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EuPTHUHu0871-91872013000100002

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variedadeEu
ano2013
fonteScielo

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Identidade sociomoral, modelos sociais e socialização dos valores

Introdução No presente artigo apresentamos um estudo sobre a identidade sociomoral do estudante, no qual procurámos compreender as suas posições face a si mesmo e ao mundo social (self e mundovisão) e relacioná-las com as variações nos contextos e experiências de vida específicos (cf. Bronfenbrenner, 1979, 1993; Elder, 1980; Smith & Bond, 1998). No estudo analisamos os valores sociomorais de estudantes do ensino superior, inferidos a partir dos seus modelos sociais da excelência (i.e., aquelas pessoas a quem se reconhece autoridade moral e com quem nos desejamos identificar), e identificamos os efeitos do sexo, do estilo educativo parental e da experiência no ensino superior sobre as variações nas escolhas dos estudantes. O modo como procurámos identificar os valores sociomorais dos estudantes relaciona-se estreitamente com a nossa perspetiva de que os valores não podem ser medidos diretamente, como se se tratasse de dados objetivos, de variáveis descontextualizáveis ou de objetos com uma consistência material mensurável (cf. Van Deth & Scarbrough, 1995).

O conceito de valor é habitualmente definido como o conjunto de crenças sobre os comportamentos, objetivos e estados desejáveis de um organismo (Feather, 1990; Feldman, 2003; Kilby, 1993; Rokeach, 1973; Van Deth & Scarbrough, 1995). De acordo com esta definição vulgarizada, os valores são crenças centrais na identidade, na organização do autoconceito e nas disposições ou traços de personalidade (Rokeach, 1973). Os valores influenciam as atitudes e as ações em relação a objetos, pessoas e situações, fornecendo os critérios para justificar opiniões, para orientar a conduta, para escolher entre possibilidades alternativas de decisões, para fazer comparações entre as pessoas e para definir as estratégias de apresentação pessoal e o envolvimento nas interações sociais (Feather, 1990, 1994; Kilby, 1993; Rokeach, 1973).

Apesar de possuírem alguma estabilidade, derivada da sua raiz desenvolvimental, os valores mudam com as experiências de vida e quando o sujeito assume novos papéis e responsabilidades sociais (Feather, 1990, 1994; Rokeach, 1973, 1979).

Em sintonia com vários investigadores, consideramos que o estudo da identidade sociomoral beneficia com uma perspetiva interacionista que tenha em conta o processo de socialização da moralidade e os vínculos afetivos de onde emergem as crenças morais (cf. Baumrind, 1992; Hogan, 1973; Mussen & Eisenberg- Berg, 1977; Youniss & Damon, 1992). Assim, no nosso estudo procurámos relacionar os padrões de moralidade adotados pelos estudantes e os estilos educativos a que foram sujeitos na infância e adolescência. O final da adolescência e a juventude são um dos períodos do ciclo de vida onde a identidade sociomoral está mais sujeita a mudanças, em particular quando os cenários sociais e os contextos de vida são, também eles, marcados pela diferença em relação a períodos de vida anteriores. É precisamente durante este período do ciclo de vida que decorre, para a maioria dos estudantes, a entrada e a frequência do ensino superior. Nesta altura, os pais e a família continuam a ter um peso significativo na gestão de vida do estudante, quer pelos vínculos afetivos, quer pelas dependências económicas. No entanto, a frequência do ensino superior vem dar espaço psicológico a novas formas de autonomia e responsabilidade pessoal, ao mesmo tempo que promove experiências culturais, intelectuais e de relacionamento interpessoal até inéditas. Importa saber, por isso, como é que estas novas experiências afetam as conceções de excelência, os valores e as atitudes do estudante.

Os estudos revistos por Pascarella e Terensini (1991) revelam que os estudantes finalistas obtêm resultados mais elevados no que respeita à orientação intelectual, cívica e sociopolítica. A democraticidade e a tolerância política, racial e social evoluem numa direção positiva. As preferências em matéria de valores e atitudes culturais, estéticas e educacionais tornam-se mais elaborados e intelectualmente mais sofisticados; a orientação intelectual e a valorização do saber tornam-se mais nítidas. As conceções acerca da igualdade de oportunidades amplificam-se e o estudante torna-se mais capaz de aceitar e defender os direitos humanos e sociais de outras pessoas e grupos e as suas próprias responsabilidades cívicas. Porém, o efeito do ensino superior sobre muitas destas evoluções é pouco claro e, na maioria dos estudos e para a maioria destas áreas, são dadas explicações alternativas, o que deixa transparecer que o poder do ensino superior, para afetar estas variações, não pode ser estudado à margem de outros contextos e condicionantes experienciais.

Para além dos aspetos educativos e familiares e do estatuto socioeconómico, o sexo é uma das variáveis mais importantes no estudo destas mudanças em geral e no estudo da moralidade e da excelência em particular, pelo que iremos também prestar atenção aos seus efeitos sobre a escolha dos modelos de excelência e a socialização dos valores em estudantes universitários.

Amostra, metodologia de recolha de dados, medidas e indicadores Os resultados foram obtidos junto a uma amostra de 860 sujeitos, maioritariamente constituída por indivíduos do sexo feminino (N = 671, o que corresponde a 78.0% da amostra total), solteiros (N = 815, correspondente a 94.4% do total), portugueses (N = 827, correspondente a 96.3%) e católicos (N = 705, correspondente a 82.0%). As idades variam entre 17 e 50 anos, com uma média de 20.9, desvio-padrão de 3.61 e mediana de 20.0, sendo o grupo etário dos 17 aos 19 anos o mais numeroso (N = 388, 45.3% do total), seguido do grupo etário dos 20 aos 22 anos (N = 266, 31.0% do total). As classes socioeconómicas média (N = 421, 49.0%) e baixa (N = 398, 46.3%) estão representadas de forma relativamente próxima, embora a maioria dos sujeitos se perceba subjetivamente como pertencente à classe média (N = 608, 70.7%) (ver a caracterização das habilitações e grupos ocupacionais dos pais e a classe social percebida no Anexo_2). A amostra inclui estudantes do ano e finalistas nos seguintes Cursos: Formação de Professores, Comunicação Social, Filosofia, Língua e Literatura, Matemática, Economia, Sociologia, Psicologia, Direito, Administração Pública e Enfermagem. Os dados foram obtidos por meio de aplicações coletivas do questionário. No presente estudo são analisados os resultados obtidos com dois grupos de questões colocadas aos estudantes a respeito dos seus modelos sociais de moralidade e excelência e respetivos atributos exemplares.

A análise dos resultados teve em conta a idade, o sexo, a experiência no ensino superior e a caracterização do estilo educativo parental dos sujeitos (ver Quadro_1.1). Pela sua relevância no presente estudo, passamos a descrever a metodologia para classificar o estilo educativo.

Integrámos no questionário uma questão (S.4, ver Quadro_1.1) sobre o estilo educativo parental. Para a conceção deste item e do seu modelo de resposta inspirámo-nos no método do diferencial semântico (Osgood, 1952, cit. em Osgood, 1953), no qual um determinado conceito (e.g., tipo de educação) é associado a um par de termos polares descritivos (e.g., boa vs. ). Ao responder a uma série padronizada de pares de termos, o sujeito indica o sentido e a intensidade da associação entre o conceito e cada um dos atributos dados e enuncia a significação do conceito em causa. A questão S.4 refere-se ao tipo de educação recebida na infância e adolescência e procura identificar o estilo educativo parental: democrático vs. autoritário/permissivo. Visto que não pretendíamos descrever um conceito simples, mas identificar a perceção de um determinado tipo de relação (estilo educativo parental), selecionámos aqueles descritores que mais frequentemente são enunciados pelas pessoas leigas e descritos na literatura como definindo o estilo democrático, o estilo permissivo e o estilo autoritário. Assim, colocámos no pólo positivo (estilo democrático) os seguintes atributos: inovador, não punitivo, atento, flexível, afetivo, democrático, justo, confiança e exigente. No pólo oposto (estilo autoritário ou permissivo) colocámos os atributos: conservador, punitivo, indiferente, rígido, não-afetivo, autoritário, injusto, controlador e negligente. Estes atributos foram alinhados em nove pares de termos opostos que permitem polarizar o estilo educativo como positivo ou negativo. A ordem dos termos positivo-negativo foi aleatorizada, apresentando-se da seguinte forma: Conservador/Inovador, Punitivo/Não Punitivo, Indiferente/Atento, Rígido/ Flexível, Não afetivo/Afetivo, Autoritário/ Democrático, Injusto/Justo, Controlador/Confiança, Negligente/Exigente.

O indicador do estilo educativo parental corresponde à média dos valores obtidos em 8 destes itens. A análise da consistência interna da escala revelou que a eliminação do item ED_NG_EX (negligente ' exigente) fazia subir o alfa de Cronbach (de .85 para .86), pelo que procedemos à sua eliminação. Para a escala, com os restantes 8 itens, a média das intercorrelações é de .43, oscilando entre o mínimo de .21 e o máximo de .60.

Para a caracterização das variáveis ‘modelos sociais de moralidade' e ‘valores sociomorais', a metodologia seguida baseia-se no pressuposto de que o julgamento moral e os sistemas de valores que lhe dão cobertura devem ser compreendidos nas suas relações com os contextos psicológicos, sociais e culturais em que a moralidade do estudante se define e se expressa. Por esta razão, optámos por não usar nenhuma medida de avaliação do julgamento moral abstrato baseada em dilemas, como é comum nas investigações da linha cognitivo- desenvolvimental. Esta metodologia é mais adequada para o estudo das posições filosóficas do sujeito do que para o estudo da sua identidade e das posições morais situadas no contexto de vida real. Em contrapartida, obtivemos os nossos indicadores através de questões diretas (ver Quadro_1). Pedimos ao estudante que pensasse na pessoa que mais admirava (um modelo a seguir, em virtude da sua vida, palavras ou ações) e que: 1.   dissesse a que categoria, de entre uma lista proposta, pertencia esse modelo; 2.   dissesse de quem se tratava; 3.   dissesse em que é que essa pessoa se destaca ou destacou; 4.   descrevesse as características que fizeram com que a tivesse escolhido.

Apesar da simplicidade das perguntas formuladas, procurámos estudar representações simbólicas complexas: por um lado, identificar a categoria a que pertence a pessoa considerada pelo sujeito como modelo sociomoral; por outro lado, averiguar a existência de uma relação de proximidade afetiva com esse modelo; por fim, inferir, a partir da caracterização desse modelo social exemplar, quais os valores sociomorais integrados no sistema de valores do sujeito. Os dois indicadores do presente estudo (modelos sociais de moralidade e valores sociomorais) basearam-se nas respostas a estas questões.

(a) Modelos sociais de moralidade. Este indicador foi obtido através da análise combinada das questões S.5.a e S.5.b (ver Quadro_1.2), que, depois de agregadas e recodificadas, permitiram a obtenção de 13 categorias distintas de modelos sociais: -    Mãe/Pai = [1]; -    Outro familiar = [2]; -    Amigo = [3]; -    Pessoa conhecida/profissional (professor...) = [4]; -    Humanitário = [5]; -    Revolucionário = [6]; -    Políticos da atualidade = [7]; -    Fundador ou líder religioso = [8]; -    Ativista = [9]; -    Escritores/filósofos/personagens históricas = [10]; -    Figuras do mundo do desporto/espetáculo = [11]; -    Eu próprio = [12]; -    Outros (Deus, ideal de pessoa, personagens fictícios...) = [13].

As categorias encontradas têm forte semelhança com as categorias identificadas no estudo de Walker, Pitts, Hennig e Matsuba (1995). Os dois sistemas de categorias distinguem-se essencialmente em dois aspetos. Em primeiro lugar, a categoria ‘Pessoas da família' de Walker et al. corresponde às nossas duas categorias ‘Mãe/Pai' e ‘Outros familiares'. Uma vez que a maioria dos sujeitos da nossa amostra estão na faixa etária da adolescência e juventude (contrariamente ao estudo de Walker et al., que, excluindo a infância, se baseou numa amostra de pessoas de todas as faixas etárias), entendemos que deveríamos criar uma categoria para os pais, discriminando-os dos restantes familiares, quer pelo facto de ser numericamente muito elevada a escolha do pai ou da mãe como exemplos de moralidade, quer pelas razões teóricas que explicam essa observação (reconhecendo a importância das figuras parentais durante esta faixa etária).

Em segundo lugar, o sistema de categorias de Walker e colegas inclui ainda a categoria dos ‘Jornalistas', inexistente no nosso sistema, e, embora seja comum a categoria ‘Ativistas', na nossa classificação acabámos por não classificar nessa categoria nenhuma das respostas obtidas, pois todos os exemplos escolhidos que poderiam ser integrados foram catalogados na categoria ‘Revolucionários', dada a sua clara atividade política (eis alguns exemplos de pessoas escolhidas pelos sujeitos da nossa amostra: Nelson Mandela, Che Guevara, Gandhi, Martin Luther King, Salgueiro Maia), razão pela qual no Quadro 2 apenas aparecem 12 categorias ' a saber: -    Mãe/Pai -    Outros familiares -    Amigos/namorados -    Professores e outros profissionais -    Revolucionários -    Escritores/Filósofos/Personagens históricos -    Artistas/Desportistas/Dirigentes -    Políticos da atualidade -    Fundador ou líder religioso -    Humanitários -    Outras categorias -    Eu próprio (b) Valores sociomorais. As características do exemplo moral escolhido (indicador obtido a partir da análise de conteúdo das respostas à questão S.5.c, ver Quadro_1.3) foram tomadas como indicador dos valores do estudante.

Supusemos que o padrão de preferências nos poderia servir de indicador dos valores sociomorais do sujeito e das suas posições hierárquicas. Sendo uma questão de resposta aberta, procedemos a uma análise de conteúdo que se traduziu numa taxionomia de 25 valores, agrupados em nove grandes domínios, tal como se pode ver na Grelha de codificação dos valores sociomorais (ver Anexo 1).

Embora a Escala de Valores de Rockech (1973) seja um dos instrumentos mais utilizados para avaliar as preferências por valores, e apesar, também, de esta escala discriminar os valores instrumentais (referidos a modos de comportamento) e os valores finais (referidos a estados finais da existência), considerámos que, no caso dos nossos objetivos, seria mais interessante obter, de um modo espontâneo, uma informação vinda do próprio estudante sobre os seus valores, tomando por base aquilo que diz sobre as qualidades de topo nas pessoas que mais admira.

Resultados: modelos de excelência Modelos de excelência: escolhas na esfera pública e na esfera privada A análise das frequências e percentagens das respostas dos estudantes, quando inquiridos sobre aquelas pessoas que consideram um modelo a seguir (ver Quadro 2), mostra que 79.9% dos sujeitos da amostra total escolheram as quatro categorias que se situam na esfera do relacionamento privado (‘Mãe/Pai' = 1; ‘Outros familiares' = 2; ‘Amigos/namorados' = 3; e ‘Professores e outros profissionais' = 4), com enorme destaque para a categoria ‘Mãe/Pai' (49.2% da amostra)]. Por sua vez, 15.6% escolheram as categorias da esfera pública. Os restantes 4.5% escolheram outras categorias (destacam-se escolhas do domínio ideal/religioso ou personagens fictícios ' anjo da guarda, Peter Pan, etc.). A correlação entre a escolha do exemplo moral e a idade é fraca [r = .02 (N = 829; p = .52)].

Modelos de excelência: efeitos do sexo Comparadas as escolhas de homens e mulheres (ver Quadro_2), encontram-se diferenças estatisticamente significativas na escolha das categorias ‘Mãe/Pai', mais valorizada pelas mulheres, e nas categorias ‘Escritores/Filósofos/ Personagens históricos', ‘Artistas/Desportistas/Dirigentes', ‘Outras categorias' e ‘Eu próprio', mais valorizadas pelos homens.

Procedemos ao teste das diferenças das escolhas dos exemplos morais na esfera privada/pública (EX_M_ESF) entre homens e mulheres, tendo encontrado uma diferença significativa [?2(2) = 57.50, p < .01] que revela existir maior propensão nos homens para fazerem escolhas na esfera pública ou em categorias atípicas de natureza mais abstrata do que nas mulheres, e que estas, pelo contrário, tendem a valorizar mais os exemplos morais do foro do relacionamento privado/familiar.

Modelos de excelência: efeitos do estilo educativo parental A escolha das categorias ‘Mãe/Pai', ‘Outros familiares' e ‘Amigos/namorados' está associada com o estilo educativo parental, verificando-se que aqueles que consideram ter recebido uma educação do estilo democrático tendem a escolher mais os pais como exemplos de moralidade do que os que consideram ter recebido uma educação de tipo autoritário ou permissivo; pelo contrário, estes tendem a escolher mais as outras duas categorias (ver Quadro_2). Não deixa de ser interessante notar que é nestas três categorias que se situa a maioria das escolhas dos sujeitos em ambos os grupos e que as percentagens são aproximadas (73.1% dos sujeitos do grupo Autoritário/Permissivo e 77.0% dos sujeitos do grupo Democrático optam por uma desta três categorias) mas as escolhas da categoria ‘Mãe/Pai' reduzem substancialmente, no caso dos estilos educativos de tipo autoritário ou permissivo, em favor das outras duas categorias.

Modelos de excelência: efeitos da experiência no ensino superior Quando comparadas as escolhas de estudantes do ano e as dos estudantes finalistas (ver Quadro_2), evidenciam-se associações com a escolha das categorias ‘Mãe/Pai' e ‘Professores e outros profissionais', sendo a primeira mais escolhida pelos estudantes do ano e a segunda pelos finalistas. Porém, uma vez que também existem correlações entre estas escolhas e a idade, optámos por efetuar uma análise multivariada da covariância (MANCOVA), tomando a experiência no ensino superior como fator e a idade como covariável. Embora o efeito multivariado para o conjunto das categorias dos exemplos morais não seja estatisticamente significativo [? = 0.98, F(12, 759) = 1.53, p = .11], os testes univariados revelaram uma diferença estatisticamente significativa entre estudantes do ano e finalistas na categoria ‘Professores e outros profissionais', mais escolhida pelos finalistas [F(1, 770) = 5.54, p < .05].

Efetuámos uma análise multivariada da covariância para o mesmo fator (experiência no ensino superior), tomando as habilitações e grupo ocupacional dos pais estandardizados (HAB_GO) como covariável. O efeito geral da experiência no ensino superior para o conjunto das categorias dos exemplos morais é estatisticamente significativo [? = 0.97, F(12, 751) = 1.85, p < .05], assim como o efeito geral da covariável [? = 0.97, F(12, 751) = 2.13, p < .01].

Os testes univariados revelaram diferenças estatisticamente significativas para as categorias ‘Mãe/Pai' [F(1, 762) = 5.07, p < .05], no sentido de esta categoria ser mais escolhida pelos estudantes do ano, e para a categoria ‘Professores e outros profissionais' [F(1, 762) = 12.37, p < .01], no sentido de ser mais escolhida por estudantes finalistas.

Estes resultados mostram que a experiência no ensino superior não afeta, por si , a escolha dos modelos, excetuando-se a categoria ‘Professores e outros profissionais'. As restantes escolhas parecem estar mais relacionadas com variáveis demográficas, como evidencia a análise dos resultados descritos.

Resultados: valores sociomorais Valores sociomorais: quadro geral Como se pode ver no Quadro_3, os atributos de excelência moral mais usados para caracterizar os modelos são (ver descrição detalhada de cada atributo no Anexo 1) a empatia (mencionada por 44.2% dos sujeitos), a integridade sociomoral (43.0%), a resistência à adversidade (42.5%), o altruísmo (26.1%) e o uso da mente (22.0%). Cada um dos restantes atributos é referido por menos de 20% dos sujeitos. Estes dados revelam que são os atributos de natureza sociomoral aqueles que mais contribuem para a avaliação da excelência dos indivíduos e para a consideração de alguém como sendo exemplar a ponto de se poder considerar um modelo sociomoral. Porém, não devemos deixar de salientar a presença de muitos atributos aparentemente estranhos ao domínio sociomoral que foram considerados pelos sujeitos relevantes para a sua escolha.

O Quadro_4 mostra as diferenças nas escolhas dos valores em função da pertença do modelo à esfera privada, pública ou outra categoria. diferenças significativas nos valores empatia, integridade, resistência, dinamismo e autocentração (mais escolhidos na esfera do privado), notoriedade, inconformismo, criatividade, comunitarismo, idealismo e heroísmo (mais escolhidos na esfera pública) e otimismo (mais escolhido quando o exemplo moral não pertence a nenhuma dessas esferas).

Valores sociomorais: efeitos do sexo Embora não haja diferenças significativas para a maioria dos atributos em função do sexo (ver Quadro_5), existem diferenças significativas para empatia e resistência à adversidade (mais valorizadas pelas mulheres) e para notoriedade, criatividade, idealismo e sucesso (mais valorizados pelos homens).

Valores sociomorais: efeitos do estilo educativo parental O estilo educativo parental afeta a escolha de alguns destes atributos: a resistência à adversidade e a autoconfiança são mais valorizadas no grupo de estilo democrático; os sujeitos com estilo educativo autoritário/permissivo escolhem mais atributos inespecíficos (ver Quadro_5).

Valores sociomorais: efeitos da experiência no ensino superior A comparação dos estudantes do ano com os finalistas revela apenas uma diferença significativa na escolha da autocentração (ver Quadro_5). A análise univariada da covariância (ANCOVA) tomando a autocentração como fator, a idade como covariável e a experiência no ensino superior como fator revela que esta tem efeito significativo [F(1, 770) = 5.93, p < .05], o que não acontece no caso da idade [F(1, 770) = 0.56, p = .45].

Embora os estudantes se tornem progressivamente menos sensíveis à proteção do outro como elemento relevante para a sua avaliação, os julgamentos não diferem significativamente nos restantes valores. Os resultados parecem indicar que o sistema de valores e preferências sociomorais na avaliação dos outros e das suas qualidades é quase imune à influência do ensino superior. Pelo contrário, os padrões de excelência e os modelos sociais que contribuem para a sua estruturação parecem ser essencialmente organizados no decorrer dos processos informais de educação e socialização.

Discussão e conclusões O estudo que descrevemos parte de uma abordagem multidimensional da moralidade e explora aspetos como os modelos sociais de excelência e a socialização dos valores sociomorais.

Modelos sociais de excelência. Os modelos sociais de excelência sociomoral são, para a grande maioria dos sujeitos, oriundos da esfera privada, sendo os pais a categoria mais destacada. Quase metade dos sujeitos da amostra escolheram a mãe ou o pai como sendo a pessoa que, por razão da sua vida, palavras ou ações, é aquela que mais admiram e consideram um modelo a seguir. Esta orientação para a esfera da família e das relações afetivas é maior nas mulheres, nos mais jovens e naqueles que beneficiaram, durante a infância e adolescência, de uma educação de tipo democrático (cujos atributos, segundo a nossa escala, incluem o ser inovadora, não punitiva, atenta, flexível, afetiva, democrática, justa e confiante).

Estes resultados corroboram outros estudos que evidenciavam a existência de uma relação estreita entre as preferências sociomorais (e a regulação da moralidade) e os processos de socialização durante a infância e adolescência.

Estes estudos salientaram, entre outros fatores, a importância dos aspetos emocionais e afetivos subjacentes aos modelos disciplinares e à indução parental (e.g., Arsenio & Lover, 1995; Baumrind,1971, cit. em Baumrind 1992; Damon, 1988; Hoffman, 2000) e permitem concluir ' o que é suportado pelos nossos resultados ' que a escolha dos exemplos morais não é exclusivamente cognitiva, nem é uma decisão baseada no raciocínio puro. Trata-se, antes, de uma preferência fortemente influenciada pelos modelos sociais com maior carga afetiva (Bandura, 1986) que se organiza no decorrer dos processos de interação do sujeito no seu ambiente sociofamiliar e afetivo.

Quando comparados os estudantes recém-chegados ao ensino superior com os finalistas, verificamos que a experiência no ensino superior afeta apenas a escolha de uma categoria, também da esfera do relacionamento privado, que é significativamente mais escolhida pelos estudantes finalistas: a dos ‘Professores e outros profissionais'. Esta categoria é substancialmente constituída por escolhas de professores ou mestres (maestro, treinador, orientador de estágio...) de uma atividade praticada pelo próprio estudante.

Este dado corrobora a ideia de que os professores, entre outros profissionais, podem assumir um papel modelador importante na organização dos valores, atitudes e orientações sociomorais dos estudantes, sobretudo se tivermos em conta que, ao longo do Curso, os estudantes se orientam cada vez mais ativamente para o mundo profissional e tendem, por isso, a valorizar mais as competências no domínio do trabalho. Em consequência, podemos conjeturar que, mesmo neste nível de ensino, os professores continuam a ser modelos sociais relevantes para a formação cívica, profissional e deontológica dos estudantes.

Valores sociomorais. Os atributos de natureza sociomoral são os que têm maior peso na classificação de um indivíduo como modelo de excelência. Na nossa taxionomia, que integra 25 valores, surgem como virtudes de topo a empatia, a integridade sociomoral, a resistência à adversidade, o altruísmo e o uso da mente. Estes resultados são congruentes com os resultados da literatura sobre as conceções culturais de excelência, da qual se depreende que estas crenças são comuns em várias culturas e que a avaliação da excelência decorre de uma visão integrada do caráter que pressupõe a simultaneidade de qualidades de ordem intelectual, moral, relacional e espiritual. Lembremos os estudos de Li (2001) e de Walker e Pitts (1998), que salientaram que qualidades tais como a diligência, a resistência às dificuldades, a capacidade de resolução de problemas práticos e a inteligência contextual, o gosto pela aprendizagem, a perseverança, a responsabilidade e a humildade são comuns nas avaliações de excelência feitas por pessoas de várias culturas. Um destes estudos (Walker & Pitts, 1998) também salientou que, para ser considerada moralmente excelente, a pessoa tem que pautar o seu comportamento por valores e princípios sólidos e equilibrar o comportamento com a empatia, a compaixão pelas outras pessoas e o respeito pela comunidade, refletindo tanto as orientações morais da comunidade como as que lhe são ditadas pela consciência. O estudo empírico sobre pessoas moralmente exemplares em vários campos de atividade também mostra que estas são qualidades de topo nos líderes, nos bons profissionais e nas pessoas que se destacam pelo ativismo social.

Podemos concluir, a partir dos resultados do nosso estudo, que os estudantes integraram uma visão cultural da excelência e da moralidade e que é a partir dela que procuram aferir os seus critérios de avaliação da excelência. Adotando as ideias de Doise (1998) sobre crenças culturais (como aquelas que se referem às representações dos direitos humanos), diríamos que as crenças e definições da excelência são uma representação coletiva ("significações institucionalizadas") idealizada da moralidade, do bem e da virtude.

No entanto, os resultados não suportam a ideia, assumida por muitos autores, de que a cultura ou o processo de desenvolvimento individual conduz ao estabelecimento de uma hierarquia de valores abstratos. Não encontrámos um perfil único, puro e abstrato do que é ser bom e excelente. Pelo contrário, verificámos que os valores sociomorais e o perfil da excelência se reorganizam em função dos papéis sociais e do domínio de atividade a que os modelos sociais estão associados (família, grupo de amigos, mundo do trabalho, ativismo social...) e também da existência ou não de uma relação de proximidade pessoal/ afetiva entre o sujeito e o seu modelo de excelência. Assim, parece que as virtudes do carácter não são percebidas como propriedades abstratas dos modelos nem são alheias às situações em que se revelam ou aos contextos em que são avaliadas.

Também verificámos que as virtudes de topo e as suas combinações num perfil de excelência variam consoante o modelo escolhido se integra nas diferentes categorias da esfera privada ou da esfera pública. Na esfera privada sobressaem os aspetos mais emotivos, afetivos e relacionais e o autocontrolo: a empatia, a integridade sociomoral, a resistência à adversidade, a autocentração e o dinamismo. Estes valores integram a empatia e a integridade sociomoral (que inclui a justiça), ou seja, as duas moralidades de que falava Gilligan (1977, 1993; Gilligan & Attanucci,1988). Por seu turno, na esfera pública sobressaem a notoriedade, o inconformismo, a criatividade, o idealismo, o comunitarismo e o heroísmo. Parece, portanto, que quando o modelo de referência é alguém que se destaca pelo papel desempenhado na comunidade são valorizados outros atributos da excelência, incluindo o ser mais racional e orientado para o futuro e para a reforma social.

Além disso, lado a lado com os valores mais facilmente conotados com a moralidade (e.g., empatia, integridade, altruísmo, respeito...), os sujeitos salientaram virtudes não morais (e.g., otimismo, notoriedade, tranquilidade, sucesso...). Concluímos, como Campbell e Christopher (1999), que não é razoável supor a existência de uma hierarquia de valores, na qual os valores morais seriam mais racionais e estariam em conflito com valores de outra natureza, mais afetivos e, supostamente, inferiores na escala de desenvolvimento moral.

Os resultados obtidos permitem-nos sublinhar a importância da afetividade na avaliação dos outros e mostram a existência de uma diferença associada ao género sexual, como tantos autores, sob a égide de Freud (1974a, 1974b) ou de Gilligan (1977, 1993; Gilligan & Attanucci, 1988), defenderam: as mulheres estão mais orientadas para a esfera da família e das relações interpessoais imediatas, os homens estão mais orientados para a cena pública; as mulheres são mais sensíveis à empatia, os homens à notoriedade e ao sucesso; as mulheres são mais sensíveis à resistência à adversidade (a combatividade no quotidiano), os homens ao idealismo e à criatividade.

De acordo com alguns modelos teóricos, estes dados podem ser interpretados como fruto de uma desigualdade primordial entre os sexos. Porém, não devemos esquecer que crenças sociais como aquelas que se relacionam com o desempenho de papéis sociais não são imunes à influência educativa, aos padrões de moralidade dos agentes educativos e às convenções culturais. Também não devemos ignorar que os conteúdos de uma cultura não são acessíveis da mesma forma a todos os seus membros, devido a restrições sociais, e que a cultura, a masculinidade e a feminilidade tecem entre si relações subliminares (Simmel, 1969) que ultrapassam os meros dispositivos biológicos de diferenciação entre os sexos.

O estilo educativo parental também afeta as escolhas de alguns valores (o estilo democrático promove mais a valorização da resistência à adversidade e a autoconfiança do que os estilos alternativos). Em contrapartida, a experiência no ensino superior afeta apenas um dos 25 valores: a autocentração, que reduz substancialmente nos estudantes finalistas ' o que reflete o progresso do estudante em direção à autonomia psicológica. Relembramos que, no âmbito da nossa taxionomia de valores, o termo autocentração se aplica quando o estudante valorizou comportamentos do seu modelo sociomoral que enunciam a sua própria necessidade de ser protegido ou apoiado no seu desenvolvimento pessoal; muitas destas respostas também se relacionam com o contributo do modelo para o bem- estar da família, sendo dadas quando o modelo é escolhido entre as pessoas da sua própria família, nomeadamente o pai ou a mãe.

Em suma, os padrões de excelência sociomoral são muito pouco influenciados pela experiência no ensino superior, ou são-no de forma difusa, sendo outros processos de socialização, particularmente os que decorrem no espaço da família, aqueles que mais afetam as crenças e valores sociomorais do estudante.

Esta conclusão requer, no entanto, um teste empírico por meio de outros estudos. Seriam particularmente relevantes estudos comparativos nos quais os estudantes do ensino superior fossem comparados com jovens que não prosseguiram para o ensino superior e a comparação entre estudantes e diplomados do ensino superior (agrupados em função do tempo de conclusão dos estudos).


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