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EuPTHUHu0874-20492013000100003

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variedadeEu
ano2013
fonteScielo

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Cidadãos estrangeiros em Portugal: migrações, crime e reclusão

Evolução histórica dos fluxos migratórios em Portugal Os fluxos migratórios na Europa evoluíram de acordo com a história do continente e seus países, sendo, ainda, influenciados pela história mundial global. Até meados do século XX, a mobilidade na Europa era caracterizada, sobretudo, pela emigração dos cidadãos europeus para a América e para a Oceânia. A partir dos anos 50 e durante as décadas que se seguiram, teve lugar o período da migração colonial, com o fim do colonialismo europeu na África e na Ásia a conduzir à migração para alguns países da Europa (e.g., França, Portugal) de cidadãos provenientes das antigas colónias (Ferin, Santos, Filho & Fortes, 2008). Ao mesmo tempo, outros países europeus (e.g., Suíça, Alemanha), que não tinham antigas colónias mas precisavam de mão‑de‑obra para alimentar a indústria, também começaram a receber cidadãos estrangeiros, primeiro do sul da Europa e, mais tarde, da região dos Balcãs.

A partir dos anos 80, fatores como a guerra, a pobreza e o desenvolvimento de redes de tráfico de seres humanos, levaram a novos fluxos de migração, nomeadamente, de cidadãos oriundos da Europa do Leste, Ásia e África Central, que vinham à procura de trabalho e de melhores condições de vida. Estes cidadãos encontravam, sobretudo, trabalhos pouco qualificados nos países para onde migravam, embora alguns conseguissem, de facto, alcançar melhores condições de vida (Ferin et al., 2008). Em suma, podemos dizer que, a partir da década de 80 do século XX, a Europa se tornou um continente de imigração, caracterizado por fluxos migratórios complexos e significativos. Estes novos padrões de imigração foram conduzindo à construção social de ‘figuras' que lhes foram sendo associadas (e.g., imigrantes legais, ilegais, refugiados, etc.).

Na sequência das mudanças descritas, os países europeus começaram a estabelecer as suas próprias regras para receber os imigrantes e regulamentar o comportamento destes novos cidadãos (Ferin et al., 2008). Em cada país, as agências de controlo de fronteiras aumentaram em tamanho, complexidade e leque de ação. No contexto global da União Europeia (UE), a questão da imigração tem sido alvo de debate décadas, o que se foi traduzindo em oscilações entre períodos mais flexíveis e mais restritivos do ponto de vista das políticas para receber imigrantes e regulamentar a circulação dos mesmos dentro das suas fronteiras. Nos últimos anos, as principais alterações às políticas de imigração têm ido no sentido de atrair trabalhadores mais qualificados e aplicar regras mais restritas a cidadãos estrangeiros não documentados.

Também recentemente tem emergido um discurso diferente sobre a imigração, que perspetiva a mesma como uma oportunidade de escapar às mudanças desfavoráveis na demografia europeia, como, por exemplo, o envelhecimento da população2 (cf.

Tabela_1) (Rosa, Seabra & Santos, 2003). A imigração começa a ser percebida socialmente como uma ferramenta importante para combater estas circunstâncias demográficas, o que tem conduzido a um enfoque mais positivo dos discursos políticos e mediáticos sobre a mesma, diferente dos discursos mais tradicionais que associam, por exemplo, a migração e o crime, e que serão alvo de análise na segunda secção deste artigo. Como iremos ver, os discursos sobre os fenómenos migratórios parecem estar a mudar, ou, pelo menos, o discurso dominante que associa as migrações ao aumento do crime tende agora a ser balanceado com discursos divergentes, que reconhecem o impacto positivo que as migrações podem ter nas sociedades de acolhimento.

Tabela 1:  Idade média da população / regiões do mundo: 1950, 2000 e 2050.

Idade média da população / regiões do mundo   1950 2000 2050* Mundo 23,6 26,4 36,8 Regiões Desenvolvidas 28,6 37,3 45,2 Regiões Subdesenvolvidas 21,3 24,1 35,7 Continentes / regiões       África 19,0 18,3 27,5 Ásia 22,0 26,1 38,7 América Latina e Caraíbas 20,1 24,2 39,8 Europa 29,2 37,7 47,7 América do Norte 29,8 35,4 40,2 Oceânia 27,8 30,7 39,9 *Variante média de fecundidade

Fonte:   Population Divison of the Department of Economic and Social Affairs of the United Nations Secretariat, 2003; cit in Rosa, Seabra & Santos, 2003, p. 11.

No que diz respeito a Portugal, podemos dizer que, historicamente, tem sido um país tanto de emigração como de imigração. Relativamente à entrada de cidadãos estrangeiros no país, inicialmente, vieram sobretudo cidadãos oriundos do Brasil e das antigas colónias portuguesas em África, e, mais tarde, pessoas de países da Europa do Leste, como a Ucrânia, a Moldávia, a Lituânia ou a Rússia (Kalmthout, Meulen, & Dunkel, 2007). Podemos, no entanto, dizer que, dos anos 50 até meados dos anos 90, Portugal era sobretudo um país de emigração. De facto, durante esses quarenta anos, apenas no período entre meados dos anos 70 e os anos 80 é que o número de entradas declaradas foi superior ao número de saídas do país (Almeida, Norte, Mortágua, Rosa, Silva, & Santos, 2004). A partir de 1993, e apesar de haver ainda um movimento de emigração bastante significativo, o cenário começou a mudar para um balanço positivo do lado da imigração para o nosso país (Almeida et al., 2004).

Também a história das migrações de e para Portugal está inevitavelmente associada aos marcos históricos da migração europeia, previamente mencionados, e à própria história do nosso país. Com o fim da ditadura, em 1974, assistiu‑se à descolonização, o que levou a uma entrada massiva em Portugal de cidadãos das antigas colónias africanas (e.g. Angola, Moçambique). Depois deste período de imigração relacionado com o processo de descolonização, os fluxos migratórios para Portugal complexificaram‑se, ao nível do background geográfico, social e profissional dos imigrantes: os que vinham sobretudo da Europa Ocidental e da América do Norte, com níveis educacionais elevados, e que conseguiam atingir empregos qualificados; os cidadãos de Leste, frequentemente com níveis educacionais médios ou elevados, mas que aceitavam trabalhos não qualificados; finalmente, cidadãos asiáticos e africanos, que conseguiam obter trabalhos precários (Esteves & Malheiros, 2001).

Desde 2005 tem‑se assistido a um decréscimo da população imigrante em Portugal e a um aumento nos fluxos de emigração para países como a Holanda, a Inglaterra ou a Alemanha (Ferin et al., 2008). A análise destas alterações deve, no entanto, ser feita com cuidado, uma vez que existem fatores (e.g., aquisição de nacionalidade portuguesa; permanência em situação ilegal) que camuflam a realidade dos fluxos migratórios e nos impedem de ter uma leitura global da dimensão do fenómeno (Almeida et al., 2004). Ainda assim, o balanço migratório é positivo, com a população imigrante a atingir os 1.4% em 2009, depois de uma taxa de 0.8% em 2008 (Eurostat, 2010). De facto, o crescimento do balanço migratório português em 2009 foi mesmo contrário à tendência europeia, em que se verificou um decréscimo global de 2.9% em 2008 para 1.7% em 2009 (Eurostat, 2010).

No contexto português atual, a imigração tem sido considerada um assunto da maior importância, tanto do ponto de vista político como social, devido ao potencial impacto positivo no crescimento da população e no combate ao seu envelhecimento (Rosa, Seabra & Santos, 2003). Como referem Almeida e colaboradores (2004), existem várias contribuições dos cidadãos estrangeiros para a demografia portuguesa, desde o crescimento da população, ao aumento da natalidade, às mudanças na estrutura etária da população e à distribuição mais equilibrada da população por género.

Crime e construção social do ‘imigrante' Os fenómenos migratórios dentro da Europa e para a Europa, a par do aumento da mobilidade de pessoas entre países da União Europeia, oferecem oportunidades e desafios aos seus estados membros (Kalmthout, Meulen, & Dunkel, 2007).

Sendo verdade que os imigrantes constituem força de trabalho, somam contributos culturais aos países que os acolhem e auxiliam no combate a mudanças desfavoráveis na demografia europeia, não é menos verdade que despertam preocupação nos governos da UE, na medida em que a população em geral olha para os imigrantes como competidores no acesso ao mercado de trabalho. Com frequência, os imigrantes são também associados (pelo público, pelos meios de comunicação social ou, mesmo, por alguns governantes) ao mundo do crime e a roturas sociais (Lages, Policarpo, Marques, Matos, & António, 2006).

Esta construção do cidadão estrangeiro como ‘mau elemento' tem sido associada a fatores como o racismo ou a xenofobia (Maneri, & Wal, 2005). O estigma e a criminalização de estrangeiros e imigrantes advêm de discursos e práticas atribuídos às forças policiais e às autoridades judiciais e políticas. Advêm também dos discursos mediáticos que veiculam a acusação de que os imigrantes apresentam problemas de ajustamento, são fonte de fragmentação social e cometem atos criminais. A comunicação social tem sido apontada como um dos principais agentes deste processo, que as notícias tendem a sobrevalorizar os crimes cometidos por estrangeiros (Machado, 2004; Maneri, & Wal, 2005).

Relativamente a este problema, alguns estudos evidenciam uma divergência quantitativa entre a difusão de notícias sobre crimes cometidos por imigrantes e as estatísticas oficiais, enquanto outros estudos mostram que as notícias sobre imigrantes são quase sempre negativas (Maneri, & Wal, 2005).

A história tem mostrado que a preocupação com o crime e a imigração regista altos e baixos. A literatura tende a destacar que o forte movimento migratório da Europa de Leste para os EUA, em finais do século XIX, despertou na opinião pública a preocupação com o impacto dos imigrantes na dimensão crime (Reid, Weiss, Adelman, & Janet, 2005). Após a II Guerra Mundial estes receios esmoreceram para ressurgirem apenas recentemente, por volta do ano de 1965, com a entrada em vigor do Hart‑Cellar Immigration Reform Act, uma lei que assegurava entrada facilitada nos EUA a imigrantes oriundos de países não europeus (Herr, 1996, cit. in Reid et. al, 2005). Como consequência desta medida, as correntes migratórias para os EUA foram dominadas por indivíduos da Ásia e da América Latina (Reid et. al 2005), dando origem a mudanças significativas na construção da figura do ‘imigrante delinquente', que atualmente se reporta mais ao jovem latino e ao adolescente de raça negra residente em guetos, ambos do sexo masculino (Beckett, & Sasson, 2004).

Também na Europa, segundo Palidda (2009), os alvos preferenciais de criminalização são jovens estrangeiros, sobretudo em situação ilegal, residentes em zonas de exclusão.

Esta construção social da figura do ‘imigrante criminoso' tem tido paralelo no sistema legal através de uma efetiva criminalização. As estatísticas oficiais na Europa revelam que os cidadãos estrangeiros têm mais contactos com o sistema de justiça (Kalmthout, Meulen, & Dunkel, 2007), enfrentando situações frequentes de prisão, facto demonstrado pela sobre‑representação de cidadãos estrangeiros em prisões por toda a Europa (Tournier, 2001). Outros indicadores de discriminação pelos sistemas de justiça europeus são, por exemplo, o ‘sobre‑policiamento', o maior número de detenções e a falta de acesso a medidas de coação alternativas, dos imigrantes e das minorias étnicas (Röder & Mühlau, 2012). Daqui decorre a referência de muitos autores à ‘dupla penalização' de ‘criminosos estrangeiros', por serem sancionados pela lei e pelos processos administrativos(Sayad, 1999, cit. in Palidda, 2009, p.3).

Não obstante os cidadãos estrangeiros serem, ainda, uma minoria nas prisões europeias, nos últimos 20 anos a percentagem que lhes corresponde tem aumentado um pouco por toda a Europa. Palidda defende que nas duas últimas décadas, o número de inquéritos, encarceramentos e detenções de cidadãos de origem estrangeira aumentou consideravelmente, não em todos os ‘antigos' e ‘recentes' destinos de imigração na Europa, mas também na América do Norte, na Austrália, no Japão e até, mais recentemente, em países que continuam a funcionar como países de emigração ou de passagem (2009, p.1). Alguns rácios também confirmam a criminalização dos estrangeiros, como sejam o número de detidos por cada 100,000 imigrantes, particularmente elevado em alguns países (e.g., Portugal) e a proporção de estrangeiros entre a população prisional europeia (Palidda, 2009).

Mesmo não sendo nossa intenção proceder, neste artigo, à análise exaustiva das razões que explicam estes factos (Aas, 2007; Martinez & Lee, 2000), alguns deles têm de ser enfatizados. Por um lado, estes dados podem estar diretamente relacionados com o maior envolvimento dos cidadãos estrangeiros em episódios criminais, decorrente dos processos de exclusão social de que são alvo. Esta perspetiva é especialmente evidente em casos de migração ilegal, pautada por empregos precários e clandestinos e cujas circunstâncias propiciam a forte exclusão social e económica. Nestas condições, a probabilidade de transgressão aumenta, aumentando também o contacto com o sistema de justiça e a probabilidade de uma condenação à prisão (Esteves, & Malheiros, 2001). Por outro lado, os dados apresentados podem derivar das políticas da UE em relação à imigração e das medidas que os governos têm adotado para combater os crimes transfronteiriços (Kalmthout, Meulen, & Dunkel, 2007).

O Acordo de Schengen de 1985 e a respetiva Convenção de 1995 garantiram a livre movimentação de pessoas no seio da UE, através da eliminação de requisitos de segurança e de controlos fronteiriços entre todos os signatários, e através do estabelecimento de uma única fronteira externa. Alguns autores sugerem que o encorajamento da livre circulação de cidadãos da UE ajuda a veicular a mensagem Schengen de união e inclusão internas, mas o reforço das medidas de segurança, com vista à proteção interna na UE, conduz a um possível endurecimento dos controlos nas fronteiras com os países vizinhos (e.g., Geddes, 2000; Loshitzky, 2006; Newman, 2006). Esta situação pode incitar os cidadãos de regiões mais pobres ou politicamente mais instáveis a recorrer à imigração ilegal como forma de entrada em países europeus mais prósperos. Adicionalmente, importa refletir sobre as políticas de categorização dos migrantes e sobre o impacto das mesmas na forma como a migração e os migrantes são perspetivados. A criação de uma fronteira externa com países não europeus onde o patrulhamento é rigoroso, pode conduzir à construção da diferença com base em normas de exclusão, isto é, na autodiferenciação da UE face aos ‘outros', categorizados como uma ameaça social (Walters 2002; Houtum & Pijpers 2007).

Reid e colaboradores (2005) adotam uma abordagem diferente sobre os números da criminalização de estrangeiros. Não discutem as razões que sustentam tais taxas, afirmando que não evidência empírica que mostre a relação entre a imigração e o crime e que ainda são poucos os estudos que se debruçam sobre o impacto a um nível macro da imigração nas taxas de infração criminal.

Acrescentam que estudos a nível micro mostram (contrariamente ao que tende a ser veiculado na literatura) que os imigrantes se envolvem menos em crimes, quando comparados com os cidadãos nativos (Reid et al., 2005).

Elevando a análise para um nível superior de complexidade, refira‑se que, mesmo deixando de parte a assunção comummente aceite de que os imigrantes cometem mais crimes do que a população nativa, não deixa de ser possível que os cidadãos imigrantes contribuam para taxas mais elevadas de criminalidade. Nesta perspetiva, alguns discursos públicos e políticos afirmam que as fortes vagas de imigração podem excluir a população nativa do mercado de trabalho e remetê‑la para situações de desemprego, o que, por sua vez, culmina num aumento dos delitos criminais perpetrados pelos trabalhadores nativos excluídos (Grogger, 1998, cit in Reid et al., 2005).

Outros autores sugerem que, no contexto contemporâneo, a população imigrante pode trazer efeitos benéficos às sociedades europeias, especialmente às cidades, contribuindo para a redução dos problemas sociais, incluindo o crime (Lee, Martinez, & Rosenfeld, 2001, cit in Reid et al., 2005). As taxas de criminalidade, por exemplo, podem baixar na sequência da reabilitação de áreas metropolitanas economicamente estagnadas, uma vez que é que a população imigrante se fixa e faz as suas compras (Lee et al., 2001, cit in Reid et al., 2005). Desta forma, contribuem para a melhoria do tecido económico e do sentimento de pertença dessas comunidades. Estes impactos, por sua vez, promovem o aumento da supervisão social dos jovens nesses bairros e a redução do receio que essas zonas suscitam nos habitantes de outras partes da cidade.

Contudo, importa notar que uma conjugação de fatores pode, de facto, mitigar tais efeitos positivos, como sejam a situação do mercado de trabalho na cidade, os seus padrões de discriminação racial e o tipo de aculturação exigido aos imigrantes. Consequentemente, alguns autores concluem que o crescimento de comunidades imigrantes tanto pode resultar em níveis maiores como em níveis menores de comportamento criminal (Ports, & Zhou, 1993; Portes, & Rumbaut, 2001, cit. in Reid et al., 2005; Zhou, & Bankston, 1998, cit. in Reid et al. 2005). , então, que evitar qualquer interpretação simplista desta relação.

A figura mais comum do imigrante, típica dos séculos XIX e XX, como sendo alguém em desvantagem económica, com baixa escolaridade e poucas qualificações profissionais, tem sido substituída por diferentes tipos de imigrantes. A título de exemplo refira‑se que no Reino Unido, imigrantes oriundos da Índia, do Paquistão e do Bangladesh tendem a ser altamente qualificados (Lindley & Lenton, 2006). Em Portugal, os imigrantes da Europa de Leste, particularmente da Rússia, Moldávia e Ucrânia, costumam ter níveis de escolaridade mais elevados (Alto Comissariado para a Imigração e Minorias Étnicas, 2001). Como nem todos os imigrantes, atualmente, enfrentam graves desvantagens económicas, afigura‑se como possível que o aumento da imigração para uma determinada área geográfica possa estar relacionado com a diminuição das taxas de criminalidade nessa comunidade. Mesmo os imigrantes com menos habilitações literárias podem não enfrentar as mesmas limitações económicas de décadas, pelo que se torna importante distinguir diferentes comunidades dentro da população imigrante, reconhecer a sua diversidade e considerar as novas condições e desafios enfrentados pelos imigrantes de hoje.

Cidadãos estrangeiros nas prisões portuguesas Considerando a proporção de reclusos estrangeiros nas prisões europeias, podemos dizer que, de uma forma geral, esta tem vindo a aumentar ao longo da última década. Historicamente, na Europa oriental, a percentagem de cidadãos estrangeiros detidos foi sempre bastante baixa. Em contraste, na Europa ocidental, o número de cidadãos estrangeiros nas prisões tende a ser significativamente mais alto, em particular nos países com maiores fluxos migratórios e naqueles que se encontram numa posição privilegiada para o tráfico de droga (Delgrande & Aebi, 2009).

Especificamente em Portugal, salientamos, antes de mais, a sobre representação de cidadãos de nacionalidade estrangeira no sistema prisional e, genericamente, no sistema de justiça criminal (Cunha, 2010). Em termos de evolução, a proporção de reclusos estrangeiros nas prisões portuguesas sofreu algumas oscilações ao longo das últimas décadas. Se nos anos 90 a proporção de reclusos estrangeiros se situava entre os 10% e os 12% da população prisional total, esta proporção foi aumentando até ultrapassar os 20% em 2006 (Seabra, & Santos, 2006). Em Portugal, os reclusos provenientes de países africanos têm estado em destaque, sendo, contudo, visível a redução da sua proporção entre a totalidade da população reclusa estrangeira nas prisões portuguesas3(Aebi & Delgrande, 2010).

Considerando a globalidade dos países de origem, em 2000 e 2001 os reclusos estrangeiros representavam 12,1% da população prisional portuguesa (Seabra, & Santos, 2006). A partir de 2001 essa proporção foi aumentando, situando‑se, no final de 2007, nos 20,5%. De 2007 a 2009 a proporção de reclusos de nacionalidade estrangeira entre a população reclusa em Portugal situou‑se sempre em torno dos 20%.

Este aumento da proporção de cidadãos estrangeiros no contexto prisional português foi particularmente notório no caso das mulheres. Considerando o período entre 2000 e 2009 percebemos que, ao longo dos anos, Portugal teve sempre uma proporção de reclusas de nacionalidade estrangeira superior aos restantes países europeus (Almeida et al., 2004). Através da análise longitudinal das estatísticas oficiais dos serviços prisionais percebemos que, apesar de em termos absolutos não haver grandes oscilações no número de mulheres estrangeiras detidas no país, a sua proporção entre a totalidade das mulheres reclusas em Portugal passou de 11,4% em 2000 para 32% em 2009. Desde então, temos assistido a um decréscimo desta percentagem, que se situa atualmente nos 24,3% (DGSP, 2012). Por outro lado, a proporção de homens de nacionalidade estrangeira nas prisões portuguesas aumentou de 12,2%, em 2000, para 19,7%, em 2007, tendo‑se mantido estável nos últimos anos, em torno dos 19% (DGSP, 2007, 2008, 2009, 2012). Os dados mostram que, desde 2001, a proporção de reclusas estrangeiras, entre a totalidade da população prisional feminina, excedeu a proporção de reclusos estrangeiros entre a população reclusa masculina, nas prisões portuguesas4.

Tendo em conta o tipo de crime cometido pelos cidadãos de nacionalidade estrangeira detidos nas prisões portuguesas, as estatísticas oficiais mostram que, na sua maioria, estão relacionados com estupefacientes, sobretudo tráfico, enquanto os reclusos portugueses estão detidos, em primeiro lugar, por crimes contra a propriedade, mais concretamente, roubo.

A proporção de reclusos estrangeiros detidos por tráfico de droga manteve‑se estável ao longo da última década (51% ' 52%), com exceção de 2002, ano em que esta proporção sofreu um incremento para 61%. No entanto, devemos notar que a proporção de cidadãos estrangeiros entre os reclusos detidos por tráfico de estupefacientes diminuiu consideravelmente entre 2002 e 2009, passando a representar ‘apenas' 18,2% em 2009 (Semedo Moreira, 2000‑2006; DGSP, 2007, 2008, 2009).

Apesar de não constituírem uma fatia tão expressiva da criminalidade em Portugal, os crimes contra a vida em sociedade apresentaram, entre 2003 e 2008, proporções elevadas junto dos reclusos de nacionalidade estrangeira, quando comparados com os reclusos portugueses (cf. Estatísticas oficiais da justiça).

Assumindo uma outra perspetiva de análise, percebemos que, ao longo da última década, não houve grandes alterações nos tipos de crimes cometidos globalmente por reclusos de nacionalidade estrangeira. Contudo, se considerarmos o fator género nesta análise, percebemos que são diferentes os crimes que conduzem homens e mulheres de nacionalidade estrangeira à prisão. Enquanto nas mulheres se destacam os crimes relativos a estupefacientes, com percentagens muito superiores às dos crimes contra a propriedade e contra as pessoas5, os delitos cometidos pelos homens distribuem‑se de forma mais equitativa6. Estes dados permitem antecipar que o modo como migrações e crime se entrecruzam pode ser diferente se considerarmos a dimensão género.

Considerações finais Considerando a discussão anterior sobre a evolução dos padrões migratórios, a construção social do ‘imigrante' e a evolução da reclusão de cidadãos de nacionalidade estrangeira na última década, destacamos alguns dos argumentos fundamentais analisados ao longo deste artigo.

Nos últimos anos, as políticas de imigração da UE sofreram alterações, de forma a atrair trabalhadores mais qualificados e a impor maiores restrições aos cidadãos estrangeiros não documentados. Concomitantemente, emergiram novos discursos em torno do fenómeno que retratam a migração como sendo uma oportunidade para contrariar as tendências desfavoráveis da demografia Europeia (e.g., envelhecimento).

No entanto, ao mesmo tempo, as estatísticas oficiais europeias mostram que os cidadãos estrangeiros têm mais contactos com o sistema legal (Kalmthout, Meulen, & Dunkel, 2007) e estão sobre‑representados no sistema prisional.

Estes cidadãos tendem também a ser mais discriminados pelos sistemas de justiça penal, através, por exemplo, do acesso limitado a medidas alternativas à pena de prisão. É por este motivo que diversos autores (e.g., Sayad, 1999, cit. in Palidda, 2009, p.3) têm proposto o conceito de "dupla punição" dos cidadãos estrangeiros que cometem crimes (pela lei e pelos procedimentos administrativos).

Verificamos, assim, que as mudanças nas políticas de imigração e nas representações sociais em torno do fenómeno migratório parecem não estar a ter ressonância na desconstrução dos discursos políticos, mediáticos e de senso‑comum que associam a imigração ao crime. Torna‑se, por isso, fulcral, continuar a desenvolver estudos que ponham em evidência que a sobre‑representação de estrangeiros no sistema penal se deve mais à tendência para criminalizar estes cidadãos, do que a uma suposta propensão dos mesmos para o crime. Urge ainda dar continuidade ao debate em torno dos contributos dos cidadãos estrangeiros para o desenvolvimento das sociedades modernas.


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