A segmentaçãodo espaço de inovação na indústria portuguesa
Introdução
A inovação tecnológica como força motriz de um novo padrão de competitividade
coloca, como questão central, as relações entre universidade e indústria e
apela a um novo modo de utilização e produção do saber académico.1
Trata-se de intensificar e tornar mais eficiente a transferência do
conhecimento das universidades para as empresas, quer pela absorção de
licenciados e pós-graduados os knowledge workers , quer pela utilização
directa das actividades de I&D.
Vários estudos têm mostrado que esta é uma relação complexa, dada a
particularidade dos processos históricos e as diferenças entre culturas,
finalidades, objectivos e modos de organização das instituições, tanto do lado
da universidade como da indústria. Esta tensão difere segundo os países, dada a
importância do efeito societal(Maurice e outros, 1982) neste domínio, o que faz
com que não seja possível falar de um modelo europeu.
Neste texto olhamos para o caso português. Num primeiro ponto, procuramos
equacionar o problema da transferência do conhecimento. Apresentamos de seguida
uma caracterização sumária do que designamos como o paradoxo das relações entre
a universidade e a indústria em Portugal. Levantamos então um conjunto de
questões, com base nas quais construímos o ponto de partida para uma análise
exploratória, que desenvolvemos no ponto seguinte.
O objectivo central é o de identificar as múltiplas relações que se tecem, ou
não, entre empresas industriais e outras instituições produtoras ou tradutoras
de conhecimento e que definem uma certa configuração do espaço em que ocorrem,
que aqui designamos como espaço de inovação.
Este trabalho tem por base a informação recolhida por inquérito postal a uma
amostra representativa2 de empresas da indústria nas áreas metropolitanas de
Lisboa e do Porto.3
O tratamento e análise desta informação são feitos com base em métodos
multivariados de redução e de classificação de dados: a análise da
homogeneidade e a análise de clusters.4
A importância da inovação e da ligação das empresas às universidades
Quando falamos de inovação referimo-nos, neste texto, à inovação do produto.
Produzir bem com processos mais eficientes que permitam acréscimos de
produtividade é muito importante do ponto de vista económico, mas não satisfaz
as necessidades do modo de desenvolvimento emergente que se baseia mais na taxa
de novos produtos e na criação de mercados, do que na produção massiva de
produtos estandardizados a baixo preço.
Este é um pressuposto de base do novo contexto estratégico concorrencial da
economia5 e que está subjacente à problemática das relações entre universidade
e indústria.
A investigação científica é a fonte de conhecimento, por excelência, para este
tipo de produtos. Acontece que os processos de investigação, mesmo que
orientados à partida para a resolução de problemas, envolvem, por natureza,
graus elevados de incerteza quanto aos objectivos que se propõem, aos custos e
aos prazos. Assim, a ligação à universidade assenta numa espécie de partilha de
riscos, de recursos e de facilidade de acesso ao conhecimento científico
disponível em áreas altamente especializadas e muito diversificadas. É assim
que a universidade é chamada a ter parte activa na vida de um novo produto.
A transferibilidade do conhecimento académico como questão central
A transferibilidade do conhecimento académico é um dos aspectos centrais deste
processo, tanto pelas razões referidas, como porque se considera que é a fonte
mais importante de novas ideias e soluções (Allen, 1977).
É já clássica a categorização do conhecimento em codificado e tácito. O
primeiro é aquele que é difundido na linguagem escrita ou falada ,
protótipos, equipamentos, etc. O problema maior, no que diz respeito à
transferibilidade, assenta no princípio de que nem todo o saber pode ser
codificado. A ideia de conhecimento tácito, recuperada de Michael Polany,
assenta no princípio de que we can know more than we can tell so most of this
knowledge cannot be put into words (1967: 4).
Esta questão do conhecimento, que não discutiremos aqui, serve para podermos
equacionar alguns pontos que consideramos essenciais na problemática das
relações universidade-indústria. Com efeito, a proximidade física entre
universidade e indústria, concretizada nos chamados parques tecnológicos e/ou
entre investigadores da academia e investigadores da indústria, torna-se
instrumento essencial. A concretização desta proximidade em projectos de
investigação, por exemplo, facilita a transferibilidade do conhecimento tácito,
tanto mais quanto maior for a duração do projecto, e depende fortemente do modo
de organização do trabalho nas actividades de investigação. A constituição de
equipas mistas, juntando académicos e quadros das empresas, é um modo eficaz de
transferência de conhecimento e a durabilidade da relação um dos critérios mais
importantes, por oposição à troca mercantil de uma qualquer tecnologia, por
muito sofisticada que seja. É neste quadro que a formação pela investigação é
um modo privilegiado de transferência e aquisição de conhecimento tácito. Em
suma, trata-se de uma troca complexa e duradoura, que não obedece à lógica da
reciprocidade imediata com quase ausência de risco (Bouty, 1997), mediada por
um preço.
A relação entre universidade e indústria surge assim como um relação
estruturante do modelo de desenvolvimento emergente, com potenciais vantagens
para empresas, universidades e governos, a que alguns autores designam como
triple-helix (Etzkowitz e Leydesdorf, 1997). Para as empresas, porque melhoram
as suas posições no mercado e partilham riscos e custos, nomeadamente os que se
relacionam com as actividades de C&T. Para as universidades, porque têm
acesso a financiamentos extra, num quadro em que a diminuição da despesa
pública obriga a cortes orçamentais. Para os governos, porque melhoram a
competitividade dos países e partilham as despesas em C&T com o sector
privado.
O paradoxo das relações entre universidade e indústria em Portugal
Uma das especificidades das relações entre universidade e indústria em Portugal
reside nafragilidade da indústria, no padrão de especialização produtiva [Lança
(org.), 2000] e, em particular, na quase ausência de sectores baseados na
ciência, como por exemplo as telecomunicações, biotecnologia, etc. Este dado é
essencial, na medida em que é a partir dele que os países do centro equacionam
a questão da ciência como factor base da inovação.
Em contrapartida, e por razões históricas particulares, o nosso sistema de
C&T está organizado em torno de um conjunto heterogéneo de instituições
para além das universidades (Oliveira, 2000). Esta característica pode ser, à
partida, um factor potenciador da transferência do conhecimento académico para
a indústria. Com efeito, entre as universidades e as empresas industriais
existe um conjunto de instituições de intermediação que têm como missão
facilitar a transferibilidadedo conhecimento para linguagens mais próximas das
empresas, tanto pela via de formação de quadros, como através de diversos tipos
de actividades de C&T.
No entanto, e apesar desta potencial vantagem do sistema, as empresas
portuguesas parecem pouco interessadas no conhecimento académico. Sabemos, por
exemplo, que Portugal é o país da UE em que as empresas menos contribuem, e com
uma diferença significativa, para as despesas nacionais em C&T.
6 Outros estudos têm mostrado a fragilidade destas relações.7 Num inquérito
lançado a uma amostra representativa da indústria portuguesa, conclui-se que o
número de empresas que realizam actividades de C&T é muito reduzido (3,5%)8
e que a despesa média nestas actividades é de apenas 1,5% em relação ao volume
de vendas. Também a natureza das relações com as instituições do sistema de
C&T é de natureza precária.9
Numa análise de tipo mais intensivo, num estudo de caso sobre a Marinha Grande
[Oliveira e Lopes (orgs.), 1996], conclui-se pela existência na região de um
conjunto significativo de instituições para a promoção da inovação, mas o
sistema não funciona, em virtude de um déficit de diálogo e de relações entre
as instituições e entre estas e as empresas. Outros indicadores clássicos de
inovação nas empresas, como por exemplo o registo de patentes, colocam Portugal
na cauda da UE (Barré, 1998). A própria consulta do registo de patentes, como
fonte de transferência de conhecimento e de inovação, é pouco utilizada pelas
empresas.
10 Em consonância com estes indicadores, também o número de quadros superiores,
apesar de registar um aumento bastante significativo, apresenta um peso
relativo baixo face às outras categorias profissionais.11 Este peso relativo é
ainda mais débil, se considerarmos apenas os quadros afectos a actividades de
C&T (Cordeiro, 2001). Acresce que o perfil dos empresários é pouco propício
à ligação com o saber académico, se considerarmos que apenas 30% possui
habilitações de nível superior (Oliveira e outros, 2000).
Em suma, a informação disponível indica que as empresas portuguesas têm uma
participação precária na produção e utilização do saber académico, para além do
clássico recrutamento de quadros, o que questiona o modelo da triple-helix e
a própria filosofia subjacente à necessidade de estreitar os laços entre
universidades e a generalidade das empresas.12
Ao contrário dos países do centro da Europa, o problema da relação entre
universidade e indústria parece colocar-se, à partida, não tanto do lado das
universidades,
13como do lado das empresas industriais. Este é o paradoxo das relações entre
universidade e indústria, em Portugal.
A hipótese da segmentação doespaço de inovação
O objectivo deste texto é o de contribuir para um maior esclarecimento desta
problemática, tal como se coloca no contexto da sociedade portuguesa. As
questões a que aqui procuramos responder decorrem da evidência, a que se juntam
algumas dúvidas. Da evidência, face ao que é conhecido da realidade portuguesa
e que, sinteticamente, se referiu no ponto anterior. De dúvidas, porque
suspeitamos que o problema está longe de se confinar aos obstáculos que se
colocam à circulação do conhecimento, às normas que regulam essa circulação,14
aos problemas de codificação15 ou à natureza pública/privada da ciência, modo
como geralmente a questão é equacionada a partir dos países do centro (cf.
Callon, 1994 e 1996).
Neste trabalho, partimos da convicção, ou pressuposto teórico, que o espaço de
inovação é um espaço heterogéneo, estruturado segundo configurações relacionais
e posições recíprocas entre certos grupos de empresas e/ou certos tipos de
instituições produtoras/tradutoras de conhecimento.16 Na complexidade de
interacções possíveis entre umas e outras será possível identificar grupos
relativamente homogéneos, susceptíveis de configurar uma certa estruturação do
espaço industrial de inovação? Ou seja, é possível descrever configurações de
relações entre certas empresas e certas instituições de C&T? Em que medida
o tipo de inovação contribui para a definição desses grupos? Qual é a
contribuição do conhecimento interno às empresas na sua definição? Será
possível identificar segmentos que se aproximam mais do modelo convencional de
relação entre universidade e indústria? E, se assim for, como se definem os
outros segmentos?
Para uma identificação de segmentos no espaço de inovação
Há uma multiplicidade de dimensões que podem ser convocadas para caracterizar a
segmentação deste espaço, desde as de natureza mais institucional como as que
diferenciam as instituições do sistema de C&T e as empresas industriais ,
até às de natureza mais simbólica, que matizam as representações que os actores
sociais têm de si próprios e dos outros, enquanto produtores, tradutores e
utilizadores do conhecimento académico.
Neste texto retemos apenas os critérios de natureza institucional e centramo-
nos nos que são mais relevantes para a problemática da transferência do
conhecimento. Consideraram-se três dimensões de análise, nomeadamente:
o conhecimento interno à empresa, a que Wesley Cohen e Daniel Levinthal (1990)
chamam de absorptive capacity. Parte-se do princípio que esta é uma condição
necessária, quer para a produção de inovação tecnológica, quer para a
comunicação com as instituições de C&T, quer para a descodificação e
utilização do saber incorporado em textos17 ou artefactos técnicos;
ainovação, em si mesma, é uma dimensão que, tendo como lugar privilegiado a
empresa, está no interface entre esta e as instituições de C&T. É
frequentemente definida como incorporação de conhecimento e indica, em última
instância, o modo como a troca de conhecimento entre as diferentes instituições
se concretizou ou não, num objecto técnico novo ou melhorado;18
a rede de relaçõesentre empresas e instituições de C&T.
Quando referimos instituições de C&T, consideramos as universidades e
instituições de intermediação,
19públicas ou privadas, susceptíveis de definir um sistema de inovação em
Portugal.
Para efeitos de operacionalização destas dimensões,20 seleccionaram-se um
conjunto de indicadores que se apresentam no quadro 1.
Partindo de um espaço de análise em que coexistiam múltiplos indicadores e
porque se pretendia averiguar da sua interdependência, privilegiou-se a análise
da homogeneidade para a identificação dos segmentos no espaço de inovação. A
sua adequabilidade decorre do facto de ser um método capaz de lidar com espaços
de análise multidimensionais e com configurações relacionais, na medida em que
prevê a tradução gráfica dos resultados, como se verifica na figura_1.
A interpretação das posições relativas das múltiplas categorias dos indicadores
utilizados permite aferir sobre a especificidade das relações e/ou ausência
delas, entre as empresas e as instituições de C&T.
Na figura_1, se atendermos à distribuição dos indicadores no plano definido
pelos dois primeiros eixos, é visível a sua forma aproximadamente parabólica
conhecida pelo efeito de Guttman ou horseshoe desenhada a partirda
localização das diversas categorias da taxa de enquadramento. Com efeito,
verifica-se uma distribuição hierarquizada da taxa de enquadramento, desde as
empresas com total ausência de quadros (Tx Enq: 0%), passando pelas que estão
numa situação intermédia (Tx Enq: 0%-10% e que corresponde ao vértice da
parábola), até às empresas que têm uma taxa igual ou superior a 10%. Esta
distribuição da taxa de enquadramento é relativamente bem acompanhada, quer
pela capacidade de inovar, quer de se relacionar com as instituições exteriores
de C&T, quer ainda com uma certa hierarquia que está subjacente a este tipo
de instituições no que diz respeito ao tipo de conhecimento que produzem.
Sublinhe-se ainda o forte efeito estruturador da primeira dimensão na
configuração deste espaço. Com efeito, uma leitura atenta da disposição das
categorias mais relevantes para a primeira dimensão, sugere uma dualização do
espaço de inovação, segundo o critério do conhecimento,21 seja ele traduzido
em taxas de enquadramento, actividades de C&T internas às empresas, no tipo
de inovação e mesmo no que se refere à possibilidade de transferência a partir
das instituições de C&T consideradas. É como se se verificasse uma oposição
entre empresas que, isoladas, têm uma acumulação zero de conhecimento e outras
que investem nesse domínio a nível interno e/ou externo.
O primeiro caso surge associado à ausência de inovação, enquanto com o segundo
caso se associam inovações de tipo radical e incremental.22 O contraste
esboçado pela primeira dimensão é também reflectido pela taxa de enquadramento,
destacando-se a oposição entre empresas com taxas de 0% e empresas com taxas
³10%.
A segunda dimensão prossegue na diferenciação das posições que as empresas
detêm neste espaço,
23 contrastando as duas situações extremas (descritas pela dimensão 1) ao
sugerir uma situação intermédia, definida por uma taxa de enquadramento que se
situa entre os grupos extremos (0-10%). Trata-se de empresas que, apesar da
ausência de contactos com instituições de produção de conhecimento de tipo mais
académico, têm inovação, seja ela de natureza mais incremental ou mais radical.
Este aspecto sugere o privilegiar de um conhecimento de tipo mais tecnológico
do que científico.24
Após analisados os aspectos que se consideraram ser mais relevantes na
interpretação de cada uma das duas primeiras dimensões, procurar-se-á
esquematizar a configuração topológica do espaço de inovação, identificando os
grupos em destaque na figura_1. Essa configuração aponta para uma distribuição
das posições das empresas no espaço de inovação segundo um crescendo no volume
dos recursos cognitivos a elas associados, definindo, assim, diversos
segmentos. Dois deles situam-se em extremos opostos e outros dois segmentam o
espaço intermédio. Estes últimos diferenciam-se não tanto pela taxa de
enquadramento (que é idêntica para os dois grupos)25 mas sobretudo pela
capacidade de relacionamento com o exterior e com o tipo de inovação no
produto.
Conjugando os critérios taxa de enquadramento, capacidade de relacionamento com
o exterior e tipo de inovação e procedendo à descodificação substantiva da
parábola (numa leitura que se processa da esquerda para a direita), podemos
tirar algumas ilações sobre a hierarquização destes segmentos no espaço de
inovação. Temos então, a começar pelo quadrante superior esquerdo:
um segmento A, que associa empresas sem quadros médios ou superiores (taxa de
enquadramento de 0%), empresas que no que se refere à inovação estão no
mercado com os mesmos produtos, empresas que não têm qualquer tipo de relação
com instituições como o Instituto Português de Qualidade, consultores técnicos,
laboratórios públicos e/ou centros tecnológicos. Constitui o segmento mais
pobre do ponto de vista da acumulação do conhecimento, sem inovação e à margem
de qualquer tipo de relação com as instituições do espaço de inovação;
um segmento B, que associa empresas que não têm actividades internas de
I&D, empresas que não têm contactos com universidades e/ou com centros de
investigação, surgindo igualmente como que isolado do exterior. Este grupo está
associado a uma melhoria nos produtos, isto é, a uma inovação de tipo
incremental;
um segmento C, que associa empresas que têm contactos com o exterior,
nomeadamente consultorias técnicas, laboratórios públicos, Instituto Português
de Qualidade e/ou centros tecnológicos. Além da inovação incremental, associam-
se aqui empresas com inovação de tipo radical. É também de registar a
proximidade da taxa de enquadramento intermédia (0-10%);
finalmente, um segmento D, que nos mostra um grupo de elite, se assim se pode
dizer, associando empresas com taxas de enquadramento mais elevadas (³10 %),
empresas que têm actividades internas de C&T, empresas que têm relações com
universidades e/ou com centros de C&T. A este grupo, em que todos os
indicadores apontam para uma maior acumulação de conhecimento, estão associadas
inovações de tipo incremental e radical.
Em termos mais gerais, podemos admitir que estes resultados corroboram a ideia
da necessidade de uma certa acumulação de conhecimento no interior da empresa
a tal absorptive capacity, de que nos falam Wesley Cohen e Daniel Levinthal
(1990) , quer para se relacionar com as instituições de produção/tradução do
conhecimento exteriores à empresa, quer para melhorar a própria capacidade de
inovação da empresa.
Outra conclusão interessante que os dados sugerem é que esta acumulação
interna de conhecimento está associada à capacidade de inovação das empresas,
mas aumenta essa capacidade de inovação quando associada a instituições
exteriores de conhecimento. Na relação com estas instituições, se consideradas
numa perspectiva hierarquizada, verificamos que são as empresas que estão no
topo da hierarquia da acumulação interna de conhecimento (taxas de
enquadramento mais elevadas, actividades internas de C&T) que se associam
com as universidades.
Para uma caracterização dos segmentos do espaço de inovação
Identificados os quatro segmentos que coexistem no espaço de inovação,
procedemos agora à sua caracterização mais detalhada enquanto grupos distintos.
Ou seja, interrogamo-nos sobre o nível de habilitação dos empresários que se
associa mais a um ou outro segmento: será que este indicador contribui para
reforçar o stock de conhecimento das empresas mais inovadoras? Em que medida a
dimensão das empresas é um critério pertinente de caracterização dos segmentos?
Será que as empresas exportadoras contribuem para clarificar a segmentação
deste espaço? Em que medida o capital estrangeiro se associa privilegiadamente
a segmentos mais ou menos inovadores? Como é que os sectores de actividade se
situam relativamente a cada um destes segmentos? E qual será o peso de cada
segmento no espaço de inovação?
Para responder a estas questões começou por se proceder à definição dos quatro
segmentos enquanto grupos distintos, tendo sido usada a análise de clusters.26
Afigura_2 permite visualizar a distribuição das empresas no espaço de inovação
segundo a identificação do seu cluster de pertença. Como se pode observar, cada
um dos quatro clusters tende a corresponder, em cada um dos quatros quadrantes,
aos segmentos atrás analisados.
Apresentamos na figura_3 os principais traços de cada um dos segmentos, segundo
o nível de habilitações dos empresários,a dimensão das empresas, o mercado dos
produtos e os sectores de actividade.27 Verifica-se que ao segmento A (cluster
1) se associam privilegiadamente empresários com habilitações até 9.º ano,
empresas de pequena dimensão e que não exportam. O segmento B (cluster 2)
caracteriza-se, sobretudo, pelo facto de aí prevalecerem empresários com
habilitações que vão até ao 9.º ou até 12.º ano, empresas com 20-99
trabalhadores e que também não exportam. Neste segmento destacam-se alguns dos
sectores base de especialização da indústria portuguesa [Lança (org.), 2000:
26], nomeadamente a fabricação de têxteis, de mobiliário e de produtos
metálicos, excepto máquinas e equipamento (ver figura_3).
Estes dois segmentos são os que concentram maior número de empresas (cluster 1:
33,4% e cluster 2: 43,8%), o que é elucidativo quanto à situação de inovação da
indústria portuguesa e da sua relação com as instituições exteriores de
conhecimento.
Ao segmento C (cluster 4) associam-se empresários com habilitações superiores,
empresas de maiores dimensões (desde 100 trabalhadores) e empresas
exportadoras.
Finalmente, no segmento D (cluster 3) encontram-se empresários e empresas com
características análogas às do cluster 4, estando, a este nível, as diferenças
nos sectores de actividade que mais se associam a um ou outro segmento, como se
verifica na figura_3.
Refira-se ainda que relativamente à percentagem de capital estrangeiro, ao
contrário dos outros indicadores, não existem diferenças significativas entre
os vários clusters.28
Conclusões
Retomando as nossas questões de partida, os resultados a que chegámos permitem-
nos concluir que, de facto, não é possível, em rigor, falar de um espaço de
inovação como um espaço homogéneo. Com efeito, foi possível identificar
configurações relacionais selectivas, ou ausência delas, entre empresas e certo
tipo de instituições de C&T onde, nalguns casos particulares e com pouco
peso relativo , aparece a universidade. Estas configurações definem, em
primeiro lugar, um forte traço estruturante que marca uma dualização do espaço
de inovação, segundo uma maior ou menor concentração de conhecimento
tecnológico. Ou seja, há uma parte das empresas que se relacionam com
instituições do sistema de C&T e que são também as que têm taxas mais
elevadas de quadros e empresários de habilitações a nível superior, que se opõe
a outra parte, em que as empresas estão isoladas relativamente a essas
instituições, têm taxas de enquadramento baixas ou nulas e empresários com
níveis de escolarização mais baixos. Esta dualização traduz-se em capacidades
de inovação no produto muito diferenciadas e é assimétrica, no sentido em que
este último grupo tem um peso relativo mais elevado (cerca de 77%).
Esta dualização do espaço é, no entanto, matizada pelo facto de cada um destes
subespaços apresentar clivagens internas. Estas clivagens são definidas de
acordo com o conhecimento endógeno que as empresas detêm indicado quer pela
taxa de enquadramento, quer pela presença/ausência de actividades internas de
I&D e apresentam uma certa coerência com a própria hierarquia de
instituições produtoras/tradutoras de conhecimento no espaço de inovação.
Assim, por exemplo, as empresas que surgem associadas a universidades e/ou
centros de I&D são as que têm mais altas taxas de enquadramento e
actividades internas de I&D.
Em síntese, a relação entre empresas e instituições do sistema de C&T só se
aplica a segmentos específicos de empresas e estes resultados sugerem que, para
se poder generalizar ao conjunto do tecido produtivo, são necessários
requisitos prévios, nomeadamente os que se referem a acumulação mínima de
conhecimento interno à empresa.
Por outro lado, e na linha de Keit Pavitt (1984), há uma certa coerência no
desenho destes segmentos e nos sectores de actividade que lhes estão
associados. Dois aspectos concorrem para esta coerência. Em primeiro lugar, o
facto de que grande parte dos sectores em que assenta a especialização
produtiva do país se localizarem num segmento, com uma acumulação de
conhecimento relativamente baixa. Em segundo lugar, o facto de este segmento se
apresentar isolado das instituições de C&T.
Mais genericamente, o que parece estar subjacente à estruturação deste espaço e
à configuração destes segmentos é que o fortalecimento dos laços com as
instituições produtoras/tradutoras de conhecimento está mais associado à
diversificação da especialização produtiva com ênfase em sectores knowledge
embedded.
Notas
1 As autoras agradecem os comentários críticos e sugestões do Professor Doutor
António Firmino da Costa, os quais em muito contribuíram para a versão final do
texto.
2 A população-alvo que serviu de base para a construção da amostra foram as
empresas da indústria transformadora portuguesa, com mais de dez trabalhadores,
localizadas nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto e que constam na base
Belem (Base de estabelecimentos e empresas) de 1998 do INE. Esta população é
formada, no seu conjunto, por 5047 empresas. Trata-se de uma amostra
estratificada por área metropolitana, sector de actividade e dimensão de
empresa, num total de 1769 empresas. A amostra real de trabalho é constituída
por 687 empresas e mantém uma representatividade adequada em relação à amostra
inquirida, segundo a área metropolitana, a dimensão da empresa e o sector de
actividade considerado a dois dígitos (cf. Hill e Hill, 2000: 31-35).
3 A incidência nas áreas metropolitanas decorre do facto de este inquérito ter
sido financiado no âmbito do projecto Competitividade e Exclusão Social: As
Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto, coordenado por João Ferreira de
Almeida, António Teixeira Fernandes e Manuela Hill, no âmbito de um consórcio
entre o Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica (Dinâmia), o Centro de
Investigação e Estudos de Sociologia (CIES) e o Instituto de Sociologia da
Faculdade de Letras da Universidade do Porto (IS-FLUP), e apoiado
financeiramente pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) ao abrigo do
Programa Praxis XXI (Praxis/2/2.1/CSH/674/95). Neste trabalho a informação é
trabalhada globalmente, sem discriminação daquelas regiões.
4 Para um desenvolvimento dos pressupostos subjacentes à análise da
homogeneidade aplicada à problemática da inovação, ver Carvalho e Oliveira (no
prelo).
5 Com base em recursos estratégicos, definidos como um conjunto de capacidades
especializadas e apropriáveis, que têm como característica a raridade, a
dificuldade de imitar e de adquirir (cf. Amit e Schoemaker, 1993: 33-46).
6 Em 1997, as despesas das empresas portuguesas em C&T eram de 19,8%,
enquanto a média europeia era de 65,2%. Na Alemanha, por exemplo, o contributo
das empresas atinge os 66,0%, na França 61,6%, na Irlanda 67,8% e na Espanha
cerca de 51%. Mesmo na Grécia estes valores são de 26,8% (Inquérito ao
Potencial Científico e Tecnológico, 2000, OCT/ MCT, Lisboa).
7 Cf. por exemplo, Godinho e Caraça (orgs.),1999, pp. 225 e seguintes, e Lança
(org.), 2000.
8 Para o período de 1994-1995, cf. Godinho e outros, 2000: 88.
9 Consideraram-se três hipótese possíveis, nomeadamente, os acordos/contratos
de cooperação, contactos pontuais e participação em projectos de
investigação aplicada.
10 No inquérito referido anteriormente (ver nota 3), conclui-se que apenas
16,5% das empresas consultam o registo de patentes. Ainda a este propósito, ver
INPI, 1997.
11 Por exemplo, Cristina Parente, Luísa Veloso, Cláudia Pinto e Ana Maria
Duarte concluem que, entre 1986 e 1995, os quadros médios e superiores
triplicam na área metropolitana do Porto e mais do que duplicam na área
metropolitana de Lisboa (2000: 151 e seguintes), em Almeida, Fernandes e Hill,
2000. Cf. ainda, Godinho e Sousa, 2000: 90 e seguintes.
12 Para uma leitura crítica da aplicação do modelo da triple-helix ao caso
português, cf. Oliveira, 1999.
13 O modo clássico de colocar este problema parte do pressuposto que as
universidades se reivindicam de uma forte autonomia, cultura e interesses
próprios e que resistem em adequar as suas actividades aos interesses
económicos das empresas. Neste quadro, os principais interessados nesta ligação
são as empresas e o estado. A iniciativa de projectos de investigação parte, em
regra, das empresas, o processo de negociação é mais ou menos difícil,
consoante os casos, mas envolve sempre contrapartidas interessantes para a
academia.
14 Referimo-nos às normas jurídicas que regulam o direito de propriedade
industrial.
15 Tal como enunciados anteriormente, no que se refere ao conhecimento
codificado ou conhecimento tácito.
16 Configurações no sentido de Norbert Elias, 1991
a e b.
17 Como por exemplo livros técnicos, registo de patentes, etc.
18 Neste trabalho, quando falamos em inovação, referimo-nos à inovação no
produto. Com efeito, partimos da convicção que a inovação no processo, sendo
muito importante para medir, por exemplo, a produtividade na empresa, aferir
sobre a modernização tecnológica, avaliar o impacto sobre o volume de emprego
ou sobre as qualificações, nos diz muito pouco sobre a relação entre as
empresas portuguesas e as instituições de C&T. Primeiro, porque a inovação
no processo ocorre geralmente por via da modernização do equipamento. Segundo,
porque os equipamentos novos, utilizados para promover a inovação no processo
são, regra geral, importados (Godinho e outros, 1988 e 1999). Não obstante foi
também realizada uma análise de homogeneidade incluindo esta variável, vindo a
concluir-se que, de facto, ela está fortemente associada à modernização do
equipamento, mas não contribui para esclarecer a transferência de conhecimento,
nem as relações entre o mundo académico e tecnológico e o mundo industrial.
19 Incluindo as que foram implementadas no âmbito do Programa de Modernização
da Indústria Portuguesa (Pedip).
20 Para informação mais detalhada sobre a operacionalização dos dados, ver
Carvalho e Oliveira (no prelo).
21 Esta referência ao conhecimento tem subjacente a ideia de que o
conhecimento é produzido, circula e é utilizado. Este processo ocorre através
de diversos meios, o que é frequentemente designado como incorporação do
conhecimento. Assim, o conhecimento pode existir incorporado em pessoas (taxa
de enquadramento), em objectos técnicos (protótipos ou inovações no produto),
textos e relatórios científicos e técnicos. Sobre esta questão ver nomeadamente
Laranja, Simões e Fontes, 1997: 14-17.
22 Esta diferença entre inovação radical e incremental é uma taxonomia da
inovação que procura fazer a distinção entre a introdução no mercado de
produtos completamente novos e outros produtos já existentes mas que sofreram
mudanças ou melhorias. Um caso elucidativo é o do aparecimento de software para
PC's (inovação radical), e a melhoria das suas performances traduzida em
versões anualmente actualizadas daquele mesmo software (inovação incremental),
como por exemplo as diferentes versões do Windows.
23 Esta dimensão é essencialmente definida pela taxa de enquadramento,
contactos com centros de C&T e tipos de inovação.
24 As fronteiras entre conhecimento científico e tecnológico esbatem-se cada
vez mais, sendo mesmo discutível este tipo de classificação, questão que não
desenvolveremos aqui. Muito embora se reconheça que a informação recolhida
através de um inquérito extensivo tem limitações conhecidas relativamente a
este tipo de problemas, não podemos deixar de sublinhar que estes resultados
apontam para uma diferenciação entre si e de posição no espaço, de instituições
mais próximas do conhecimento científico (universidades e centros de C&T) e
instituições mais próximas do conhecimento tecnológico (laboratórios públicos,
centros tecnológicos, etc), como veremos a seguir.
25 A taxa de 0%-10% está associada a estes dois segmentos que caracterizam o
que se designou de situação intermédia conforme se pode observar na figura_1.
26 Para mais detalhe sobre este tipo de aplicações, nas quais é dada
continuidade à exploração dos resultados da análise de homogeneidade (Homals)
através da análise de clusters, sugere-se a consulta do exemplo disponível em
Helena Carvalho (1999).
27 Importa referir que, em cada um dos clusters, foram seleccionadas apenas as
categorias mais relevantes e que remetiam, portanto, para os traços mais
distintivos. Estas variáveis foram projectadas como variáveis passivas. Para
informação mais detalhada deste aspecto metodológico, ver Carvalho e Oliveira
no texto já citado.
28 Das empresas que responderam a esta questão, 83,3% são empresas com capital
exclusivamente nacional, pelo que a maioria das empresas, independentemente do
cluster em referência, estão nessa situação. Das restantes, as empresas com
capital estrangeiro entre 0% e 100% situam-se privilegiadamente nos clusters 3
e 4 e as que detêm 100% de capital estrangeiro aparecem nos clusters 2 e 4.