A Agência Nacional de Educação e Formação de Adultos (ANEFA): Um marco na
europeização da agenda pública do setor
Introdução
A Resolução do Conselho de Ministros (RCM) n.º 92/98, de 25 de junho,
introduziu a ideia de que compete à educação e formação de adultos contribuir
para o imperativo nacional de integração da formação social portuguesa "na
sociedade do conhecimento globalizada", dando resposta às "mutações da vida
profissional no mundo actual", especialmente quando
largas camadas da população activa portuguesa, jovem e adulta, quer
no que se refere a níveis educativos e culturais, quer no que se
refere a níveis de qualificação profissional, coloca[m] Portugal numa
situação particularmente desfavorável, tanto em termos de coesão
social interna e de cidadania activa como de condições de
empregabilidade e competitividade (RCM n.º 92/98).
Assim, foi através desta Resolução, articulada com o Documento de Estratégia
para o Desenvolvimento da Educação de Adultos - Uma Aposta Educativa na
Participação de Todos, de 1998 (Documento de Estratégia), criado para o setor,
que se estabeleceram os termos segundo os quais se deveria criar um programa de
desenvolvimento estratégico de educação e formação de adultos, que deveria, por
sua vez, englobar o conjunto de processos de aprendizagem, formais e não
formais, combinando uma lógica de serviço público com uma lógica de programa e
propiciando o estabelecimento alargado de parcerias. Este programa foi
traduzido normativamente no Projecto de Sociedade S@ber +, Programa para o
Desenvolvimento e Expansão da Educação e Formação de Adultos, 1999-2006, de
1999 (Programa de Acção S@ber +), no qual foi concebido um conjunto diverso de
atribuições de que destacamos, pelo potencial que continham para o alargamento
do campo, especialmente: a criação, por um processo participado, de uma Agência
Nacional de Educação e Formação de Adultos; a articulação estratégica com as
autarquias, escolas, parceiros sociais e entidades privadas visando a
elaboração de planos e unidades territoriais de educação de formação de
adultos; a organização e animação de uma rede nacional de animadores locais; e
a construção experimental e gradual de um sistema de validação formal dos
saberes e competências informais.
Deste modo, para lançar e executar este projeto foi criado, pela mesma RCM, um
Grupo de Missão para o Desenvolvimento da Educação e Formação de Adultos
(GMEFA), que foi tutelado pelo Ministério da Educação e pelo Ministério do
Trabalho e da Solidariedade, tendo sido composto por funcionários de ambos os
Ministérios e coordenado por Alberto Melo. Nas palavras de Melo (2001), o GMEFA
tinha "dois grandes objectivos: criar a Agência Nacional de Educação e Formação
de Adultos (ANEFA) e colocar os alicerces de uma nova oferta, mais acessível,
flexível e adequada" (pp. 105-106). Não obstante ser possível retirar desta
RCM, como notam Lima, Afonso, e Estêvão (1999), que este projeto deveria, quer
pelo seu elevado potencial estratégico de desenvolvimento do setor, quer pela
possibilidade de participação nas várias fases de consulta e experimentação,
ter propiciado ainda a criação de "estruturas maleáveis de organização, com
soluções diversificadas e inovadoras em termos de oferta educativa e de
articulação institucional" (p. 42), na realidade houve aspetos que, tendo sido
sugeridos e contemplados no Documento de Estratégia, ficaram aquém das
expectativas aquando da redação desta RCM. De acordo com Melo (2006), "o que
aconteceu na realidade foi o tradicional processo de deitar abaixo' que
acontece sempre que se tomam decisões sobre a educação de adultos em Portugal"
(p. 182).
Construindo uma Agência, reconstruindo um setor: A agenda política nacional
para a EFA na viragem para o século XXI
Ora, foi com este enquadramento, e a partir daqui, que o Grupo de Missão
solicitou, por um lado, à Unidade de Educação de Adultos (UEA) da Universidade
do Minho (UM), a realização de um estudo "relativo à criação e organização de
uma estrutura nacional de desenvolvimento e coordenação da educação e formação
de adultos" (Lima et al., 1999, p. 9), e, por outro, ajudou o poder político a
iniciar a construção de um 3º setor autónomo ' mas complementar do sistema
escolar de cursos noturnos e das ações de formação profissional ': o sistema
EFA, tão desescolarizado quanto possível, mas capaz de assegurar a
possibilidade de certificação oficial, assim como a participação, como
entidades formadoras, de uma vasta gama de instituições (Melo, 2001, p. 106).
Surgiram assim, no ano de 1999, os frutos diretamente resultantes destas
medidas, tais como o estudo encomendado (elaborado por uma equipa de
especialistas constituída para o efeito) que foi apresentado ao Grupo de Missão
em janeiro de 1999, contemplando um vasto conjunto de propostas para a
construção de um modelo institucional para a ANEFA. Tratou-se de propostas
regidas pelos princípios de responsabilização do Estado e valorização do
domínio público, pelo princípio de descentralização e autonomia e pelo
princípio da representatividade e participação ' três elementos que
justificaram a opção pela Direção colegial, pela negociação e concertação (cf.
Lima et al., 1999, pp. 42-79).
Em abril de 1999, o Grupo de Missão apresentou então o Programa de Acção S@ber
+. Tratou-se de um plano de ação do qual, basicamente, se esperaria, embora com
moderado entusiasmo, a concretização das medidas políticas globais que, desde
sempre, têm persistido em se pautar pela ausência, no panorama do agendamento
político inerente à história portuguesa do campo da educação de adultos
(Castro, Sancho, & Guimarães, 2006). Como sublinhou Lima (2000), "este
plano de acção e a Agência Nacional podem-se tornar a última oportunidade para
preparar um período de transição para o próximo século e milénio onde,
finalmente, teríamos uma política pública intencionalmente orientada para a
constituição e desenvolvimento de um sistema de educação contínua de adultos em
Portugal" (p. 11).
Deixando claro o tipo de mandato equacionado politicamente para o futuro de um
setor que se pretendia renovado, os dois responsáveis políticos à data mais
diretamente envolvidos na criação deste subsistema em Portugal ' a Secretária
de Estado da Educação e Inovação e o Secretário de Estado do Trabalho e da
Formação ' esclareceriam, respetivamente, que "aquilo que se pede à educação e
formação de adultos, hoje em dia, é ter respostas adequadas à diversidade das
situações e poder responder a grupos-alvo prioritários" (Ana Benavente, cit. em
Melo, Matos, & Silva, 2001, p. 9), e que "o essencial do problema, em
particular na população não-jovem, é simultaneamente de qualificação
profissional e de capacitação escolar. Logo, é preciso encontrar respostas
articuladas entre o trabalho que se faz no domínio da educação ao longo da
vida, e o que se faz na formação profissional contínua" (Paulo Pedroso, cit. em
Melo et al., 2001, p. 9).
Deste modo, o Programa de Acção S@ber +, com que se veio a iniciar a agenda do
século XXI, mais do que atualizar as Propostas e os Relatórios precedentes1,
veio apresentar e disseminar uma nova conceptualização do campo que deixou, por
definição decretada oficialmente, de ser de Educação de Adultos (EA) para
passar a ser de Educação e Formação de Adultos (EFA), entendendo-se por tal "o
conjunto das intervenções que, pelo reforço e complementaridade sinérgica com
as instituições e as iniciativas em curso no domínio da educação e da formação
ao longo da vida, se destinam a elevar os níveis educativos e de qualificação
da população adulta e a promover o desenvolvimento pessoal, a cidadania activa
e a empregabilidade" (Melo et al., 2001, p. 11), tendo sido a sua estratégia e
sentido "a promoção da articulação entre os domínios da educação, formação e
emprego, através do reconhecimento dos processos de aprendizagem não formais,
nomeadamente os ligados aos contextos de trabalho" (Melo et al., 2001, p. 6).
Nesta transição conceptual, que foi apresentada como sendo o libertar da área
da EA, tutelada tradicionalmente pelo Ministério da Educação ' que se
encontraria prisioneiro de uma visão "algo incompleta ou mesmo redutora, já que
a educação de adultos' nas sociedades de hoje não pode e não deve esquecer ou
deixar de fora as questões relevantes e críticas da empregabilidade, do
emprego, do trabalho, da formação qualificante e de qualidade para todos"
(Trigo, cit. em Melo et al., 2001, p. 5) ', detetámos, efetivamente '
salvaguardando, não obstante, as várias formas segundo as quais se pode
pretender não deixar de fora as referidas questões relevantes2 ', um certo
potencial na ideia, de facto inovadora, que "tem de haver respostas integradas,
e as entidades têm de se articular: aquilo que significa avanço profissional
tem de ser também avanço em termos de educação, de formação geral da pessoa"
(Melo et al., 2001, p. 11). Mas o que nos parece de absoluta relevância
enfatizar é que se trata de um potencial que só se reverte em impacto
significativo para o campo (entenda-se para os seus atores principais:
educandos adultos e educadores, compreendendo-se aqui os vários elementos das
equipas técnicas criadas posteriormente, tais como os profissionais de
reconhecimento e os formadores) se ' e unicamente se ' as modalidades de
educação, certificáveis ou não, não se subsumirem nas modalidades certificáveis
de formação profissional e vocacional, caso em que estaríamos em condições de
assistir a uma interessante "recomposição do sector" (Rothes, 2005).
Contudo, o que nos foi dado a ver seria a "mutação deste subsistema" (Barros,
2009), já de si diminuído, em algo efetivamente novo mas que em nada viria a
contribuir para a criação de um mundo melhor, ou seja, mais justo e mais
democrático (Caride, Peres, Sanjurjo, Ortega, & Pose 2009) ' que é, afinal,
o primeiro e último desiderato, desde sempre, de uma conceção de educação de
adultos ampla e criticamente orientada (UNESCO, 1976), que, ao ser relançada,
como se prometeu em início de ciclo de governação socialista, no ano de 1996,
deveria sê-lo, desde a nossa ótica, para aprofundar esta visão, e não para a
bloquear, e isto com o propósito maior de, como defende Guimarães (2008),
"sublinhar e relevar a interdependência solidária entre as pessoas, entre os
povos, as sociedades, na relação entre o global e o local, e na eco-esfera no
seu todo" (p. 16).
Itinerários do lançamento de uma nova oferta educativa pública
Objetivamente, o Programa de Acção S@ber + apresentou um conjunto diverso de
finalidades e objetivos que enformaram a base dos princípios gerais para as
ações que coube à ANEFA executar. Estas ações foram estruturadas segundo três
eixos de intervenção, designadamente: a motivação das pessoas adultas para a
procura; a oferta adequada, flexível e diversificada de educação e formação,
por parte das entidades formadoras; e a formação de agentes. Ora, tendo-se
apresentado formalmente como estando inscritas "no quadro da filosofia de cariz
humanista" (Melo et al., 2001, p. 15), veio a ser paradoxal constatar a
significativa valorização implícita de uma lógica de mercado que se traduziu na
promoção de atividades destinadas a motivar uma procura para satisfazer uma
oferta. Assim, no âmbito do primeiro eixo de intervenção, dirigido ao aumento
da procura, a aposta foi feita numa forte e constante campanha de comunicação e
na criação e apoio aos Clubes S@ber + (cf. Melo et al., 2001, pp. 29-32).
Afigura-se fundamental, neste ponto, assinalar que estes Clubes, que foram
pensados como "espaços de convívio, acolhimento, informação e orientação de
adultos" (Melo et al., 2001, p. 30), parecem-nos ter sido, no panorama geral
deste Programa, o coração de um sistema EFA com possibilidades, a partir daqui,
de escapar a uma mera instrumentalização do setor para benefício da economia.
No segundo eixo de intervenção, que pretendeu diversificar a oferta, a aposta
veio a ser maioritariamente orientada para a consolidação de um novo sistema
EFA de estrutura modelar centrado no reconhecimento, validação e certificação
dos resultados da autoformação da população adulta, priorizando-se a criação
das estruturas necessárias para permitir que os adquiridos informais fossem
alvo de uma "análise rigorosa e reconhecimento formal, traduzidos numa
validação oficial: creditação (outorga de créditos) com equivalência, parcial
(dispensa de uma certa parte do percurso de formação) ou total (certificação,
obtenção imediata de diploma oficial)" (Melo et al., 2001, p. 33).
Por fim, o terceiro eixo de intervenção visou investir na "formação dos
diferentes tipos de profissionais que serão responsáveis pela concretização do
presente programa" (Melo et al., 2001, p. 39), agrupados em quatro categorias
principais: organizadores locais; avaliadores de competências-chave;
formadores; e responsáveis de Clubes S@ber +. Nestes termos, previu-se, para a
implementação (entre 1999-2006) do Programa de Acção S@ber +, um papel-chave a
desempenhar pela ANEFA (cf. Melo et al., 2001, pp. 13-15), quer no incremento
alargado de diversas parcerias com o terceiro setor, quer na promoção de
múltiplas articulações com sistemas já existentes, tais como o sistema de
formação profissional, o sistema escolar e o sistema nacional de certificação.
Foi deste modo que nasceu, finalmente, no panorama português, nas palavras de
Antunes (2011a), "um esforço de criação de um sistema e uma política públicos,
globais e integrados de educação e formação de adultos como projeto de
sociedade" (p. 37), e que surgiu, no seu âmbito, uma Agência Nacional
específica para este setor educacional. A ANEFA foi então criada, em setembro
de 1999 (pelo Decreto-Lei n.º 387/99, de 28 de setembro), como instituto
público dotado de personalidade jurídica, com autonomia científica, técnica e
administrativa, e sob a tutela e superintendência dos Ministérios da Educação e
do Trabalho e da Solidariedade. Nos termos deste articulado, a ANEFA, que foi
colocada em regime de instalação por dois anos3, seria "concebida como
estrutura de competência ao nível da concepção de metodologias de intervenção,
da promoção de programas e projectos e do apoio a iniciativas da sociedade
civil, no domínio da educação e formação de adultos, e ainda da construção
gradual de um sistema de reconhecimento e validação das aprendizagens informais
dos adultos" (cf. Decreto-Lei n.º 387/99). Nesta linha de entendimento, foi-lhe
imputado um conjunto de oito atribuições destinadas a expandir o setor, de
entre as quais destacamos: a de celebrar contratos-programa com outras
entidades públicas e privadas, investindo também na formalização de parcerias
territoriais; a de construir um sistema de reconhecimento dos adquiridos da
população adulta, visando a certificação escolar e profissional; e a de
motivar, informar e aconselhar as pessoas adultas relativamente à possibilidade
e oportunidade da aprendizagem ao longo da vida.
No essencial, foram estas, portanto, as ações e medidas políticas com
significado para o campo da ' desde então publicamente designada ' educação e
formação de adultos' que tiveram lugar em Portugal na primeira legislatura,
iniciada em 1996, do Governo socialista, que, em outubro de 1999, seria
reeleito, dando lugar ao XIV Governo Constitucional. O seu Programa de Governo
reassumiu, assim, sem surpresas, as principais linhas de intervenção já
iniciadas, tendo-se orientado a ação governativa por duas grandes apostas
transversais: a sociedade da informação e do conhecimento e a igualdade de
oportunidades. No âmbito das políticas sociais, a educação, formação e emprego
reemergiriam como os eixos estruturantes da agenda política nacional para a
educação, encarada como "absolutamente necessária para que possamos disputar a
batalha da produtividade e da qualificação do emprego" (Programa do XIV
Governo, 2000, p. 22), podendo-se encontrar, neste âmbito da atuação política,
como uma das prioridades "o desenvolvimento da educação e formação de adultos"
(p. 25), perspetivada como um elemento fundamental para "operar no terreno um
conjunto de grandes transformações" (p. 28).
Pretendeu-se que estas grandes transformações fossem provocadas por doze
propostas de ação, de que destacamos: o mandato atribuído à ANEFA no sentido de
desenvolver um trabalho conjunto de promoção da educação e formação ao longo da
vida, contribuindo para reformar o ensino recorrente; a meta de qualificar os
trabalhadores portugueses de todas as gerações, formando, a partir de 2002,
pelo menos 10% da força de trabalho em cada ano; o objetivo de promover a
obtenção da escolaridade obrigatória nos cidadãos adultos através de
modalidades que permitam essa certificação; e a intenção de alterar as regras
de cofinanciamento da formação, promovendo a qualidade das ações e a
estabilidade das instituições que a desenvolvem, novas oportunidades de acesso
individual à formação e uma maior descentralização na tomada de decisão. Ora,
durante a governação socialista, tornou-se, pois, particularmente visível a
emergência de um hibridismo ambivalente nas orientações da política educativa
para este subsistema, que, também aqui, combinou, como sustentam Teodoro e
Aníbal (2006) para a educação em geral, "discursos de pendor construtivista
numa perspectiva crítica com discursos apologistas de eficiência social que
submete a utilidade da educação à produtividade económica" (p. 15).
Foi com este enquadramento de fundo, e para dar prossecução a este mandato já
implícito nas suas atribuições, que foram criadas, no âmbito da Comissão
Instaladora da ANEFA, quatro equipas de projeto, designadamente: a equipa de
projeto de reconhecimento e validação de competências (Despacho Conjunto n.º
1092/2000, de 24 de novembro - DR n.º 272, II Série); a equipa de projeto de
oferta de educação e formação de adultos e de sistema de educação e formação de
adultos à distância (Despacho Conjunto n.º 1112/2000, de 29 de novembro - DR
n.º 276, II Série); a equipa de projeto de gestão administrativa e financeira
(Despacho Conjunto n.º 1113/2000, de 29 de novembro - DR n.º 276, II Série); e
a equipa de projeto de produção e gestão da informação e do conhecimento
(Despacho Conjunto n.º 1114/2000, de 29 de novembro - DR n.º 276, II Série).
Assim, tanto o ano de 2000 como o ano de 2001 foram marcados, sobretudo, pela
entrada em cena do funcionamento da ANEFA, o que, segundo Santos Silva (2002),
representou "um passo qualitativo fundamental na reorganização da oferta
pública numa matéria tão decisiva para o nosso futuro quanto a qualificação da
nossa população activa" (p. 67). Deste modo, seriam promovidas atividades
destinadas, no essencial, a ir ao encontro da situação educacional da população
ativa mediante a "criação de soluções flexíveis que articulem a educação e a
formação, através de percursos organizados, a partir de processos de
reconhecimento e validação de saberes adquiridos e de sistemas modulares de
formação" (ANEFA, 2001c, p. 29).
A par do Ensino Recorrente de Adultos (ERA), Básico e Secundário, e da Educação
Extra-Escolar (EEE), presentes no panorama português desde a Lei de Bases do
Sistema Educativo de 1986 (LBSE - Lei n.º 46/86, de 14 de outubro. Esta Lei
veio a sofrer duas alterações: a primeira em 1997 e a segunda em 2005), a
estruturação da nova oferta de EFA compreendeu, neste período, as seguintes
modalidades: uma oferta de Cursos de Educação e Formação de Adultos (cursos
EFA); uma oferta de Ações S@ber +; e uma oferta de Reconhecimento, Validação e
Certificação de Competências (RVCC) ' pelo que, como resultado das políticas
públicas efetivadas pela ANEFA, se veio a constatar um real alargamento da rede
nacional afeta ao setor e, portanto, antes de mais, uma expansão da
diversificação da oferta, apesar da excessiva concentração de esforços apenas
numa parcela da população adulta: a população ativa.
Ora, sinteticamente, podem-se destacar algumas das principais diacríticas de
cada uma destas novas possibilidades referentes ao sistema EFA. Assim, no
respeitante à oferta de cursos EFA, o que sobressaiu, desde o início, como mais
característico e inovador foi a sua conceção numa lógica de dupla certificação
(escolar e profissional) a partir de um modelo, que se quis integrado, baseado
num referencial de competências-chave (RCC) e assente no princípio transversal
de iniciar cada curso EFA com base num reconhecimento e validação das
competências (RVC) adquiridas previamente por cada adulto/formando. Tratou-se,
no essencial, de procurar instituir um novo ponto de partida para os processos
pedagógicos que envolviam os adultos, ambicionando-se superar "a dupla herança"
(cf. Canário, cit. em ANEFA, 2002c, p. 50) que tem vindo a caracterizar a
história recente da EA em Portugal, nomeadamente a da vertente escolarizante,
que persistiu no ensino recorrente de adultos, e a da vertente da formação
profissional, tendente a reproduzir uma perspetiva funcionalista da relação
entre a formação e o trabalho. De acordo com Canário (cit. em ANEFA, 2002c),
"estas duas tradições situam-se nos antípodas de uma formação que se pretende
baseada na centralidade do sujeito que aprende, a partir do reconhecimento e
validação de adquiridos experienciais e tendo como referência não uma listagem
de conteúdos, mas sim um conjunto alargado de competências a construir" (p.
50). Neste sentido, toda a conceção curricular destes cursos, inovadora no
setor, envolveu, e ainda envolve, um sistema modular criado "numa perspectiva
de individualização e diferenciação dos trajectos de educação-formação,
incluindo componentes integradas de formação profissionalizante e de formação
de base que possibilitem a obtenção de uma certificação única" (ANEFA, 2002a,
pp. 7-8) num dos três níveis básicos de certificação4 com que o projeto-piloto
dos cursos EFA começaria por ser implementado no contexto português, vindo,
depois de 2007, a estender-se ao nível secundário.
É de referir que o balanço público, resultante da análise dos primeiros 13
Cursos EFA em observação, foi apresentado, em 2002, como globalmente positivo,
encorajando "o alargamento e consolidação progressivos deste novo tipo de
oferta educativa, dirigido a públicos adultos não escolarizados ou cuja
escolarização não cobre a educação básica obrigatória" (Canário, cit. em ANEFA,
2002c, p. 49). No que concerne à administração central desta nova oferta, há
que destacar a adoção de um modelo que, de acordo com Trigo (2002b), "faz um
convite e um apelo a todas as organizações da sociedade civil, acreditadas pelo
INOFOR (Instituto para a Inovação na Formação), para desenvolverem cursos EFA"
(p. 116) ' o que neste âmbito representou, sobretudo, a indução clara de novas
formas de governação educacional no setor.
No que respeita, por seu turno, à oferta de Ações S@ber +, o que sobressaiu,
desde o princípio, como mais característico, aqui, foi a estrutura destas ações
de formação de curta duração, que foram concebidas, inicialmente, para abranger
um vasto leque de domínios possíveis de formação, permitindo aos adultos
usufruir de um ou mais módulos (de 50 horas cada) diferenciados entre si, por
serem: ou de iniciação, ou de aprofundamento, ou de consolidação de
conhecimentos (cf. ANEFA, 2001c, p. 31). A sua criação foi pensada como suporte
às restantes ofertas, para atingir o objetivo de "desenvolver ou reforçar
competências em domínios profissionais, escolares e pessoais" (ANEFA, 2001b, p.
45; 2002b, p. 37), cumprindo a estratégia geral afeta à criação do novo sistema
EFA, designadamente: "promover a aprendizagem ao longo da vida, contribuindo
para uma resposta eficaz às exigências da terciarização e do desenvolvimento
económico" (ANEFA, 2001b, p. 45; 2002b, p. 37).
Por fim, no que diz respeito, por sua vez, à oferta de RVCC, o que sobressaiu
desde a origem como mais característico foi, desde logo, o seu enquadramento
numa estratégica que passou por assumir que "existe em Portugal uma
subcertificação" (ANEFA, 2001c, p. 39), sendo por esta via justificada a
criação de "duas grandes áreas de intervenção ( ) [para] ser dada a
oportunidade a todos os cidadãos e, em particular, aos menos escolarizados e
aos activos empregados e desempregados de verem reconhecidas e certificadas as
competências e conhecimentos que, nos mais variados contextos, foram adquirindo
ao longo do seu percurso de vida" (ANEFA, 2001b, p. 21). Tratou-se, pois, por
um lado, da arquitetação do sistema de RVCC, e, por outro lado, da construção,
gradual, de uma rede de Centros de RVCC (reconvertidos em Centros Novas
Oportunidades desde 2006). Assim, segundo Santos Silva (2002), competiria à
ANEFA mobilizar-se extensivamente nesta matéria para intervir com base no
princípio de que "é possível e necessário valorizar a experiência e as
capacidades profissionais, além de pessoais e cívicas, dos adultos para
melhorar também o seu nível educacional" (p. 73).
Foram, deste modo, prioridades da ANEFA, entre 1999 e 2002, desenvolver o
essencial dos processos metodológicos inerentes ao sistema de RVCC,
nomeadamente no que respeita: às bases do modelo de organização e intervenção
inerente ao processo de RVCC; aos materiais específicos de apoio ao
desenvolvimento estrutural e organizacional das práticas (exemplo dos kits para
o processo de RVCC); aos diversos instrumentos diretos de apoio para os
profissionais de RVCC e para os adultos em processo; aos dispositivos indiretos
de apoio para uma documentação técnica/pedagógica adequada a todos os
intervenientes no processo de RVCC; ou, ainda, à compilação e divulgação de
materiais de suporte teórico ao processo de balanço de competências e à
construção do dossier pessoal (ou portefólio) dos adultos (cf. ANEFA, 2001b,
pp. 21-38; 2002b, pp. 19-23). A sua atividade neste domínio passou,
concomitantemente, por estabilizar os procedimentos relativos: ao registo
nacional de avaliadores externos; à definição da gestão técnico-pedagógica5 dos
Centros com oferta de RVCC; e à acreditação de entidades potenciais promotoras
de novos Centros de RVCC. Tudo isto foi feito com vista a conduzir,
progressivamente, à consolidação futura do funcionamento nacional dos Centros
de RVCC, que se pretendeu, alegadamente, em rede e numa lógica de parcerias.
De sublinhar é o facto que, inscrevendo-se esta oferta, em particular, numa
linha de enfrentamento do problema da subcertificação, as orientações de
política educativa teceram-se, talvez aqui de modo mais vincado, segundo linhas
híbridas em que, reconhecendo-se o potencial do processo de RVCC para a
"construção de oportunidades e percursos de formação congruentes com os
trajectos e as aquisições passadas dos formandos" (Santos Silva, 2002, p. 142),
se admitiria a necessidade de evitar que esta oferta se transformasse numa
"atribuição administrativa de títulos escolares" (Santos Silva, 2002, p. 142),
ao mesmo tempo que se redefiniriam as metas físicas (sempre irrealistas e
exageradas) que cada Centro de RVCC teria de cumprir, em termos de
certificação, para tornar este investimento eficaz no objetivo de contribuir
para "recuperar, tão depressa quanto possível, o atraso acumulado" (Santos
Silva, 2002, p. 141). Posto isto, ficam assim, no essencial, mapeadas as opções
que sustentaram a estruturação nacional da nova oferta pública de EFA.
A governação pluriescalar do setor: O nível nacional
Ora, ainda neste âmbito, e embora não tendo feito parte do núcleo central de
atenção da ANEFA ' de que fizeram também parte o lançamento de várias edições,
publicações periódicas e materiais de informação e divulgação ', merecem-nos
ainda uma referência especial duas intervenções, sobretudo por terem
representado, segundo o nosso entendimento, duas tentativas concretas de
expandir, numa lógica mais abrangente e democratizante do que aquela que se
tornaria dominante, a nova oferta geral de EFA criada. Foram duas iniciativas
com carácter muito mais efémero do que as anteriores (e que aqui desejamos
propositadamente visibilizar), nomeadamente: a conceção de um quadro de
referência para a criação futura da então prevista rede de Clubes S@ber +; e a
realização das edições do Concurso Nacional S@ber +. Desta forma, se a primeira
iniciativa pretendia investir na disseminação de espaços de convívio,
acolhimento, informação e aconselhamento dos adultos, visando estimular, pela
lógica de proximidade e informalidade, a sua participação em atividades de
natureza educativa e cultural (cf. Melo, 2001), a segunda, de acordo com
Alberto Melo, que presidiu aos concursos, afigurava-se como um concurso
verdadeiramente estratégico com potencial para ativar ações complementares para
um desenvolvimento pleno e alargado do setor, na medida em que
para além do conhecer e reconhecer, para lá do premiar e divulgar, é
um facto que através desta actividade tem sido possível levar o nome,
o programa e a maneira de estar' da ANEFA a um sem número de
localidades e de entidades, que descobrem enfim o tão desejado
interlocutor dentro do aparelho de Estado, para as matérias de
educação de adultos [sendo igualmente importante que] reciprocamente,
por parte da Agência Nacional, foi a descoberta do muito e do bom
trabalho que se tem feito por esse país fora, a partir, muitas vezes,
de organizações que se desconheciam ou de que não se suspeitava
sequer que pudessem dedicar-se a actividades de natureza educativa
com públicos adultos (Melo, cit. em ANEFA, 2001a, pp. 7-8)
O que releva daqui é essencialmente a base do nosso argumento que encontra
contradições profundas entre os princípios mais humanistas, declarados na parte
retórica dos discursos oficiais das políticas públicas recentes para o setor, e
a sua parte programática, que, ao invés, desinveste precisamente nas
intervenções com maior potencial emancipador. Por outras palavras, se era, de
facto, numa política construtivista e humanista de EFA que se queria investir,
então, entre outras e desde uma perspetiva crítica, estas duas linhas de
intervenção prevista da ANEFA, que agora referenciamos, seriam forçosamente um
eixo prioritário a desenvolver, na medida em que representavam uma via
facilitadora de articulação e integração entre os pressupostos do mundo da
educação e os pressupostos do mundo da formação.
Ora, se a este definhamento de linhas promissoras inicialmente previstas no
âmbito do Programa de Acção S@ber + (já recomendadas, inclusive, pelas
Propostas e Relatórios que o precederam) como parte das atribuições de uma
"ANEFA imaginada" (cf. Lima, 2001, pp. 55-56) juntarmos os retrocessos já
substantivamente visíveis na "ANEFA decretada" (Decreto-Lei n.º 387/99, de 28
de setembro), que se agudizariam na ação da "ANEFA materializada" ' que, tendo
sido criada em regime de instalação, foi extinta (Despacho 21974/2002, de 25 de
setembro, e Decreto-Lei n.º 208/2002, de 17 de outubro) ainda antes de ter sido
efetivamente instalada ', então a disseminada retórica de desenvolvimento e
expansão do campo da EFA pelo novo sistema EFA transformar-se-á, afinal (por
via de uma análise crítica de desocultação), num mero mecanismo de legitimação
de um novo tipo de produção de políticas sociais, que compreenderiam o setor,
próprias de um Estado ainda profundamente heterogéneo (Sousa Santos, 1993), que
atribuiu sobretudo um mandato económico às políticas educacionais.
Neste âmbito, o uso do conceito de governação pluriescalar' (Barros, 2009)
pretende captar as lógicas ambivalentes com que se jogam hoje interesses
múltiplos e transnacionais na decisão política em educação. É uma categoria
teórica para apreender as complexas dimensões da governação em contexto de
globalização político-económica neoliberal, particularmente em contexto europeu
e desde a Agenda de Lisboa, privilegiando uma abordagem sociológica que
entrecruza os diversos níveis analíticos (mega, macro, meso e micro). Pretende-
se, com este contributo, que as várias escalas inter-relacionadas
de governação da nova EFA (supranacional, nacional e subnacional) e os
respetivos atores institucionais principais fiquem melhor evidenciados.
De acordo com Roger Dale (2005), a governação da educação é, na atualidade, um
assunto pluriescalar quer porque "potencialmente tem lugar em várias escalas, e
não apenas ao nível do Estado-nação" (p. 63), quer porque "não é internacional,
com as suas implicações de múltiplas localizações (tipicamente Estados-nação)
na mesma escala" (p. 63). Nas palavras deste autor,
O que estamos agora a testemunhar é não apenas um desvio do Estado,
que assume a responsabilidade directa por todas as actividades, e da
própria regra para o Estado que determina quem assumirá a
responsabilidade por elas, mas que as combinações à escala nacional
de actividades [financiamento, posse, fornecimento e regulação] e
instituições [Estado, Mercado, Comunidade e Família] de governação
têm de ser aumentadas pelo reconhecimento de que, potencialmente,
qualquer uma ou todas estas actividades podem também ser geridas a
uma escala diferente [supranacional, nacional e subnacional] (Dale,
2005, p. 63).
Neste texto discutimos alguns aspetos mais relacionados com o nível nacional
desta matriz de governação educacional pluriescalar, emergente no nosso
contexto em 1999 e hoje claramente consolidada, que, sustentamos, teve na ANEFA
um ator institucional estratégico ímpar.
Deste modo, o Estado português democrático ' que, a nosso ver, apresenta
características híbridas de Estado semiprovidência e de Estado semineoliberal
', veio, pois, a desenvolver uma agenda política educacional também ela
profundamente ambivalente. À nova EFA foi sobretudo conferido um mandato
económico ' que, de resto, se explicita, num primeiro momento, ao nível de um
agendamento desta área por via dos compromissos assumidos pelo Estado a nível
supranacional, intercetando depois, num segundo momento, a nível da tomada de
decisão política nacional, as prioridades políticas conjunturais com as
recomendações nacionais de comissões e grupos de trabalho (de resto, neste
domínio, entusiasticamente, e ciclicamente, criados para o efeito), indo-se
desembocar num terceiro momento de desvinculação tácita dos processos
desencadeados no momento precedente, em que se dá, no decurso da execução, uma
inflexão profunda das orientações públicas concertadas na fase intermédia deste
novo modo reescalonado de governação educacional, agora operante.
Trata-se, a nosso ver, de um novo processo de índole transnacional de
elaboração de políticas públicas educacionais, que já foi designado também de
"governação sem governo" (Rosenau & Czempiel, 1992), que emerge em Portugal
coincidentemente com o novo ciclo de governação socialista (do XIII e XIV
Governos Constitucionais) e que, para este subsistema em particular, teve na
ANEFA a nova instituição de sustentação a nível nacional. É nesse sentido,
parece-nos, que o seu papel na governação pluriescalar da nova EFA pode ser
interpretado como uma porta giratória que (des)ligou os interesses de entidades
supranacionais (tais como a EU, a OCDE, o BM, ou os industriais europeus) dos
interesses de entidades subnacionais (materializadas na rede de novas entidades
promotoras de EFA). Ou seja, a montante e a jusante das realizações efetivas
resultantes do seu, curto mas decisivo, período de existência.
Assim, não estando em causa o seu evidente potencial de intervenção para fazer
surgir novas paisagens educativas num campo educacional excessivamente
afunilado no contexto português (Lima, 2005; Barros, 2011a; Guimarães, 2011), o
que sobressaiu da sua missão mais geral envolveu, de um lado, um contributo
efetivo para reestruturar o modelo de regulação social ajudando a implementar
uma redefinição dos papéis do Estado, agora cada vez mais regulador e
articulador, do Mercado, renovado num quase-mercado, e da sociedade civil,
transfigurada num terceiro setor de parceiros sociais (Antunes, 2011b). Isto é,
operando, a montante, através de um papel ativo de introdução de novas formas
de governação educacional a nível nacional, que potenciou a rápida admissão, no
campo, de novas combinações institucionais, assentes maioritariamente em
contratos-programa, mas também na figura do partenariado e, sobretudo, num
notório investimento para criar uma miríade de entidades promotoras como
elementos estratégicos de uma nova ordenação dos processos e das relações
sociais para a educação e formação de adultos.
De outro lado, sobreleva também como parte integrante da sua missão, mais vasta
e geral, o contributo efetivo que foi dado para a prossecução interna de metas
e objetivos definidos transnacionalmente (com destaque para as linhas de ação
baseadas nos indicadores produzidos pela OCDE e pela UE, periodicamente
publicados), que, para o presente caso, representam sinais da emergência de uma
nova ordem educacional mundial, mais significativa, porém, para o contexto
português na sua vertente de europeização das políticas educativas nacionais
para o subsistema da educação de adultos. Ou seja, operando, a jusante, através
de um papel ativo de prolongamento de novas formas de governação educacional
situadas a nível supranacional, que abriram caminho para a plena introdução, na
agenda política, de um novo domínio-tríplice que inter-relaciona educação,
formação e empregabilidade, e de uma nova lógica de fazer políticas públicas,
protagonizada pela União Europeia e particularmente assente no novo método
aberto de coordenação (MAC), que, produzindo instrumentos comuns de governação
para o espaço europeu, parece ter contribuído decisivamente, e discretamente,
para a emergência de um novo sistema político de múltiplos níveis (Pierson
& Leibfried, 1995).
Defendemos, portanto, que se operou em Portugal, durante a segunda década de
integração europeia (entre 1996 e 2006), e deste modo politicamente inovador e
complexo, uma verdadeira viragem no campo da, tradicionalmente conceptualizada,
EA. Uma viragem que tem vindo a estar profundamente inscrita numa ampla e
silenciosa revolução política que, ao contrário do que se afirma publicamente
através dos circuitos e produtos das instâncias internacionais dominantes
(Comissão Europeia, 2000), tem sido vivamente e principalmente ideológica (com
o neoliberalismo a representar a força motriz deste processo).
Parece-nos, neste sentido, que a ANEFA desempenhou um macro papel-chave no
arranque nacional, em 1999, da governação pluriescalar da nova EFA, que desde
2006 e a Iniciativa Novas Oportunidades opera consolidadamente no setor. Neste
processo, não foi indiferente, quanto a nós, o facto, sublinhado por Melo,
Lima, e Almeida (2002), de a ANEFA parecer ' observando-se o seu desempenho '
ter sido "concebida como uma estrutura de mediação, e nalguns casos, talvez de
regulação, de iniciativas que relevam de intervenções dos domínios da educação
e do trabalho, e da formação profissional" (p. 118). Por outras palavras, este
seu "papel de indutora indirecta" (Melo et al., 2002, p. 120) parece-nos ter
sido, inclusivamente, funcional a um processo político de natureza nova,
transnacional mas ainda emergente (e nesta fase ainda pouco percetível), de
transformação das políticas públicas setoriais de educação ' aliás, desde
sempre fragmentadas para o campo da educação de adultos nacional ' em algo
substantivamente diverso: as novas estratégias de planeamento para a educação e
formação de adultos, que poderia ser, supomos, mais logicamente (ou pelo menos
mais transparentemente) qualificado de processo pluriescalar de criação de
políticas de emprego e formação de ativos (um outro possível entendimento para
as políticas de EFA').
Argumentamos, pois, que, como elemento propiciador do arranque nacional da
governação pluriescalar da nova EFA, tanto para o nível subnacional (que
envolve as entidades promotoras do terceiro setor e as equipas técnicas) como
para o nível supranacional (que envolve as instâncias internacionais e os seus
instrumentos de financiamento) da sua escala de organização, a atuação da ANEFA
foi fundamental. Em especial, as marcas sociopolíticas deixadas na formação
social portuguesa pela sua clara e assumida pretensão de instituir um novo
contrato social em torno do setor (Trigo, 2002a) revelar-se-iam ser, não só
estratégicas para os desenvolvimentos subsequentes a nível da consolidação de
uma nova lógica nas modalidades de provisão educativa para adultos
(reformulando as próprias atividades de governação educacional), como,
inclusive, permitiriam, igualmente, legitimar uma mais vasta reformulação do
papel do Estado de bem-estar (cada vez mais mitigado) na área da produção das
políticas sociais (Barros, 2012). Tudo isto, através da celebração de uma nova
retórica, tornada hegemónica a nível nacional pelas várias tutelas
institucionais da nova EFA6, em torno da ideia da participação alargada dos
parceiros sociais na decisão política ' uma ideia que, de resto, o modelo do
partenariado social parece facilmente contribuir para validar e expandir a
nível discursivo (Marques, 1994).
Ora, sendo Portugal um país da semiperiferia europeia caracterizado, no
essencial, por deter um Estado forte e centralizado, um mercado fraco e díspar,
e uma sociedade civil simultaneamente forte na provisão social compensatória e
fraca na sua organização cívico-política reivindicativa, a nova combinação
organizacional assente na figura do partenariado, avançado como sinónimo de
participação (cf. Antunes, 1998), seria, na nossa ótica, construída com uma
dupla finalidade em que se observam os mecanismos e a nova divisão funcional e
escalar do trabalho da governação educativa neste setor: por um lado, a
finalidade de legitimar no sistema político os projetos centrais, neste caso de
índole educacional, mediante a sua (pretensamente democrática) assunção por
parte de organizações e instituições periféricas da sociedade civil; e, por
outro lado, a finalidade de contribuir para substituir a conflitualidade de
interesses plurais por uma negociação cooperante, neste sentido habilitando-nos
a compreender os motivos pelos quais "o partenariado socioeducativo surge como
uma estratégia (instrumento) de cooperação numa perspectiva sistémica de
relação sistema educativo/sistema económico e social" (Marques, 1994, p. 50).
Deste modo, o partenariado foi, em boa medida, imposto por iniciativa do
próprio poder estatal e, de acordo com Antunes (2001), "como forma de promover
intervenções capazes de superar alguns impasses e obstáculos e de promover
formas de actuação congruentes com condições e objectivos valorizados" (p.
183).
Desde a nossa perspetiva, os novos atores e entidades (que agora participam
legitimamente neste processo de governação como coordenação da coordenação) têm
vindo a contribuir, sobretudo, para uma redistribuição de responsabilidades na
elaboração de políticas públicas educacionais, permitindo, indiretamente,
redirecionar os termos segundo os quais se conferiu uma nova ênfase à EFA, como
ilustra a forma como foi assumida a importância deste subsistema no âmbito do
Acordo de Concertação sobre Política de Emprego, Mercado de Trabalho, Educação
e Formação assinado em 2001, em que se estabeleceram diversas medidas de
incremento da EFA, tais como a consolidação da oferta de cursos EFA, da oferta
de RVCC e da oferta de formação contínua de ativos empregados com mínimos
obrigatórios de frequência anual de formação, constituindo um conjunto de
medidas entendidas, na essência, como contributos para um esforço de promoção
da escolarização e formação profissional, bem como da qualidade de emprego e da
aceitação de políticas sociais ativas (cf. Conselho Económico e Social, 2001).
Considerações finais
O tipo de interpretação que ao longo deste texto propusemos para o papel da
ANEFA, no âmbito do arranque nacional da governação pluriescalar da nova EFA,
pode servir de ilustração para o que Licínio Lima (1997, p. 53) identificou
como um movimento intermitente de recentralização/ /descentralização e de
regulação/desregulação que surgem como formas de concentrar e controlar
centralizadamente os poderes de decisão e de escolha política e de,
simultaneamente, descentralizar em termos meramente funcionais decisões de tipo
predominantemente instrumental e operacional nos níveis periféricos.
De facto, seria esta a lógica que caracterizaria, desde então, a nova forma de
governação educacional do setor que, a nível nacional, assentou na ideia
estruturante de que o papel do Estado na modernização do país consistiria,
sobretudo, em promover a criação de "operadores estratégicos de formação" (cf.
Mesquita, 2000). Assim, o Estado capitalista democrático português assumiu-se,
embora seguindo, como referimos, linhas de orientação ideológica híbridas entre
um padrão humanista e um padrão neoliberal, como Estado articulador de uma
crescente rede de entidades promotoras de EFA ' na época aqui considerada,
criadas por mediação da ANEFA, numa fórmula política compósita em que coube ao
Estado a regulação7 e o financiamento8 da oferta de EFA e à nova rede de
promotores (públicos e privados) a propriedade9 e o fornecimento10 dessa mesma
oferta. Foram estas as instituições de coordenação social, para o nível
nacional, mais particularmente envolvidas em cada uma destas quatro atividades
de governação educacional (Dale, 2005) de uma nova ordem educacional emergente,
que foi o resultado direto do envolvimento ativo do Estado, aqui analisado por
via do seu empenho na construção de um subsistema não formal de EFA.
Assim, as tensões próprias dos Estados capitalistas democráticos (Offe, 1984)
parecem ter sido confrontadas pelo Estado semiperiférico português segundo uma
agenda contraditória que, de um lado, encarou e assumiu a necessidade de
relançar e expandir um campo educativo excessivamente afunilado e, de outro
lado, anuiu na prioridade à competitividade nacional e aos requisitos
necessários à adoção europeia de um novo modelo de desenvolvimento económico
assente na indústria da informação e do conhecimento.
A força do mandato europeu (ancorada na ideia de uma imprescindível articulação
entre educação, formação e emprego) fez, assim, reajustar as vertentes
prioritárias de intervenção segundo as quais a ANEFA edificou toda esta nova
oferta educativa nacional. Tratou-se igualmente, segundo a nossa ótica, de um
exemplo da influência dos efeitos externos indiretos da globalização (Dale,
2001, 2005) a justificar a reinscrição do setor na agenda política do Governo
socialista (vigente entre 1995 e 2002) para permitir, afinal, concretizar um
projeto de transição sociopolítica mais vasto (Griffin, 2002), e globalmente
estruturado, em que a conceção de temáticas tradicionais do âmbito das
políticas de educação de adultos (as "velhas políticas" de EA) passa por uma
reconceptualização dos mesmos temas vistos agora como problemáticas inscritas
no âmbito das estratégias de emprego e formação (as "novas políticas" de EFA).
Parece-nos, pois, ser possível interpretar neste sentido o facto, já assinalado
por Licínio Lima (2005), de que, na atuação da ANEFA, "as lógicas
modernizadoras, de simples indução e, especialmente, de qualificação de
recursos humanos, subordinadas à empregabilidade e à aquisição de competências
para competir, predominaram claramente sobre outras vertentes que estavam
presentes nos projectos iniciais para a ANEFA" (p. 48). Como resultado do papel
ativo da ANEFA no prolongamento nacional de novas formas de governação
educacional situadas a nível supranacional, constatou-se, tal como tem vindo a
acontecer a nível europeu, que predominou (embora não ao nível da retórica
discursiva, talvez ainda mais humanista do que antes) um entendimento
paliativo11 para a missão que as atividades públicas de educação e formação
dirigidas a adultos deveriam desempenhar ' o que, em parte, explica que, na
ANEFA, se tivesse verificado, como sublinha Lima (2005), que
a indução predominou sobre a intervenção, a lógica de programa'
inibiu a lógica de serviço público', a anunciada política de
desenvolvimento foi limitada à produção de orientações estratégicas
com vista à criação de condições de intervenção de terceiros, tal
como a anunciada articulação entre educação e formação cedo veio a
revelar a subordinação da primeira às agendas da segunda (pp. 48-49).
Ou seja, o que este pequeno ensaio sobre o papel que a ANEFA teve pretendeu
ilustrar foi o momento da emergência da europeização das políticas educativas
nacionais para o setor, num processo em que a governação da educação passa, a
partir de agora, a ser um assunto pluriescalar, como aqui se demostrou, que
esteve e está repleto de tensões e ambivalências que se impõe continuar a
investigar (tendo, portanto, em conta outras escalas para além da nacional)
sempre com criticidade e posicionamento.