Reinventando Lideranças: Género, Educação e Poder
Macedo, Eunice e Koning, Marijke de (coord.) (2009), Reinventando Lideranças:
Género, Educação e Poder, Porto, Ed. Fundação Cuidar o Futuro & Livpsic,
222 pp.
Isabel Menezes
Centro de Investigação e Intervenção Educativas, Faculdade de Psicologia e de
Ciências da Educação, Universidade do Porto
Este livro integra os contributos de um simpósio internacional «(Re)Inventando
lideranças: Género, educação e poder» organizado por iniciativa da Fundação
Cuidar o Futuro, em Janeiro de 2008, na Universidade Aberta em Lisboa e na
Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto.
Estamos perante uma obra complexa, mas não difícil, que se dá bem a conhecer ao
leitor e lhe dá tempo ' e até o espaço de algumas páginas em branco ' para ir
pensando sobre o livro.
O livro organiza-se como uma ópera, começando com a abertura pelas
coordenadoras, passando depois a notas breves sobre liderança de Virgínia
Ferreira, Teresa Vasconcelos, Maria do Céu da Cunha Rego e Maria José Magalhães
com textos que em que as lideranças são vistas pelo lado do vivido; evoluindo
para o 1.º acto em que pontua um texto de Rosiska Darcy de Oliveira, seguido
dos comentários de Eunice Macedo e Sofia Neves. O 2.º acto revisita lideranças
a partir dos contributos de Marijke de Koning, Eunice Macedo e Helena Araújo,
Sofia Neves, Laura Fonseca e Eunice Macedo, e Luís Rothes que permitem, como
sugere o título do primeiro destes contributos, «abrandar no espaço em branco»
e proceder a uma reflexão sobre lideranças (e exclusões) das mulheres em
contextos diversos e sobre formas de intervir para promover lideranças
inclusivas. O 3.º acto retoma os testemunhos a partir das experiências de
intervenção contadas por Ine van Emmerick, Liliana Lopes, Sónia Doutel e Vânia
Ribeiro. Cada acto termina, como seria de esperar, com um entreacto ou, no
final, com um recomeço, que paradoxalmente desafia à reflexão e expressão ' e
não ao «sossego» acomodado. O livro entende-se como uma experiência de fazer
pensar e assume esse desígnio do princípio ao fim, com contributos que
sistematicamente nos incitam à reflexão e expressão.
Estamos perante um livro que afirma o pluralismo e a diversidade, de diversas
maneiras. Diversidade nas formas de escrita: mais biográficas umas, mais
académicas outras, mais centradas na intervenção outras ainda, mas todas com um
igual estatuto. Diversidade nas disciplinas e domínios conceptuais a partir dos
quais a reflexão se produz, incluindo a ciência política, as ciências da
educação, a psicologia ou a sociologia. E diversidade porque chama a atenção
para os riscos de dizermos «nós, as mulheres» como se estivéssemos a falar de
uma categoria social homogénea. No núcleo do livro está o reconhecimento de que
«as mulheres» remetem para muitos grupos cruzados com a classe social, a
incapacidade, o estatuto de migrante ou a geração ' e que esta diversidade é
uma condição essencial para pensar e intervir, questionando a ideia de
princípios universais e reconhecendo, com Hannah Arendt, que «as questões
particulares devem receber respostas particulares» (1966 in Kohn, 2004, p. ix).
Hannah Arendt é, aliás, conjuntamente com Lourdes Pintasilgo e Paulo Freire,
uma referência inspiradora recorrente neste livro, com quem as autoras e o
autor estabelecem uma conversa que lhes vai permitindo desocultar tensões,
discutir formas de intervir e, finalmente, reinventar noções de liderança.
Assumindo, com Hannah Arendt, uma visão eminentemente relacional da política
(1995 [1950]), reforçada pelo pensamento de Maria de Lourdes Pintasilgo, a
liderança é aqui assumida como um processo de comunicação, cooperação e decisão
partilhada ' reconhecendo, tal como May (1972), um dos autores de referência de
Maria de Lourdes Pintasilgo, que o poder com é a única forma de promover o
empoderamento. Freire certamente subscreveria, sublinhando que a
conscientização é um elemento central deste processo, como se torna evidente
nos capítulos em que a reflexão sobre a intervenção é mais central.
No entanto, esta visão da liderança como um processo de comunicação, cooperação
e decisão partilhada é recorrentemente afirmada como não sendo «para as
mulheres», mas «para as mulheres e para os homens». Aliás, são diversas as
chamadas de atenção sobre as exigências suplementares que tantas vezes se
colocam ao exercício da liderança pelas mulheres, em que para além de serem
competentes, eficazes, criativas, ainda têm de revelar cuidado, compreensão,
solidariedade para com as outras mulheres, Seja porque esta afirmação pode
resvalar para «outra» visão essencialista do género e dos papéis sexuais,
igualmente discriminatória. Seja porque coloca as mulheres na situação de dupla
desvantagem: estão sistematicamente mais expostas e sobre um escrutínio mais
exigente por parte do poder hegemónico ' como facilmente se regista na atitude
dos média face a mulheres em situações de liderança política, por exemplo ', a
que se acrescentaria um igualmente exigente escrutínio por parte do poder
contra-hegemónico.
Gostaria também de salientar que o livro é, ele próprio, uma experiência
empoderante, não só porque assume que «só estará completa quando leitores e
leitoras nele inscreverem a própria voz» (p. 9), mas porque dá oportunidade de
pensar de formas diversas, e até de escrever nas tais páginas propositadamente
deixadas em branco, estimulando a considerar ' tal como as autores e o autor '
a diversidade das experiências biográficas, académicas, activistas, como
fonte de aprendizagem e de reflexão. E essa é uma lição preciosa: a de que o
conhecimento se produz de várias formas e em vários contextos e que é
importante aprender com as experiências diversas no exercício de diferentes
papéis sociais. Aliás, tanto a perspectiva de Paulo Freire quanto a
investigação sobre o empoderamento psicológico, desde os trabalhos iniciais de
Kieffer (1981) com mulheres activistas, à reflexão de Rappaport (1981) e de
Martin-Baró (1986), salientam como efectivamente as experiências opressoras e a
reflexão crítica sobre elas é fonte de conscientização e empoderamento. Nesse
sentido, a opressão é aqui o ponto de partida que permite esta reinvenção de
lideranças, pensadas como um instrumento conscientizador e empoderante ' isto
é, mais centradas na relação (de poder com) do que no controlo (de poder
sobre). É por isso que poderemos afirmar que esta noção de liderança está
essencialmente preocupada com a sua legitimidade relacional em contextos
diversos.
Finalmente, a pluralidade de experiências e de lugares como ponto de partida
para a reflexão é outra importante mais-valia, especialmente porque esta
análise se reveste de uma intensa validade ecológica, na medida em que cada
capítulo assenta e atende nos/aos contextos da sua produção: este livro,
reafirmando Hannah Arendt, coloca e dá resposta a questões sempre e
assumidamente particulares.