Passado, presente e futuro da governação educativa na Região Autónoma da
Madeira
1. Introdução
Uma análise dos primeiros 35 anos de autonomia regional da Madeira, no campo da
educação, pode considerar que as formas de participação, nesta área, assumiram
fundamentalmente uma dimensão ao nível das atividades de proximidade
admnistrativo-regional, onde também a intervenção das autarquias locais, com
destaque para as Câmaras Municipais da Madeira e de Porto Santo, desempenhou
alguma relevância. Fundamentalmente, constata-se que a intervenção, nos
primeiros anos deste período, se relaciona com tudo aquilo que se refere aos
transportes escolares, à ação social escolar e à construção e manutenção de
escolas, para mencionar o mais relevante.
Porém, e nesta sequência, emergem, a partir de meados da década de 80 do século
XX, na Madeira, consequência de alterações na composição governamental ao nível
das matérias tuteladas pela área da educação, e de 1990, junto do Estado,
alterações com alguns sinais de mudança, consequência do surgimento de algumas
políticas educativas nacionais, tais como: as decorrentes da Lei-quadro da
educação pré-escolar; o novo regime de autonomia, administração e gestão
escolar; a possibilidade de criação dos conselhos locais de educação; e a
elaboração das cartas educativas, replicadas, ou não, com as devidas adaptações
regionais.
Na realidade, é por esta altura que o poder regional passa a intervir cada vez
mais na ação educativa, ao liderar e planear políticas educativas mais ou menos
explícitas, ao apoiar os estabelecimentos de ensino, ao investir em técnicos,
equipamentos e infraestruturas. Deste modo, tenta-se sobretudo superar um
conjunto variado de situações deficitárias que o sistema educativo, na Madeira,
apresentava e que, aquando do processo de regionalização iniciado em 1976 (mas
coincidindo, fundamentalmente, com a publicação do Decreto-Lei nº 364/79, de 4
de setembro1), era de molde a ter, por exemplo, uma taxa de analfabetismo de
cerca de 40% da população adulta, um parque escolar desatualizado e, em termos
infraestruturais, estabelecimentos escolares excessivamente concentrados nos
concelhos do Funchal e limítrofes (cf. Secretaria Regional de Educação e
Cultura [SREC], 1978).
Por outro lado, é também a partir desta altura que se assiste a um
desenvolvimento na Região, assente essencialmente num modo de pensar' que
defende a necessidade de reintroduzir o humano na lógica desse desenvolvimento,
e em que a ação política se deve tornar global, valorizando a componente formal
e não formal e a formação ao longo da vida (Ferreira, 2005). É neste contexto
que o sistema educativo regional aspira a conquistar um espaço próprio e onde
desponta a problemática da centralização/ /descentralização, com a valorização
do contexto regional a que politicamente corresponde uma ideia de democracia
participativa, levando a um maior envolvimento dos indivíduos, num esforço
comum com vista ao desenvolvimento global.
Evolutivamente, já que os processos sociais são dinâmicos, foi-se assistindo,
em paralelo, a um discurso da competitividade e da implementação da lógica de
mercado, princípios que comandam a agenda política do Estado ao mesmo tempo que
são usados, interna e externamente, como legitimadores para esta agenda. É que,
conjuntamente, a reestruturação global, nacional e regional modificam a
natureza e o âmbito da legitimação e o modo como este se constitui como um
problema para o Estado (Robertson & Dale, 2001). De resto, esta evolução'
surge também associada à tendência para uma mudança de um Estado-educador para
um Estado-regulador (Barroso & Viseu, 2003) e tem por pressuposto o
discurso neoliberal de que com menos' Estado mas maior regulação se obtém
melhores resultados (melhor' Estado). Ora, este processo origina uma
redefinição no papel e funções do Estado no plano social e económico,
provocando constrangimentos e conflitos de poder no que respeita ao seu
controlo político, com a redistribuição de poder entre o Estado e as
periferias, pelo que, e como decorrência, se assiste, portanto, ao nível das
administrações e também das escolas, à necessidade crescente de estas
realidades aderirem à ideia de uma abertura social, que apela para relações com
outras instâncias e para uma nova etapa que passa pelo (re)investimento
educativo ou pedagogismo social (Charlot, 1997).
2. Regionalização político-administrativa em Portugal no pós-25 de abril
Uma das características mais inovadoras da Constituição de 1976, aprovada a 2
de abril, por não ter paralelo na história jurídica e constitucional de
Portugal, é o facto de ter instaurado uma democracia de cariz descentralizado,
particularmente em termos de descentralização do território do país (Machado,
1982). Efetivamente, a Constituição de 1976 proclama entre os princípios
fundamentais inovatórios o da autonomia, o das autarquias locais e o da
descentralização democrática da Administração Pública e erige os Açores e a
Madeira em Regiões dotadas de estatutos político-administrativos próprios. Não
obstante, o Estado Português continua a ser unitário, apesar de ser também
descentralizado. Como fundamento para esta realidade são de referir as
características geográficas, económicas, sociais, culturais e históricas; como
finalidades: a participação democrática dos cidadãos, o desenvolvimento
económico e social, a promoção e defesa dos interesses regionais, o reforço da
unidade nacional e os laços de solidariedade entre todos os portugueses. Assim,
e ao consagrar-se essa descentralização, estabelece-se como princípio, também
ele constitucional, a Autonomia Regional(Miranda, 1997).
3. Autonomia Regional da Madeira
Não será possível abordar a questão das políticas de descentralização da
educação em Portugal, no pós-25 de abril, e também, por maioria de razão, na
Madeira, desiderato que nos propusemos, sem antes fazer uma referência à
problemática da autonomia. Entendemos que deverá ser neste campo restrito que
se joga a concretização, a materialização dos diversos modelos teóricos
propostos pelos investigadores. Assim, os princípios filosóficos subjacentes à
conceção global do sistema educativo português, naquilo que na nossa área de
investigação mais nos interessa analisar, têm oscilado entre duas correntes
principais ' como refere Barroso (1998), uma mais normativista e outra mais
construtivista. Estas conceções alicerçam-se, como seria óbvio, em quadros
teóricos assentes em pressupostos ideológicos diferentes.
Ora, o processo de autonomia desenvolve-se, no nosso país, após a queda do
regime, em abril de 1974, quando os seus reflexos incidem na política educativa
nacional, essencialmente ao longo da segunda metade da década dos anos 80 do
século passado. Assim sendo, surgem no Estado centralizado processos de
desconcentração administrativa que, por vezes, são confundidos com medidas de
carácter descentralizador. Neste sentido, verifica-se que Portugal acompanhou a
tendência para aplicar algumas políticas educativas que emergem nas reformas da
administração educacional nos anos 80 em alguns países europeus (Charlot,
1995). Por sua vez, o sistema educativo português é marcado por uma profunda
necessidade de mudança, em que a Lei de Bases do Sistema Educativo (LBSE) é
considerada o ponto central deste processo.
- Lei de Bases do Sistema Educativo (Lei nº 46/86, de 14 de outubro)
Promulgada a Constituição da República Portuguesa de 1976, competia à
Assembleia da República legislar, tratando-se mesmo de matéria que, por força
do Art.º 164º [alínea d): "Bases do Sistema de Ensino" ' hoje alínea i),
resultado das revisões da Constituição de 1982, 1989, 1997 e 2004] da
Constituição da República, constituía reserva absoluta da sua competência.
Decorrida uma década onde a emergência deste imperativo constitucional era por
demais evidente, dada a ausência de um referencial, tal vem a ocorrer pela Lei
nº 46/862, que aprova a Lei de Bases do Sistema Educativo de Portugal (LBSE) '
alterada pela Lei nº 115/97 (19 de setembro), que alterou os artigos 12º, 13º,
31º e 33º, e Lei nº 49/2005 (30 de agosto), que alterou os artigos 11º, 12º,
13º, 31º e 59º e aditou os artigos 13º-A, 13º-B e 13º-C e que veio republicar e
renumerar todo este diploma legal. É também a partir desta Lei que emerge a
ligação da escola à comunidade educativa, o novo paradigma de administração e
gestão das escolas e a reforma curricular (Formosinho & Machado, 2000) e,
deste modo, concretizam-se medidas tendentes a descentralizar decisões, que
permitam favorecer a emergência de parceiros fortes e autónomos nas periferias
(Canário, 1998).
De resto, a partir da década de 1980, em Portugal, adquire centralidade o
início do processo de recomposição do papel do Estado, que vem acusar a crise
do compromisso keynesiano, que sustentou as políticas públicas assentes num
modelo de Estado intervencionista. No setor da Educação, este enquadramento
veio a manifestar-se na crise daquele modelo burocrático e centralizador, de um
"Estado educador", caracterizado por "políticas tradicionais baseadas no
envolvimento directo do Estado na provisão do serviço público de educação,
através de abundante produção normativa, centrada na provisão e controlo de
recursos e procedimentos" (Afonso, 2003, p. 53).
Em Portugal, aliás, esta dimensão acaba associando-se também a uma
desconcentração territorial nos finais da década 1980, com incidência na década
de 1990, surgindo um modo de regulação institucional relativo ao setor do
Ensino não Superior, que viria a ser designado em vários diplomas legais como
de "política de reforço da autonomia das escolas" (Preâmbulo do Decreto-Lei nº
43/89, de 3 de fevereiro). Este modo é gerado no âmbito de uma reforma da
administração e gestão das escolas e do sistema educativo e apontava para o
reforço da escola enquanto espaço de decisão. Autores como Nóvoa (2005) fazem
mesmo corresponder a estes anos das décadas de 80 e 90 do século passado o
esforço de construção de uma pedagogia centrada na escola-organização, com uma
importância acrescida de metodologias ligadas ao domínio organizacional
(gestão, auditoria, avaliação) e de políticas de investigação mais próximas dos
processos de mudança nas escolas (investigação-ação e investigação-formação).
Regressemos à Lei de Bases e ao enquadramento que diz respeito à distribuição
de competências entre os diferentes níveis da administração ' no entender de
Fernandes (1988), seguramente um dos capítulos' mais inovadores, se não o mais
inovador, da LBSE (p. 105), sendo, além disso, um dos temas centrais que são
desenvolvidos ao longo do seu articulado. É que, enquanto antes (com realce
para a reforma de 1973 conduzida por Veiga Simão, por lhe ter sido anterior e
aquela que tinha no seu objetivo ser também claramente vanguardista) a
democratização era entendida como o reforço na distribuição dos recursos
educativos (mais escolas, mais professores, acesso mais alargado em termos de
apoios socioeconómicos), mas omissa na alocação do poder entre os diferentes
órgãos da Administração Escolar, na LBSE (a distribuição de recursos que vem,
aliás, a ser substancialmente alargada) a democraticidade é agora entendida
como uma distribuição do poder nas decisões educativas, através da
descentralização dos órgãos.
A nível do que se menciona é, assim, sintomático o previsto no Art.º 1º, nº 3,
da LBSE, onde se afirma a existência, no sistema educativo, de uma pluralidade
de centros de decisão independentes entre si e com poderes próprios (Fernandes,
1988). Ademais, e tendo presente a descentralização territorial enquanto
princípio fundamental que a LBSE tende a invocar, o policentrismo das decisões
é levado até aos limites compatíveis com a unidade da orientação de política
global do sistema educativo. Neste sentido, a LBSE considera como níveis de
descentralização os níveis estabelecidos na própria Constituição da República:
Administração Central, Regional Autónoma, Regional e Local (Art.º 43° da LBSE).
Assim, e em termos da sua estrutura nesta dimensão, a LBSE define dois níveis
de administração: o central e o regional (Art.º 44º), para além da
administração e gestão dos estabelecimentos de educação e ensino (Art.º 45º) '
mas este, porém, claramente subordinado aos anteriores e às suas respetivas
funções. À Administração Central caberão funções de "concepção, planeamento e
definição normativa", de "coordenação global e avaliação da execução das
medidas da política educativa", de "inspecção e tutela", de "definição de
critérios gerais de implantação da rede escolar" e de "garantia da qualidade",
ou seja, as funções mais relevantes, mas também as mais típicas, de uma
modalidade centralizada de administração da educação. À Administração Regional,
através de cada um dos departamentos regionais de educação, a criar em cada
Região, caberiam funções de integração, coordenação e acompanhamento da
atividade educativa. A descentralização aparentemente instituída seria, assim,
no sentido da Administração Central para a Administração Regional, de tal forma
que Fernandes (1988) considera: "O nível administrativo regional é o principal
beneficiário da descentralização consignada na LBSE, devendo considerar-se o
'nível normal de administração' da educação" (p. 111).
Ora, remanesce, todavia, uma tomada de posição concreta sobre a efetiva
dimensão que a Administração Regional (leia-se agora das Regiões Autónomas)
deve assumir ' realidade que, como tentaremos evidenciar a seguir, acabou por
se desenrolar fundamentalmente por impulsos e sob condução direta dos órgãos e
dos agentes da própria Administração Educativa, ancorados em legislação
regional e habilitados por um diploma nacional de transferência de competências
(Decreto-Lei nº 364/79). Aliás, é sintomático o facto de a própria LBSE dispor
que: "Enquanto não forem criadas as regiões administrativas, as competências e
o âmbito geográfico dos departamentos regionais de educação referidos no n.º 2
do Art.º 44º serão definidos por decreto-lei, a publicar no prazo de um ano"
(Art.º 62º, nº 4 ' com a republicação da LBSE [por força da Lei nº 49/2005, de
30 de agosto]: Art.º 65, nº 4). Nada mais se refere a este respeito, o que
coloca claramente a convicção de que o legislador entende a dimensão da
regionalização do país como pressuposto para atender a esta realidade,
esquecendo' que esta se encontrava já institucionalizada no texto
constitucional para a Madeira e os Açores.
O passo fundamental, na Madeira, em termos de construção regional, correspondeu
à aprovação do Estatuto político-administrativo provisório, o Decreto-Lei nº
318-D/76, de 30 de abril, logo de seguida alterado pelo Decreto-Lei nº 427-F/
76, de 1 de junho. Fundamentalmente, tratou-se de consagrar a autonomia
político-administrativa evidenciada na Constituição, através de órgãos de
governo próprio, no sentido em que estes prosseguissem a realização do
interesse público na Madeira, sem prejuízo de se manter a integridade da
soberania do Estado Português:
Art.º 2.º - 1. A autonomia político-administrativa da Região Autónoma da
Madeira não afecta a integridade da soberania do Estado e exerce-se no quadro
da Constituição e do presente Estatuto. 2. A autonomia da Região da Madeira
visa a participação democrática dos cidadãos, o desenvolvimento económico-
social e a promoção e defesa dos interesses regionais, bem como o reforço da
unidade nacional e dos laços de solidariedade entre todos os portugueses
(Decreto-Lei nº 318-D/76).
O conteúdo da autonomia regional veio, consequentemente, a caracterizar-se pela
existência de várias atribuições de natureza política, legislativa e
administrativa, ou seja, apenas se encontram excluídas (atento o conjunto das
funções do Estado) a função constituinte e a jurisdicional (Ferreira, 1980). A
autonomia regional consiste, pois, não apenas na existência de um conjunto de
poderes, mas, sobretudo, no exercício desses poderes e direitos por órgãos
democraticamente legitimados pelos cidadãos das Regiões, ou seja, as
Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas e os Governos Regionais. Pode
mesmo concluir-se que os elementos característicos do Estado Regional estão
presentes na Constituição, ainda que não se tendo optado por uma regionalização
política integral do país, já que entenderam os constituintes de 1976 ser este
modelo aplicável apenas aos arquipélagos dos Açores e da Madeira, em função dos
condicionalismos geográficos, económicos e sociais e das históricas aspirações
autonomistas das populações insulares. E isto é a primeira vez, na história
portuguesa, em que o Estado ' Poder Central ' confere faculdades
substancialmente políticas a órgãos locais, com titulares eleitos pelas
respetivas populações (Miranda, 1982).
O marco jurídico fundamental a dever ser assinalado em todo este processo de
construção regional da área da educação é, sem dúvida, o já mencionado Decreto-
Lei nº 364/79, de 4 de setembro. Trata-se de um diploma do Governo da
República, aprovado em Conselho de Ministros de 25 de julho, promulgado pelo
Presidente da República a 8 de agosto e publicado no Diário da República a 4 de
setembro. Com este normativo dá-se início por forma legislativa à transferência
de competências nas áreas da Educação e da Investigação Científica do Estado
para a Região Autónoma da Madeira:
A concretização desta autonomia nos domínios da educação e investigação
científica impõe que se efectue a transferência dos serviços periféricos do
respectivo Ministério e claramente se definam as atribuições que nestas
matérias pertençam à esfera da autonomia regional e aquelas que se reservam ao
Governo da República (preâmbulo do Decreto-Lei nº 364/79).
Uma leitura atenta ao seu conteúdo deixa ressaltar que ficam praticamente
separadas as funções legislativa e executiva e, destas, fica em exclusivo na
tutela do Estado, através do Ministério da tutela, o impulso relativamente à
primeira daquelas funções, não obstante poder caber às Regiões, no exclusivo
limite da Constituição, o recurso também à via legislativa (cf. Miranda, 2005,
p. 203). Uma análise detalhada e atenta ao conteúdo do Decreto-Lei nº 364/79
faz destacar, no entanto, a existência de uma falta de coerência nas matérias
reguladas e até a forma como é realizada a abordagem sistemática destas '
desiderato, aliás, que acaba por se traduzir no modelo de construção do próprio
Decreto. Isto afigura-se determinante na forma como são elencadas e abordadas
as matérias, na sua inter e intrarrelação, o que dificulta a ação do
intérprete. Tanto assim é que são usadas, neste Decreto-Lei, de forma pouco
precisa, expressões que pretendem conduzir a uma mesma conceptologia', de
reservar para o Estado atribuições que se enquadrem na função legislativa ("A
definição por via legislativa: ", Art.º 2º, nº 1) e na medida em que lhe digam
respeito (aquilo a que se refere no Art.º 1º), e que decorrem da garantia de
aplicação dos princípios gerais do Sistema Nacional de Educação (hoje, pela Lei
de Bases do Ensino: o Sistema Educativo), havendo mesmo a necessidade,
reforçando esta intenção, de reiterar, a este propósito, todo um elenco de
matérias que são inventariadas no diploma de forma expressa, no Art.º 2º. A
título de exemplo refira-se: regime [Art.º 2º, 1. a)]; estatutos [Art.º 2º, 1.
b) e f)]; princípios gerais [Art.º 2º, 1. e)]; certas normas a observar a nível
nacional [Art.º 2º, 1. g)]; e definição de planos, programas e orientações
[Art.º 2º, 2. a), b) e 3.]. Noutro pólo, às competências dos órgãos de Governo
próprio da Madeira ficam cometidas as atribuições de: garantir [Art.º 3º, 1.
a)]; proporcionar [Art.º 3º, 1. c) e d)]; apoiar [Art.ºs 3º, 1. e), j) e 11º
b)]; organizar [Art.º 8º, 1. d)]; coordenar [Art.º 6º, 1. e)], para dar também
alguns exemplos que ilustram a intenção do legislador de utilizar expressões em
natureza de tempo verbal, ação típica da função executiva: "superintender na
organização administrativa e funcionamento", como a prevista no Art.º 3º, 1.
f), confrontado com o Art.º 7º, 1. a) a d) ' o que reforça o nosso entendimento
relativamente ao facto de se estar perante o Poder Executivo cometido à Região,
isto é, o poder de executar as medidas de âmbito nacional.
4. Momentos da governação regional na Madeira na área da Educação
Uma análise macro parece identificar, nestes mais de 35 anos de autonomia
regional na Educação, duas visões distintas, ainda que complementares, no tempo
da Educação e do seu papel na sociedade madeirense, a que vêm correspondendo
duas visões também elas políticas e de tempo político.
Um primeiro momento corresponde ao período de criação das instituições
regionais e ao assumir das competências, consequência do processo de
regionalização da Educação que se iniciou em 1976 e vai seguramente até ao fim
do III Governo Regional (1980-1984). Aqui, toda a orientação de política
educativa está vocacionada para uma visão socializante e igualitária da
Educação. As medidas tomadas privilegiam as relações com a Cultura e
desenvolvem o Desporto, como vias de formação integral, que podem dar
enquadramento à referida visão socializadora da Educação: "Só através da
Educação, isto é, do desenvolvimento harmónico e integral das potencialidades
individuais postas consciente e voluntariamente ao serviço da comunidade serão
possíveis o progresso e bem-estar sociais" (Programa do I Governo Regional -
1976-1980, p. 67); "( ) o primado da nossa acção político-governativa é a
preocupação com as classes mais desfavorecidas. O objectivo é a socialização,
mas sem dogmas ( )" (Programa do III Governo Regional - 1980-1984, p. 5). É
nesta época que se recorre a uma figura' designada na altura como "Educação
Permanente" (Cap. 10.7.1 do Programa do I Governo Regional - 1976-1980, p. 70).
Através desta prestam-se conhecimentos complementares, em função dos interesses
dos indivíduos, com destaque para a escolarização da população, seja a nível da
escolaridade obrigatória (alfabetização) ' assim designada no Cap. 10.7.2 do
Programa do I Governo Regional - 1976-1980 (p. 70) ', seja a nível da obtenção
de outros graus escolares. Este propósito viria, aliás, a seguir várias medidas
de reforço às orientações definidas, quer pela mobilização de recursos internos
ou admitindo a possibilidade de apoios externos, quer ainda através de
programas articulados com a subárea da Cultura através da criação de
bibliotecas escolares. Neste contexto de mobilização interna, são sintomáticos
os esforços ao nível da criação de condições favoráveis ao funcionamento de
novos cursos (Ano Propedêutico, inscrito no Decreto-Lei nº 364/79, Art.º 3º, nº
2, e Decreto Regulamentar Regional nº 6/79M, Art.º 37º) ou a criação de cursos
intensivos para complemento de habilitações, ou, ainda, uma campanha de
alfabetização de adultos, admitindo-se a possibilidade de apoio da UNESCO
(Programa do I Governo Regional, 1976-1980, p. 69) e o contacto com a
experiência mexicana (SREC, 1978, pp. 20-29).
Um segundo momento, a que corresponderá uma nova visão, é aquele onde, volvida
uma época de afirmação, se iniciam os tempos de consolidação das instituições.
É também um momento do consequente abandono da matriz nacional e do assumir em
pleno daquilo que se poderá considerar uma identidade de cariz regional. Esta
realidade, que se vai construindo, coincide com o advento dos anos seguintes a
1980, fundamentalmente tendo no seu arranque o IV Governo Regional (1984-1988).
Este assume, aliás, como seu propósito nesta área, materializado depois na sua
ação e visão das políticas educativas, a transição para uma outra missão da
Educação, ao privilegiar mesmo outras modalidades educativas e subáreas como: a
Formação Profissional, a Educação Especial, a Infância, a Juventude e o
Emprego. Este é o momento, também, onde assumem destaque as iniciativas de
carácter legislativo ancoradas em opções de política educativa regional com
forte afirmação numa matriz regional, como nos casos: da criação da
Universidade da Madeira (Decreto-Lei nº 319-A/88, de 13 de setembro); do Modelo
de autonomia, administração e gestão das escolas da Madeira (Decreto
Legislativo Regional nº 4/2000/M, de 31 de janeiro, alterado pelo Decreto
Legislativo Regional nº 21/2006/M, de 21 de junho); do Estatuto das creches e
estabelecimentos de infância e pré-escolar da Madeira (Decreto Legislativo
Regional nº 25/94/M, de 19 de setembro, revogado pelo Decreto Legislativo
Regional nº 16/2006/M, de 2 de maio); e do Estatuto da carreira docente da
Madeira (Decreto Legislativo Regional nº 6/2008/M, de 25 de fevereiro, alterado
pelo Decreto Legislativo Regional nº 17/2010/M, de 18 de agosto).
Relativamente à Universidade da Madeira, deve considerar-se que desde muito
cedo se inscreveu esta realidade nas opções dos Governos regionais e foi vista
por estes como detendo um papel estratégico no sentido do desenvolvimento
regional do arquipélago através da capacitação de quadros superiores,
fundamentalmente educadores e professores dos Ensinos Básico e Secundário. De
resto, em matéria de Ensino Superior, deve dizer-se que, nos anos subsequentes
à regionalização, já os decisores políticos tinham em mente esta opção, aquando
do impulso para a criação, na Madeira, do Instituto Universitário da Madeira
(criado pelo Decreto-Lei nº 664/76, de 4 de agosto) e, depois, da Escola
Superior de Educação da Madeira (criada pelo Decreto-Lei nº 395/82, de 21 de
setembro), efetivas géneses da Universidade da Madeira (que, de resto, os virá
a absorver) e que, certamente, o poder governativo regional não quereria perder
de vista, garantindo a sua real consagração, como foi feito, com a criação da
Universidade pelo Decreto-Lei nº 319-A/88.
No que concerne ao regime de autonomia, administração e gestão das escolas,
deve dizer-se que este se encontra consubstanciado, na Madeira, num modelo
próprio, em finais dos anos 90. Surge, também aqui, associado a uma vontade de
afirmar, na Região, as competências da Madeira na área da Educação e,
simultaneamente, implementar um Modelo regional, que, não escondendo a sua
referência ao Modelo do Estado, fosse, no entanto, diferente e adequado à
realidade insular. A este respeito, são esclarecedoras as palavras usadas pela
Assembleia Legislativa da Madeira, aquando da sua audição pelo Tribunal
Constitucional, face ao pedido de fiscalização que este Decreto viria a
merecer:
Porém a Assembleia Legislativa Regional da Região Autónoma da Madeira entendeu
poder manifestar, conforme resulta da sua resposta, uma opção própria e
autónoma de legislar, sempre no respeito pelos "grandes princípios que enformam
o quadro normativo português na área do Sistema Educativo", fora do espartilho
legal do Decreto-Lei nº 115-A/98, e tendo apenas como referência ' para além
da Constituição e do Estatuto Político-administrativo ' a Lei nº 46/86 e o
Decreto-Lei nº 364/79, que procedeu à transferência dos serviços periféricos
( ) (Acórdão nº 161/2003 - Processo nº 64/2000 do Tribunal Constitucional,
publicado no Diário da República, I Série-A, nº 104, de 6 de maio de 2003, p.
2929).
Não obstante, deve dizer-se que este será, dos casos mencionados, aquele onde a
dialética entre a legislação nacional e, sobretudo, as interpretações que esta
mereceu face ao enquadramento normativo regional, mais se fez sentir,
designadamente chegando a ter de se dirimir a contenda no Tribunal
Constitucional. É que, por intervenção do, ao tempo, Ministro da República
(hoje Representante da República, mercê da revisão constitucional entretanto
operada, em 2004), o Decreto Legislativo Regional que aprovou o Modelo
regionalde autonomia, administração e gestão foi sujeito a um pedido de
fiscalização da sua constitucionalidade, tendo afinal este Tribunal decidido
pela desconformidade de algumas das suas normas.
Mas, e na essência, se excetuarmos da versão inicial do Modelo (Decreto
Legislativo Regional nº 4/2000/M) a forma de escolha da Direção das escolas
(aqui assente em provas de mérito, constituindo, de resto, um efetivo
recrutamento), a realidade dos Agrupamentos de Escolas, dos Contratos de
Autonomia e o âmbito de aplicação do Modelo, tudo características fundamentais
do Modelo do Estado, na Madeira não tiveram convictamente semelhante
parametrização3 ' o que, associado a realidades como aquelas existentes nesta
Região ao nível dos Quadros jurídicos de pessoal docente que existem por escola
e por zona pedagógica (contrariamente ao continente, por Agrupamento), a
permitir-se que, para o desempenho das funções de direção escolar releve não
apenas a qualificação académica específica, como também, e em igualdade, o
anterior desempenho destas funções por um mandato diretivo completo, confluem
no sentido de também aqui existir, de facto, uma dimensão matricial regional
própria, onde se associa ao enquadramento legislativo da área uma aplicação
através de uma política governativa regional adequada, o que faz com que se
tenha vindo a desenrolar desde o ano de 2000, na Madeira, um esquema
organizacional das escolas assente num Modelo funcional próprio e distinto do
restante espaço nacional.
Outra das matérias onde o sentido de afirmação governativa regional é
paradigmático é o subsetor da infância. Trata-se de uma matéria acolhida no IV
Governo (1984-1988) e para a qual a orgânica consequente (Decreto Regulamentar
Regional nº 12/88/M, de 26 de abril) veio dar resposta, criando os serviços
respetivos, colocados pela primeira vez sob a alçada da Secretaria Regional de
Educação4. Aqui, o sinal é claramente inovador, no sentido em que integra na
área educativa uma realidade própria da Segurança Social, fazendo-
o conscientemente, na ótica em que, assim sendo, se permitirá responder às
necessidades da população da Madeira e, com isto, se realiza um desígnio da
Educação de responder ao desenvolvimento pleno e integral da pessoa humana.
Deve aditar-se que esta área se viria a manter na Secretaria Regional de
Educação, na qual se integra desde essa altura, merecendo um enquadramento que
passaria de mera resposta inicial a necessidade ' que, no momento, foi
entendida ser, politicamente, melhor respondida pelo setor educativo, para
revestir, depois, e até à atualidade, um tratamento continuado e sustentado,
como atesta o facto de estar hoje regulado por um Estatuto próprio (Decreto
Legislativo Regional nº 16/2006/M), que faz convergir os estabelecimentos
caracterizados como Creches e, consequentemente, da primeira infância (dos 3
aos 35 meses) (Art.º 8º do Decreto Legislativo Regional nº 16/2006/M), com os
estabelecimentos da Educação Pré-escolar, numa resposta global e conjunta das
duas áreas (primeira e segunda infâncias), oriundas de setores sociais
diferentes ou, pelo menos, complementares5.
Uma das áreas assinaladas como relevantes, também na dimensão regional, que
caracterizámos antes, é a da carreira docente. Aqui, segue-se um caminho
próprio de afastamento da legislação nacional e prossegue-se uma clara
intenção, ancorada na convicção de que "o Estatuto da Carreira Docente da
Região Autónoma da Madeira surge como um marco importante e uma questão
central, por um lado, do desenvolvimento e aprofundamento da autonomia e, por
outro, da valorização da função de professor" (preâmbulo do Decreto Legislativo
Regional nº 6/2008/M), não perdendo simultaneamente de vista uma lógica que
garante a intercomunicabilidade de carreiras entre os docentes em todo o espaço
nacional. Ademais, esta opção é, em parte, também, motivada porque o próprio
Estatuto de carreira nacional (ao tempo, o Decreto Lei nº 15/2007, de 30 de
setembro) se assume como circunscrito ao espaço continental e porque este
introduz, naquilo que era uma conquista' da profissão docente desde inícios
dos anos de 1990 (com o Decreto Lei nº 139-A/90), a carreira única desenvolvida
de forma horizontal em 10 escalões ' realidade considerada "património da
profissão" que, assim, se descaracterizaria, ao passar a ficar sujeita a prova
de ingresso na carreira, com duas categorias de professores (professor e
professor titular), de acesso mediante provas públicas e com avaliação
específica e sem bonificações no tempo de serviço, detendo as categorias
conteúdos funcionais específicos e sujeitando mesmo o acesso à "categoria
superior" (o preâmbulo do Decreto-Lei nº 15/2007 utiliza mesmo esta designação)
a quotas. Em face do modelo continental descrito, a Madeira ensaiou um regime
próprio, mediante a criação de um Estatuto de carreira docente regional
(aprovado pelo Decreto Legislativo Regional nº 6/2008/M, de 25 de fevereiro,
alterado pelos Decretos Legislativos Regionais nºs 17/2010/M e 20/2012/M, de 18
de agosto e 29 de agosto, respetivamente), que contemplou, fundamentalmente, a
manutenção de uma carreira única horizontal, sem quotas, com 8 escalões, não
sujeita a prova de ingresso e com bonificações no tempo de serviço docente pela
obtenção, pelo docente, de qualificações académicas superiores.
A análise a exercer sobre este segundo momento deve conduzir, assim, no sentido
de entender que a organização e sistematização das políticas educativas se
encontra na conjugação das políticas do Ensino, da Formação Profissional e do
Emprego, para corresponder a uma visão de pendor ' dir-se-ia ' mais pragmático
e imediato, colocando a Educação ao serviço do interesse regional, e, embora se
mantenha alguma função socializadora (paradigma do momento anterior!), uma
outra função (a da capacitação profissional) ganha agora maior importância.
Acredita-se que a mudança social é feita a partir do Trabalho como fonte de
rendimento e critério de vida, e por isso o Governo a perspetiva numa política
integrada com a Juventude: "XVI - Política para a Juventude, 1. Princípio
Orientador, Prossecução de uma política que tenha por principal objectivo a
formação da Juventude e satisfação dos seus anseios, dando real expressão
económica, cultural e social ao conceito de Política Global e Integrada de
Juventude ( )" (Programa do V Governo Regional - 1988-1992, p. 78). Ou seja, a
importância que é atribuída à Formação Profissional e à inclusão do Emprego
inscrevem-se na estratégia política de articular várias valências para
dinamizar mecanismos de coordenação intersetorial indispensáveis ao
prosseguimento de uma política globalizante de Juventude.
Mas a reinterpretação do conceito de Educação merece, porém, um sentido
evolutivo nos Governos Regionais seguintes, sendo que é no VIII Governo
Regional (2000-2004), que coincide com o dealbar deste século XXI ' momento
onde se ensaia uma nova abertura do conceito para áreas mais abrangentes de
toda a mundivivência e da globalização social6, com a previsão das Novas
Tecnologias e as Comunicações: "Temos de prosseguir, sempre em mudança. Atentos
aos novos sinais que despontam na sociedade, bem como aos efeitos das novas
tecnologias, cada vez mais rápidos. Prosseguir é alterar comportamentos e
definir novos objectivos, num mundo que é diferente cada dia que passa"
(Programa do VIII Governo Regional - 2000-2004, pp. 7-8) ', que haverá, parece-
nos, um alargamento do conceito de Educação, tal como descrito' antes, que o
remete para uma dimensão estratégica de futuro, onde a sua ligação à Ciência e
à Formação (traduzidas agora na Inovação) aparecem como determinantes em termos
de qualificação da população da Madeira e de afirmação regional ' "Será a
Inovação a mola para o novo ciclo de Desenvolvimento Sustentável da Região"
(Programa do IX Governo Regional - 2004-2007, p. 6) ', sem perder, no entanto,
toda a atualidade ao colocar-se, ainda, a modalidade educativa da Educação
Especial, mediante uma dimensão inclusiva que transpõe o universo escolar e lhe
dá um sinal de continuidade às realidades que atende (designadamente, aos
adultos portadores de deficiência: a Reabilitação), mas também a modalidade da
Formação Profissional, conferindo-lhe uma dimensão de Qualificação, em vez de
Formação [substitui-se mesmo o vocábulo que designa a Direção Regional desta
área, que passa a chamar-se Direção Regional de Qualificação Profissional em
vez de Formação Profissional ' Decreto Regulamentar Regional nº 1/2000/M, de 17
de janeiro, Art.º 5º, nº 1, alínea d)], havendo igualmente aqui um sinal de
atualidade, que encara esta área como indo para além do sentido formativo
stricto sensu e integrando uma dimensão de certificação profissional e de
reconhecimento de competências, à luz das novas realidades europeias:
A qualificação profissional, entendida num sentido lato de formação ao longo da
vida, integrando a formação inicial e toda a valorização subsequente, a par da
nova filosofia de qualificação nascida dos Centros de Novas Oportunidades, que
reconhecem e valorizam, profissional e academicamente, as competências
adquiridas pelos adultos activos, fruto da sua experiência de vida, constituem
um dos objectivos fundamentais da estratégia do Governo Regional para este
sector ( ) (Programa do X Governo Regional - 2007-2011, p. 113).
Acresce mesmo que este segundo momento de visão integrada da Educação, para
além das funções mencionadas antes, transporta ainda uma perspetiva
funcionalista da Educação como um corpus complexo, ao mesmo tempo unitário e
compreensivo, onde é possível traduzir uma pluralidade de políticas que devem
manter entre si estreita coesão e articulação, para atender, também ela, a uma
complexa realidade sociológica da Madeira. Ora, esta visão, assim delineada,
acaba rompendo com a ideia clássica das políticas educativas puras, centradas
na Educação como área principal, uma vez que esta surge na sua formulação de
ação e governação políticas, em igualdade de tratamento com outras modalidades
ou subáreas como a Educação Especial, Qualificação Profissional, Emprego,
Juventude, Novas Tecnologiase Comunicações.
Pode, assim, considerar-se, portanto, que os primeiros Governos Regionais
definem o desenvolvimento e a socialização como eixos estruturantes da
autonomia da Madeira ' "Na formação do governo (...) duas preocupações foram
dominantes. Uma, a de encontrar garantias de eficiência dirigente e de
coerência política, no sentido de ser concretizado o programa com que nos
apresentamos no último congresso regional do PSD: Autonomia, desenvolvimento,
socialização" (Programa do II Governo Regional - 1980-1984, p. 3) ', se bem que
a socialização se constitua, também, em condição do desenvolvimento7, quer
quando referida ao sistema económico de matriz social-democrata (fundadora dos
Governos Regionais da Madeira desde 1976 até ao presente, atendendo a que o
Partido Social Democrata da Madeira ganhou sempre as eleições realizadas na
Região Autónoma da Madeira desde aquela data), quer quando invocada como
processo de integração social das classes desfavorecidas e, consequentemente,
como meio de promoção da dignidade e da justiça social. Poder-se-á afirmar
mesmo que a definição das matérias educativas, na sua concretização e
materialidade, se vai fazendo num processo de busca da fórmula adequada à
realidade própria da Região Autónoma e às suas necessidades, fazendo com que
cada Governo Regional encare determinado momento como devendo atender a
determinadas especificidades e enfatizando, assim, na sua organização,
determinadas modalidades8, aglutinando consequentemente algumas subáreas da
governação e destacando outras9. Pode, pois, afirmar-se que todo este processo
tem uma decorrência assente numa aprendizagem social por parte dos Governos
Regionais, os quais, e em início de cada mandato, encaram a área da Educação em
função daquilo que corresponderá ao sentido social e às necessidades educativas
da Madeira. Mais, a perceção a extrair dos programas dos Governos Regionais
confirma a interpretação que indiciámos antes, na medida em que revela uma
evolução na formulação das políticas adquiridas, com a experiência governativa.
Concluir-se-á, então, que o conceito de Educação, na Madeira é, também ele, um
pouco à semelhança da autonomia regional, um conceito dinâmico e evolutivo ' "A
Autonomia tem de ser encarada como um processo em permanente evolução. Ela deve
possibilitar que, cada vez mais, os problemas de uma comunidade sejam
resolvidos pelos respectivos órgãos de governo próprio" (SREC, 1978, p. 34) ',
quer quanto à perspetiva de orientação e definição das políticas, quer no que
se refere à própria organização política do Departamento do Governo Regional da
Madeira com a área de tutela da Educação (Secretaria Regional de Educação). De
resto, as reestruturações que a Secretaria Regional de Educação atravessou
refletem a evolução do pensamento político dos Governos Regionais sobre a
missão da Educação na Madeira. É por isto que se poderá concluir que a evolução
morfológica relativa à composição e articulação de diferentes áreas de
intervenção da Secretaria Regional foi realizada num contínuo processo de
aprendizagem social, por etapas de experiência acumulada na administração e
gestão do sistema educativo regional ' se calhar, melhor seria chamar-se
subsistema regional de educação, como defendido em Alves (2011, 2012) ',
gradualmente percorrido e a cada momento visando atingir um modelo de
intervenção política adequado às necessidades específicas do desenvolvimento e
da modernização do setor educativo na Madeira. De resto, esta articulação de
valências tão diferenciadas sob a mesma tutela, embora possa suscitar
dificuldades de execução, é, no entender dos Governos Regionais que as
promoveram, desejável, pela dimensão do universo regional:
O alargamento permanente da eficácia das medidas que, nas áreas do Ensino, da
Educação Especial, da Formação Profissional, do Emprego, do Desporto e noutras,
têm por destinatários os jovens, bem como a implantação de mecanismos que
garantam a articulação e coerência das políticas sectoriais (Programa do V
Governo Regional - 1988-1992, p. 82).
Mais: estas mudanças têm surgido, no contexto da Região Autónoma da Madeira,
como fruto de uma aprendizagem socialfeita pelos agentes políticos, que, a cada
momento e no contexto da resposta que tem de ser encontrada, organizam as
estruturas governativas para, de forma imediata e pragmática, encontrar as
melhores soluções, desenvolvendo aquilo que configurará uma política de ação
tipicamente decisional, gradualista e personalizada, feita por impulsos' ao
nível das políticas dos Governos Regionais e dos responsáveis pela área da
Educação, que, partindo do quadro da política educativa nacional, tem buscado
sempre traçar uma estratégia própria de resposta aos desafios colocados pela
sociedade. Esta descrição poderá ser uma forma típica de exercer a política,
como a descreveu Dror (1993). Isto é, aplicar as políticas nacionais
educativas, mas traçando, na sua implementação, uma estratégia para trilhar já
um percurso próprio.
Acresce que este caminho percorrido acompanha a autonomia regional que se vai
construindo, também ela, em moldes semelhantes aos descritos, conduzindo à
definição de um perfil próprio na execução das políticas de natureza educativa
na Região Autónoma da Madeira. Este crescimento, e depois desenvolvimento,
resulta fundamentalmente de duas ideias-chave: primeiro, uma lógica de
crescimento para acompanhar aquilo que o sistema modelar do Estado concebe para
a Educação e, depois, uma filosofia' de inovação e desenvolvimento, para
adaptar aquele sistema modelar à realidade social e às especificidades
regionais. De facto, embora se assista a uma continuidade das regras nacionais,
registam-se ruturas a nível das práticas e na forma de as colocar no terreno, o
que acaba por conduzir a uma administração autónoma que resulta, por um lado,
no corte relativamente à cadeia hierárquica do Estado (consequência da
autonomia política e administrativa que a Região da Madeira goza) e, por outro,
mais construtivamente falando, criando as condições necessárias a conceber e
implementar as soluções mais adequadas às necessidades, às expectativas e aos
recursos regionais da população madeirense. Simultaneamente, associa-se a estes
desideratos estruturais também o perfil de liderança dos processos e da forma
próxima de atender aos anseios das populações, ao conhecimento do meio e da
sociedade madeirense, além de uma prática de diálogo permanente, que levam a
que as soluções sejam apresentadas numa partilha e num envolvimento entre quem
governa e quem é governado.
5. Horizontes futuros para a governação educativa na Madeira
Anteriormente expusemos a nossa visão de que a evolução da Educação, na
Madeira, no período após a regionalização, se foi conseguindo por patamares.
Cada um destes passos corresponde a um tempo político próprio e às respostas
que, nesse mesmo momento, urge atender, sempre dentro de uma forte ligação às
necessidades sociais do momento, e também, diga-se, a uma experiência
governativa que se vai acumulando naquelas respostas, que dita, também ela,
condições que melhor aconselham à interpretação dos interesses regionais, numa
relação estreita e intensa ' consequência, como se referiu, da longevidade
resultante da maioria de suporte partidário que vem assegurando a estabilidade
dos Governos Regionais desde o início da regionalização. Ainda, as evolutivas
mudanças e formas de vir enquadrando, no setor da Educação, as subáreas que
anteriormente se identificaram, acabam sendo resultado, também, de processos de
reorientação e reformulação das políticas educativas para acompanhar o
desenvolvimento do projeto, mais vasto, da sociedade madeirense que os Governos
Regionais, em cada momento, pretendem renovar e desenvolver, sempre numa
perspetiva de abordagem da Educação lato sensu e no plano regional.
Todavia, para esta realidade converge, atualmente, a circunstância de o Estado,
enquanto espaço de decisão, começar a ser relativizado por dois fenómenos
distintos que reforçam dois espaços de decisão concorrentes, bem como a
presença de novos atores. Um espaço supranacional, através do fenómeno geral da
globalização de que a União Europeia é a máxima expressão, com a construção de
um espaço europeu da Educação (Nóvoa, 2005), e um espaço criado pelas dinâmicas
de descentralização e de valorização do regional (Fernandes, 2005), ao que
acrescentaríamos o local, fundamentalmente a partir do final da década de 90 do
século XX, e sobretudo com a publicação da Lei nº 159/99, de 14 de setembro10.
Ora, esta formulação, assim crescentemente apresentada, tem vindo,
inquestionavelmente, a colocar sob tensão' a Administração Regional e, em
decorrência, naturalmente, a Administração Educativa. Os seus efeitos
assinalam-se agora naquilo que nos parece corresponder à abertura' de um novo
ciclo, donde começa a avultar mais a lógica gestionária do que uma lógica
política de (re)destribuição de poderes (Lima, 1995, p. 65). É aqui que se
começa a assistir à emergência dos discursos que apelam aos modelos de
inspiração e de gestão privadas, particularmente, de cariz empresarial
("importação de lógicas de mercado para os sistemas escolares", segundo Barroso
& Viseu, 2003) em detrimento do político. O seu leitmotiv é a luta contra a
burocracia, a ineficácia e a ineficiência11.
Melhor caracterizada esta tentativa de mudança de paradigma, podemos considerar
que ela tem conduzido à ideia de centralizar (melhor será talvez dizer
recentralizar) as decisões políticas e estratégicas e apenas desconcentrar as
estruturas operacionais e de coordenação. A ideia de privatização, seja no
sentido de um desinvestimento progressivo, seja através de estratégias de
concessão, ou mesmo privatização, tout court, tende, assim, a ser apresentada
como coincidente com a própria ideia de reforma da Administração Pública, isto
é, com a apropriação, por esta, dos modelos de funcionamento típicos do setor
empresarial12. Em abono do cenário' que se descreveu, pode constatar-se que
este começa a emergir e tem uma ancoragem nas correntes de pensamento que,
desde finais dos anos 80 do século passado, começam a impor-se e que,
seguramente, as novas organizações internacionais têm vindo a propor como a sua
visão para as políticas a seguir pelos diferentes Estados. Assinalem-se aqui as
instituições financeiras como o FMI e o Banco Mundial, que acabam fazendo eco
daquilo que tem sido a visão dos EUA, mas também das Nações Unidas (que
assinalam mesmo aquelas que se consideram como as oito características que
devem coexistir para se estar perante uma "Boa Governança" ' vide UNESCAP,
2010) e, mais recentemente, a União Europeia (Nóvoa, 2005). Esta dimensão em
crescendo de influência da União Europeia acabará mesmo por nos obrigar a
constatar a existência de uma perspetiva que contribui para a ideia de uma
erosão gradual da soberania estatal numa série de domínios e de políticas,
nomeadamente no campo da Educação e, por consequência, na Administração
Educativa. Dir-se-ia mesmo, com Fátima Antunes (2005b), que nas três últimas
décadas se procedeu "à lenta gestação do processo de europeização que agora
ensaia a maturidade" (p. 130). É que a União Europeia, como se sabe, constitui
um sistema político complexo, organizado em níveis distintos, sendo regulada
por um sólido aparelho jurídico-legal e outras formas de poder, tanto formais
como informais, em que intervêm múltiplos atores13.
Ao pretender compreender as mudanças observadas na regulação da administração
dos sistemas educativos nos últimos anos e aquilo que venha a ser a evolução
também em termos regionais na Madeira, dever-se-á concluir, pois, não estar
perante um contexto único, mas, antes, perante uma sobreposição de contextos em
mutação que se inter-relacionam e influenciam e em presença de novos conceitos
e diferentes linhas de orientação que, em conjunto, enquadram e influenciam a
definição das políticas educativas. Por outro lado, importará considerar esta
problemática também no contexto da Teoria Organizacional e da Sociologia das
Organizações, para além de uma reflexão pertinente no campo da Ciência
Política, onde se analise a evolução das políticas públicas e o caso específico
da Administração Educacional. Neste sentido, a evolução da autonomia da Madeira
na área da Administração Educativa e, consequentemente, da governação nesta
área, dependerá, assim, e se calhar em grande parte, da mobilização e do
posicionamento que venham a tomar todos os parceiros educativos com as quais
esta tem de conviver'.
A nosso ver, a Administração Educacional Regional terá tudo a ganhar, portanto,
com o desenvolvimento de uma regulação autónoma educativa que se traduza no
aprofundamento de medidas de política educativa próprias, que se distingam, na
sua formulação ou aplicação, das medidas do Estado, sendo resultado do processo
de adequação das políticas nacionais à especificidade regional. Este processo
faz-se na construção de um projeto educativo regional próprio, que conduza à
permanente afirmação de um efetivo subsistema regional educativo, construído à
luz do interesse regional e da regulação autónoma educativa, e pode, e se
calhar deve, decorrer, assim, na Madeira, de um projeto orientado por valores e
interesses específicos da Região, concretizado numa praxis legislativa, de
administração e de gestão regionais, de acordo com uma nova visão de
desenvolvimento regional. É que os sistemas educativos confrontam-se, hoje, com
uma complexidade de problemas com origem no processo de evolução das políticas
e na transformação ou manutenção do comportamento das administrações que as
suportam, no carácter mutável que caracteriza as sociedades contemporâneas nos
aspetos sociais, financeiros, económicos, políticos e culturais e na
dificuldade de conceber soluções em contextos de incerteza permanente.
Na essência, pugna-se, portanto, por uma visão regional que promova uma
política educativa autonómica própria, que, mais determinada do que a decretar
uma reforma, construa os alicerces para uma permanente construção
organizacional em contínua articulação entre as diferentes Administrações
Educativas, Central, Regional e Local, bem como com as restantes entidades,
máxime escolas, não descurando, nestas, os parceiros que as integram e,
sobretudo, os atores que diariamente as fazem funcionar.