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EuPTHUHu0870-82312009000400010

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variedadeEu
ano2009
fonteScielo

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Motivação para a leitura ao longo da escolaridade Distribuição dos participantespor género e ciclo de escolaridade

Instrumento e procedimentos No presente estudo foi utilizada uma escala construída a partir de duas versões anteriores, uma destinada a alunos do ao ano de escolaridade, que contemplava somente 3 dimensões e outra para alunos do ao ano com seis dimensões (Monteiro & Mata, 2001, 2002). A presente versão ficou constituída por 34 itens distribuídos por cinco dimensões distintas: Importância e Curiosidade- oito itens que caracterizam a importância atribuída à leitura e a curiosidade para ler sobre novos assuntos (e.g., "Ler é importante porque aprendo coisas novas"); Reconhecimento Social- sete itens que se referem à importância e gratificação sentidas quando os outros (pais, professor e colegas) reconhecem os seus resultados e performance em leitura (e.g., "Gosto que os meus pais reconheçam os meus esforços para ler"); Razões Sociais- seis itens que reenviam para a partilha de livros e de ideias sobre os livros (e.g., "Converso com os meus amigos sobre o que leio"); Prazer- oito itens que caracterizam a satisfação e prazer retirados dos momentos de leitura (e.g., "Quando leio fico distraído e não dou pelo tempo passar"); Autopercepção de Competência- sete itens que procuram identificar a confiança e as dificuldades sentidas enquanto leitor (e.g., "Quando estou a ler tenho que voltar atrás várias vezes, para compreender o que li").

Cada item é apresentado sob a forma de uma afirmação sobre a qual os alunos têm que analisar o seu grau de identificação. As respostas são dadas numa escala tipo Likert de quatro pontos, podendo estas variar entre "Muito diferente de mim", "Diferente de mim", Parecido comigo" ou então "Muito parecido comigo". A cotação é feita de 1 a 4 pontos de modo a que 4 pontos reenviem sempre uma motivação mais elevada no domínio considerado. No final são calculadas as médias das pontuações dos itens de cada dimensão, obtendo-se assim cinco valores diferentes para traçar os perfis motivacionais.

Uma análise factorial exploratória, usando a extracção de componentes principais, seguida de uma rotação Varimax, permitiu analisar o padrão factorial da escala. Este mostrou-se bem definido, distribuindo-se os itens pelas cinco dimensões de acordo com a sua concepção. Resultou, então, uma solução factorial com cinco factores, onde o grau de saturação de cada item com o respectivo factor se mostrou adequado, sendo a média de saturação para todos os itens de .65 e a percentagem de variância explicada de 55,5%.

No presente estudo a consistência interna das diferentes dimensões, avaliada através do Alfa de Cronbach, revelou-se adequada. O valor mais baixo foi obtido na dimensão Autopercepção de Competência (.69) o qual está muito próximo do limiar da aceitabilidade (.70) (Nunnaly, 1978). Nas restantes dimensões o valor do Alfa de Cronbach variou entre .84 e .89.

A escala foi administrada colectivamente, mas com os alunos mais novos, sempre que se verificou essa necessidade, os itens foram lidos em voz alta. Os alunos foram informados de que não existiam respostas certas nem erradas e que o que interessava era a sua opinião. Após a administração dos itens exemplo, e a certeza de que todos tinham compreendido passou-se à aplicação dos restantes itens.

RESULTADOS Estabelecemos como objectivo deste estudo a caracterização da motivação para a leitura do ao ano de escolaridade, procurando analisá-la em função da etapa de escolaridade e do género. Para esse efeito, realizámos uma análise de variância multivariada considerando como variáveis independentes o ciclo de escolaridade e o género e como variáveis dependentes as diferentes dimensões da motivação para a leitura. Os resultados desta análise evidenciaram a existência de efeitos principais do género [Pillai's Trace=0.011, F(5,1395)=3.14 p=0.008, η2=.01] e do ano de escolaridade [Pillai's Trace=0.281, F (10,2792)=45.60, p<0.001, η2=.14], não se verificando efeitos de interacção [Pillai's Trace=0.01, F(10,2792)=1.37, p=0.186, η2=.005].

Os resultados das análises univariadas, no que se refere aos efeitos do ano de escolaridade, permitiram constatar que estes ocorrem em todas as dimensões da motivação - Prazer [F(2,1399)= 132.2 p<0.001, η2=.16], Importância/ Curiosidade [F(2,1399)=130.1 p<0.001, η2=.16], Reconhecimento Social (F (2,1399)=192.6 p<0.001, η2=.22]; Razões Sociais [F(2,1399)=107,8 p<0.001, η2=.13] e Autopercepção de Competência [F(2,1399)=24,687 p<0.001, η2=.03)]. A análise da Figura 1 permitenos constatar que à excepção da dimensão da Autopercepção de Competência, os valores de motivação para a leitura vão baixando à medida que o ano de escolaridade aumenta. Uma análise post- hocutilizando o teste de Tukey permite evidenciar que estas diferenças são significativas entre todos os ciclos de ensino, exceptuando para a dimensão Autopercepção de Competência. Neste caso, os alunos do Ciclo apresentam valores significativamente mais baixos que os dos e Ciclos, não se verificando diferenças entre os alunos destes dois ciclos de estudos.

FIGURA_1 Média das diferentes dimensões da motivação para a leitura, por ciclo de escolaridade

A análise da Figura 1 permite-nos ainda constatar que os valores mais elevados se encontram nas dimensões Importância/ /Curiosidade, Reconhecimento Social e Prazer, para todos os ciclos de escolaridade. Na dimensão Autopercepção de Competência encontramos os valores mais baixos, situando-se estes abaixo do valor médio da escala (2,5). Assim, os nossos alunos atribuem importância às actividades de leitura, gostam de ver os seus progressos reconhecidos pelos outros significativos mas não se consideram bons leitores.

No que se refere ao género, os resultados da análise de variância demonstraram a existência de diferenças significativas em todas as dimensões com excepção da Autopercepção de Competência [Prazer [F(1,1399)=11,834 p=0.001, η2=.008], Importância/Curiosidade [F(1,1399)=7,602 p=0.006, η2=.005], Razões Sociais [F (1,1399)=10,411 p=0.001, η2=.007] e Reconhecimento Social [F(1,1399)=5,539 p=0.019, η2=.004)]. Em todas as dimensões nas quais se verificou a existência de diferenças significativas as raparigas apresentaram valores mais elevados que os rapazes (Figura 2).

FIGURA 2 Média das diferentes dimensões da motivação para a leitura, por ciclo de escolaridade

A análise do eta quadrado parcial permite evidenciar que os efeitos do ciclo de escolaridade são mais fortes que os do género (.14 vs. .01) e afectam predominantemente a dimensão Reconhecimento Social, a qual apresenta um forte declínio com o avançar da escolaridade.

DISCUSSÃO Este estudo teve como propósitos caracterizar os perfis motivacionais para a leitura de crianças do ao ano de escolaridade, em função do ano de escolaridade e do género.

Os resultados aqui apresentados revelam um efeito do ano de escolaridade na motivação para a leitura, em particular nas dimensões do Prazer, Importância e Curiosidade (dimensões associadas à motivação intrínseca), no Reconhecimento Social (motivação extrínseca) e na Autopercepção de Competência. Para estas dimensões, com excepção da Autopercepção de Competência, os valores motivacionais decresceram com o aumento do ano de escolaridade.

É por todos sabido que as crianças quando entram para a escola sentem uma vontade muito grande em aprender e revelam muita curiosidade em relação às actividades escolares em geral e, para a leitura, em particular. Em estudos anteriores, autores como Eccles, O'Neill, e Wigfield (2005), Harter et al. (1992) e Lepper et al. (2005) tinham constatado que a motivação intrínseca para a aprendizagem decrescia ao longo da escolaridade. No campo da motivação para a leitura estes dados foram confirmados por Baker e Wigfield (1999), Gambrell et al. (1996), Monteiro e Mata (2001) e Wigfield e Guthrie (1997).

Esta tendência para uma descida global dos valores motivacionais tem sido frequentemente explicada tendo em conta dois aspectos: as características de desenvolvimento das crianças e a diversificação de áreas de interesse e de competência. No que se refere às características de desenvolvimento, as crianças mais novas têm capacidades mais limitadas para perceber as situações e para se compararem com os outros (Harter, 1990, 1999; Wigfield, 2000). Este facto conduz, muitas vezes a avaliações das situações e opiniões muito mais positivas, por serem menos rigorosas e objectivas. Por outro lado, a diversificação de áreas de interesse, à medida que vão crescendo e contactando com novas actividades e matérias pode levar a que uns alunos se dediquem mais a um tipo de actividade e outros a outro, provocando um decréscimo em alguns aspectos das suas motivações. Neste sentido, a simples análise da subida e descida dos níveis motivacionais parece insuficiente para uma compreensão clara dos processos motivacionais. Desta forma, é necessário compreender se esses valores se mantêm ainda em níveis positivos, ou se a sua descida é tão acentuada que se possa efectivamente tornar um problema, por inibir o envolvimento dos sujeitos nas actividades. A análise dos dados da Figura_1 permite-nos observar alguns indicadores preocupantes. A descida é tal forma acentuada que, para os alunos do ciclo, não qualquer indicador motivacional francamente positivo, pois nenhum apresenta valores iguais ou superiores a 3. De realçar que o Prazer se apresenta no ponto médio, enquanto que nas Razões Sociais para a leitura e Autopercepção de Competência os níveis motivacionais são bastante baixos.

Esta descida dos valores motivacionais para a leitura, nomeadamente nos indicadores que aparecem associados à motivação intrínseca (e.g., Prazer, Importância e Curiosidade) pode também ser explicada pelas práticas pedagógicas utilizadas pelos professores nas actividades de leitura. Quando as práticas de avaliação pedagógica dos professores se regem por interpretações normativas, em que comparam os alunos uns com os outros, em que estimulam a competição, podem levar a que estes dêem mais importância às notas e à comparação social, conduzindo a um decréscimo progressivo da motivação intrínseca pela leitura (Baker, Dreher, & Guthrie, 2000; Wigfield, 2000). Por outro lado, a utilização de práticas de ensino muito tradicionais, assentes quase exclusivamente na utilização do manual, de fichas e composições, tal como refere Sim-Sim (2001), pode ter um impacto negativo tanto ao nível das aquisições como do envolvimento das crianças em situações de leitura De resto, esta ideia tem sido profundamente explorada nos últimos anos por uma equipa de investigadores da Universidade de Maryland, que desenvolveram e implementaram um programa de trabalho sobre a leitura denominado CORI (Concept-Oriented Reading Instruction) (Guthrie, McRae, & Klauda, 2007; Wigfield, Guthrie, & Von Secker, 2000; Wigfield, Guthrie, Perencevich, et al., 2008). Este programa procura integrar o ensino das ciências e da leitura, usando materiais, actividades e práticas diversificadas, estratégias de leitura variadas, e valorizando a leitura partilhada. Os resultados de diversas investigações sobre os efeitos deste programa evidenciam diferenças, não apenas no desempenho em leitura, mas também ao nível das motivações (e.g., curiosidade, envolvimento, desafio), concluindo pela existência de um efeito positivo, com uma magnitude moderada a forte (Guthrie, McKae, & Klauda, 2007). Assim, mostra-se que as práticas de abordagem à leitura e à escrita, podem ser determinantes no tipo e nível de motivação, factor este que poderá justificar o decréscimo verificado ao longo dos três ciclos de escolaridade, nos indicadores motivacionais dos alunos participantes neste nosso estudo.

No que se refere à motivação extrínseca, a literatura normalmente refere um aumento ao longo da escolaridade, no que respeita a aprendizagem em geral (Eccles, O'Neill, & Wigfield, 2005; Harter, Whitesell, & Kowalksi, 1992). Contudo, os dados da investigação sobre motivação para a leitura, não têm mostrado indícios deste aumento da motivação extrínseca.

Usualmente os indicadores de motivação extrínseca utilizados, no estudo da motivação para a leitura, são os incentivos, quer em termos de Notas quer em termos de Reconhecimento Social (Baker & Wigfield, 1999; Gambrell, Palmer, Codling, & Mezzoni, 1996; Monteiro & Mata, 2001; Wigfield & Guthrie, 1997; Wigfield, Guthrie, & McGough, 1996). O que se tem verificado é que em relação às Notas não qualquer efeito significativo do ano de escolaridade, mas no que se refere ao Reconhecimento Social, este normalmente decresce. Esta descida do Reconhecimento Social faz sentido se pensarmos que à medida que a criança vai conseguindo fazer avaliações do seu desempenho de forma mais autónoma necessita cada vez menos dos reforços extrínsecos que os outros significativos (pais, colegas e professores) possam fazer relativamente à sua performanceem leitura. Na presente investigação estes valores são bastante positivos durante o ciclo e ainda durante o ciclo, notando-se um decréscimo bastante acentuado no que se refere ao ciclo. Nestes alunos mais velhos, é muito menor a sua necessidade de confirmação de competência, ou reconhecimento do seu esforço por parte dos outros que lhes são próximos, daí o Reconhecimento Social não ser um motivo essencial para se dedicarem à leitura.

Quanto às Razões Sociais o que se verifica é que estas, em etapa nenhuma da escolaridade, surgiram como razões importantes para o envolvimento com a leitura. Para além disso, essa importância vai decaindo significativamente ao longo da escolaridade. A explicação que apresentámos anteriormente no que se refere à influência das práticas pedagógicas de abordagem à leitura no decréscimo da motivação intrínseca pode novamente ser mobilizada. Uma vez que as práticas tradicionais não promovem, usualmente, nem a partilha nem a cooperação entre os alunos, isso também não é transposto para as suas características motivacionais nem para as utilizações da leitra.

Os resultados apresentados permitiram também evidenciar que os efeitos do ciclo de escolaridade eram mais fortes que os do género. De qualquer modo, apesar de o ano de escolaridade introduzir alterações mais significativas nas características motivacionais, parece-nos importante também reflectir sobre algumas alterações encontradas em função do género. Os estudos têm demonstrado que as raparigas são, em muitos aspectos mais motivadas para a leitura do que os rapazes (Baker & Wigfield, 1999; Monteiro & Mata, 2001; Wigfield & Guthrie, 1997) desenvolvendo, também, atitudes mais positivas face à leitura (McKenna, 2001; McKenna, Kear, & Ellsworth, 1995). Também alguma investigação incidindo sobre os hábitos e gosto pela leitura evidencia diferenças atribuíveis ao género, que se revelam desde o início da escolaridade (Lages, Liz, António, & Correia, 2007; Santos, Neves, Lima, & Carvalho, 2007). No nosso estudo verificou-se, igualmente, que as raparigas apresentavam valores mais elevados de motivação para a leitura do que os rapazes nas dimensões: Prazer, Importância/Curiosidade, Reconhecimento Social e Razões Sociais. Neste sentido apontam também resultados do Pisa 2000 (Ramalho, 2001) e do PISA 2003 (Ramalho, 2004) que vieram demonstrar que as raparigas portuguesas revelaram melhores desempenhos em leitura do que os rapazes. Estes resultados podem ser explicados pelo desenvolvimento de expectativas sociais mais positivas, criadas a partir de categorizações feitas em relação ao desempenho de rapazes e raparigas em leitura (Baker & Wigfield, 1999; McKenna et al., 1995). As expectativas em relação ao desempenho nas actividades de leitura, levam a que os professores estimulem, encorajem e tenham um tratamento diferenciado para com os seus alunos, consoante o género, dando mais atenção, interagindo mais e colocando questões sobre a leitura mais frequentemente e com maior complexidade para as raparigas (Good, 1987; MyHill & Jones, 2006; Rubie-Davies, 2006). Este tratamento diferenciado pode levar a que os alunos se envolvam com a leitura de forma distinta e, consequentemente, pode conduzir a níveis de motivação para a leitura desiguais. Estas diferenças devem ser levadas em consideração em contexto de sala de aula pelos professores, em particular quando querem envolver os seus alunos e motivá-los para a leitura.

Este estudo, permitiu-nos conhecer melhor as características motivacionais dos alunos ao longo da escolaridade e, deste modo, retirar algumas pistas para o desenvolvimento de estratégias pedagógicas que possam promover aspectos específicos da motivação e, assim conduzir a um maior envolvimento com a leitura. Fica evidenciada a necessidade de se mobilizarem, nas nossas escolas, estratégias que promovam o prazer e o gosto pela leitura, uma vez que os alunos chegam ao ciclo retirando pouca satisfação dos momentos de leitura.

Certamente que o Plano Nacional de Leitura (Alçada, Calçada, Martins, et al., 2006), com as estratégias e actividades em implementação, poderá introduzir algumas mudanças neste panorama, contribuindo para alterações na forma de envolvimento com a leitura, através de acções direccionadas para as crianças, as famílias e a escola. Poderá também contribuir para uma diversificação e adequação das práticas pedagógicas, o que é essencial, tal como se verificou nos estudos com o programa CORI (Guthrie, McRae, & Klauda, 2007; Guthrie, Wigfield, & Von Secker, 2000; Wigfield, Guthrie, Perencevich, et al., 2008).

Por outro lado, embora a leitura seja uma prática que deveria ter uma componente social muito enraizada, devido à sua própria natureza (Wigfield, 2000), isso não transparece nos perfis motivacionais destes alunos. As Razões Sociais associadas à leitura, como a partilha, as trocas os confrontos de opiniões, não são motivos importantes para estes alunos lerem. Mais preocupante é ainda a situação quando constatamos que as motivações associadas às Razões Sociais decrescem significativamente com a escolaridade, assumindo valores muito baixos entre os alunos do ciclo. Uma mudança nas abordagens à leitura, na escola e em casa, poderá contribuir para alterações significativas de atitudes e hábitos de leitura e torná-la uma prática mais rica e partilhada socialmente.


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