A supervisão de estágio como analisador da articulação interorganizacional
Escola de Enfermagem e Hospital
O exercício de articulação entre a Escola de Enfermagem e o Hospital exige uma
reflexão da nossa parte, estimulada pelo estudo da supervisão de estágios,
permitindo-nos esboçar, dentro de certos limites, algumas semelhanças e
diferenças entre as duas organizações. Uma análise a prioridas duas
organizações parece apontar para uma evidência espontânea que as reaproxima em
dois domínios: o dos cuidados e o da educação 1. Assim, a confrontação tem como
objectivo identificar as articulações que temos colocado em questão desde as
suas origens. As perguntas orientadoras são as seguintes:
Será que a articulação entre Escola de Enfermagem e Hospital, ao ser
reveladora das semelhanças/diferenças entre as duas organizações, favorece a
supervisão de estágios?
Será que a articulação entre Escola de Enfermagem e Hospital favorece a
integração dos alunos estagiários de Enfermagem no contexto de trabalho
hospitalar?
O interesse em comparar a Escola de Enfermagem e o Hospital inscreve-se, na
actualidade, num quadro mais vasto, que é o da caracterização da modernização-
racionalização das actividades dos serviços. Nestas duas organizações,
pressente-se um processo de modernização-racionalização das actividades e,
igualmente, transformações das actividades, que afectam os agentes
beneficiários (alunos e doentes) e os prestadores de cuidados (professores e
enfermeiros) prestadores estes que, para a maioria, exercem uma profissão que
pode ser chamada, ao mesmo tempo, de relacional e de semi-especialistas menos
típicos 2 (Etzioni, 1984: 119), caracterizada pelo status intermediário na
sociedade e no lugar das políticas públicas. Por isso é que o conjunto dos
serviços constituirá o objectivo pertinente, interessante e original de
comparar as transformações da Escola de Enfermagem e destas Escolas ao sector
privado de domínio empresarial, por exemplo 3.
A noção de relação, presente em algumas análises produzidas pela Sociologia,
pela Economia e pela Gestão, pode ser definida como uma interacção entre o
prestador e um beneficiário, satisfazendo certas necessidades do beneficiário
(em vez de uma mera prestação de serviços) 4. Sendo assim, a crítica que emerge
à hipótese lançada de comparar a Escola (de Enfermagem) a um conjunto de
serviços é que não é possível diferenciá-los claramente. As evoluções
tendenciais (aumento da produtividade, individualização das prestações de
cuidados, desenvolvimento da avaliação) não separam na totalidade o universo
industrial do universo terciário. Neste caso, é importante distinguirmos uma
racionalização industrial, própria da produção de bens, de uma racionalidade
profissional, própria dos serviços.
Para Demailly & Dembinski (2002), cujas temáticas de estudo têm incidido
nos modos de regulação e transformação dos sistemas de saúde, políticas
públicas e grupos profissionais, há interesse em mostrar o carácter
profundamente conflitual da noção de racionalidade económica. Os conflitos
internos da racionalidade económica, como da racionalidade organizacional,
estão presentes em vários sectores. A racionalização colocada em prática no
universo industrial e terciário parece apresentar um fenómeno similar: a mesma
tensão, a mesma coexistência contraditória entre as mudanças organizacionais
neo-taylorianas e as mudanças de um outro tipo, "fordistas" ou
participativas. Notam ainda Demailly & Dembinski (2002) que o lugar do neo-
taylorismo a racionalização dos fluxos (de papéis, de decisões, de
informações, etc.), a centralização da informação nos poderosos sistemas
informatizados, a intensificação do trabalho, a estandardização contínua dos
procedimentos, os esforços da avaliação, as performances de cada um faz
emergir novos tipos de experts e de cronómetros para medir o trabalho 5.
Como destacam Demailly & Dembinski (2002: 45), a ideia de uma modernização-
racionalização, funcionalmente contraditória, que concerne todas as
organizações produtivas, industriais ou serviços comerciais e não comerciais,
oferece bens ou prestações, materiais ou relacionais, operando sobre os bens da
pessoa ou da pessoa a si própria, a partir de uma base empírica verificável.
Se, por um lado, há uma aproximação da indústria aos serviços nomeadamente
através da importância da figura do cliente como membro à parte de uma
organização produtiva, da importância da gestão e do espírito gestionário ou do
empreendedorismo, do desenvolvimento da produção sobre a medida, da venda de
serviços presos aos produtos e os produtos aos serviços, das relações entre
clientes e fornecedores internos por outro, as actividades de serviço
aproximam-se da indústria: procura de economias de escala (tradicionalmente
"inventadas" na indústria), compressão do "trabalho vivo"
ao proveito das máquinas, organização de intensificação do trabalho.
É neste enquadramento que situamos as actuais políticas públicas de
modernização e de reforma, que integram frequentemente pressupostos, adoptam
orientações e consagram soluções híbridas de tipo neo-tayloriano e de tipo
"fordista" ou participativo (Messine, 1991; Lima, 1994). Foi tomando
como enfoque estas soluções híbridas que procurámos analisar algumas dimensões
organizacionais presentes na Escola de Enfermagem e no Hospital, em contexto de
supervisão de estágios, procurando as articulações possíveis.
1. CONFIGURAÇÕES DA ARTICULAÇÃO ESCOLA DE ENFERMAGEM E HOSPITAL EM CONTEXTO DE
SUPERVISÃO DE ESTÁGIO NO PLANO DAS ORIENTAÇÕES PARA A ACÇÃO ORGANIZACIONAL/
SISTEMA DE PENSAMENTO E IDEIAS
Se, numa primeira fase deste estudo, a tipologia das organizações educativas de
Per-Erik Ellström (1983) considerando os Modelos Racional-Burocrático, de
Sistema Social, Político e Anárquico oferece um conjunto de alternativas que,
combinadas, podem ajudar-nos a construir uma visão plural da supervisão de
estágios na articulação Escola de Enfermagem e Hospital, numa segunda fase,
esta tipologia continuará a ser-nos útil para uma melhor focalização e
compreensão do nosso objecto de trabalho.
É, seguramente, um dos objectivos primordiais que enforma o estudo desvendar
globalmente o significado da relação interorganizacional Escola de Enfermagem e
Hospital e, especificamente, a desocultação do conjunto de concepções e
procedimentos que giram em torno da questão da supervisão de estágios.
De acordo com a proposta de modelo teórico para a compreensão da supervisão de
estágios em contexto de trabalho hospitalar, traçada no nosso trabalho de
investigação, o estudo no domínio da articulação interorganizacional Escola de
Enfermagem e Hospital é agora realizado sob influência da proposta de William
Tyler (1991: 31), que serviu de base para o ensaio do nosso exercício. Nesta
perspectiva, elaboramos uma tipologia para a interpretação da articulação
organizacional ' que apelidamos de Configurações da articulação Escola de
Enfermagem e Hospital ' tendo utilizado os dois planos analíticos de Licínio
Lima (1998: 581-601; 2003: 105-111) ' o Plano das Orientações para a Acção e o
Plano da Acção Organizacional', em combinação com os dois sistemas diferentes
dentro das organizações de Nils Brunsson (2006: 200) o Sistema de Pensamento
e Ideias e o Sistema de Acção. Embora os planos e os sistemas sejam distintos
nas suas definições, há analogias que podem ser estabelecidas, na medida em que
ambos estão dependentes de dois tipos de interpretação: uma ao nível do que
deve ser, ou do que se pensa que deve ser, e outra ao nível daquilo que é.
No primeiro Plano analítico das Orientações para a Acção e de Sistema de
Pensamento e Ideias, integramos elementos contextuais que, ao serem
confrontados com os cenários passíveis de serem observados no domínio da
empiria, nos permitem esboçar a seguinte tipologia de configurações de
articulação Escola de Enfermagem e Hospital, em contexto de supervisão de
estágio, com a possibilidade de ser associada à tipologia organizacional de
Ellström (1983): Articulação Eficiente ' Imposta; Articulação de
Interdependência e Colaboração ' Integrativa/Adaptativa; Articulação Conflitual
' Estratégica; Articulação Débil ' Simbólica. Passemos à descrição muito breve
de cada uma das categorias contempladas na tipologia das respostas
organizacionais.
Articulação Eficiente ' Imposta
Trata-se de uma configuração que conduz a uma concepção de articulação
interorganizacional entendida como uma tecnologia racional para a tomada de
decisões. A articulação vincula-se a partir do momento em que são definidas as
estruturas adequadas para assumir as funções administrativas e poder tomar
decisões, com base em objectivos definidos a priori. As organizações que se
articulam orientam-se por normativos claros e documentos que esclarecem com
rigor as sequências de um programa de acção e os modos de funcionamento e de
comportamento dos actores, bem como os resultados esperados. A articulação
eficiente é uma articulação imposta, no sentido de um imperativo de natureza
técnico-racional, tendo por base um objectivo comum que é assegurar o correcto
funcionamento dos serviços.
Articulação de Interdependência e Colaboração ' Integrativa/Adaptativa
A concepção de articulação de interdependência e colaboração afasta-se da
configuração de articulação eficiente, anteriormente descrita, já que a
dimensão formal, racional e estrutural desta, presente na planificação de um
programa, é agora substituída por uma contextura informal dirigida à
valorização individual e grupal dos membros de cada uma das organizações. A
relação interorganizacional forte é um dos grandes objectivos, por isso
investe-se em programas, processos de integração e adaptação, de
interdependência e de colaboração, garantindo, desta forma, a confiança e a
satisfação dos vários elementos. Neste tipo de articulação, são tidas em conta
as tradições, os valores, as normas, os princípios organizativos, as relações
hierárquicas, as relações entre pares, a comunicação dentro de cada serviço e
entre diferentes serviços, a importância que se atribui ao trabalho e à
produção. O que se designa por "cultura organizacional" agrupa um
conjunto de condições que tornam a articulação fortemente socializadora e
produtora de identidades profissionais.
Articulação Conflitual ' Estratégica
A configuração de articulação conflitual realça a luta de interesses que os
vários grupos desencadeiam entre si em ordem à obtenção dos seus objectivos
sectoriais, socorrendo-se, para isso, de diversidades estratégicas de
influência e de mecanismos de afirmação do seu poder em função de processos
negociais, donde surgem vitoriosos os grupos ou as coligações dominantes. A
actividade política é uma dimensão essencial na articulação entre as
organizações; como tal, o conflito não é representado necessariamente como um
problema. Os recursos muitas vezes são insuficientes, ou mal distribuídos, e as
pessoas agem consoante os seus interesses, impondo algumas estratégias em
termos de mobilização de recursos e de vontades convocadas. Na abordagem
política, mais importante do que a regulação dos conflitos, são as estratégias
e as tácticas do confronto.
Articulação Débil ' Simbólica
A articulação interorganizacional é simbólica, frouxa ou "loosely
coupled" (Weick, 1976: 3). As estruturas e os órgãos de cada uma das
organizações não têm uma união forte, uma coordenação eficiente e racional. O
investimento participativo dos gestores dessas estruturas é débil, eles podem
criar momentos formais sem grande intenção de que os seus efeitos interfiram na
acção real. Os acontecimentos interorganizacionais surgem relativamente
desconectados, embora muitas vezes publicitados como sendo pensados em
conjunto. Os acordos estabelecidos entre as partes das organizações raras vezes
são postos em prática. Mesmos os dispositivos de controlo, quando existem,
servem para legitimar a articulação interorganizacional e a sua estabilidade,
mais do que os seus efectivos funcionamentos. Neste tipo de articulação, o
simbolismo assume uma importante questão para manter "a união do
sistema".
Assim, as categorias enunciadas foram ajustadas aos dois eixos conceptuais
deste nosso ensaio teórico-metodológico, também apresentados por William Tyler
(1991: 31). No primeiro eixo, o enfoque estruturalista e/ou a Teoria da
Organização Formal. No segundo eixo, o enfoque interpretativo e/ou o Modelo de
Ajuste Articulado de Modo Impreciso ou Sistema Debilmente Articulado (Weick,
1976). Se o primeiro caso nos remete para um tipo ideal de "Organização
Acção", o segundo caso, para um tipo ideal de "Organização
Política" (Brunsson, 2006).
A conceptualização de Brunsson, de dois tipos ideais distintos mas
complementares em termos analíticos, de funcionamento das organizações, bem
como de modos também distintos de as descrever ' "a Organização
Acção" e "a Organização Política" constitui um recurso com
potencialidades heurísticas para a abordagem que pretendemos tecer sobre a
supervisão de estágios em Enfermagem e a relação interorganizacional Escola e
Hospital.
O primeiro tipo ideal de "Organização Acção" assume posições teóricas
com características burocrático-racionais e de sistema social, cujo princípio
de recrutamento e de trabalho é o acordo e a hierarquia (Brunsson, 2006: 37).
Na organização para a acção, são formuladas regras concretas e firmes para os
comportamentos dos seus membros. As ideias e os valores predominantes acerca
dessa mesma organização, bem como do seu ambiente, são partilhados por todos os
membros. Neste sentido, uma "poderosa" ideologia não necessita de uma
tomada de decisões, pelo que todo o processo é irracional. Uma outra
característica é que a organização para a acção é sobretudo direccionada para
soluções, e não para problemas daí a abolição de todo o tipo de conflito,
pretendendo-se, antes de mais, o consenso partilhado e o cultivo de uma enorme
confiança entre os membros da organização.
Quadro 1
Representação de um arquétipo de configurações da articulação Escola de
Enfermagem e Hospital, em contexto de supervisão de estágio, no Plano das
Orientações para a Acção Organizacional (Lima, 1998, 2003)/Sistema de
Pensamento e Ideias (Brunsson, 2006)
Relativamente ao segundo tipo ideal, a "Organização Política" remete-
nos para uma outra face da organização cuja base de legitimidade é a reflexão
de normas inconsistentes. As estruturas e os processos estão, assim, orientados
para o ambiente. As concepções teóricas nas quais os seus argumentos se baseiam
são não convencionais e realçam as dimensões ambíguas e certas dimensões
políticas das organizações. Quase sempre estão presentes várias ideologias para
discussão, capazes de promoverem a crítica e o conflito. Ao contrário do
primeiro tipo ideal, a tomada de decisões é racional. Por seu lado, a
hipocrisia é um comportamento fundamental na organização política.
Neste sentido, esta perspectiva (neo)institucional permite-nos uma
interpretação crítica da articulação interorganizacional Escola de Enfermagem e
Hospital, que passaremos de imediato a descrever tendo em conta os três
factores de Brunsson (2006: 199): as ideias (identificação do que é tratado nos
processos mentais e comunicativos, expressas através do discurso, tendo por
alvo outros membros organizacionais ou ouvintes externos), as decisões
(identificação do mecanismo de ligação entre as ideias e as acções), e as
acções (descrição das fontes imediatas dos produtos da articulação).
A leitura dos dados recolhidos (através de inquérito por entrevista, de grelhas
de observação e de reflexões de estágio) aos actores em contexto de supervisão
de estágio, num serviço de Medicina, é realizada a partir de uma grelha de
análise que emergiu do quadro conceptual do estudo. A partir deste momento,
lançamos à prova outras configurações de articulação Escola de Enfermagem e
Hospital, em contexto de supervisão de estágio, que não resultaram
exclusivamente de um processo de dedução teórica (isto é, decorrentes dos
modelos e teorias que conceptualmente as suportam), mas sim de uma articulação
que se foi desenvolvendo entre a conceptualização teórica e os dados da
investigação empírica os quais foram esclarecendo, completando e legitimando
os pressupostos teóricos que conduziram a nossa presença no contexto
hospitalar. A metodologia de suporte ao estudo da articulação Escola de
Enfermagem e Hospital, em contexto de supervisão de estágio, enquanto objecto
de investigação empírica, aproxima-se da investigação de tipo etnográfico ou,
para sermos mais sistemáticos, de um paradigma de investigação naturalista,
cujo método é o estudo de caso. O período em que mantivemos presença assídua no
contexto de estágio ocorreu nos meses de Janeiro e Fevereiro de 2007.
1.1. A articulação Escola de Enfermagem e Hospital num tipo de
"Organização Acção" Entre as ideias, decisões e acções
Tendo por base os pressupostos teóricos do Modelo Racional-Burocrático e do
Modelo de Sistema Social (Ellström, 1983), remetemos as respectivas
configurações de articulação Escola de Enfermagem e Hospital, em contexto de
supervisão de estágio, para a Articulação Eficiente ' Imposta e a Articulação
de Interdependência e Colaboração ' Integrativa/Adaptativa, como sendo as
possibilidades presentes nestes dois modelos. Pretende-se caracterizar um
conceito de supervisão de estágios na articulação interorganizacional Escola de
Enfermagem e Hospital enquanto dispositivo normativo de formalização dos
objectivos das duas organizações, em ordem à racionalização da acção
interorganizacional.
Parte-se, portanto, do princípio que as organizações dispõem de objectivos
próprios que orientam a sua acção ' objectivos formais e oficiais ' e que, para
atingir determinados resultados, se torna imprescindível definir previamente
onde (e de que forma) se pretende chegar, podendo então o Protocolo de
Articulação Institucional entre a Escola de Enfermagem e o Hospital ser
entendido como o lugar privilegiado para a indicação clara das intenções das
duas organizações.
A iniciativa do cumprimento do Protocolo de Articulação Institucional entre a
Escola de Enfermagem e o Hospital parte das duas administrações, onde são
tornados explícitos os objectivos e sua extensão e fixados os contributos ou
serviços de cada organização na obra comum. Nesta missão, é necessário que nada
seja fonte de conflito ou "entre em choque com os princípios e as regras
de uma boa administração", mas sim que as acções adoptadas sejam
facilitadoras da aplicação desses princípios e regras, para que a estabilidade
do funcionamento organizacional seja possível. É, portanto, em nome do
funcionamento racional, lógico e eficiente das organizações Escola de
Enfermagem e Hospital, designadamente prestando atenção a uma correcta e
planificada gestão de recursos, humanos, materiais e financeiros, que se
justifica o esforço dispendido na construção de documentos formais, como o
protocolo que articula institucionalmente a Escola Superior de Enfermagem com o
Hospital protocolo que se rege pelo Decreto-Lei nº99/2001, de 28 de Março,
pelo Despacho do Gabinete do Ministro da Saúde nº15626/2004 (2ª série), de 4 de
Agosto, e pelas disposições aplicáveis a tudo o que não estiver previsto nestes
diplomas, pelas cláusulas indicadas nesse mesmo documento.
A Comissão Mista Permanente (constituída pelo Presidente do Conselho de
Administração do HSM, ou um seu delegado; o Presidente da ESE-CG, ou um seu
delegado; o Director do Curso da ESE-CG, ou um docente por si indicado; o
Enfermeiro Director do HSM, ou um seu adjunto; o vogal não executivo previsto
no nº 2 do art.º 7º do D.L. nº 206/2004, de 19 de Agosto, quando exista), tem
competência para
(...) a) deliberar sobre as matérias relativas ao Regime de Articulação; b)
definir a correspondência entre os estágios a realizar no HSM e os
departamentos ou serviços hospitalares existentes ou a criar onde deverão
decorrer os estágios; c) propor planos de desenvolvimento do HSM, tendo em
vista a sua adequação às necessidades da Escola em termos de meios humanos e
materiais (id., ibid., cláusula 2ª, 21 de Maio de 2007, p. 2).
Embora a Escola de Enfermagem e o Hospital se considerem articulados
institucionalmente para efeitos de realização de estágios, o Protocolo de
Articulação apresenta-se como um documento imprescindível para a planificação e
formalização dos estágios. Ele constitui-se, neste sentido, como ponto de
referência para os responsáveis mais directos da Escola e do Hospital (ou por
um grupo de colaboradores com competência reconhecida para esta tarefa)
construírem os programas/projectos sectoriais e respectivos documentos (plano
anual de actividades, planificação disciplinar, protocolos de intervenção de
cuidados, princípios orientadores da prática clínica, instrumentos de colheitas
de dados, guias e regulamentos de estágio, instrumentos de avaliação, entre
outros).
Ainda numa linha eficientista, o Protocolo de Articulação permitirá a aquisição
ou troca de bens e o acesso aos diferentes meios, tais como: transferências de
verbas, tratamento preferencial em acções de formação pós-graduada e frequência
de cursos, acesso facultado às instalações e equipamentos e ainda à
participação em acções culturais ou científicas.
O Regime de Articulação não é indiferente ao próprio modelo de supervisão de
estágios, embora este não esteja explicitamente mencionado no documento. O
modelo de supervisão mais congruente com um tipo de Articulação Eficiente
(Imposta) corresponde ao Modelo de Supervisão como Inspecção ou como Produção,
porque se integra num quadro construído e fixado em torno de objectivos
oficiais das organizações (para as organizações), é atribuidor de significado
normativo à acção organizacional, institui uma hierarquia formal e distribui
atribuições e competências. Estamos perante o modelo que toma por referência a
racionalidade (a priori) do ponto de vista da sua administração centralizada.
A articulação Escola de Enfermagem e Hospital num tipo de "Organização
Acção", cujo pressuposto teórico é o Modelo de Sistema Social(Ellström,
1983), também nos remete para a possibilidade de uma Articulação de
Interdependência e Colaboração ' Integrativa/Adaptativa. Suportada por uma
concepção organizacional de escola que prefere o consenso, a harmonia, a
integração, a articulação, os valores partilhados e as relações informais, com
a Configuração de Articulação de Interdependência e Colaboração ' Integrativa/
Adaptativa pretendemos equacionar a ideia de articulação que procura realçar a
sua dimensão processual de proximidade com os actores das organizações, tendo
em vista uma efectiva colaboração.
É neste cenário conceptual que nos parece estar desenhado o primeiro protocolo
interinstitucional Escola de Enfermagem e Hospital. O primeiro Protocolo de
Colaboração entre o HSM-B e a ESE-CG, que entrou em vigor em 1996/1997, parte
do objectivo comum entre os serviços dependentes do Ministério da Saúde:
"A saúde da Comunidade que servem". Neste documento estão
explicitamente descritas as "competências organizacionais" de cada
uma das organizações, o que deixa transparecer, de algum modo, a perspectiva da
cultura organizacional da época, respeitante ao estágio e à própria formação
dos alunos. O conteúdo do Protocolo de Colaboração enfatiza dimensões do Modelo
de Sistema Social (Ellström, 1983), que compreende as actividades de
integração, de interdependência e colaboração, como forma de garantir a
socialização dos alunos estagiários nos "submundos institucionais
especializados" (Berger & Luckman, 1975), a adaptação ao ambiente e a
estabilidade. Ele é francamente dirigido para a formação dos alunos em estágio.
Isto significa que a Configuração de Articulaçãopode admitir a simultaneidade
de uma sinergia com funções integrativas e adaptativas, como nos mostra o
seguinte texto extraído do Protocolo de Colaboração:
( ) Ao HSM competia: 1.2 Permitir a colaboração do seu pessoal de enfermagem na
aprendizagem prática dos alunos de acordo com as orientações ajustadas entre a
Escola e a Direcção de Enfermagem. 1.3 Facilitar aos alunos a utilização do
refeitório, a fim destes nele tomarem a refeição que inclua o turno em que
efectuarem a prática clínica. O aluno pagará a refeição ao preço previamente
estipulado pelo Hospital e apresentar-se-á no refeitório devidamente fardado
(...) (Protocolo de Colaboração entre o HSM e a ESECG, 1996).
Neste caso, a supervisão deve atender à clarificação dos valores, dos grandes
objectivos, da visão da organização relativamente ao futuro e dos traços
específicos que diferenciam cada uma das organizações (Escola de Enfermagem e
Hospital). Subentende-se uma coerência do percurso formativo dos alunos, que
engloba períodos de teoria na Escola e estágio no contexto clínico hospitalar.
Os compromissos organizacionais passam pela realização da análise integrada de
saberes complementares e de experiências vividas na formação inicial e na
prática profissional, tendo em vista a parceria. Em suma, as sinergias do
trabalho em parceria remetem para posições concertadas, através de estratégias
de entre as quais se salientam os momentos de integração, os contratos de
aprendizagem e de tutorias, cujo sentido é o da construção e desenvolvimento de
projectos profissionais ou de formação. Dentro desta lógica, os processos de
articulação são encarados mais como fenómenos espontâneos, acentuando o seu
carácter adaptativo e muito menos a intencionalidade da acção organizacional.
Valorizam-se especialmente processos dialécticos, dinâmicos, colaborativos, que
se complementam.
1.2 A articulação Escola de Enfermagem e Hospital num tipo de "Organização
Política" ' Entre as ideias, decisões e acções
A nossa proposta de articulação Escola de Enfermagem e Hospital num tipo de
"Organização Política" compreende os pressupostos teóricos do Modelo
Político e do Modelo Anárquico (Ellström, 1983). Se no Modelo
Políticoconfiguramos uma Articulação Conflitual ' Estratégica, no Modelo
Anárquico configuramos uma Articulação Débil ' Simbólica. O posicionamento
destes dois pressupostos num tipo de "Organização Política"
justifica-se porque ambos exigem o reflexo de inconsistências, tais como:
"dissolução, desintegração, isolamento e variedade nas estruturas, nos
processos e nas ideologias". Tal como menciona Nils Brunsson (2006: 54):
"Não é lutando por um único interesse que a política' ganha legitimidade
e adquire recursos, mas antes pela sua associação a vários interesses e
demonstrando a sua incorporação na sua própria existência. A organização
justifica-se a si própria enquanto veículo para a reflexão em torno destes
múltiplos interesses. A isto chama-se política pela justificação, mais do que
uma política pela troca".
Neste quadro, as organizações Escola de Enfermagem e Hospital apresentam-se-nos
com objectivos, estratégias e procedimentos que, mais do que racionais,
estáveis ou consensuais, se manifestam de modo instável, incerto, divergente e
conflitual. Isto significa que pode estar em causa a interacção entre vários
grupos, com interesses especiais dentro das organizações. Este último facto é
de extrema importância para o nosso estudo porque, independentemente da forma
como se gerem os interesses dos diferentes grupos, interessa-nos, sobretudo,
perceber como é que as organizações dão respostas aos "demasiados
conflitos de interesse", ou seja, como é que obtêm legitimidade e adquirem
recursos.
Pretendemos, portanto, utilizar os desenvolvimentos reflexivos ao nível
micropolítico para caracterizar um tipo idealde articulação que designámos por
Articulação Conflitual ' Estratégica, na medida em que as actividades inerentes
à supervisão de estágios podem ser entendidas como espaços privilegiados para a
manifestação da dinâmica conflitual. O contexto da decisão é considerado como
uma "arena de luta política", representado por grupos que conseguiram
impor as suas posições. Os outros grupos, "minoritários", que não
participaram em momentos cruciais do contexto da decisão, terão certamente
dificuldades em aceitar, apoiar ou pôr em prática as decisões produzidas. Isto
significa que a eficácia da articulação interorganizacional dependerá do
confronto entre estruturas formais da organização (manifestadas pela existência
de normas e hierarquias segundo as quais se pretende estruturar uma ordem
estável) e estruturas informais (caracterizadas pela actualização das regras do
jogo político). Este processo é analisado por Michel Crozier (1985), que o
definiu como a "estratégia da incerteza", na qual o poder pode
assumir formas discricionárias, quer tenha por origem a estrutura formal ou a
informal.
O Protocolo de Articulação entre a Escola de Enfermagem e o Hospital, num
contexto de supervisão de estágios, poderá assumir frequentemente uma
negociação conflitual, de carácter sectorial, valorizando apenas uma dimensão
parcelar do que é a Escola e do que é o Hospital. Mas também o percurso
político poderá ser equacionado de uma outra forma e a concepção do Protocolo
de Articulação ser alterada, possibilitando uma amplitude suficientemente
difundida, de modo a permitir acolher interesses sujeitos a uma
(re)interpretação de acordo com o sentido que os grupos acharem melhor seguir,
para defenderem as suas posições. Assim, as faces desta configuração de
articulação têm alguns traços dominantes: a complexidade, o prolongamento, o
comprometimento, o dialéctico e o conflitual. Estes traços, traduzidos na
supervisão de estágios, poderão dar origem a estratégias e processos de
supervisão interactivos e de diferentes estilos, dando a possibilidade aos
actores organizacionais, especialmente aos implicados na supervisão de
estágios, de agirem perante o confronto de situações reais, de modo a
desenvolverem a capacidade emancipatória.
Uma outra configuração de articulação Escola de Enfermagem e Hospital, que
designamos por Articulação Débil ' Simbólica, num tipo ideal de
"Organização Política", é possível ser perspectivada. Neste caso,
tentaremos configurá-la com base nos pressupostos teóricos do Modelo Anárquico.
Segundo o Modelo Anárquico apresentado por Per-Erik Ellström (1983), a ideia de
um Protocolo de Articulação entre a Escola de Enfermagem e o Hospital, como
instrumento orientador e vinculador das actividades de supervisão dos diversos
intervenientes das duas organizações (ou pelo menos de alguns, como pretendia a
Configuração de Articulação Conflitual ' Estratégica, relativamente aos grupos
dominantes), deixa de fazer sentido. Aquilo que esta configuração nos poderá
oferecer serão objectivos problemáticos, vagos, mal definidos, tecnologias e
estratégias pouco claras, improvisadas e elaboradas com base numa participação
fluida (Cohen et al., 1972) e que, por isso, são caracterizadoras de uma
organização debilmente articulada em que os discursos se encontram pouco
vinculados à realidade, a intenção desvinculada da acção, os objectivos, pouco
precisos, desfasados dos resultados, e a planificação sem estratégias
suficientemente definidas das suas consecuções na prática.
A partir desta perspectiva simbólica, muitos momentos que fazem parte da
planificação racional não são mais do que cerimónias que toda a organização
leva a cabo para manter a sua legitimidade, tanto em relação à imagem que se
pretende dar a conhecer ao exterior, como em relação às próprias pessoas
implicadas que, ao planificarem, constroem uma fantasia partilhada que
pretende ser eficaz. São variadas as situações de desenvolvimento da supervisão
de estágios que poderíamos invocar para ilustrar a nossa análise,
designadamente aquelas em que não existe uma conexão forte entre aintenção, a
decisão e a acção e onde, de acordo com a análise de Brunsson (2006), as
organizações manifestam a sua dupla face ' a Organização para a Acção e a
Organização Política.
No caso do Protocolo de Articulação entre a Escola de Enfermagem e o Hospital,
se pensarmos que as decisões e os decisores controlam as acções e os actores,
acabamos por pensar na coerência que tem que existir entre o discurso, as
decisões e as acções nas organizações. Desta forma, a legitimidade gozada pelas
duas administrações pode ser projectada para as acções. Numa linha de
orientação política, torna-se necessária a "reivindicação do mito do
controlo", quando essas organizações são expostas ao olhar externo.
O Protocolo de Articulação entre a Escola de Enfermagem e o Hospital
constituirá, assim, uma actividade simbólica, um ritual que, à semelhança de
muitos outros, as organizações Escola de Enfermagem e Hospital incorporam na
sua estrutura formal de modo a pacificar as expectativas sociopolíticas da
sociedade em geral e da comunidade local em particular, legitimando, assim, a
sua função enquanto instituição. Se, por um lado, é importante a aparição do
documento escrito que implemente ou legitime o Protocolo de Articulação entre a
Escola de Enfermagem e o Hospital, por outro, torna-se ainda mais necessário
que se desencadeiem acções de grande visibilidade, quer da Escola, quer do
Hospital, fazendo acreditar os actores que as duas organizações dispõem de uma
equipa especialmente dedicada à elaboração de projectos comuns indispensáveis
ao sucesso organizacional. Estamos perante um cenário de Hipocrisia. A
Hipocrisia surge como necessária às duas organizações, dando resposta ao
problema das normas inconsistentes com que se depara a organização (Brunsson,
2006: 204):
"A hipocrisia significa que as ideias e a acção não se apoiam
directamente. Por outro lado, podemos afirmar que a acção está a ser protegida
e que a administração satisfaz, através do discurso, as exigências que a
própria acção não consegue satisfazer" .
A desarticulação entre estruturas organizacionais da Escola e do Hospital e a
supervisão de estágios não significa, no entanto, que possa pôr em causa os
processos de supervisão, no contexto hospitalar, de índole pessoalista,
desenvolvimentista, onde a dimensão política e emancipatória da formação está
presente. O facto de os elos das estruturas organizacionais se apresentarem
frouxos poderá, em certa medida, permitir e facilitar os processos interactivos
de supervisão entre alunos estagiários e profissionais, assim como permitir
conhecer e intervir nas organizações. Daí que admitamos a possibilidade de
ocorrer uma Articulação Débil entre as duas organizações (Escola de Enfermagem
e Hospital) e, simultaneamente, outros modos de realizar a supervisão no
contexto de estágio. Referimo-nos a estratégias de supervisão superadoras de
dualismos, na gestão do ensino (Escola de Enfermagem) e do estágio, na
instituição onde ele ocorre (Hospital), em que estas duas organizações aparecem
como um espaço onde convergem as distintas dimensões de outras configurações
analisadas. A este propósito, citamos uma nota de reflexão de uma comunicação
intitulada "aprendizagens e quotidianos profissionais", proferida por
Rui Canário (2007: 185) 6, em que se reforça a ideia de que o desenvolvimento
das práticas clínicas por parte das escolas de formação inicial deve ser
entendido, por estas, como uma modalidade de formação:
A concretização desta estratégia significaria estabelecer, enfim, uma sinergia
profunda entre as escolas onde se privilegia uma via simbólica de construção do
conhecimento e um contexto de trabalho em que se privilegia uma via de
construção do conhecimento, baseada na experiência. Porque são indissociáveis,
estas duas dimensões, embora em diferentes graus, estarão sempre presentes num
e noutro destes dois lugares.
2. CONFIGURAÇÕES DA ARTICULAÇÃO ESCOLA DE ENFERMAGEM E HOSPITAL, EM CONTEXTO DE
SUPERVISÃO DE ESTÁGIO, NO PLANO DA ACÇÃO ORGANIZACIONAL/SISTEMA DE ACÇÃO
As quatro Configurações de Articulação apresentadas ("tipos ideais")
' Articulação Eficiente ' Imposta; Articulação de Interdependência e
Colaboração ' Integrativa/Adaptativa; Articulação Conflitual ' Estratégica;
Articulação Débil ' Simbólica 'estabelecem o enquadramento conceptual em que
nos vamos apoiar para classificar outras configurações que possam estar
presentes no "Plano da Acção" ou "Sistema da Acção", no
contexto da supervisão de estágios. Esses "tipos ideais" são
construções abstractas, que ajudam a sistematizar e compreender melhor a
realidade, embora não se encontrem reproduzidos de forma integral nos contextos
reais.
Assim, as quatro Configurações propostas para a caracterização da articulação
entre a Escola de Enfermagem e o Hospital podem, em determinados momentos,
estar representadas, diferentemente, por diversos actores intervenientes no
estágio de Medicina (alunos estagiários, enfermeiros, supervisora), mas há
evidências de que, neste contexto de supervisão, a Configuração da Articulação
Conflitual ' Estratégica surge, globalmente, marginal face às questões
organizacionais por nós analisadas.
A análise da informação recolhida a partir dos actores concretiza, em nosso
entender, uma Configuração de Articulação Débil ' Simbólicaentre a Escola de
Enfermagem e o Hospital. No entanto, esta conclusão não é fácil de obter,
porque a natureza do discurso dos actores é complexa, estando sujeita a uma
interpretação de acordo com "o olhar do outro", ou o olhar do
investigador, e, ainda, de acordo com o olhar dos outros actores. Neste último
caso "o olhar" está dependente do estatuto do actor (aluno estagiário
ou profissional).
Iniciamos então a nossa análise dos discursos dos alunos estagiários.
Relativamente à articulação desejável para a supervisão do estágio, balanceia
entre Configurações de Articulação Eficiente ' Imposta e Articulação de
Interdependência e Colaboração ' Integrativa/Adaptativa. Vejamos alguns
depoimentos, nos quais é possível identificar as expectativas destes actores em
relação às áreas em que a intervenção dos responsáveis pelos estágios poderia
ser incrementada. Relativamente à primeira, Articulação Eficiente ' Imposta, as
falas dos alunos estagiários enfatizam uma concepção de articulação
interorganizacional entendida como uma tecnologia racional para a tomada de
decisões, concretizada num acompanhamento sistematizado, coerente com os
objectivos antecipadamente identificados e centrada nos resultados de
aprendizagens:
"Acompanhamento dos estagiários desde o início do estágio e uma
preocupação maior com os resultados de aprendizagem. Porque penso que acima de
tudo o ensino clínico deve ser considerado como uma oportunidade de
aprendizagem e considero fundamental o acompanhamento permanente dos
estagiários" (Est.1).
Já as falas seguintes nos remetem essencialmente para uma concepção de
Articulação de Interdependência e Colaboração ' Integrativa/Adaptativa.
Conseguir uma articulação em "sintonia" e incentivar a
"parceria" são alguns objectivos, por isso estes actores reforçam a
ideia de uniformização das políticas de supervisão para as duas organizações. A
supervisão desejável deveria investir em actividades ou programas em que os
alunos estagiários pudessem participar, para se sentirem mais próximos da
organização hospitalar e das suas práticas:
"Incentivar actividades em parceria. Considero que a relação Escola e
Hospital podia ser mais estreita e não se cingir apenas ao momento de estágio,
pelo menos no que diz respeito aos alunos. Poderiam ser desenvolvidas ao longo
do ano actividades em parceria com o Hospital em que os alunos pudessem
participar para se sentirem mais próximos da Instituição. Seria uma forma de
desenvolverem outras competências novas" (Est.3).
As incongruências de articulação reflectem-se nas estratégias de supervisão e
são relatadas pelo grupo de alunos em estágio no serviço de Medicina. São
alguns exemplos: sensibilidades diferentes aos processos de integração e formas
de acompanhamento; divergências nas formas de orientação; tempo de permanência
na orientação.
Essas falas são também reveladoras de incongruências entre uma e outra
organização e dentro da mesma organização: práticas de cuidados distintas;
orientações conflituantes; condicionantes de vária ordem (espaço, tempo,
ignorância); irregularidades (falhas de comunicação). Estas desconexões podem
ser geradoras de "infidelidades normativas", ou constituírem-se, em
si, de "infidelidades normativas" (Lima, 1998).
Os documentos oficiosos relativos ao estágio ocorrem ao nível de grupos
restritos, o que, à partida, inibe a participação dos actores nos diversos
processos de supervisão de estágios. Há uma maioria de profissionais de
Enfermagem que considera que o Protocolo de Articulação deveria incluir outros
actores e um trabalho conjunto: a "formação de tutores e auxiliares de
ensino", a "criação de novos cursos na Escola com a vertente
específica supervisão de estágios", o "incentivo a actividades em
parceria", a "organização de acções de formação em conjunto", a
"definição em conjunto de políticas de supervisão".
Perante a análise que fizemos a outros discursos, foram-nos surgindo relatos
contraditórios com a lógica da participação e da intervenção dos actores,
oferecendo-nos indicadores próximos do pragmatismo e do cumprimento dos
requisitos de eficácia que caracterizam estas perspectivas.
A Articulação Débil ' Simbólicaentre a Escola e o Hospital aparece-nos
caracterizada de diferentes modos pelos actores intervenientes no contexto da
supervisão de estágios. No entanto, há algumas ideias que tendem a prevalecer
em todos os depoimentos. Os acontecimentos interorganizacionais surgem
relativamente desconectados, embora muitas vezes publicitados como sendo
pensados em conjunto. O investimento participativo dos gestores dessas
estruturas é débil e eles podem criar momentos formais sem grande intenção de
que os seus efeitos interfiram na acção real. A articulação é ainda marcada por
um certo grau de ambiguidade, o que contribui para o desenvolvimento de
percepções e lógicas divergentes e para as desconexões entreideias e acções,
intenções e concretizações.
Alguns dos relatos de enfermeiros e da supervisora permitiram-nos identificar
Configurações de ArticulaçãoEscola de Enfermagem e Hospital que, na nossa
opinião, não passam de derivantes da Articulação Débil. Há certos aspectos
encontrados nos discursos dos actores que nos permitem identificar alguns
cambiantes desta articulação ' Articulação"assim está bem";
Articulação"unidireccional"; Articulação"passa ao lado";
Articulação"utilitarista"; Articulação"tentativa".
A Articulação "assim está bem" trata-se de uma articulação cómoda,
sem qualquer responsabilidade por parte da organização que recebe os alunos
estagiários, neste caso o Hospital. Os actores da organização hospitalar estão
pouco implicados ou nada envolvidos em todo o processo de supervisão de
estágio:
Considero que assim está bem, há uma integração gradual da prática de cuidados.
Penso que se a Escola não estivesse presente a comunicação entre instituições
Escola Hospital estaria mais dificultada, penso que assim como está, está
bem. (...) A minha participação na preparação dos ensinos clínicos não a
considero necessária, porque é função da entidade de ensino (Enf.1).
A Articulação "unidireccional" é uma articulação dos responsáveis
pela gestão das organizações. Caracteriza-se por possuir um protocolo de
articulação unidireccional, não sujeita a um sistema participativo dos vários
intervenientes do estágio. Esta perspectiva, exclusiva dos órgãos de gestão,
quer da Escola, quer do Hospital, concretiza-se em momentos cruciais: o da
formalização dos pedidos de estágios e o da reunião de preparação e avaliação
dos estágios:
O protocolo de colaboração entre a Escola e os serviços é unidireccional, em
que se faz essencialmente através da formalização dos pedidos dos campos de
estágio. A preparação dos estágios realiza-se entre professores e enfermeiros
chefes, sendo que os estudantes são socializados de uma forma passiva (Enf.2).
A Articulação "passa ao lado" é traduzida por um desconhecimento
total, por parte dos actores, acerca do protocolo de articulação Escola e
Hospital. Relativamente à supervisão de estágios, apenas existem comentários
vagos, pouco precisos, sem objectivos e estratégias suficientemente definidas e
operacionalizáveis, capazes de vincular as práticas:
Como profissionais, a articulação Escola e Hospital passa-nos um pouco ao lado.
Sei que os pedidos de estágio são dirigidos ao topo, ao nível da gestão. O
enfermeiro chefe pronuncia-se, mas nós não sabemos de mais nada (Enf.3).
A Articulação "Utilitarista" implica que uma organização se sirva da
outra e o estágio adquire o estatuto de articulador utilitário entre as duas
organizações ' Escola de Enfermagem e Hospital. Há uma colaboração mínima
interorganizacional, pouco compensatória, a nível pessoal e profissional, para
os actores intervenientes do estágio, que se limitam a seguir e a utilizar os
instrumentos de avaliação que a Escola recomenda:
Considero que este Hospital tem um contacto mais próximo com a Escola,
precisamente na área dos ensinos clínicos, que tem um carácter essencialmente
utilitário (Enf.4).
O relato da supervisora permite-nos identificar uma outra Configuração de
Articulaçãoentre a Escola de Enfermagem e o Hospital: a Articulação
"tentativa". Em determinados momentos, há um certo voluntarismo, por
parte de alguns actores, em colaborarem, na tentativa de ambas as partes
(Escola de Enfermagem e Hospital) se articularem. Essa coordenação de esforços
diz apenas respeito à dimensão pedagógica da supervisão de estágios:
Há uma tentativa de ambas as partes em se articularem, quando há uma
coordenação de esforços em reflectir sobre a teoria e a prática. O projecto
entre Escola e Hospital deverá ser facilitador das aprendizagens dos alunos
(Sup.).
As falas destes actores anunciam representações da Escola de Enfermagem e
Hospital como entidades independentes, com fronteiras descontinuamente
estabelecidas, procurando, simultaneamente, a cooperação sistemática, o
consenso e a supressão de todo o tipo de conflito, subordinada à obsessão da
eficácia e da eficiência. Ao interpretarmos os contextos organizacionais, a
visão comum que suporíamos encontrar era a de que o pensamento e as ideias
controlassem as acções. Mas nem sempre foi isto que aconteceu, ou seja: tendo
em conta a nossa interpretação das acções implementadas pelas duas
organizações, verificámos que algumas acções controlavam as ideias. As falas,
nestes casos, tomavam o formato de explicações que tinham "como finalidade
última a legitimação". Tal como refere Brunsson (2006: 203):
"Quando se pretende que as ideias controlem a acção, é necessário que
estas sejam reduzidas ao nível mais concreto da acção; porém, quando se
pretende que elas expliquem a acção, é provável que se possam distanciar do
concreto e, nesse sentido, se tornem abstractas e mais inconsistentes".
Noutras situações, os discursos apareciam adaptados a algumas normas, enquanto
as acções adaptadas a outras. No nosso entender, este quadro permite que a
hipocrisia organizacional se manifeste como dimensão necessária e benéfica na
perspectiva do desenvolvimento das organizações. A manutenção de certas
práticas, convenientes (ou mais cómodas) a cada uma das organizações,
"pode revelar-se mais importante do que a acção organizada e do que a
eficácia organizacional" (Lima, 2006: 7). Referimo-nos concretamente à
falta de participação da Escola na selecção de auxiliares de ensino e sua
formação e à falta de participação do Hospital nas actividades de âmbito
pedagógico (incluindo as estratégias do planeamento, programação, orientação e
avaliação dos ensinos clínicos e estágios e a construção de documentos
relativos à supervisão de estágios).
Porém, para todos os efeitos formais, estas duas organizações têm um Protocolo
de Articulação Institucional entre a Escola e o Hospital(2007) à disposição de
quem o solicitar, que cumpre os requisitos formais, ainda que, em termos de
conteúdo, não se trate propriamente de um Protocolo que nos indicie um projecto
comum, mas de uma "listagem de compromissos", que cada organização
deverá cumprir.
O Protocolo de Articulação entre a Escola de Enfermagem e o Hospital, aparece-
nos, assim, representado como um artefacto que contribui para engrandecer o
conjunto de preceitos estruturais destas duas organizações, cumprindo dois
objectivos: por um lado, "dar resposta às exigências e expectativas
sociais, políticas, administrativas e legais" (Costa, 1997), e, por outro,
legitimar, quer a razão de ser deste cumprimento legal, quer a "imagem de
competência e de qualidade" (Costa, 1997) das duas organizações.
Neste exercício, concluímos que o estágio foi revelador de articulações e de
desarticulações, permitindo-nos traçar um mapa das suas configurações a partir
de vários intervenientes: alunos estagiários, enfermeiros, supervisor,
investigadora.
O Protocolo de Articulação entre a Escola de Enfermagem e o Hospital deu conta
da parte mais visível do discurso exarado em diploma legal relativo à criação
de condições para o desenvolvimento de uma parceria efectiva entre os
Ministérios da Educação e da Saúde, quando, em 2001, o Decreto-Lei nº99/2001,
de 28 de Março, assim proclamava nos seus Art.º 9º, alínea f), e Art.º 10,
alínea c):
Art.º 9º f) A definição de princípios orientadores da cooperação e co-
responsabilização entre os estabelecimentos de ensino e os serviços prestadores
de cuidados de saúde, incluindo um sistema de acreditação periódica destes e
dos seus recursos humanos, tendo em vista uma formação de qualidade.
Art.º 10º c) Assegurar, através dos serviços prestadores de cuidados de saúde
do Serviço Nacional de Saúde, as condições de aprendizagem clínica para os
cursos e garantir os respectivos padrões de qualidade.
Depois de termos descrito e analisado alguns aspectos particulares
caracterizadores das articulações presentes entre a Escola e o Hospital, a
partir de uma diversidade de dados recolhidos, interessa neste momento
sublinhar, em jeito de síntese, as lógicas e os requisitos organizacionais que
se conseguem traduzir das configurações desenhadas.
Comecemos pela organização Escola de Enfermagem, que, neste estudo, parece
inclinar-se para uma Configuração de Articulação interorganizacional Débil
Simbólica. A aproximação ao Sistema Debilmente Articulado de Karl Weick dá-se
quase sempre quando entre estruturas, órgãos e acontecimentos não existe uma
união forte, uma coordenação eficiente e racional, mas antes uma conexão
frouxa, ou mesmo uma desarticulação relativa, entre os diferentes elementos.
Esses elementos, no caso da articulação interorganizacional Escola de
Enfermagem e Hospital, embora aparentemente unidos, porque concretizam um
Protocolo de Articulação, mantêm-se ligeiramente afastados para preservarem uma
identidade própria.
A supervisão de estágios é exemplificativa da posição da Escola, que parece
rejeitar a ideia de que seja desejável descobrir laços entre um sistema
racionalizado e o incremento da eficácia. No entanto, a um determinado nível, a
Escola evidencia a possibilidade de uma interdependência "directa"
entre as dimensões estrutural, normativa e técnica, presentes quer no seu
interior, quer na sua presença dentro da organização hospitalar.
De acordo com o nosso quadro teórico-conceptual, para que fosse possível uma
articulação no molde da eficácia e da eficiência, além de estarem definidas as
regras, ou um acordo sobre o que seriam as regras, o sistema de retroinformação
deveria estar orientado para melhorar a obediência. A presença de um Modelo de
Supervisão como Inspecção ou como Produção cumpriria estes requisitos, mas o
nosso estudo não comprovou tal facto.
A Articulação Interorganizacional Débil nasceu de um processo de democratização
que tornaria a Escola de Enfermagem mais flexível e aberta ao exterior. O
percurso da construção da Articulação Débil ou de reconversão de um tipo de
articulação forte, eficiente, imposto não foi feito com passos largos, mas
mitigados, capaz de ir mantendo a sua estabilidade na relação
interorganizacional Escola-Hospital. Aliás, ao longo do percurso investigativo
pudemos constatar a manutenção de relações cordiais entre a Escola e o
Hospital, principalmente através dos órgãos de gestão das duas organizações.
Fruto de uma integração recente numa Universidade, a direcção da Escola tem
procurado aproximá-la de uma "comunidade académica" e assumi-la como
organização capaz de enfrentar, analisar e resolver os problemas próprios de
uma sociedade. Se, por um lado, a abertura de espaços para a expressão dos
valores académicos fundados na autonomia, na responsabilidade, na filiação
científica, na colegialidade e cooperação interorganizacional trouxe um desafio
para a Escola, por outro lado, a sua contribuição para a promoção da sua
sustentabilidade institucional e da sua competitividade no espaço global não
deixa de constituir motivo de preocupação. Este facto suscita o questionamento
acerca das condições de funcionamento da Escola de Enfermagem, enquadrada
dentro de uma organização que é pública e que tem estratégias e objectivos
distintos de outras organizações concorrentes, que ultimamente têm proliferado
no campo da Enfermagem.
No que diz respeito à organização hospitalar do nosso estudo, esta pareceu
inclinar-se para uma Configuração de Articulação interorganizacional Eficiente
' Imposta. Este tipo de configuração é representado em conformidade com o
aparelho burocrático presente na organização hospitalar, através do qual
constitui regras e procedimentos protocolados, estáveis e uniformes, cujo
efeito é reforçado por mecanismos de coacção e controlo, para que se consiga
garantir a eficiência organizacional. A supervisão de estágios denunciou como
desejável uma visão burocrática-racional da articulação, pressupondo que a
relação interorganizacional funcionasse segundo objectivos claros e
consensuais, em torno dos quais se movem os actores, e em conformidade com as
actividades de carácter obrigatório, organizadas num plano racional único,
planeadas para atender aos objectivos oficiais da organização (cf. Goffman,
1974: 17-18).
O ordenamento burocrático-racional, no estudo, surge com alguma frequência
muito associado à eficiência e à produtividade organizacional, pela importância
de se responder às necessidades de saúde dentro de uma linha produtivista e
eficientista, como hoje é apregoado na generalidade dos discursos oficiais.
Neste sentido, o dispositivo burocrático representa os espaços e os tempos
dentro dos quais os actores organizacionais interactuam e nos quais a dinâmica
organizacional se processa, acautelando desvios excessivos que podem colocar em
risco a unidade organizacional mínima que assegura a manutenção e a
continuidade da organização. É compreensível que assim seja, numa organização
complexa como é o Hospital, para que esteja garantido o suporte básico das
operações a nível da administração e gestão.
Embora cada Configuração de Articulação InterorganizacionalEscola de Enfermagem
e Hospital constitua um pretexto para apreciar as diferentes variações que cada
uma delas pode adquirir, ajudando a compreender alguns aspectos da dinâmica da
supervisão de estágios (ligados quer à regulação burocrática, de sistema
social, política ou anárquica), é essencialmente com elementos de dupla
natureza que nos aparece influenciada esta articulação: racional-burocrática,
impondo padrões de conformidade e hierarquização da autoridade; e anárquica,
sublinhando a importância do simbolismo e da ambiguidade organizacional. A
acção desses elementos pode exercer-se isoladamente ou em conjunto e, neste
caso, podem ocorrer em simultâneo ou simplesmente excluírem-se. A dinâmica de
articulação interorganizacional Escola e Hospital pode ser analisada a partir
da compreensão das articulações e desarticulações que se produzem entre a
dimensão racional-burocrática e a anárquica enquanto elementos que estruturam
as relações, interacções e processos organizacionais, cujas características
derivam dos efeitos verificados dessas articulações ou desarticulações.
O presente estudo resulta na congregação de acções e lógicas afectas tanto à
estrutura burocrática como à estrutura anárquica e outras menos relevantes,
actuando essencialmente em dois sentidos: estabilidade convergente, quando
ambas as estruturas justificam as razões para a acção e a convergência dos
pensamentos, com vista à concretização de objectivos comuns; ou flexibilidade
divergente, quando se trata de dar cumprimento a iniciativas que apenas servem
uma das organizações. Neste último sentido, cada uma das estruturas tenta
mobilizar meios e desenvolver estratégias para que as decisões tomadas estejam
o mais de acordo possível com as pretensões dos actores.
É no contexto de supervisão de estágios que são reveladas algumas dimensões das
diferentes articulações, através dos seus elementos característicos: a
uniformidade e a divergência. Embora neste estudo de caso a natureza política
das organizações Escola e Hospital não apareça explicitada nos discursos dos
actores intervenientes na supervisão de estágios, não foi, descurada esta
dimensão, uma vez que estavam em jogo relações de "cooperação dos actores
ao redor dos problemas' e das suas soluções'" (Friedberg, 1995: 170).
Para concluir, parece-nos claro que, se tivéssemos encaminhado a nossa
investigação sobre a articulação interorganizacional de acordo com uma
perspectiva situada exclusivamente na análise das respectivas estruturações
formais (com base apenas nos documentos institucionalmente considerados),
ficaríamos certamente a conhecer a face mais visível, captável pela lógica
interpretativa mono-racional; porém, desconheceríamos as diversas lógicas
presentes nas representações dos actores, que necessariamente intervêm na
supervisão de estágios, os processos sociais em jogo e as dinâmicas
interorganizacionais. O exercício de articulação entre a Escola de Enfermagem e
o Hospital, a partir do ponto de intersecção ' a supervisão de estágios ', além
de contribuir para uma interpretação teórica das especificidades de cada uma
das organizações, ora científico-pedagógicas, ora organizacionais, mostrou-nos
as diferentes Configurações de Articulação, de intensidade e frequência por
vezes inconstantes e variáveis, que mais não significam do que as condições
multirreferenciadas de acção interorganizacional Escola de Enfermagem e
Hospital.