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EuPTHUHu0871-91872012000100005

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variedadeEu
ano2012
fonteScielo

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Ensino e aprendizagem do Português Língua Não Materna: necessidades e representações dos alunos

Introdução Os movimentos migratórios, vividos no início do século XXI, fizeram com que Portugal passasse de um país de emigração para um país de imigração. Se, outrora, o país apenas recebia imigrantes oriundos das suas ex-colónias africanas, nas últimas décadas acolhe populações vindas da Europa de Leste, Ásia e América do Sul.

Apesar de ser crescente o número de emigrantes provenientes de diferentes países, de acordo com dados divulgados pelo Instituto de Estudos Sociais e Económicos (IESE), em 2005, a percentagem de alunos matriculados nas escolas portuguesas oriundos dos PALOP ainda é bastante elevada, sobretudo nas regiões da grande Lisboa e de Faro.

Atendendo a estes resultados e às dificuldades no domínio do português no que respeita aos alunos de ascendência africana, pretendeu-se saber se o não domínio do português por parte destes alunos se repercute na aprendizagem da língua portuguesa enquanto disciplina curricular e na aprendizagem das outras disciplinas do currículo. Menyuk (1995) estabelece uma relação bastante evidente em que o desenvolvimento linguístico favorece a aprendizagem escolar e vice-versa; portanto, foi nossa intenção conhecer de que forma os alunos estabelecem essa relação.

É consensual, e transmitimo-lo pelas palavras de Villas-Boas (1999, p. 217), que "o desenvolvimento do conhecimento linguístico tem a ver com o aproveitamento escolar em todas as disciplinas desde a Língua Materna à Matemática, uma vez que a fluência oral e escrita vai condicionar o desempenho de todas as disciplinas que se aprendem com livros". Nesta senda, considerámos, pois, que seria importante conhecer as representações que os alunos têm acerca do seu próprio desempenho linguístico.

Estes alunos não aprendem numa língua que não é a sua língua materna ' a língua da escola e do país de acolhimento ', como ainda a usam de forma incorrecta também em contextos sociais extra-espaço escolar, havendo regularmente a necessidade de recorrerem ao uso de outra língua, neste caso o crioulo, para comunicarem entre pares ou com os seus familiares. Na verdade, a proficiência linguística destes alunos é baixa, na medida em que têm pouco contacto com o português antes de chegarem à escola, principalmente os que são oriundos de contextos socialmente desfavorecidos. Talvez também por essa razão, quando se encontram no espaço escola, ao abandonarem a sala de aula, recorrem regularmente à sua língua materna. Esta é a língua de comunicação entre pares, utilizada nas trocas linguísticas com a família e com os amigos da comunidade onde vivem, mas que, no entanto, não é reconhecida no meio escolar. Ainda assim, por vezes, os pais falam com os seus filhos em português, numa tentativa de os ajudar na aquisição da língua oficial do país de acolhimento e língua da escola (Pereira, 1997).

A natureza deste artigo é dar a conhecer não as representações que os alunos de ascendência africana têm acerca da sua aprendizagem, como também as necessidades que sentem para terem sucesso escolar. Consequentemente, pretende- se descrever o estudo, analisando e discutindo os resultados. Sempre que se justifica pertinente, interage-se com a revisão da literatura.

Representações e necessidades dos alunos ' Estudo empírico Este trabalho é um estudo exploratório que teve como ponto de partida a constatação da existência de dificuldades na disciplina de Língua Portuguesa e da forte influência que estas exercem na aprendizagem das outras disciplinas curriculares (Bureau, 1988; Tosi, 1998). Com o intuito de categorizar as dificuldades de aprendizagem, auscultaram-se, através da realização de entrevistas e da aplicação de questionários, alunos de ascendência africana, a frequentar os 7.º e 9.º anos de escolaridade, em escolas da periferia de Lisboa. Consideram-se alunos de ascendência africana aqueles cujos pais ou avós tenham nascido num país africano. Para esse levantamento, aplicou-se um inquérito sociolinguístico.

Nas escolas portuguesas, é frequente ouvir-se o testemunho dos docentes acerca das dificuldades linguísticas, da falta de integração e do insucesso escolar destes alunos. Os professores constatam que os alunos de Português Língua Não Materna apresentam dificuldades de aprendizagem, por vezes "queixam-se de pouco vocabulário, dificuldades de expressão, erros de concordância, pronúncia e de muitos outros problemas de ordem linguística, dos quais o mais grave é o silêncio marcado pela vergonha ou pela impotência" (Pereira, 1997, p. 39).

No entanto, mais raro é ouvir o testemunho dos alunos, em geral, acerca destes aspectos, sendo praticamente desconhecida a perspectiva de alunos oriundos de minorias linguísticas. Por conseguinte, pareceu-nos importante ouvir o que estes últimos tinham para dizer acerca das suas dificuldades de aprendizagem, saber como se situam em relação às tarefas que lhes são pedidas e ao seu percurso de aprendizagem (Montandon & Osiek, 1997).

É consensual que o domínio da língua de escolarização é essencial não para o sucesso na disciplina de Língua Portuguesa, como também para a realização de todas as aprendizagens nas diferentes áreas curriculares e não curriculares, por isso partiu-se para o terreno para: (i) saber que tipo de dificuldades apresentam os alunos de ascendência africana na aprendizagem da disciplina de Língua Portuguesa e de que forma estas se reflectem na aprendizagem das outras disciplinas; (ii) conhecer as necessidades que estes alunos têm para realizar com sucesso o ensino-aprendizagem da língua do país de acolhimento; e (iii) incentivar a apresentação de sugestões por parte dos mesmos alunos, tendo em vista um maior sucesso no seu percurso de ensino e aprendizagem. Para além disso, pretendeu-se também apurar os domínios de aprendizagem que os alunos consideram mais importantes trabalhar em sala de aula, assim como o perfil que consideram adequado para um professor, em particular de Língua.

Para tal, procedeu-se à recolha de opiniões junto de 80 alunos de ascendência africana, a frequentar os 7.º e 9.º anos de escolaridade, dado ser nestes anos que, respectivamente, se inicia e encerra o 3.º Ciclo do Ensino Básico do sistema de ensino português, até à data o último ciclo de escolaridade obrigatória. Os dados em análise foram obtidos através da realização de entrevistas semidirectivas de carácter evolutivo (Huberman & Miles, 2003) e da aplicação de um questionário de resposta fechada (Ghiglione & Matalon, 2005).

No nosso estudo, quando se questionaram os alunos acerca das dificuldades apresentadas na disciplina de Língua Portuguesa (cf. Quadro 1), os itens que mais assinalaram foram: gramática (n=22); compreensão de vocabulário (n=23); erros ortográficos (n=18); vergonha de falar em público (n=16); e verbos (n=18).

Quadro 1 Dificuldades apresentadas na disciplina de Língua Portuguesa

Os alunos afirmam que as dificuldades na expressão oral se prendem com vergonha de falar em público: «Eu tenho vergonha de falar porque os meus colegas vão ‘tar com atenção ao que vou dizer p'ra me gozarem»; «( ) é mais complicado também na apresentação oral ( ) também deve ser mais por causa de ter vergonha dos meus colegas».

Relativamente ao funcionamento da língua, os alunos afirmam ter dificuldades: (i) nos «verbos para conjugar. É o mais difícil para mim»; «Não sei construir frases. O que vem primeiro, em segundo, eu não sei »; «A escrever eu dou erros, mas isso é normal na vida de uma criança»; e (ii) na compreensão/interpretação de textos, registando-se os seguintes testemunhos dos alunos: «Quando ‘tamos a ver textos, vem umas perguntas que eu não sei responder»; «E nos testes, o stôr tem a mania de escrever assim um bocado complicado, uma pessoa não percebe nada do que ‘tá a pedir»; ou ainda «Não entendo o que ‘tá a pedir a pergunta».

As causas das dificuldades apresentadas pelos alunos são várias (cf. Quadro 2), assinalando-se sobretudo a falta de estudo (n=22), a falta de atenção nas aulas (n=15) e a forma como o professor explica (n=8). Os alunos apontam ainda como causas das suas dificuldades o desagrado pela disciplina e o uso de outra língua em casa e com a família. Estas causas estão directamente relacionadas com o ambiente vivido em sala de aula e a motivação com que os alunos realizam as suas aprendizagens. Por que razão os alunos sentem desagrado pela disciplina? Por que razão estão desatentos na aula? De que modo a forma como o professor explica a matéria se torna um entrave à aprendizagem?

Quadro 2 Causas das dificuldades apresentadas pelos alunos

O desinteresse pela escola e pelas matérias está sobejamente patente quando um aluno se questiona e afirma: «Por que é que eu tenho tão pouca vontade de estudar? Não sei. Estudo, pronto ficar assim a estudar é pra nós um sacrifício. É como se fosse um atropelamento. ‘Tão-nos a atropelar, a stôra a falar, a falar, a falar e depois diz: ‘Estudem em casa!'. Pronto e nós ficamos assim cansados e é aquela coisa... não é divertida». Os resultados escolares dos alunos, para além dos seus esforços, também se devem à motivação, interesse e vontade de aprender. Os aspectos motivacionais do processo de aprendizagem são diversos, indo desde a forma como se apresenta uma actividade aos alunos, o método e recursos didácticos utilizados, até à valorização da sua experiência pessoal. No entanto, cabe, segundo Alemany (1990), ao professor seleccionar as estratégias em que deve apostar na sala de aula, de forma a garantir a motivação dos seus alunos.

Em suma, ao considerarmos os testemunhos dos alunos, obtivemos três categorias relativamente às causas das suas dificuldades: uso de outra língua; ensino- aprendizagem; e relação pedagógica. Para o uso de outra língua, quer em casa com os familiares, quer entre pares na escola, consideramos os seguintes testemunhos dos alunos: «Entre mim, a minha mãe e o meu irmão, a gente fala crioulo»; «Em casa, falo crioulo que é a língua da minha terra»; «com os professores, falo português, mas aqui também tenho colegas cabo-verdianos, falamos crioulo»; «'tou a falar mais crioulo porque na minha turma mais cabo-verdianos que nos outros anos».

Para a categoria ensino-aprendizagem, os alunos afirmam: «Falta de escrever e ler, também»; «porque não estudo, se estudasse tanto quanto eu vejo televisão, eu era o aluno mais empenhado desta escola»; «eu não consigo entender muito bem a forma como os professores explicam a matéria». Por sua vez, no que diz respeito à relação pedagógica, alunos que apontam o vocabulário utilizado pelo professor ou a atitude face às necessidades dos alunos: «Stôra, o que é ‘enuncia'? A stôra fica chateada ( ) mas vezes em que eu não consigo compreender as coisas». Neste caso, fica patente a influência que os diferentes registos de língua podem ter na aprendizagem dos alunos, na medida em que têm manifestamente dificuldades em compreender a língua da escola, dada a sua especificidade.

Após o levantamento das dificuldades apresentadas na disciplina de Língua Portuguesa, importava conhecer qual a representação dos alunos sobre a influência no processo de aprendizagem das outras disciplinas curriculares (cf.

Quadro 3). Na opinião dos alunos deste estudo, as dificuldades interferem na compreensão de enunciados (n=19), na compreensão de textos sobre a matéria (n=17), na produção de textos (n=11) e na realização de exercícios (n=11).

Estas dificuldades reflectem-se, posteriormente, no momento do estudo a partir do manual. Para além destes aspectos, os alunos também mencionaram que a maneira como o professor explica a matéria interfere nos seus desempenhos escolares.

Quadro 3 Influência das dificuldades na disciplina de Língua Portuguesa nas outras disciplinas curriculares

Os alunos têm consciência da importância do conhecimento da língua nas aprendizagens escolares. Apontam o impacto na compreensão de textos (orais e escritos) e na construção de textos. A capacidade de compreender e construir textos subjaz à construção de conhecimentos e à integração na vida escolar.

Por outro lado, como estratégias de superação destas dificuldades (cf. Quadro 4), os alunos referem o esclarecimento de dúvidas (n=23) e a leitura de livros (n=17), assim como a realização de exercícios, fichas de trabalho e rotinas de leitura e de escrita criativa, todas elas, segundo os alunos entrevistados, estratégias e actividades propiciadoras e auxiliadoras da aprendizagem do português.

Quadro 4 Estratégias de ensino-aprendizagem mais eficazes vivenciadas pelos alunos

Ao lhes ser pedido para indicarem quais as estratégias ou actividades que considerariam mais importantes desenvolver em sala de aula, a fim de colmatar as dificuldades mencionadas, a maioria respondeu que se deve trabalhar mais a leitura (n=41) e a escrita (n=38). Ou seja, apontam as competências essenciais para a realização de qualquer aprendizagem. Nesta linha, Vygotsky (2002, p.

139) defende que "o ensino da linguagem escrita depende de um treino artificial. Tal treino requer atenção e esforços enormes, por parte do professor e do aluno". Para tal, "o ensino tem de ser organizado para que a leitura e a escrita se tornem necessárias às crianças" (idem, p. 135). Por outras palavras, o ensino formal da escrita não deve ser encarado como um processo mecânico, mas como algo natural e necessário à vida do aluno enquanto cidadão. É ainda importante referir que os métodos de "ensino de leitura e de escrita implicam operações apropriadas sobre o meio ambiente" dos alunos (idem, p. 156). Por isso, realça-se, à semelhança das opiniões dos sujeitos participantes, a necessidade de o professor conhecer as origens dos seus alunos, para poder, em sala de aula, fazer interagir o meio escolar com o meio de onde são oriundos. Com efeito, ancorar as actividades nos conhecimentos e necessidades dos alunos permite situações de aprendizagem mais profícuas.

Quadro 5 Sugestões apresentadas pelos alunos para ultrapassar as dificuldades na disciplina de Língua Portuguesa

Os alunos indicam também como sugestões de práticas susceptíveis de proporcionar aprendizagens de maior qualidade a realização de mais exercícios na aula e a realização de projectos, revelando alguma consciência da necessidade de um modelo de intervenção pedagógica mais activo, pondo em causa o ensino expositivo em que o professor transmite a matéria. Ao quererem assumir um papel interventivo e dinâmico em sala de aula, estes jovens vêem-se como protagonistas das suas aprendizagens.

Salienta-se o facto de os alunos desejarem trabalhar mais a escrita e a leitura, pois, na sua opinião, ao «fazer[-se] uma composição, pensa-se mais».

Deste modo, revelam uma forte consciência da importância que tem o papel da escrita no desenvolvimento da sua aprendizagem. Como Fulwiler (1986, pp. 21-22) afirma, "o acto de escrever, ajuda-nos a manipular o pensamento de forma muito específica, porque escrever torna os pensamentos visíveis e concretos, e permite-nos interagir com eles, modificando-os". Mas neste contexto escolar "a escrita deve ter significado para as crianças, despertando nelas uma necessidade intrínseca e deve ser incorporada numa tarefa necessária e relevante para a vida" (ibidem).

Os alunos lamentam ainda a falta de apoio que têm ao realizar os trabalhos de grupo fora da sala de aula. Alegam não poder contar, em caso de dúvidas, com o auxílio imediato do professor para o seu esclarecimento: «o stôr vai ‘tar [na sala de aula] p'ra ver, isso era mais fácil. Mas fora da sala, o trabalho é muito ». Este forte apelo dos alunos à realização dos trabalhos em sala de aula faz emergir a necessidade de se aplicar logo uma forma de trabalho sustentada no andaime tutorial, permitindo assim ao professor conduzir as aprendizagens dos alunos consoante as suas dúvidas e necessidades (Bruner, 1996).

Como prova destes pedidos, registam-se alguns testemunhos dos alunos: «Trabalhar mais a leitura e a escrita porque, é assim, eu acho importante uma pessoa saber ler e escrever direito, porque um dia quando nós formos p'ra um trabalho, temos de saber ler e escrever correctamente»; «Os professores devem trabalhar mais a escrita»; «Os verbos porque se nós não soubermos os verbos vai ser difícil de fazer muitas coisas e se nós não soubermos conjugar os verbos, a escrita vai ser bem pior. Por exemplo, eu jogar ' não pode ser assim. Eu jogo, tu jogas ( ) o verbo andar, os típicos mesmo da primária».

Por fim, solicitou-se aos alunos que traçassem o perfil de um professor, em particular de Língua (cf. Quadro 6). Os participantes indicaram que o professor deve ser compreensivo (n=40), ensinar com clareza (n=35), ter em conta as opiniões dos alunos (n=34) e ter uma boa relação com os alunos (n=34). A estas características acrescentam ainda que o professor deve ajudá-los na integração escolar e ser, simultaneamente, tolerante e disciplinador. Para além do seu papel de transmissor de saberes e de gestor das aprendizagens e do espaço da sala de aula, aos olhos destes alunos o professor parece assumir também o papel de "conselheiro ao qual se recorre em caso de necessidade" (Postic, 1984, p.

91). Este perfil de professor desejado e delineado pelos alunos vai ao encontro do que Postic (idem, p. 92) afirmava acerca do professor, na medida em que, além de estar presente "com toda a força magistral", deve ter também patente a sua dimensão humana.

Quadro 6 Representação sobre o professor

A relação pedagógica parece ser também aspecto fulcral no ensino e aprendizagem destes alunos. Em ambos os anos de escolaridade, é referida a importância que tem, para eles, o facto de o professor ser compreensivo e ter em conta as suas opiniões. na referida investigação de Montandon e Osiek (1997), os alunos esperam igualmente que um bom professor seja aquele que saiba ensinar bem, que explique com clareza e que demonstre paciência. Referem ainda, tal como os alunos portugueses sujeitos desta investigação, que o professor deve saber dosear a severidade, ou seja, não deve ser nem muito severo, nem muito benevolente. Para além de saber ensinar, o professor deve ser um intermediário cultural, estabelecendo a ponte entre o aluno e a sociedade. Deve ainda ajudá- lo a preparar-se para a vida activa na sociedade em que está inserido, auxiliando-o na assunção do seu papel de cidadão.

Para registo da voz dos alunos, têm-se em conta alguns dos seus testemunhos: «O professor deve tentar ter calma connosco, gritar menos para que a aprendizagem seja divertida e não um transtorno»; «Eu digo que a professora tem de ser , mas boazinha, ela sabe meter respeito, assim a gente vai respeitar»; «Se o professor puser um pouco de respeito na sala, e fazer, tirar as dúvidas, assim vamos conseguir aprender mais rápido»; «Primeiro, tem de saber de onde vem cada um, p'ra saber se tiveram essas disciplinas».

Discussão dos resultados A análise dos resultados obtidos permite verificar que os alunos identificam a sua proficiência linguística como uma variável no seu sucesso e na sua integração escolar e social.

As dificuldades apresentadas pelos alunos na expressão oral e a vergonha de falar em público, aliadas às sérias dificuldades no domínio do funcionamento da Língua, em especial na gramática, são por si indícios de uma elevada barreira escolar que tem impacto na integração social. É sabido que o sucesso escolar está aliado ao domínio pleno da língua de escolarização, caso contrário surgirão dificuldades de aprendizagem, não na disciplina de Língua, como em todas as outras disciplinas. Sendo o conhecimento linguístico basilar na aquisição de conhecimentos nas outras disciplinas, uma baixa proficiência linguística tem impacto na construção do conhecimento em, praticamente, todos os domínios do currículo. A interpretação/compreensão de texto, assim como a compreensão de vocabulário revelam-se competências fulcrais, não na aprendizagem na disciplina de Língua Portuguesa, como também nas restantes disciplinas, na medida em que as aprendizagens se baseiam essencialmente na leitura e escrita de textos sobre os temas específicos de cada disciplina.

Na verdade, os alunos esperam acima de tudo que a escola lhes uma formação, que os prepare para exercer uma profissão, que lhes garanta um futuro profissional. Numa investigação levada a cabo por Montandon e Osiek (1997, p.

139), os alunos afirmavam que "a escola é para ter um bom trabalho, para ter bastante dinheiro e para viver bem". Ainda nesta investigação, os mesmos alunos afirmavam que a escola lhes "deve fornecer conhecimentos, ou seja, oferecer- lhes ‘coisas' para aprender e compreender" (ibidem). Convém que os alunos encontrem na escola, "não um lugar de formação intelectual, mas também um lugar de desenvolvimento da sua individualidade, da sua pessoa, uma iniciação à vida" (Abdallah-Pretceille, 2004, p. 198).

Os professores queixam-se das inúmeras dificuldades que os alunos apresentam na língua portuguesa, destacando, por vezes, o silêncio em que estes últimos se enredam. No entanto, este silêncio é, muitas vezes, o resultado da vergonha de falar em público na própria turma. Com efeito, este aspecto pode revelar-se mais tarde determinante para a sua vida profissional, uma vez que, ao não se sentirem à vontade para se expressar oralmente em público, poderão consequentemente demonstrar insegurança face às exigências impostas pelo mercado de trabalho, quer na defesa dos seus direitos, quer no quotidiano profissional.

Conclusão Como conclusão, podemos afirmar que o facto de o português ser para estes alunos uma língua não materna implicará, inevitavelmente, a travessia, na aprendizagem da língua, de um caminho que se bifurcará nos seguintes: ou estão motivados e, como tal, mais facilmente abertos à comunicação e aprendizagem, ou então estão desmotivados e criam-se barreiras ao uso do português enquanto língua dominante. É o que se verifica com grande parte dos alunos implicados na investigação, pois sempre que lhes é possível, quer em casa, quer mesmo na escola, recorrem ao uso de outra língua, neste caso à sua língua materna ' o crioulo. Salienta-se ainda que, mesmo na escola e em contacto com os colegas, os alunos preferem falar o crioulo, uma vez que os seus pares ' os colegas com quem normalmente convivem na escola ' também têm o crioulo como língua materna, o que significa que na escola a socialização se faz, sobretudo, entre os seus semelhantes. Será esta centralização no uso do crioulo um entrave ao contacto com os colegas lusos que têm como língua materna o português? Também por isto, os alunos poderão sentir-se ainda mais desmotivados na escola.

Os domínios eleitos pelos alunos deste estudo são a escrita e a leitura, instaurados enquanto rotinas, tidos como base de todo o processo de ensino- aprendizagem, em consonância com uma organização da sala por diferentes espaços, que lhes permitam montar verdadeiros circuitos de comunicação. A proficiência da leitura e da escrita far-se-á a par e passo, através da implementação de estratégias diversificadas, que sejam ao mesmo tempo modeladoras e abertas à criatividade. Segundo Villas-Boas (1999, p. 297), "o domínio da língua escrita parece depender em alto nível da consciência linguística e, por isso, da capacidade de processar a forma falada. Muito mais crianças do que se possa pensar nunca atingem esse nível e, por esse motivo, nunca dominam a língua escrita com confiança e prazer". E a escola? O que faz para reverter esta situação, quando os alunos exigem, a viva voz, muito mais tempo dedicado à escrita, à leitura e às apresentações orais? Surge como corolário deste estudo a necessidade de uma aprendizagem centrada no aluno, pois, tal como Niza afirma (2005, p. 159), "aprende-se depois de termos passado pelo menos uma vez, com os outros, pelas coisas, antes de podermos nomeá-las para que fiquem em nós".

É com as palavras de Perotti (2003, p. 12) que encerramos este texto, reforçando que é papel da escola transmitir "os conhecimentos e as capacidades necessárias à criança para que ela possa abrir-se ao universal sem renegar as suas raízes de identidade" e sem ter medo de enfrentar o mundo que a rodeia, não se silenciando na insegurança e nos receios.


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