Congruência de humor em memórias autobiográficas de infância de indivíduos com
depressão
Congruência de humor em memórias autobiográficas de infância de indivíduos com
depressão
INTRODUÇÃO
A relação entre depressão e memórias autobiográficas tem sido alvo de vários
estudos, cujo objectivo tem sido analisar os vários factores envolvidos sem
descurar a complexidade de ambas as temáticas.
Ao abordar a temática da memória importa ter em conta que sem esta não
existiria um self, na medida em que o sujeito não se reconheceria a si mesmo.
Todo o espectro da experiência seria "virgem", envolvendo o
indivíduo num ciclo interminável, onde uma aprendizagem sem fim seria
igualmente uma aprendizagem sem proveito.
Todo o acto de recordar envolve três processos distintos: A codificação da
informação aquando da sua aquisição, o seu armazenamento e, por fim, a sua
recuperação (evocação), que pode ocorrer por intermédio da recordação ou do
reconhecimento (Gleitman, 1990). O grau de elaboração com que a informação é
codificada é fulcral para a formação das memórias a longo prazo, na medida em
que a profundidade do processamento da informação - o facto de ser ou não
processada tendo em conta o seu significado - influencia, em grande
medida, as probabilidades desta vir ou não a ser evocada. Por outro lado, a
forma como a informação é armazenada e organizada também é importante para a
sua memorização e subsequente recordação. Por fim, no que concerne o processo
de recuperação da informação, há que ter em conta o próprio nível de activação
de uma memória, que é definido pelo quão recente esta é e pela frequência com
que a mesma é evocada (Anderson, 2000).
A memória autobiográfica, cerne do trabalho em questão, é altamente organizada
e tende a preservar o essencial da generalidade dos eventos ou séries de
eventos, mas raramente os detalhes (Mathews, 2006; Reisberg & Heuer, 2004).
É relativa a toda uma vida, pelo que as memórias de eventos que a constituem
podem ser distorcidas e reconstruídas ao longo de um largo período de tempo.
Existem várias teorias relativas à estrutura e funcionamento das memórias
autobiográficas, sendo que praticamente todas elas abordam um aspecto
fundamental - a emoção. Um dos mais importantes autores na investigação
da importância da emoção nas memórias autobiográficas foi Rubin (1986), que
referiu que o facto do afecto estar intimamente relacionado com as memórias
autobiográficas leva a que estas assumam um papel de destaque ao nível da
organização do self, e a que o afecto assuma igual destaque nos processos de
estruturação, codificação e evocação das memórias autobiográficas. Desde este
estudo, vários autores têm referido a importância das emoções nas memórias
autobiográficas (Christianson & Engelberg, 2006; Levine & Pizarro,
2006; Uttl & Graf, 2006).
É um facto aceite que nem todas as memórias autobiográficas se encontram
igualmente disponíveis. Quando procuramos recordar um qualquer acontecimento do
passado, há períodos que parecem mais obscuros e relativamente aos quais há uma
maior dificuldade em recordar o que quer que seja (Wang, 2006). Verifica-se que
há uma maior evocação de memórias de acontecimentos recentes, sendo que à
medida que estas estão mais distantes no tempo é mais difícil evocá-las.
Memórias autobiográficas de infância
Existem várias questões por resolver no que concerne as memorias
autobiográficas de infância. Uma delas prende-se com o conhecimento acerca de
qual o período da vida do sujeito em que se forma um sistema autobiográfico
capaz de reter memórias por um período indefinido de tempo. Ao passo que alguns
constatam que a memória infantil mais precoce de que um adulto se recorda é
relativa aos 3 anos e meio de idade (Pillemer, 1998), outros indicam que os
sujeitos adultos são capazes de recordar memórias relativas ao seu primeiro ano
de vida (Rubin, 2000). No entanto, independentemente da idade a que corresponde
a primeira memória dos sujeitos, é inegável a existência de uma amnésia
infantil, que leva a que a quantidade de memórias evocadas até aos primeiros 3
anos de vida seja muito inferior à de anos subsequentes (Peterson, Grant, &
Boland, 2005).
Várias teorias têm sido avançadas com o intuito de explicar este fenómeno.
Presentemente há duas teorias explicativas da amnésia infantil que se perfilam
como aquelas que menos lacunas apresentam. Uma caracteriza-se pela adopção de
uma perspectiva mais desenvolvimental, que considera que os adultos não se
recordam de memórias muito precoces na medida em que, aquando da ocorrência
dessas memórias, determinadas capacidades cognitivas não estão suficientemente
desenvolvidas para permitir uma compreensão dos eventos através de uma
narrativa de vida esquemática que possibilite a sua inter-relação (Usher &
Neisser, 1993). A outra, privilegia um modelo de interacção social, postulando
que, a memória autobiográfica surge após a emergência da linguagem, que é
utilizada pelos adultos para modelar a criança e ensinar-lhe o que é a memória
autobiográfica e para que serve (Penélope, 1999).
A importância do estudo das memórias autobiográficas infantis não se restringe
à compreensão do fenómeno da amnésia infantil, traduzse também em outras áreas
de grande interesse, como a prática clínica. Alguns autores (Arntz &
Weertman, 1999; Last, 1997) têm defendido a importância de uma melhor
compreensão das memórias infantis enquanto meio fundamental para o
restabelecimento dos padrões de saúde mental normativos dos sujeitos. Segundo
Arntz e Weertman (1999), as memórias infantis ao serem reinterpretadas podem
levar à modificação de esquemas nucleares no sujeito, sendo que o fundamental
não é o carácter verídico das memórias - que na maioria das vezes é
confirmado (Nelson, 1993) - mas sim a representação mnésica que a criança
tem do que ocorreu, a ressonância emocional e cognitiva resultante da
experiência percepcionada (Arntz & Weertman, 1999).
Memórias autobiográficas e depressão
As memórias autobiográficas são de grande importância para a depressão pelas
mais variadas razões. Segundo Kuyken e Dalgleish (1995), nos sujeitos
deprimidos existe um enviesamento negativo das memórias autobiográficas que é
fundamental para a génese da depressão e sua manutenção, na medida em que
reforça o ciclo depressivo. A depressão está assim associada a um enviesamento
da memória, em que a quantidade de memórias de situações negativas é superior à
de situações positivas (Brewin, Reynolds, & Tata, 1999; Williams, Watts,
Macleod, & Mathews, 2000).
Um importante exemplo da relação entre memórias autobiográficas e depressão é o
efeito de congruência do humor, que segundo Clark, Beck, e Alford (1999) se
deve ao facto de, nos sujeitos deprimidos, existir uma maior acessibilidade
relativamente aos esquemas negativos auto-referentes relacionados com o modo de
perda, o que leva a que haja a evocação de informação preferencialmente
negativa. O efeito de congruência de humor seria tão mais forte quanto maior a
severidade da depressão, perspectiva esta corroborada por Claudio (2004), que
defende que este efeito se relaciona com o estado e não com o traço depressão.
A maior acessibilidade a esquemas negativos auto-referentes por parte de
sujeitos deprimidos foi designada por Clark, Beck, e Alford (1999) como a
hipótese de activação esquemática, e reúne grande parte do seu suporte
científico através das memórias autobiográficas (Clark et al., 1999). Claudio
(2004), partindo desta hipótese de activação esquemática, considera que o self,
nos sujeitos deprimidos, não assume o papel regulador que deveria assumir ao
nível do processamento e evocação de informação.
Várias explicações têm sido avançadas ao longo do tempo para tentar explicar
este viés na memória dos sujeitos deprimidos. Moore, Watts, e Williams (1988) e
consideravam que a dificuldade em aceder a memórias positivas por parte dos
sujeitos deprimidos poderia estar relacionada com um uso inapropriado de
estratégias de evocação da memória, em que quando os sujeitos deprimidos
procurassem aceder a recordações mais específicas do seu passado, as suas
cognições ver-se-iam dominadas não pelos episódios específicos pretendidos, mas
sim por representações abstractas passadas. Estas representações abstractas, se
fossem negativas, facilmente seriam reforçadas em termos do seu realismo para o
próprio, devido à facilidade de evocação de acontecimentos negativos
específicos que as consubstanciassem, ao passo que se fossem positivas,
pareceriam irreais e incaracterísticas do próprio, por ser difícil corroborá-
las com episódios positivos específicos. Constatava-se assim que, nos sujeitos
deprimidos, ocorria uma falha ao nível da evocação de memórias autobiográficas
específicas, o que levava a que o processo de evocação não se desenvolvesse de
forma adequada - primeiro deveria haver um acesso a uma descrição geral
da memória (contexto) e depois, a partir desta, passar-se-ia para uma memória
particular (Williams, Barnhofer, Crane, Hermans, Raes, Watkins, &
Dalgleish, 2007).
Para que melhor se compreenda esta dificuldade de evocação de memórias
específicas é importante primeiro compreender os dois tipos de memórias gerais
relevantes para esta questão, nomeadamente: As memórias categóricas, que dizem
respeito a uma série de repetições de um evento, tratando-se de uma descrição
de nível intermédio na qual há uma menor discriminação do material mnésico; e
as memórias alargadas, que se referem a um acontecimento que tenha durado mais
de um dia, com um princípio e um fim definidos, correspondendo a uma procura
mais diferenciada do material mnésico (Goddard, Dritschel, & Burton, 1996).
Os sujeitos deprimidos evocariam predominantemente memórias categóricas
(Williams et al., 2007).
Williams (1992; Williams et al., 2007) considera que esta generalização na
evocação de memórias autobiográficas resulta de falhas nos processos de
codificação e evocação da informação. Segundo este, ao nível da codificação, os
sujeitos com perturbações emocionais, como é o caso dos sujeitos deprimidos,
tendem a focar-se nos aspectos afectivos das situações e subsequentemente
codificam preferencialmente estes aspectos das experiências. Como a codificação
ao nível dos afectos é a mais geral possível, na medida em que avalia os
comportamentos através de uma comparação a longo prazo, possibilitando a
integração de episódios específicos num conjunto geral de episódios semelhantes
a nível afectivo, após um determinado período de tempo, os sujeitos acabam por
desenvolver um funcionamento mnésico que privilegia informação geral e
relevante para o self, subvalorizando e enviesando a procura mnésica de
episódios específicos. Esta forma de codificação da informação pode assim levar
a que o sujeito deprimido tenha grandes dificuldades na evocação de episódios
específicos, dificuldades essas que se tornariam maiores caso não existissem
"pistas" contextuais, positivas ou negativas, que ajudassem os
sujeitos deprimidos a recordar esses episódios (Williams, 1992).
Esta grande importância atribuída aos processos de codificação na manutenção do
fenómeno de generalização das memórias autobiográficas foi corroborada por
Claudio (2004), que considera que estes processos assumem uma grande quota
parte na manutenção deste fenómeno de generalização das memórias e
subsequentemente da depressão. No entanto, segundo o próprio Williams (1992;
Williams et al., 2007), as falhas ao nível dos processos de evocação e
codificação, não serão as únicas responsáveis pelo fenómeno de generalização
das memórias. Outra das situações que poderia ser responsável por este fenómeno
seria a existência, nos sujeitos deprimidos, de um foco ruminante sobre o self.
Este foco ruminante mais não seria do que um enfoque crónico por parte do
sujeito no seu self, numa tendência neurótica para deambular passivamente sobre
os seus aspectos indesejáveis, e seria responsável por uma redução da
capacidade da memória de trabalho e por encorajar a que os eventos fossem
codificados em descrições demasiado inclusivas, negativas e referentes ao
próprio, formando-se assim um laço mnemónico (mnemonic interlock) que levava a
que os sujeitos deprimidos evocassem sobretudo memórias gerais (Williams et
al., 2007).
Curiosamente, constatou-se que não seria só o "foco ruminante"
sobre o selfque encorajaria à produção de memórias gerais e congruentes com o
humor, também a própria evocação de memórias gerais encorajaria o "foco
ruminante" sobre o self(Kleim & Ehlers, 2008).
MÉTODO
O presente estudo é um estudo experimental confirmatório, constituído por uma
amostra total de 30 sujeitos, divididos por dois grupos: Um grupo constituído
por 15 sujeitos com diagnóstico de depressão, elaborado por um psiquiatra tendo
em conta os critérios de diagnóstico do DSM-IV, que foram contactados por
intermédio da Consulta de Psicologia do Hospital de Nossa Senhora do Rosário,
S.A. Barreiro (um sujeito foi contactado através de uma consulta particular de
Psicoterapia); Um grupo constituído por 15 sujeitos, no qual o principal
critério de inclusão foi o da inexistência de qualquer história recente ou
passada de alteração psicopatológicas, tendo estes sido contactados através do
Hospital de Nossa Senhora do Rosário, S.A. Barreiro e do Centro de Saúde do
Vale da Amoreira.
Para a integração dos sujeitos no estudo era igualmente necessário que estes
soubessem ler e escrever, e não possuíssem alterações marcadas da acuidade
visual. Procurou-se que aquando recolha da amostra, os sujeitos de ambos os
grupos estivessem emparelhados entre si, no que diz respeito à sua idade,
género e grau de escolaridade. Como tal, após um processo de amostragem não
aleatória por conveniência, relativo ao grupo de sujeitos com diagnóstico de
depressão, procedeu-se a um processo de amostragem emparelhada e objectiva para
o grupo de sujeitos sem alteração psicopatológica.
Instrumentos
Para a realização do presente estudo foi necessária a aplicação dos seguintes
instrumentos, de acordo com a seguinte ordem: Tarefa de Memória Autobiográfica,
elaborada por Claudio (2004) e constituída por trinta substantivos, dez com
valência positiva, dez com valência negativa e dez com valência neutra,
dispostos de modo a que não surjam, de forma consecutiva mais de dois
substantivos com uma mesma valência; Inventário da Depressão de Beck (BDI);
Inventário de Ansiedade Estado-Traço (Forma Y); Questionário de Esquemas;
Escala de Atitudes Disfuncionais (DAS); e Sub-teste Verbal da Escala de
Wechsler para Adultos.
Para a realização deste estudo experimental foi necessário seguir um conjunto
de trâmites: Numa fase inicial, foi obtida a autorização para a realização do
estudo no Departamento de Psicologia do Hospital de Nossa Senhora do Rosário,
S.A. Barreiro. Após esta, a aplicação do protocolo de investigação compreendeu
uma ou duas sessões, tendo esta última opção sido privilegiada por força do
grande número de horas necessárias para que alguns sujeitos terminassem as
tarefas propostas.
Para que as diferenças entre o número de sessões utilizadas para a recolha da
amostra não constituíssem uma fonte de enviesamento dos resultados, foi
necessário aplicar as tarefas BDI e Ansiedade estado-traço (Forma Y) na mesma
sessão em que era aplicada a Tarefa de Memória Autobiográfica, pois era
importante que os parâmetros avaliados por estas escalas clínicas pudessem ser
atribuídos ao sujeito no momento da execução da Tarefa de Memória
Autobiográfica.
Para o registo dos tempos de latência, contabilizámos, através do recurso ao
gravador, o tempo que os participantes demoravam a evocar uma memória após
terem sido expostos à palavra estímulo. Quando os participantes não forneceram
memórias de infância a uma determinada palavra estímulo, não contabilizámos
qualquer tempo de latência para essa palavra.
ANÁLISE DOS RESULTADOS
No que concerne o tratamento estatístico utilizado neste estudo, a avaliação da
normalidade da distribuição esteve sempre pendente da realização do teste
Kolmogorov-Smirnovcom aplicação da correcção de Lilliefors. Quando as variáveis
dependentes possuíam uma distribuição normal, utilizámos o Teste de Levenepara
testar a homogeneidade de variâncias. Sempre que estas provaram ser homogéneas,
recorremos à utilização de testes paramétricos, nomeadamente ao teste t de
Studentpara 2 amostras independentes, para comparação dos resultados obtidos
nas variáveis dependentes pelo grupo dos sujeitos deprimidos e pelo grupo dos
sujeitos sem alteração psicopatológica. Quando um ou os dois grupos em
comparação não seguiam uma distribuição normal, ou quando ambos seguiam uma
distribuição normal mas não havia uma homogeneidade de variâncias, recorremos a
testes não paramétricos, nomeadamente o teste de Mann-Whitney, para a
comparação dos resultados obtidos nas diferentes variáveis dependentes pelos
dois grupos de sujeitos.
A dada altura do tratamento estatístico, tornou-se necessária a comparação dos
resultados obtidos em duas ou mais variáveis por um mesmo grupo de sujeitos.
Sempre que as variáveis em comparação apresentaram uma distribuição normal e
variâncias homogéneas, utilizámos o teste t de studentpara as comparar através
de comparações duais. Como a grande maioria das categorias não seguiu uma
distribuição normal, recorremos ao teste de Mann-Whitneypara fazer as
comparações supracitadas.
Por uma questão de homogeneidade ao nível dos testes utilizados, preferimos
utilizar sempre o teste paramétrico t de studentpara comparar duas e três
variáveis, mesmo sabendo que poderíamos ter utilizado o teste de Tukeypara
comparar os resultados obtidos em três variáveis por um mesmo grupo de
sujeitos.
Para a análise estatística foram consideradas como memórias de infância todas
as memórias compreendidas entre os 0 e os 11 anos de idade. As memórias
relativas a acontecimentos vividos depois dos 11 anos de idade, não foram
contabilizadas.
Relativamente à valência das memórias, foram consideradas como memórias
positivas todas as memórias que criaram uma ressonância emocional positiva nos
sujeitos, ressonância essa que tinha que estar claramente demonstrada no
conteúdo da memória evocada. Quanto às memórias negativas, foram integradas
nesta categoria todas as memórias que criaram uma ressonância emocional
negativa nos sujeitos, demonstrada através do conteúdo da memória evocada ou
através de reacções indicadoras da existência de um sentimento negativo
associado à memória (como o choro).
As memórias integradas no período dos 0 aos 11 anos mas que não satisfizeram os
critérios necessários para que lhes fosse atribuída uma determinada valência,
só não foram utilizadas na análise estatística das categorias que implicavam a
existência de uma valência.
Para a classificação das memórias enquanto memórias alargadas, categóricas ou
específicas, recorremos aos critérios de Goddard, Dritschel, e Burton (1996),
segundo os quais uma memória alargada é aquela que se refere a um acontecimento
que dura mais de um dia e que tem um início e um fim definidos, podendo esta
ser mais geral ("quando eu era criança") ou mais específica
("quando fiz aquele curso de artes"). As memórias categóricas
seriam aquelas que se referem a uma série de eventos repetidos ("quando
jogava ténis aos domingos"), e as memórias específicas aquelas que se
referem a acontecimentos que duraram só um dia.
Análise dos resultados obtidos nas escalas clínicas
Conforme é possível constatar através do Quadro 1, existiram diferenças
significativas em todas as escalas clínicas ao nível dos resultados obtidos
pelos sujeitos deprimidos, por comparação aos sujeitos sem alteração
psicopatológica.
QUADRO 1
Médias, Desvio-Padrão e significância da diferença das médias obtidaspelos
sujeitos deprimidos e pelos sujeitos sem alteração psicopatológica, no
Inventário daDepressão de Beck (BDI), STAI Traço, STAI Estado, DAS e
Questionário de Esquemas
Nota:* = Diferença significativa (p<0,05) no teste de Mann-Whitneypara as
médias obtidas pelos dois grupos da amostra; ** = Diferença significativa
(p<0,05) no teste de t de studentpara as médias obtidas pelos dois grupos da
amostra.
Análise dos resultados da tarefa de memória autobiográfica
Análise da relação entre o tempo de latência e as palavras estímulo.Para a
realização desta análise foram utilizadas as médias dos tempos de latência
registados em cada uma das palavras estímulo pelos dois grupos de sujeitos. Foi
feita uma divisão das médias dos tempos de latência em médias altas e em médias
baixas. Tratando-se este estudo de um estudo experimental confirmatório,
decidimos recorrer, aos critérios de Claudio (2004) para a definição do que
constituem médias do tempo de latência elevadas e baixas para os diferentes
grupos. Assim sendo, para os sujeitos deprimidos, as médias de tempo de
latência consideradas elevadas seriam todas aquelas ≥a 6,0 segundos, enquanto
que para os sujeitos sem alteração psicopatológica seriam todas aquelas ≥a 4,0
segundos. Já no que diz respeito às médias do tempo de latência consideradas
mais baixas, estas seriam, para os sujeitos deprimidos, aquelas que registassem
valores ≤a 4,0 segundos, e ≤a 2,0 segundos para os sujeitos sem alteração
psicopatológica. Nos sujeitos deprimidos as palavras com tempos de latência
mais elevados foram: Tempo, Lealdade e Parede e as palavras com tempos de
latência mais baixos foram Solidão, Tristeza, Cadeira, Sinceridade,
Honestidade, Inveja,Água, Doença, Caneta, Sapato, Amor, Mesa, Cinismo, Amizade,
Janela.
No grupo dos sujeitos sem alteração psico-patológica, as palavras com tempos de
latência mais elevados foram: Chão, Incolor, Honestidade, Tempoe Mentirae a
única palavra com um tempo de latência considerado baixo (ver Quadro 5) foi a
palavra Amizade(DP.=0,76).
Em termos inter-grupais constatou-se que apenas na palavra Lealdadeexistiu uma
diferença significativa (p-value<0,05) entre a média dos tempos de latências
fornecidos pelo grupo de sujeitos deprimidos (significativamente superior) e
aquela fornecida pelo grupo de sujeitos sem alteração psicopatológica.
Análise do total de memórias de infância evocadas.No Quadro 2 é possível
observar múltiplas comparações entre o grupo de sujeitos deprimidos e o grupo
de sujeitos sem alteração psicopatológica, no que à Tarefa de Memória
Autobiográfica diz respeito. Uma dessas comparações envolve a média do total de
memórias de infância evocadas por ambos os grupos de sujeitos, e conforme
constatamos no Quadro 2, os sujeitos deprimidos apresentaram uma média relativa
ao total de memórias de infância evocadas (X=30,67; DP.=20,37) superior à
apresentada pelos sujeitos sem alteração psico-patológica (X=22,93; DP.=8,77),
não sendo, no entanto, esta diferença significativa (p-value= 0,539>0,05).
Análise das valências das memórias de infância evocadas.Ao nível intra-grupal,
conforme se pode observar no Quadro 2, constatou-se que, apesar dos sujeitos
deprimidos evocarem mais memórias de infância de valência negativa do que de
valência positiva, a diferença não era significativa, pois p-value= 0,17>0,05.
QUADRO_2
Médias, Desvio-Padrão e significância dos factores de análise da tarefa de
memória autobiográfica nos sujeitos deprimidos e nos sujeitos sem alteração
psicopatológica
Nota: (1) As diferenças entre as médias relativas ao total de memórias de
infância de valência positiva e negativa evocados pelos sujeitos deprimidos não
são significativas; (2) As diferenças entre as médias relativas ao total de
memórias de infância de valência positiva e negativa evocados pelos sujeitos
sem alteração psicopatológica (Normais) não são significativas; (3) As
diferenças entre as médias relativas ao total de memórias de infância evocadas
em palavras de valência positiva, negativa e neutra, não são significativas;
(4) As diferenças entre as médias relativas ao total de memórias de infância
evocadas em palavras de valência positiva e neutra são significativas, não
tendo as restantes médias diferenças significativas entre si; (5) As diferenças
entre as médias dos tempos de latência totais dados às palavras de diferentes
valências, não são significativas; (6) A diferença entre a média do tempo de
latência total dado às palavras positivas e às palavras neutras é
significativamente diferente, não tendo as restantes médias diferenças
significativas entre si.
Quanto aos sujeitos sem alteração psicopatológica, estes também registaram uma
média de memórias de infância negativas superior à média de memórias de
infância positivas, mas as diferenças não foram significativas, pois p-value =
0,32>0,05.
Ao compararmos, em termos inter-grupais, os resultados obtidos por ambos os
grupos, verificamos que o grupo de sujeitos deprimidos, em relação ao grupo de
sujeitos sem alteração psicopatológica, evocou mais memórias de infância
positivas (X=7,93; DP.=6,16 por oposição a X=6,07; DP.=3,06) e negativas
(X=10,93; DP.=7,20 por oposição a X=8,67; DP.=5,70), mas as diferenças não
foram significativas (p-value = 0,74>0,05 para memorias de infância positivas e
p-value = 0,35>0,05 para memórias de infância negativas.
Análise das memórias de infância evocadas por agrupamento de palavras em
valências.Por forma a realizar esta análise, as palavras estímulo foram
agrupadas de acordo com a sua valência – positiva, negativa e neutra.
Posteriormente, foi analisada a valência das memórias evocadas em palavras de
diferentes valências, e compararam-se os tempos de latência registados por
ambos os grupos de sujeitos nas palavras de diferentes valências.
Para o grupo de sujeitos deprimidos, não existiram diferenças significativas
entre as médias de evocação de memórias de infância nas palavras positivas e
negativas (p-value = 0,68>0,05), entre as médias de evocação de memórias de
infância nas palavras positivas e neutras (p-value = 0,65>0,05) e entre as
médias de evocação de memórias de infância nas palavras negativas e neutras (p-
value=0,90>0,05) – ver Quadro_2.
Já no grupo de sujeitos sem alteração psicopatológica, constatou-se que
existiam diferenças significativas, pois a média de memórias de infância
evocadas nas palavras neutras era significativamente superior à média de
memórias de infância evocadas nas palavras positivas (t=-2,396,p-
value=0,02<0,05). Entre as restantes variáveis, não existiam diferenças
significativas.
Através da análise das diferenças, num mesmo grupo, entre as médias dos tempos
de latência totais, registadas nas palavras positivas, negativas e neutras,
verificou-se que, nos sujeitos deprimidos, não existiam diferenças
significativas (pvalue> 0,05) entre as médias dos tempos de latência totais
fornecidos às palavras de diferentes valências.
Nos sujeitos sem alteração psicopatológica, verificaram-se diferenças
significativas entre a média dos tempos de latência totais fornecidas às
palavras positivas e às palavras neutras (p-value = 0,04<0,05), com o tempo de
latência registado nas palavras neutras a ser significativamente superior ao
registado nas palavras positivas. As médias das restantes variáveis não
possuíam diferenças significativas entre si.
No grupo de sujeitos deprimidos, a média dos tempos de latência totais
registados face às palavras estímulo positivas (X=25,33; DP.=22,16) foi
significativamente superior (p-value = 0,01<0,05) à registada pelos sujeitos
sem alteração psicopatológica (X=9,73; DP.=5,19).
Análise dos diferentes tipos de memórias de infância evocadas. Foi realizada
uma comparação intra-grupal, para ambos os grupos de sujeitos, relativa às
médias do total de memórias alargadas, categóricas e específicas evocadas. O
que se constata através do Quadro 3 é que, no grupo de sujeitos deprimidos,
existiram diferenças significativas entre as médias de evocação dos três tipos
de memórias. Deste modo, a média do total de memórias alargadas evocadas foi
significativamente superior à média do total de memórias categóricas evocadas
(p-value = 0,02<0,05), que por sua vez foi significativamente superior à média
do total de memórias específicas evocadas (p-value = 0,00<0,05). A média do
total de memórias alargadas evocadas também foi, neste sentido,
significativamente superior à média do total de memórias específicas evocadas
(p-value = 0,00<0,05).
No grupo de sujeitos sem alteração psicopatológica, constatou-se que a média do
total de memórias alargadas evocadas foi significativamente superior à média do
total de memórias categóricas evocadas (p-value = 0,00<0,05) e que a média do
total de memórias alargadas evocadas foi significativamente superior à média do
total de memórias específicas evocadas (p-value = 0,00<0,05). Já no que
concerne a relação entre a média do total de memórias categóricas evocadas e a
média do total de memórias de infância evocadas, ao contrário do que havia
ocorrido no grupo de sujeitos deprimidos, as diferenças não foram
significativas (p-value = 0,17>0,05).
QUADRO 3
Médias, Desvio-Padrão e significância dos factores de análise dos diferentes
tipos de memórias de infância evocadas na tarefa de memória autobiográfica
pelos sujeitos deprimidos e pelos sujeitos sem alteração psicopatológica
Nota: (1) As diferenças entre as médias do total de memórias de infância
alargadas, categóricas e específicas evocadas, são significativas; (2) A
diferença entre a média do total de memórias de infância alargadas evocadas e a
média do total de memórias de infância categóricas evocadas, são
significativas. As diferenças entre a média do total de memórias de infância
alargadas evocadas e a média do total de memórias de infância específicas
evocadas são significativas; A diferença entre a média do total de memórias de
infância categóricas evocadas e a média do total de memórias de infância
específicas evocadas não é significativa; Não existem diferenças significativas
entre as médias do total de memórias de infância alargadas positivas e
negativas evocadas; (4) Não existem diferenças significativas entre as médias
do total de memórias de infância alargadas positivas e negativas evocadas; (5)
Não existem diferenças significativas entre as médias do total de memórias de
infância categóricas positivas e negativas evocadas; (6) Não existem diferenças
significativas entre as médias do total de memórias de infância categóricas
positivas e negativas evocadas; (7) As diferenças entre as médias do total de
memórias de infância específicas positivas e negativas evocadas são
significativas; (8) Não existem diferenças entre as médias do total de memórias
de infância específicas positivas e negativas evocadas.
Ao nível inter-grupal, as memórias alargadas foram as mais evocadas pelo grupo
de sujeitos deprimidos (X=20,13; DP.=17,14) e pelo grupo de sujeitos sem
alteração psicopatológica (X=13,33; DP.=8,32). Conforme se pode verificar
através do Quadro 7, os sujeitos deprimidos evocaram mais memórias alargadas
que os sujeitos sem alteração psicopatológica, não sendo esta diferença
significativa (p-value= 0,49>0,05).
Para a comparação das médias do total de memórias alargadas evocadas por ambos
os grupos de sujeitos, recorremos ao teste de Mann-Whitney, pois apesar da
variável seguir uma distribuição normal em ambos os grupos, as variâncias não
eram homogéneas.
No grupo de sujeitos deprimidos registou-se uma média de evocação de memórias
categóricas (X=7,53; DP.=4,19) superior à registada no grupo de sujeitos sem
alteração psicopatológica (X=5,47; DP.=5,88). Esta diferença não foi
significativa, pois p-value= 0,06>0,05.
No que concerne as memórias específicas, os sujeitos sem alteração
psicopatológica evocaram mais memórias específicas (X=4,06; DP.=5,39) que os
sujeitos deprimidos (X=3,13; DP.=4,22), diferença essa que não foi
significativa (p-value= 0,84>0,05).
Análise da valência dos diferentes tipos de memórias de infância
evocadas.Através de uma análise intra-grupal executada em ambos os grupos, foi
possível comparar as médias de evocação de memórias alargadas positivas e
negativas, de memórias categóricas positivas e negativas e de memórias
específicas positivas e negativas.
Ao nível das memórias alargadas, registou-se a inexistência de diferenças
significativas, em ambos os grupos, entre as médias de evocação de memórias
alargadas positivas e negativas (t=-0,148 e p-value= 0,88>0,05 para o grupo de
sujeitos deprimidos, e t=-0,641 e p-value= 0,53>0,05 para o grupo de sujeitos
sem alteração psicopatológica).
Relativamente às memórias categóricas, constatou-se que os sujeitos deprimidos
e os sujeitos sem alteração psicopatológica evocaram mais memórias categóricas
negativas do que positivas. Procurámos então saber se existiriam diferenças
significativas no grupo de sujeitos deprimidos e no grupo de sujeitos sem
alteração psicopatológica, entre as médias de evocação de memórias categóricas
positivas e negativas.
O que se verificou foi que, tanto para o grupo de sujeitos deprimidos (t=-1,603
e p-value= 0,12>0,05) como para o grupo de sujeitos sem alteração
psicopatológica (p-value= 0,37>0,05) não existiam diferenças significativas
entre as médias de evocação de memórias categóricas positivas e negativas.
Por fim, foram comparadas as médias de evocação de acontecimentos específicos
positivos e negativos no seio de ambos os grupos de sujeitos. Através desta
comparação, verificámos que existiram diferenças significativas entre as médias
de evocação no grupo de sujeitos deprimidos (p-value= 0,02<0,05), ou seja, no
grupo de sujeitos deprimidos, a média de evocação de memórias específicas de
valência negativa foi significativamente superior à média de evocação de
memórias específicas de valência positiva.
Nos sujeitos sem alteração psicopatológica, não existiram diferenças
significativas entre as médias das duas variáveis (p-value= 0,06>0,05).
DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
Através da análise dos resultados constata-se que a hipótese testada neste
estudo se confirmou.
A hipótese em causa preconizava que o grupo de sujeitos deprimidos evocaria,
comparativamente ao grupo de sujeitos sem alteração psico-patológica, um número
semelhante de memórias autobiográficas infantis de valência negativa, não
existindo assim diferenças significativas entre o número de memórias
autobiográficas infantis de valência negativa evocadas por ambos os grupos. O
que os resultados demonstraram foi que os sujeitos deprimidos evocaram mais
memórias infantis de valência negativa do que os sujeitos sem alteração
psicopatológica, não tendo, no entanto, estas diferenças sido significativas.
Como tal, conclui-se que não existiu um efeito de congruência do humor que
pudesse ser considerado estatisticamente significativo.
Uma possível explicação para esta situação, elaborada por Brewin, Andrews, e
Gotlib (1993), e corroborada por Williams e colegas (2000) refere que, pelo
facto das memórias autobiográficas de infância serem excessivamente
recapituladas e processadas ao longo da vida por parte dos sujeitos, isso leva
a que os vieses causados pelos efeitos de congruência de humor em memórias
autobiográficas não infantis, não se manifestem. Outra possibilidade,
desenvolvida por Miranda e Kihlstom (2005), refere que a inexistência de um
efeito de congruência de humor pode dever-se a uma diminuição espontânea, ao
longo do tempo, na intensidade afectiva das memorias negativas, por comparação
às positivas, o que limitaria a evocação de memórias negativas. Para alem deste
factor, estes autores referem que quer as estratégias de regulação de humor
podem ter exercido o seu efeito de forma mais premente nas memorias de
infância, pelo facto das mesmas terem um período de retenção muito superior ao
das memórias recentes (Miranda & Kihlstrom, 2005). Tendo por base estas
diferentes hipóteses explicativas, urge perceber que mecanismos estão, de
facto, associados a esta inexistência de um efeito de congruência de humor nas
memórias de infância.
Prosseguindo com a discussão dos resultados obtidos, os sujeitos deprimidos
evocaram mais memórias positivas do que os sujeitos sem alteração
psicopatológica, não tendo, no entanto, esta diferença sido significativa.
Apesar da relevância dos resultados estar limitada pelo facto dos sujeitos
deprimidos não terem evocado significativamente mais memórias positivas do que
negativas, estes demonstram que, ao contrário do que havia ocorrido no estudo
de Claudio (2004), a diferença entre os sujeitos deprimidos e sem alteração
psicopatológica manifestou-se não só ao nível da informação negativa como
também ao nível da informação positiva, visto que os sujeitos deprimidos
evocaram mais memórias de ambas as valências.
Ao analisarmos a valência das memórias de infância evocadas pelos sujeitos sem
alteração psicopatológica, verificamos que o facto de terem evocado mais
memórias de infância negativas que positivas, pode ter sido decisivo para que
estes tenham evocado menos memórias positivas que os sujeitos deprimidos. Em
virtude deste resultado, podemos afirmar que também não se registou um efeito
de congruência de humor no grupo de sujeitos sem alteração psicopatológica.
De acordo com alguns autores (Clark et al., 1999; Claudio, 2004), seria de
esperar que os sujeitos sem alteração psicopatológica evocassem mais memórias
positivas que negativas, o que não ocorreu. Existem duas interpretações
possíveis para o facto dos sujeitos sem alteração psicopatológica não terem
manifestado um efeito de congruência de humor: Em primeiro lugar, é possível
que a inexistência deste efeito de congruência de humor nos sujeitos sem
alteração psicopatológica se deva ao limitado número da amostra. Assumindo como
viável esta hipótese, há que extrapolá-la igualmente para os resultados obtidos
pelos sujeitos deprimidos. Assim sendo, também é possível que a inexistência de
um efeito de congruência de humor nos sujeitos deprimidos se deva a esta
limitação do número da amostra, o que infirmaria as teses explicativas
previamente elaboradas, relativas à excessiva recapitulação de memórias de
infância (Brewin, Andrews, & Gotlib, 1993).
Por outro lado, considerando viável a explicação avançada por Brewin, Andrews,
e Gotlib (1993), de que o efeito de congruência de humor não se manifesta na
evocação de memórias de infância por parte dos sujeitos deprimidos, por estas
terem sido excessivamente recapituladas, parece-nos possível que, também nos
sujeitos sem alteração psicopatológica, não exista um efeito de congruência de
humor pela mesma razão - a excessiva recapitulação das memórias de
infância. No entanto, este resultado não corrobora as hipóteses explicativas
avançadas por Miranda e Kihlstrom (2005).
No que concerne a evocação mnésica de ambos os grupos de sujeitos em palavras
de diferentes valência, observámos que os sujeitos deprimidos evocaram mais
memórias de infância nas palavras negativas, enquanto que os sujeitos sem
alteração psicopatológica evocaram mais memórias de infância nas palavras
neutras. Apesar dos sujeitos deprimidos terem evocado mais memórias de infância
nas palavras negativas, a diferença não foi significativa face à média de
evocação de memórias de infância nas palavras positivas e neutras. Uma possível
explicação para esta situação é a que já foi avançada para justificar a
inexistência de um efeito de congruência de humor - excessiva
recapitulação das memórias. Pelo facto das memórias de infância serem
excessivamente recapituladas, não existiria um efeito de congruência de humor
nos sujeitos deprimidos, e estes, à semelhança dos sujeitos sem alteração
psico-patológica, não privilegiariam o processamento de informação negativa.
Esta situação levaria a que os sujeitos deprimidos não evocassem mais memórias
de infância negativas e, segundo nos parece, poderia igualmente levar a que não
evocassem mais memórias de infância em palavras negativas, pois ao não estarem
sob a influência de um efeito de congruência de humor, não teriam motivos para
evocar mais memórias de infância em palavras negativas, do que em palavras
neutras ou positivas.
Esta possível explicação parece esclarecer não só os resultados obtidos neste
estudo, como a discrepância destes face aos resultados obtidos no estudo de
Claudio (2004), pois poder-se-ia supor que, por os sujeitos deprimidos nesse
estudo não evocarem somente memórias autobiográficas de infância, isso levaria
a que o seu processo de evocação mnésica estivesse mais vulnerável a um efeito
de congruência de humor e à influência de informação afectivamente marcada e
congruente com humor negativo - palavras negativas.
Ao nível das diferenças entre os dois grupos quanto ao total de memórias de
infância evocadas em palavras de diferentes valências, o que se verificou foi
que os sujeitos deprimidos evocaram mais memórias de infância nas palavras de
diferentes valências do que os sujeitos sem alteração psicopatológica, não
existindo, no entanto, diferenças significativas entre as médias de evocação
dos dois grupos. Este resultado também parece ser emblemático da diferença
entre memórias autobiográficas de infância e memórias autobiográficas mais
recentes, pois para estas últimas seria de esperar que os sujeitos deprimidos
evocassem mais memórias autobiográficas que os sujeitos sem alteração
psicopatológica, quando a palavra estímulo fosse negativa (Claudio, 2004). Mais
uma vez, os argumentos já avançados enquanto possível explicação para o facto
dos sujeitos deprimidos não evocarem mais memórias de infância nas palavras
negativas do que nas palavras positivas e para o facto de evocarem um
semelhante número de memórias de valência negativa em comparação com os
sujeitos sem alteração psicopatológica, poderiam aqui ser aplicados.
Relativamente aos tempos de latência registados pelos dois grupos de sujeitos,
estes foram superiores nas palavras neutras, com os sujeitos sem alteração
psicopatológica a registarem tempos de latência significativamente superiores
nas palavras neutras comparativamente às palavras positivas, um pouco à
semelhança do que ocorreu com as médias de evocação de acontecimentos nestas
palavras. O facto dos sujeitos sem alteração psicopatológica terem registado
menores tempos de latência para as palavras positivas, parece dever-se à maior
facilidade destes em responder a estimulação positiva (Claudio, 2004).
Quanto à comparação inter-grupal dos tempos de latência fornecidos às palavras
de diferentes valências, observou-se que os sujeitos deprimidos registaram
tempos de latência significativamente superiores aos dos sujeitos sem alteração
psicopatológica, nas palavras positivas, negativas e neutras. No entanto, a
diferença entre os resultados obtidos por ambos os grupos apenas foi
significativa relativamente às palavras positivas, nas quais os sujeitos
deprimidos evocaram significativamente mais memórias que os sujeitos sem
alteração psicopatológica.
O facto dos sujeitos deprimidos terem registado tempos de latência superiores
aos dos sujeitos sem alteração psicopatológica, pode dever-se à lentificação
cognitiva que estes sofrem ao nível do processamento de informação (Claudio,
2004; Croll & Bryant, 2000). Já no que concerne o motivo pelo qual apenas
nas palavras positivas a diferença entre ambos os grupos foi significativa,
este pode estar relacionado com a maior facilidade dos sujeitos sem alteração
psicopatológica em responder a estimulação positiva, que conjuntamente com a
lentificação cognitiva dos sujeitos deprimidos, pode ter possibilitado a
existência de diferenças significativas.
Os resultados obtidos no que respeita ao tipo de memórias autobiográficas
preferencialmente evocadas, demonstram que os sujeitos deprimidos evocaram mais
memórias alargadas e mais memórias categóricas que os sujeitos sem alteração
psicopatológica, e que em contrapartida, os sujeitos sem alteração
psicopatológica evocaram mais memórias específicas que os sujeitos deprimidos,
sem que no entanto as diferenças entre os grupos fossem significativas.
Estes resultados são, em parte, incongruentes com a literatura existente acerca
do tipo de memórias predominantemente evocadas pelos sujeitos deprimidos.
Nesta, é defendido que os sujeitos deprimidos possuem um estilo de evocação
geral (Williams et al., 2007), pois quando um estímulo de memória activa
descrições categoriais intermédias que "ameaçam" recuperar os
fragmentos de um episódio de cariz emocional, a pesquisa mnésica é abortada
(Williams, 1996; Williams et al., 2000).
Uma possível explicação para os sujeitos deprimidos do nosso estudo terem
evocado mais memórias alargadas que categóricas, comparativamente ao estudo de
Goddard, Dritschel, e Burton (1996), prende-se com as diferentes instruções
fornecidas aos sujeitos deprimidos em ambos os trabalhos. Enquanto que Goddard,
Dritschel, e Burton (1996) pediam aos sujeitos para recordarem memórias
específicas em função de palavras estímulo de valências diferentes, no presente
trabalho era pedido aos sujeitos que recordassem memórias de um período
temporal específico, a infância. Assim sendo, os sujeitos eram instruídos para
evocarem memórias integradas num período de tempo definido, o que terá
enviesado a sua evocação mnésica a favor de memórias alargadas gerais
concentradas num período de tempo específico, a infância.
A possibilidade de existir um viés associado à instrução explicaria o facto de
ambos os grupos de sujeitos terem evocado significativamente mais memórias
alargadas que memórias categóricas.
A superioridade manifestada pelos sujeitos deprimidos ao nível da evocação de
memórias alargadas e categóricas, não se manifestou nas memórias específicas. O
que se constatou foi que, apesar de não existirem diferenças significativas
entre os sujeitos deprimidos e os sujeitos sem alteração psicopatológica, estes
últimos evocaram mais memórias específicas no geral, e mais memórias
específicas nas palavras de diferentes valências.
Uma possível explicação para esta situação prende-se com aquilo que alguns
autores defendem ser um estilo de evocação geral característico dos sujeitos
deprimidos (Williams et al., 2007) e que já foi referido neste estudo.
Já tendo sido explorados os resultados obtidos neste trabalho, importa referir
as limitações do mesmo. Em primeiro lugar, o facto de as amostras de ambos os
grupos serem constituídas por apenas quinze sujeitos parecenos ser uma
limitação muito importante. Este número de quinze participantes é o mínimo
exigível para que os resultados obtidos possam ser extrapolados para as
populações representadas na amostra. Como tal, tem que existir, forçosamente,
algum cuidado na aplicação dos resultados e conclusões obtidas, às populações
em geral. Com apenas quinze sujeitos a caracterizarem a população de sujeitos
deprimidos e sem alteração psicopatológica, não foi surpreendente que muitas
das variáveis dependentes estudadas seguissem distribuições não normais, pois é
sabido que quanto menor a amostra, maior a influência da variabilidade
individual. Neste sentido, é de todo impossível saber se, no caso da amostra
ser maior, os resultados obtidos teriam sido diferentes, sendo que todos os
resultados obtidos estão, naturalmente, sujeitos a esta limitação. Por este
motivo, parece-nos de grande importância que, no futuro, possam ser efectuados
estudos semelhantes ao nosso, que explorem as relações entre os processos
mnésicos e a patologia depressiva, mas com amostras bastante mais
representativas das populações estudadas. Seria interessante que a integração
de um grupo de sujeitos sem alteração psicopatológica nestes futuros estudos,
não se limitasse à sua utilização enquanto "objecto" de comparação
para os resultados obtidos pelo grupo de sujeitos deprimidos, mas também
tivesse o propósito de analisar se, nos sujeitos sem alteração psicopatológica,
existe um efeito de congruência do humor face às memórias de infância.
Consideramos que o nosso trabalho possui ainda três outras limitações. A
primeira prende-se por, ao contrário do que ocorreu com Claudio (2004), os
sujeitos com diagnóstico de depressão não possuírem todos eles depressão major,
existindo desta forma diferentes níveis de severidade da depressão. A nossa
amostra foi constituída por sujeitos com diagnósticos de depressão reactiva,
depressão major e um sujeito com depressão bipolar, em fase depressiva. Estes
diferentes níveis de severidade da depressão, de acordo com alguns autores,
podem ter influência sobre os resultados obtidos numa tarefa de memória
autobiográfica (Clark et al., 1999), pois quanto maior a severidade da
depressão, maior a probabilidade da evocação mnésica ser influenciada no
sentido de um viés negativo.
A segunda está relacionada com as idades dos participantes. Pelo facto dos
participantes terem idades que oscilam entre os 23 e os 59 anos, há alguns
participantes cujos resultados na Tarefa de Memória Autobiográfica poderão ter
sofrido a influência do fenómeno da reminiscência infantil. Este fenómeno, que
segundo Rubin, Wetzler, e Nebes (1986) surge entre os 35 e os 40 anos, traduz
um aumento inesperado da evocação de memórias mais antigas, em relação ao
padrão "normal" de evocação mnésica da maioria dos sujeitos. Tendo
este fenómeno em consideração, cremos ser possível a existência de um viés
relacionado com a idade dos sujeitos, quanto ao número total de memórias
evocadas. Apesar da idade em ambos os grupos ter sido alvo de controlo, o que
possibilitou a limitação das diferenças entre os dois grupos a este nível,
pensamos que, no futuro, seria importante a realização de um trabalho que
estabelecesse uma comparação entre a evocação de memórias de infância feita por
sujeitos que não tivessem sob a influência deste período de reminiscência, e
aquela feita por sujeitos que se encontrem no período etário em que este
fenómeno geralmente ocorre. Cremos que seria interessante verificar de que
forma este fenómeno influência a evocação de memórias autobiográficas, quer ao
nível da sua quantidade, quer ao nível da sua qualidade.
Por fim, pensamos que o critério utilizado no nosso estudo para a definição de
memórias autobiográficas alargadas e categóricas é um critério que não nos
permite ter uma verdadeira noção da quantidade de memórias alargadas e
categóricas que seriam evocadas pelos sujeitos, sem a influência do
experimentador. A instrução que é dada aos sujeitos, como já foi explicado,
enviesa a evocação destes a favor das memórias alargadas, sendo que quaisquer
conclusões que sejam retiradas relativamente às proporções de ambos os tipos de
memória, estarão sempre limitadas. Ainda assim, a aplicação deste critério
provou a sua utilidade, pois constatou-se que, perante uma instrução que
privilegiava a evocação de memórias alargadas por parte dos dois grupos, o
grupo de sujeitos deprimidos evocou significativamente mais memórias
categóricas que específicas, situação que não se constatou no grupo de sujeitos
sem alteração psicopatológica.
Apesar do critério utilizado nos ter permitido chegar a esta conclusão,
propomos que, num trabalho futuro, seja desenvolvida uma metodologia que
permita erradicar o viés associado ao mesmo. A forma mais simples de o fazer,
seria fornecer aos sujeitos uma instrução menos directiva no que concerne ao
período temporal a partir do qual seriam evocadas as memórias autobiográficas
- um pouco à semelhança do que ocorreu no trabalho de Claudio (2004). No
entanto, tendo em conta as características da patologia depressiva, seria
particularmente difícil obter memórias de infância em detrimento de memórias
mais recentes, sendo necessária uma amostra enormíssima que permitisse recolher
algumas memórias de infância.
A solução para esta situação pode passar por uma reformulação da instrução.
Caso seja pedido aos participantes que evoquem uma memória antiga, o carácter
vago, ao nível da temporalidade, subjacente à palavra "antiga",
seria, a nosso ver, suficiente, pois dar-se-ia a possibilidade aos sujeitos de
evocarem memórias características de um determinado período da sua vida (como a
infância), mas também a possibilidade de evocarem memórias mais gerais,
vivenciadas através de diversos períodos de vida (infância, adolescência,
inicio da fase adulta). Naturalmente que esta instrução apelaria ao que cada
participante considera ser uma memória antiga, mas ainda assim parece-nos ser a
solução mais viável a apresentar num estudo futuro.
Após a conclusão deste estudo, apercebemo-nos que muito pode ser feito para
melhorar o mesmo e para explorar, de forma diferente mas igualmente
interessante, os temas abordados. É nesse sentido que propomos a realização de
um estudo que compare os processos de evocação envolvidos nas memórias
autobiográficas recentes e nas memórias autobiográficas de infância, para um
mesmo grupo de sujeitos, podendo inclusive ser feita uma comparação, obtidos os
resultados, entre grupos de sujeitos com diferentes patologias e sem alteração
psicopatológica. Cremos que um estudo deste tipo seria fundamental para a
compreensão das diferenças entre os processos envolvidos na evocação de
memórias autobiográficas mais recentes e aqueles envolvidos nas memórias de
infância.