a imagem da
Fortuna:
[XI]
Los estados e riqueza, que nos dexan a deshora quien lo duda?
non les pidamos firmeza, pues que son d’una señora; que se muda,
que bienes son de Fortuna que revuelven con su rueda presurosa,
la cual non puede ser una ni estar estable ni queda en una cosa.
(Manrique, 2008: 153-154)
E terminamos assim esta nossa breve reflexão sobre o percurso de algumas
figuras exemplares do Horto do Esposo, sublinhando o que nos parece ser mais
relevante: a convicção de que o seu autor compôs o livro em perfeita harmonia e
consonância com as tendências culturais e filosóficas do seu tempo, recuperando
tópicos com uma vasta tradição anterior, como são os que aqui vimos abordados a
propósito das vidas destes heróis – a fugacidade das coisas terrenas, o
desprezo do mundo, o caráter exemplar das ‘caídas’ de grandes personagens – que
estarão no centro de obras da literatura portuguesa e castelhana ao longo do
século XV.