Projetos de letramentos: Debates e aplicações
Pinto, C. M., Carvalho, E. P., & Colaço, S. (Orgs.). (2012). Projetos de
letramentos: Debates e aplicações. São Vicente do Sul: IFFarroupilha
Silvania Faccin Colaço, bolsista CAPES Nº 19125-12-7 e Cândida Martins Pinto,
bolsista CAPES Nº 19124-12-0
Universidade Católica de Pelotas
A obra Projetos de letramentos: Debates e aplicações surgiu de uma proposta de
trabalho integrado de professores do Instituto Federal Farroupilha ' Campus
São Vicente do Sul com professores de educação básica de escolas da região,
pela necessidade de se estabelecer um diálogo entre professores que trabalham
com a área de Linguagens e suas Tecnologias e os materiais didáticos
disponíveis no mercado editorial. O livro está dividido em três partes: a
primeira apresenta a seção Debates, em que são apresentados textos teóricos
relacionados a letramentos, na visão dos Novos Estudos do Letramento (New
Literacy Studies ' Heath, 1983; Street, 1995, 2012; Gee, 1999, 2009; Lankshear
& Knobel, 1998; Cope & Kalantzis, 2000; Durrant & Green, 2001;
Dionísio, 2007), que argumentam a favor do caráter sociocultural e situado das
práticas de letramento; a segunda parte ' Aplicações ' é composta por textos
que descrevem projetos de letramento; e a seção final ' Atividades de leitura e
escrita: projetos de letramento ' apresenta alguns exemplos de atividades
elaboradas por professores de linguagens da educação básica durante um curso
sobre elaboração de materiais didáticos para o ensino da leitura oferecido pelo
IFFarroupilha ' Campus São Vicente do Sul, via curso de formação continuada de
professores, no ano de 2011.
A seção Debates inicia com o texto de Raquel Bevilaqua e Silvania Faccin
Colaço, com o título Letramentos na contemporaneidade: perspectivas teóricas.
Nesse texto, as autoras abordam a pós-modernidade e seus reflexos na educação,
discutindo desde questões iluministas até as pós-modernas e suas relações com a
escola, com sustentação em Harvey (2010) e Bauman (2007). Na sequência,
apresentam reflexões e questionamentos sobre os instrumentos Prova Brasil e
SAEB (Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica), que medem os processos
e resultados do letramento escolar no Brasil e as consequências disso para a
educação, como a crítica questão das práticas de letramentos nas escolas
brasileiras, além do PISA (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes),
que é um instrumento internacional. As autoras fazem uma retrospectiva do uso
do termo letramentos' no Brasil, que, inicialmente, foi confundido com
alfabetização. É apresentada a ideia inicial de Mary Kato (1990), que traz a
concepção de sujeito letrado para responder às demandas sociais, diferenciando,
assim, da simples habilidade de leitura e escrita ou alfabetização e assumindo
uma concepção de letramento como linguagem em uso em práticas sociais (Kleiman,
1995; Soares, 1998). É destacada a necessidade de novas perspectivas para os
letramentos na contemporaneidade, discutindo os desafios da relação entre as
práticas de letramento escolar e a sociedade da pós-modernidade.
No texto Letramentos e leitura nas perspectivas autônoma e ideológica, de
Silvania Faccin Colaço, analisam-se os letramentos com base nas concepções de
Street (1995) quanto aos modelos de letramento autônomo (as capacidades
individuais) e ideológico (as práticas sociais envolvidas na leitura e
escrita). Num primeiro momento, são discutidas as estratégias de leitura como
atividades necessárias à compreensão leitora, em que as capacidades do leitor
interagem com as informações do texto, numa concepção de leitura interativa
(Kleiman, 1989; Leffa, 1996). Posteriormente, a leitura é discutida numa visão
mais alargada, a das práticas sociais, possíveis de integrar a concepção
ideológica (Street, 1995; Gee, 1999), que considera os usos da leitura e
escrita como construções socioculturais. No entendimento de letramentos
múltiplos, ou seja, práticas sociais e situadas de usos de textos multimodais,
são apresentadas, a seguir, as práticas escolares e não-escolares de
letramento, enfatizando a importância de ambas para a aprendizagem e a
construção da criticidade do sujeito. O texto coloca o professor como um agente
de letramentos, que deve promover situações significativas de aprendizagem para
que seus alunos aprendam a usar textos e agir nas diversas situações
sociocomunicativas de que participam em sociedade.
Em Reflexões sobre leitura em língua estrangeira, de Graciele Turchetti de
Oliveira Denardi, Lucas Martins Flores e Cândida Martins Pinto, encontram-se
discussões sobre as teorias de linguagem abordadas nos documentos oficiais,
nomeadamente os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Fundamental e Médio
(PCNs) e as Orientações Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (OCNs),
sobre o ensino de língua estrangeira no Brasil. Os PCNs enfatizam que é preciso
pensar no processo de ensino-aprendizagem das línguas estrangeiras em termos de
competências abrangentes e não estáticas, uma vez que uma língua é o veículo,
por excelência, de comunicação do povo. A leitura é destacada pelo documento
como uma dessas competências, numa visão sociointeracional da aprendizagem
(Borges, 2003). As OCNs também enfatizam a leitura, numa concepção crítica,
voltada à formação da cidadania. À luz de autores da área (Leffa, 1996; Moita
Lopes, 1996; Kleiman, 2007; Motta-Roth, 2007), o texto faz abordagens que
consideram o leitor em contexto, vindo ao encontro do que se designa, hoje,
estudos socioculturais dos letramentos. O texto encerra-se com uma proposta de
atividade para o ensino da leitura, baseada nas práticas sociais e na leitura
crítica, num processo de ação-reflexão-ação sobre o mundo.
O texto Mídia e Educação: o uso das novas tecnologias em sala de aula, de
autoria de Sabrine Denardi de Menezes da Silva, trata da tecnologia como aliada
no processo de ensino-aprendizagem, mostrando algumas possibilidades de
aproximar a sala de aula aos letramentos de que os alunos precisam se apropriar
fora dela. Neste sentido, apresenta um panorama das relações estabelecidas
pelas novas mídias na sociedade, a que se tem chamado de TIC (Tecnologias de
Informação e Comunicação) e sua influência no contexto educacional, o que
implica novas posturas e metodologias na atuação dos professores. Mais
especificamente, são abordadas questões relativas ao uso da tecnologia nas
aulas de Língua Portuguesa, com alternativas para a execução de uma
possibilidade, explorando os multiletramentos dos sujeitos. A autora sugere que
a escola pode ser um importante meio de inclusão digital para os cidadãos, a
partir de aulas que possibilitem a interação, a autonomia e a motivação dos
alunos.
Trazendo discussões sobre questões legais e a realidade educacional, o texto
Para problematizar metanarrativas: lei 11.645/08 e identidades indígenas, de
autoria de Letícia Mossate Jobin, Daniela Farias Garcia de Borba e Luís
Fernando Lazzarin, aborda a cultura indígena em sala de aula, segundo a lei
específica que determina a inclusão dessa temática nos currículos escolares. O
texto descreve uma proposta de estudo que estabelece um diálogo acerca da
referida lei e das possibilidades de problematizar e questionar metanarrativas
que produzem uma identidade idealizada de índio. A proposta recai numa
concepção de culturas não-fixas, em constante produção de identidades indígenas
múltiplas e híbridas, com análise de diversos artefatos culturais (mídia, artes
visuais, músicas, imagens, livros didáticos), como dispositivos pedagógicos, a
fim de redefinir conceitos sobre cultura e identidade, de acordo com a
perspectiva teórica dos Estudos Culturais. Essa intervenção explora os
multiletramentos do sujeito para analisar o contexto atual do índio e contestar
a imagem de uma identidade única e fixa, a partir de leitura crítica de textos
multimodais. O texto encerra com a análise de depoimentos de professores de
educação básica e de estudantes de ensino médio frente à questão cultural do
indígena, pois demonstram que quem tem o poder de narrar pode determinar que
posição o outro ocupa. Além disso, os depoimentos apontam para o fato de que as
pessoas estão atreladas a quadros de referências que instituem lugares para
nós' e os outros', bem como o estranhamento, desconforto, instabilidade e
resistência causados pela dissolução desses lugares.
Os processos de letramento em Língua Portuguesa: um estudo dos sentidos no
PROEJA, da autoria de Evanir Piccolo Carvalho, é um texto que aborda, a partir
de olhares e discursos dos sujeitos de PROEJA (Programa de Educação de Jovens e
Adultos), aspectos relevantes para o grupo sobre os processos de construção do
conhecimento, em especial dos letramentos em Língua Portuguesa. O texto
apresenta uma fundamentação bakhtiniana de linguagem ao enfatizar a perspectiva
dialógica e sociocultural dos discursos sobre os processos de letramento, em
narrativas de estudantes do PROEJA. A autora faz referência aos sentidos da
leitura e da escrita para esses estudantes e leva em consideração as vivências
dos sujeitos dentro e fora da escola. Apresenta ainda as dificuldades, de ordem
escolar e de ordem pessoal, que os estudantes apresentam pelo caminho, e a
mediação que surge como um elemento mobilizador de aprendizagem. O texto mostra
como as narrativas revelam as práticas de letramento, evidenciando também
sentidos que ajudam a compreender o processo de aprendizagem da leitura e
escrita.
A segunda parte do livro ' Aplicações ' inicia com o texto Curso técnico
integrado e as práticas de letramento: experiência que gera aprendizado, de
Cândida Martins Pinto. A autora descreve e comenta um projeto integrado
realizado com uma turma de ensino médio do Curso Técnico em Agropecuária.
Trata-se de um projeto que visou o trabalho de leitura e escrita de gêneros
discursivos pertencente aos letramentos da esfera profissional em que a prática
social direcionou a escolha dos textos trabalhados em sala de aula. O artigo
também discorre sobre as concepções de letramento que embasaram teoricamente o
projeto, bem como analisa como os estudantes conseguiram assumir papéis ativos
ao se inserirem no ambiente profissional que irão atuar. Por fim, a autora
conclui que a experiência pedagógica demonstrou uma aprendizagem significativa,
já que os estudantes adquiriram uma visão mais crítica e transformadora em
relação à profissão escolhida.
O texto O modelo interativo na leitura instrumental em língua estrangeira, de
Carla Callegaro Corrêa Kader, discute como a estratégia de leitura interativa
está inserida em uma seção de um Caderno Didático de Língua Inglesa
Instrumental, criado por professoras de um colégio federal, com ênfase no uso
da linguagem em um contexto específico, o que caracteriza uma prática situada
de letramento. O texto apresenta abordagens relativas à leitura como processo
interativo de construção de sentidos, indo além da simples decodificação. Ao
abordar a leitura instrumental em língua estrangeira, explica o surgimento e
evolução do termo instrumental', numa concepção em que prevalece o uso e a
função dos textos na vida do sujeito, caracterizando a concepção sociocultural
de práticas de letramento. A proposta de leitura instrumental com alunos de um
curso de ensino médio de Agropecuária, na modalidade de ensino integrado, tem
base em atividades de pré-leitura, leitura e pós-leitura, sendo que a autora
defende a presença da prática social de linguagem, com o uso de textos advindos
de contextos sociais diversos da realidade dos alunos.
Práticas de letramento no PROEJA: buscando no passado uma identidade cidadã,
texto de autoria de Silvania Faccin Colaço, contribui com um exemplo de projeto
de letramento na sala de aula, a partir de diversos gêneros discursivos que
contam a história de vida dos sujeitos. A prática ocorre com uma turma de
alunos do curso técnico em Informática, na modalidade do Programa de Educação
de Jovens e Adultos (PROEJA). O texto aborda a teoria dos letramentos na visão
dos Novos Estudos do Letramento e a teoria bakhtiniana dos Gêneros Discursivos,
que considera a linguagem como um processo de interação social (Bakhtin, 2000).
O projeto de letramento centra-se no trabalho colaborativo, de acordo com uma
Pedagogia de Multiletramentos, que prevê a prática situada, a instrução
explícita, o enquadramento crítico e a prática transformadora (The New London
Group, 1996). A proposta apresenta uma prática de letramento em que os textos
são escritos e reescritos em sala de aula: fotografias, cartas, documentos,
entrevistas, receitas, powerpoint, resumo e comunicação oral. A autora conclui
que os resultados foram significativos para a inclusão dos alunos na turma, com
a valorização do passado, a conscientização em relação ao presente e a projeção
para o futuro.
O jornal na sala de aula: projeto de letramento para o ensino da leitura e
escrita, de Cândida Martins Pinto, descreve como foi desenvolvido um projeto
de produção de um jornal e, posteriormente, sua divulgação num evento
organizado por alunos do Curso Técnico em Secretariado, em que foram empregados
os conhecimentos integrados de três disciplinas do curso: Informática, Técnicas
e Práticas em Secretariado e Língua Portuguesa. A autora mostra como o jornal
teve um duplo papel pedagógico, já que deu voz e autoria aos alunos, quando da
produção de textos que seriam lidos pela comunidade escolar e não apenas pela
professora; e como instrumento pedagógico que possibilitou a aprendizagem de
gêneros dentro de um contexto de prática socialmente situada. Além disso,
destaca que trabalhar com os textos, e não sobre os textos, permite inserir os
estudantes em contextos reais, auxiliando, assim, no desenvolvimento crítico a
partir da socialização e compreensão de práticas profissionais que serão a
posteriori vivenciadas.
Em Análise das atividades didáticas com vistas à identificação de instâncias
de letramento científico, Janete Teresinha Arnt defende que a notícia de
popularização da ciência é um gênero adequado para iniciar o processo de
transição entre o estudo da linguagem do dia a dia e o estudo da linguagem
científica, nas aulas de Língua Inglesa. O artigo possui dois grandes
objetivos: o primeiro deles propõe investigar em que medida o gênero notícia de
popularização da ciência está sendo utilizado para iniciar o letramento
científico dos alunos; o segundo, busca reelaborar atividades didáticas, a fim
de promover o letramento científico. Para tal, é apresentada uma linha
evolutiva das visões de letramento, com a opção pela que considera letramentos
como práticas sociais de leitura e escrita. A proposta é apresentada a partir
da análise de quatro livros de Inglês Instrumental, com atividades de pré-
leitura, leitura e pós-leitura, com a exploração de notícias de popularização
da ciência, a fim da promoção de letramentos científicos.
A terceira e última parte do livro apresenta o Caderno de Atividades, com o
capítulo intitulado Atividades de leitura e escrita: projetos de letramento,
que se constitui de propostas elaboradas por professores de educação básica
durante sua participação no curso sobre elaboração de material didático, no
Instituto Federal Farroupilha ' Campus São Vicente do Sul, para aulas de língua
materna e de língua estrangeira. É feita uma contextualização teórica sobre
gêneros discursivos e letramentos, tendo em vista que as atividades foram
criadas na concepção de que os alunos apropriam-se de textos a fim de se
inserirem nas práticas letradas da sociedade, de acordo com os papéis sociais
que assumem. São apresentadas nove propostas didáticas de ensino da leitura e
escrita para as disciplinas de Língua Portuguesa e Língua Inglesa. A intenção
de mostrar essas atividades é de apresentar possibilidades de produção de
material didático, a fim de estimular cada professor a criar seus projetos de
letramento, de acordo com seu contexto específico e situado de ensino.
Com essa obra, os autores se propõem a promover reflexões sobre práticas de
leitura e escrita numa perspectiva sociocultural, que possam vir a auxiliar
professores da educação básica na elaboração de material didático.