Editorial
Editorial
Com este número da Revista Portuguesa de Educação fecha-se um biénio, marcado
que foi pelo cumprimento dos objectivos que a Direcção se impôs quando assumiu,
pela primeira vez, as suas funções. Diziam esses objectivos respeito ao reforço
do projecto com a qualidade científica e editorial que a Revista tinha já
conquistado. Assim, por um lado, puseram-se em prática modos mais ágeis de
relacionamento com autores e avaliadores, cujo número, em ambos os casos, se
viu alargado, sem que isso tenha significado um abrandamento dos critérios de
rigor que a Revista se impõe; por outro lado, deram-se passos definitivos na
resposta às exigências que hoje se colocam às revistas científicas com vista à
sua seriação e reconhecimento. Por isto, a partir de agora, os artigos passam a
ser publicados com duas novas características: a indicação de palavras-chave em
três idiomas e a informação relativa à data de recepção e de aceitação para
publicação. Correlativamente a estas mudanças, em muito geradas pelas
imposições das agências reguladores da produção científica, verificou-se,
durante este período, um aumento das propostas para publicação e um
interessante alargamento das nacionalidades de origem. São cada vez mais, por
exemplo, os textos propostos por investigadores espanhóis. Este movimento não
andará desligado, também, dos processos de regulação da produção académica com
efeitos nas respectivas carreiras profissionais. Por tudo isto, a Revista
Portuguesa de Educação vê a sua responsabilidade acrescida, também face aos
Autores que a procuram. Neste sentido devem ser vistas as mudanças até agora
introduzidas. Acreditamos que estas são condições de possibilidade para um
equitativo diálogo global entre investigadores, no qual a Educação nem sempre
tem sido acolhida.
Apesar da diversidade de vozes, os textos que integram este número são
atravessados por um discurso comum: o da possibilidade. Com efeito, o texto de
Abílio Amiguinho, pela análise de projectos de intervenção sócioeducativa em
meios rurais, discute e mostra o papel que a escola pode assumir enquanto
parceiro nos processos de desenvolvimento local. Relevam-se, da discussão,
algumas facetas desse processo, designadamente, a do contributo que a
participação da escola pode ter na inflexão da periferização dos espaços
rurais e da sua própria e, no âmbito da discussão da administração do sistema
educativo e dos territórios, a possibilidade de alternativas à administração
centralizada, planificada e hierarquizada do Estado, capazes de serem um
garante de condições e meios para a manifestação das especificidades de cada
contexto.
O texto de Dagmar Zibas, Celso Ferretti e Gisela Tartuce toma como objecto os
processos de apropriação da reforma do Ensino Médio no Brasil, especificamente
no que ao protagonismo de pais e alunos aquela diz respeito. Com base num
estudo qualitativo, os investigadores constatam como, de forma paradoxal, o
discurso de flexibilização curricular, por exemplo, colide com as existentes
estruturas verticais e burocratizadas vigentes na escola.
De um processo de apropriação em cenários de mudança trata também o texto de
Leonor Torres. A autora apresenta um estudo centrado numa escola secundária
portuguesa que serviu para analisar como se foi construindo e reconstruindo a
gestão democrática durante o período de 1974 a 2000. A discussão põe em
evidência os modos como, num processo caracterizado por continuidades e
rupturas, a escola foi preservando alguma identidade e como o peso dos
sedimentos culturais na dinâmica quotidiana pode contribuir para algum
imobilismo, com todas as suas consequências nas aspirações emancipatórias dos
actores envolvidos.
Virgílio Rego da Silva e Vânia Betina Coutinho apresentam, no quarto texto, um
dispositivo construído para uma auto-avaliação de natureza investigativa dos
Projectos Curriculares de Turma de uma Escola Básica do 2º e 3º Ciclos. A
partir dos dados recolhidos por meio de instrumentos organizados à volta de
critérios relativos à sua coerência interna e externa, os Autores dão conta de
configurações mais próximas de projectos de estado do que de projectos de
acção. Defendem, a terminar, a necessidade de uma maior atenção à articulação
entre estes projectos e documentos mais gerais a fim de que a transformação da
escola possa ser uma realidade.
Ana Maria Morais e Isabel Pestana Neves centram-se nos processos de
desenvolvimento profissional dos professores envolvidos em programas de
formação contínua, por recurso a instrumentos de análise gerados no seio da
teoria do discurso pedagógico de Basil Bernstein. Concretamente, recorre-se ao
conceito de orientação específica de codificação, operacionalizado segundo
diferentes regras de reconhecimento e de realização, para 4 Editorial
caracterizar e explicar, entre outros, aspectos relativos às dificuldades do
professor na implementação de práticas pedagógicas potenciadoras de sucesso.
Aracy Martins, pelo seu lado, põe em evidência as potencialidades de um método
de identificação e consequente conscientização de concepções de linguagem e dos
processos sociais (entre eles os escolares) de formação de leitores e
escritores. Por recurso aos seus textos de memórias, futuros professores de
Português em formação são confrontados não só com os ideários de uma época,
como com as práticas pedagógicas que os construíram enquanto sujeitos letrados.
Para além da natureza histórica e socialmente construída da literacia que,
assim, é internalizada, estes futuros mediadores de práticas de literacia, a
par dos seus formadores, podem, de forma mais crítica, responder à pergunta
tantas vezes e em tantos contextos formulada sobre os tipos de leitores que a
escola está a formar.
Tematizando a exclusão escolar e alguns dos processos que a ela podem conduzir,
Wagner Silva discute as possibilidades inclusivas de um trabalho pedagógico na
aula de Língua Portuguesa, sustentado em Vigotski e em Bakhtin. Na medida em
que se envolvem os alunos em práticas significativas e orientadas por uma
aprendizagem explícita das regras de funcionamento dos discursos, a proposta,
que exige uma forte preparação por parte do professor, surge como capaz de
contrariar o fracasso dos alunos na vida.
Para além das habituais secções relativas à divulgação da investigação em curso
no Centro de Investigação em Educação e a notícias de eventos organizados pelos
investigadores do CIEd ou em que estes tiveram intervenção, este número, por se
tratar do último do biénio, publica os nomes dos avaliadores que connosco
colaboraram através da emissão de pareceres e sem os quais não nos seria
possível dar corpo ao projecto que temos em mãos. A todos, a Direcção da
Revista quer exprimir, aqui, os seus mais reconhecidos agradecimentos.
Maria de Lourdes Dionísio
Centro de Investigação em Educação
Instituto de Educação
Universidade do Minho - Campus de Gualtar
4710 Braga - Portugal
rpe@iep.uminho.pt