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variedadeEu
ano2011
fonteScielo

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Searching for Africa in Brazil: Power and Tradition in Candomblé Diana Espírito Santo (Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa)

Obra recenseada: Stefania Capone, Searching for Africa in Brazil: Power and Tradition in Candomblé, Durham e Londres, Duke University, Press, 2010, xiv + 316 páginas, trad. Lucy Lyall Grant.

Esta convincente tradução do livro La quête de l'Afrique dans le candomblé: Pouvoir et tradition au Brésil(1999) finalmente disponibiliza a antropólogos não francófonos a trabalharem na área das religiões afro no Brasil a obra principal de Capone, cujos valor antropológico e riqueza etnográfica são incontestáveis. Capone é veterana neste contexto etnográfico, começando o seu percurso de investigação no final dos anos 80 no Rio de Janeiro, nomeadamente a partir do seu estudo de casas de Candomblé da nação Efon. Fascinada com a continuada predominância de certos modelos de pureza religiosa, como os da chamada tradição Nagô, associados às vertentes Ioruba no Candomblé, Capone dedica-se neste trabalho a demonstrar o quão imbricadas estão as trajetórias dos antropólogos e líderes e intelectuais religiosos na fabricação do mito da ortodoxia religiosa. Neste mito, certas modalidades religiosas são vistas como o estandarte da tradição africana e outras como a sua manifestação degenerada e infetada. Visto através da lente do seu desenrolar histórico, entre outros na escrita de Nina Rodrigues e até de Roger Bastide, em jogo na propagação deste mito estaria a oposição entre a religião e a magia, entre força e fraqueza cultural, e um conceito de superioridade racial dentro do complexo de heranças africanas na definição destas. Capone mostra-nos com impressionante detalhe a natureza complexa mas construída de polaridades como as estabelecidas entre a macumba (tida tipicamente como um conjunto de práticas urbanas largamente desprovidas de coerência religiosa), e outras tradições no Candomblé como o Angola e os Candomblés da Baía, a sua antítese, nos quais alguns dos antropólogos mais influentes ingressariam, por vezes até iniciando-se, tornando-os modelos analíticos além de etnográficos.

A contribuição de Capone neste livro reside não apenas na sua capacidade de sintetizar as correntes principais do que é sem dúvida um campo extenso de informação e contradição, principalmente para quem o leia sem qualquer conhecimento prévio. O seu sucesso apoia-se também na sua exploração magistral da ideia de que a religião afro-brasileira é de facto constituída por uma série de articulações através das quais modalidades como a Umbanda e o Candomblé, tradicionalmente concebidas separadamente, se encontram num contínuo, no qual um sem-número de práticas e narrativas, inclusivas ou exclusivas, são possíveis e até necessárias. Chamo a atenção para a originalidade da abordagem com respeito à sua desconstrução da relação cosmológica e ritual (além de sociológica) entre estas duas vertentes da religião e a força das suas estratégias de delimitação, talhada em particular através da análise do orixá Exu (mensageiro dos deuses, dono dos caminhos e do movimento), nas suas variadas manifestações ontológicas e pessoais.

Capone divide o livro em três partes. Na primeira, The metamorphoses of Exu, a autora guia-nos pelas origens da figura de Exu, o inversor por excelência da ordem social, descrevendo os seus mitos e associações nos vários ramos da religião e a sua função fundamental nos terreiros contemporâneos, além da sensível natureza da sua conceptualização. No Xangô do Recife, por exemplo, distingue-se entre Exus batizados (Exu como divinidade) e pagãos (Exu como entidade). Esta será uma classificação explorada pela autora através das categorias de Exu-egun e Exu-orixá e suas refrações. Para contextualizar esta dualidade, Capone introduz-nos à Umbanda da década de 20, considerada uma tentativa de desafricanização. A autora realça, porém, a existência de um vasto cosmos de praticantes cujas entidades ' o povo da rua ' não se contêm dentro dos parâmetros visados pelos fundadores: além dos espíritos dos escravos, dos pretos-velhos, das crianças (êres), e de Exus batizados, que teriam uma ligação direta com os orixás do Candomblé, os múltiplos Exus pagãos, como o conhecido Pilintra, e as pombagiras sedutoras e rebeldes, como Maria Padilha, incarnariam algumas das imagens mais relevantes do imaginário popular religioso. A Quimbanda, o lado escuro da Umbanda, emergiria como um padrão de acusação entre médiuns nos discursos morais, inimiga, porém necessária e complementar, da formação da Umbanda mais difundida.

Nos capítulos da segunda parte, Ritual practice, Capone salienta o caráter fluido e combinatório do campo religioso afro-brasileiro, a existência de entidades traçadas e cruzadas, tanto dentro do Candomblé como da Umbanda, assinalando a existência de formas religiosas tais como o Omolocô (que se posicionaria entre as duas) como evidência de um contínuo orgânico de práticas, indivisível. Capone mostra que a construção do Candomblé como religião universal estará predicada na oposição entre cultos puros e degenerados, traçando com fluência o contexto sociopolítico e racial e a sua cristalização no Rio de Janeiro e além. Capone analisa os mecanismos pelos quais os Candomblés da Baía se tornariam símbolos culturais na década de 1970, influenciando movimentos literários, artísticos e musicais. A visibilidade de alguns dos líderes destes templos ajudaria a que o estigma do Candomblé se esvanecesse, mas também a que o culto se identificasse com estes mesmos templos. Capone afirma que, para o médium umbandista, a transição para o Candomblé começaria a implicar prestígio e, para além, uma via pela qual buscar e justificar origens, raízes e cientificidade. Embora mencione brevemente outra opção ' a trajetória reamericanizadora da Umbanda (que se hoje em casas que postulam a sua ancestralidade indígena), Capone sublinha a natureza reafricanizadora desta passagem, analisando a reorganização ontológica e ritual necessária por parte de ambos, o médium e o seu novo pai-de-santo. A questão do espaço tornar-se-ia crucial para a resolução das tensões latentes entre os iniciados de uma e de outra. Capone demonstra aqui o potencial subversivo e contestador dos Exus da Umbanda, através de uma série de casos de estudo que apontam para a centralidade de questões de poder, género e individualidade no desenvolvimento religioso.

Na terceira parte ' intitulada The construction of tradition ', Capone efetua uma leitura crítica da figura de Exu na antropologia e na sociedade brasileira mais amplamente, na qual tece noções de raça, ciência e cidadania através do prisma da religião afro e associadas representações. Salienta-se o papel da negação do culto de Exu na construção da diferença entre a cultura Bantu e Nagô, e como os antropólogos do Candomblé do século XX se tornariam autores da autenticidade. Capone descreve como paradigmático o movimento de retorno a África na religião brasileira, marcado pelo início de um trânsito religioso e intelectual entre o Brasil e África, no qual também participaria Pierre Verger, antropólogo e figura emblemática. O resultado: um acréscimo de autoridade, frequentemente favorecendo certas redes religiosas. Mas, como diz Capone, the founding myth in Candomblé in Brazil seems to be built upon a lack of full know­ledge and the perpetual search for forgotten secrets (p. 214). Como David Brown ilustra em relação à Santería cubana (em Santeria Enthroned, The University of Chicago Press, 2003), Capone mostra de maneira formidável os acasos, as personagens e as decisões que possibilitaram a invenção da tradição no Brasil no século XX. Capone também se dedica a mostrar alguns dos efeitos deste movimento de reafricanização, entre os quais está a redefinição deste mesmo processo como algo que paradoxalmente não implicará a África necessariamente. Como diria Stephan Palmié (2008, Africa of the Americas, Leiden, Brill Academic Publishers), nem a África é um dado ontológico.


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