Editorial
EDITORIAL
Editorial
Maria Alfredo Moreira, Maria José Casa-Nova
O presente número marca o fim de mais um ciclo de vida da Revista Portuguesa de
Educação: finda a publicação em papel, não conseguindo a revista escapar aos
efeitos de uma crise económica e financeira que afeta a produção científica em
Portugal e que atinge, de modo particular, as Ciências Sociais e Humanas.
Todavia, continuamos a existir na versão digital, com a mesma qualidade e
relevância às quais a comunidade científica já se habituou.
O segundo volume do ano de 2015 é mais um número marcado pela diversidade e
amplitude temática e geográfica dos seus textos - de Portugal aos EUA, passando
por Espanha, Brasil e Costa Rica -, que evidenciam a relevância internacional e
atualidade de temáticas como os direitos humanos e justiça social, a inclusão
de populações estudantis com necessidades educativas especiais, a educação de
infância, a educação musical e a educação matemática (e suas interseções), a
educação em línguas (materna e bilingue), a educação sexual, ou ainda a
educação farmacêutica. Na continuidade do que tem vindo a fazer parte do ADN da
revista, inclui também textos de interesse para a formação de professores.
O número abre com um artigo de Carlos Estêvão, intitulado “Tempos anormais e
novas fantasias. Novas tendências em direitos humanos, justiça e educação”.
Neste artigo, o autor oferece uma perspectiva crítica sobre a forma como a
ideologia mercantil se apropria dos Direitos Humanos e da justiça,
reconfigurando-os ao serviço do mercado (passando a existir um conceito
“multiuso” dos direitos humanos, onde estes já não aparecem como “indivisíveis”
e “interdependentes) e a educação aparece como um “subsector da economia” com o
objetivo de servir as necessidades daquela ao invés do bem-estar do ser humano.
O autor fala-nos dos “tempos anormais” de hoje, apresentados como novas
normalidades, novas racionalidades que apontam para a importância da “livre
escolha” e de uma “nova ordem social” onde o emprego, apresentado como “bem
escasso” será apenas para aqueles considerados merecedores dele. Nesta linha de
ideias, para o autor, “ganha sentido afirmar então que, nestes tempos anormais
em termos de estruturação e priorização de valores, a justiça também se tornou
anormal”. Neste sentido, “a melhor educação em tempos anormais”, será aquela
que privilegia a competitividade em favor do “crescimento e prosperidade da
economia”, fazendo prevalecer “uma compreensão mínima de direitos e de justiça
social” que em nada contribui para uma vida digna.
José Domínguez Alonso, Antonio López Castedo, Margarita Rosa Pino Juste e Elia
Vázquez Varela, através do artigo “Integración o inclusión: El dilema educativo
en la atención a la diversidade” trazem-nos uma reflexão sobre os conceitos de
integração e de inclusão e uma pesquisa sobre as práticas educativas docentes
no sentido de se perceber em que medida a perspetiva inclusiva substituiu a
perspetiva integradora, como é defendido pelo sistema educativo espanhol. De
acordo com os/as autores/as, “el concepto de inclusión implica modificar
substancialmente la estructura, funcionamiento y propuestas pedagógicas de las
escuelas para dar respuesta a las necesidades educativas de todos y cada uno de
sus alumnos, de manera que todos tengan éxito en su proceso de aprendizaje y
participen en igualdad de condiciones.” Estudo realizado, usando técnicas
quantitativas e qualitativas (inquérito por questionário, focus group e
observação) os/as autores/as concluem que prevalece o modelo de integração
sobre o modelo de inclusão e que os aspectos desfavoráveis dos centros
educativos prevalecem sobre os favoráveis na atenção à diversidade. O estudo
evidencia que apesar dos esforços realizados, o sistema educativo espanhol não
está a conseguir implementar de maneira satisfatória o modelo inclusivo.
O terceiro texto, de autoria de Íris Pereira, Ana Cristina Braga e Xosé
González Riaño, sobre “Avaliação do Programa Nacional de Ensino de Português
(PNEP) 1º ciclo: As perceções dos alunos”, apresenta a análise dos resultados
de um inquérito realizado aos alunos que frequentaram o último ano de
funcionamento do PNEP, uma iniciativa de formação contínua de professores do
Ministério da Educação português e que funcionou entre 2006 e 2010. Este
programa visava a melhoria dos níveis de literacia da população escolar de 1º
Ciclo do Ensino Básico, intervindo na formação dos professores de português.
Apesar dos estudos já realizados, faltavam ainda estudos de avaliação do
impacto do mesmo junto das crianças envolvidas. Através de questionário
aplicado às crianças envolvidas, dos 4 anos de escolaridade, o estudo dá a
conhecer as suas perceções sobre os conteúdos aprendidos e os processos
pedagógicos de aprendizagem de português no âmbito do programa. Os resultados
indicam que o PNEP teve “um impacto muito considerável nas consciências dos
alunos que nele participaram”, com perceções muito favoráveis sobre os
conteúdos e processos de aprendizagem da língua, em todos os níveis de
escolaridade.
José Castro Silva e Manuela Marques Silva apresentam-nos um texto intitulado
“Colaboração entre professores e autoeficácia docente: Que relações?”,
incidente na análise da relação entre as crenças de autoeficácia docente de
professores dos 2º e 3º ciclos do ensino básico em Portugal e o seu interesse
em e desenvolvimento de práticas de colaboração com os pares. O pressuposto de
partida para o estudo era que quanto mais elevados os níveis de autoeficácia,
maior o interesse e mais frequentes as práticas de colaboração docentes, com
evidentes benefícios para o trabalho docente nas escolas e para a aprendizagem
dos alunos. Foi desenvolvido um inquérito por questionário com três escalas,
incidentes nas práticas de colaboração em curso, nos graus de interesse pela
colaboração e crenças de autoeficácia docente. Tal como esperado, os resultados
corroboram a relação entre níveis globais elevados de autoeficácia e o
interesse na colaboração, tais como obter informação e receber formação, ou
ainda coordenar ações de formação. Relativamente às práticas de colaboração, o
estudo também indica uma correlação positiva entre a autoeficácia percebida e o
desenvolvimento de projetos curriculares e extracurriculares.
O texto de Rocío Chao Fernández, María Dorinda Vázquez e Vicente López Pena,
intitulado “La formación musical del professorado especialista en los CEIP
gallegos” visa caracterizar a formação dos professores de educação musical da
Galiza. Partindo da preocupação expressa que os sistemas educativos devem ter,
de captar os melhores profissionais para serem professores, no pressuposto da
complexidade e exigência da profissão docente, os/as autores/as concluem que,
no que respeita à formação de professores de Educação Musical em Espanha, tal
não é constatado. Apesar da inegável importância da formação musical no
desenvolvimento holístico do indivíduo em idade escolar, o estatuto da
disciplina de Educação Musical está longe de ser o desejado. Tal situação
repercute-se na formação dos professores. Através de um inquérito por
questionário a 124 professores desta região espanhola, os autores concluem que
a larga maioria dos professores de Educação Musical em exercício na Galiza não
tem formação adequada, por terem sido formados com planos de estudo anteriores
a 1991, ou por a sua formação específica ter sido adquirida através de cursos
de pós-graduação que não respondem às necessidades objetivas do seu trabalho.
O artigo de Núbia dos Santos Lemes e Wellington Lima Cedro, intitulado
“Professores de Matemática em atividade de ensino de álgebra: Apropriações da
teoria histórico-cultural”, remete-nos para a importância da construção de uma
pedagogia de ensino que não apresente aos alunos o conhecimento pronto a
consumir e como fruto de uma ciência que parece sustentada apenas no presente,
mas antes assente numa lógica diacrónica, histórica, onde a emergência dos
conceitos, da produção de conhecimento, apareça como parte integrante do
processo de ensino-aprendizagem. Se a ideia não é nova, desenvolver formação
com professores no sentido de explorar com os mesmos formas de dar sentido a
esta pedagogia e de lhes proporcionar uma reflexão com efeito transformador ao
nível das suas práticas profissionais, torna este artigo particularmente
interessante e possível motor de uma mudança de práticas profissionais
docentes. Nesta perspetiva, o professor também se forma durante o processo de
ensino-aprendizagem, aparecendo a atividade de ensino como um processo e não
como um produto. As reflexões evidenciadas nas falas dos cinco professores/as
envolvidos/as na formação, permitem aos autores concluir pela importância do
processo formativo emergente da experiência realizada.
Liliana Paulos e Sandra Valadas, num artigo intitulado “Avaliação da
implementação da Educação Sexual em contexto escolar, na região do Algarve – A
perspetiva de atores educativos responsáveis pela Educação para a Saúde/
Educação Sexual”, trazem-nos a temática da avaliação da implementação da
educação sexual no ensino não superior, entrevistando nove atores educativos
(oito coordenadores da educação para a saúde e um director de agrupamento de
escolas) pertencentes a seis agrupamentos de escolas. As autoras abordam os
modelos mais usados na implementação da educação sexual nas escolas,
considerando, com base em outros autores, que em Portugal o modelo mais usado é
o modelo médico-preventivo, defendendo, no entanto, o modelo de desenvolvimento
pessoal por o considerarem mais abrangente em termos de objetivos e conteúdos.
As autoras concluem que a educação sexual foi implementada, numa perspectiva
transversal, em quatro dos agrupamentos de escolas, tendo todos os agrupamentos
definido conteúdos prioritários e sendo a disciplina de Ciências Naturais
aquela que mais privilegiou este ensino. Apontam como pontos frágeis a falta de
à-vontade dos docentes para trabalhar esta temática, bem como o reduzido
envolvimento do Ministério da Educação e Ciência.
Este número marca ainda o regresso da RPE à edição de núcleos temáticos. Desta
vez contamos com cinco textos selecionados do Congresso Ibero-Americano em
Investigação Qualitativa (CIAIQ), que teve lugar em agosto de 2015, na
Universidade Tiradentes em Aracaju, Brasil. Os textos do núcleo, unidos pela
temática da investigação qualitativa, são apresentados por António Pedro Costa
e Lia Raquel Oliveira, na nota introdutória ao mesmo, intitulada “Investigação
qualitativa em educação: O professor-investigador”.
Finalmente, o volume inclui ainda a recensão de duas obras: uma organizada por
Isabel Duarte e Olívia Figueiredo, de 2011, intitulada Português, língua e
ensino e a outra, também organizada, por Josep Ballester, de 2015, intitulada
Sobre l'horrible perill de la lectura. As recensões são da autoria de António
Carvalho da Silva e Pedro Dono López, respetivamente.
Tal como nos números anteriores, a expectativa da direção e sua equipa é que o
presente número vá ao encontro do que a comunidade científica das ciências da
educação espera da Revista Portuguesa de Educação.