Home   |   Structure   |   Research   |   Resources   |   Members   |   Training   |   Activities   |   Contact

EN | PT

EuPTHUHu0874-55602012000100004

EuPTHUHu0874-55602012000100004

variedadeEu
ano2012
fonteScielo

O script do Java parece estar desligado, ou então houve um erro de comunicação. Ligue o script do Java para mais opções de representação.

Políticas de igualdade de género na União Europeia e em Portugal: Influências e incoerências

Introdução As políticas da igualdade de género, tal como hoje são entendidas, tiveram, salvo em casos avulsos e situações específicas1 (CIG, 2009; Monteiro, 2010b), início em Portugal com a instauração da República, foram interrompidas no período do Estado Novo e retomadas, numa perspetiva mais alargada, com o 25 de Abril de 1974 (CIG, 2009; Rêgo, 2010). Para esta retoma foi decisiva a inscrição do princípio da igualdade na Constituição de 1976 e os inerentes desenvolvimentos legislativos, com particular relevo para a revisão do Código Civil, em 1977, bem como, designadamente, a adesão de Portugal ao Conselho da Europa em 1976, a participação ativa do nosso país nos trabalhos sobre a matéria levados a cabo pelas organizações internacionais, em particular as Nações Unidas, a criação de facto2, em 1975, da Comissão da Condição Feminina, e a influência do direito então chamado comunitário, ou seja, produzido no âmbito das Comunidades Europeias, concretamente a Comunidade Económica Europeia.

De tal modo esta última influência foi significativa, que aquando da adesão de Portugal às Comunidades Europeias, não foi necessário transpor para a ordem interna qualquer das diretivas ao tempo aplicáveis no domínio da igualdade entre mulheres e homens (CITE, 1988b)3.

A influência do direito comunitário na "Lei da Igualdade" 1979 Em Portugal não existiu nem existe uma Lei da Igualdade, no sentido de diploma- quadro regulador da matéria de modo integrado na sequência das disposições aplicáveis da Constituição, do direito internacional e do direito da União Europeia. Mas, ainda que impropriamente, foi assim designado o Decreto-Lei n.º 392/79, de 20 de setembro (CITE, 1988a), que visava "garantir às mulheres a igualdade com os homens em oportunidades e tratamento no trabalho e no emprego", aplicando-se "igualmente, com as necessárias adaptações, a eventuais situações ou práticas discriminatórias contra os homens"4, e que, para o efeito, entre outros instrumentos, criava a Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego5. Este foi, basicamente, o normativo que, segundo o seu próprio preâmbulo, representou não "uma aproximação da legislação laboral portuguesa a outras ordens jurídicas, designadamente às de organizações internacionais a que Portugal está ou virá brevemente a estar vinculado" numa clara referência à prevista adesão às Comunidades Europeias, que, no entanto, viria a ocorrer cerca de 6 anos mais tarde mas também "o aproveitamento de ensinamentos colhidos de fecundas experiências estrangeiras neste domínio" no caso, "uma Comissão que, de alguma forma se inspirava numa instituição ao tempo muito recente: o Ombusdsman para a igualdade experimentado na Suécia", como recordava, no Colóquio que comemorou os 20 anos da CITE, Manuela Aguiar (2000), a Secretária de Estado do Trabalho, que deu o "impulso final" para a aprovação do diploma (Monteiro, 2010a).

A influência da então CEE nas políticas públicas em Portugal em matéria de igualdade entre mulheres e homens, traduzida na incorporação na "Lei da Igualdade " que igualmente integrava desenvolvimentos de normas constitucionais6 e convencionais7 do conteúdo fundamental das diretivas comunitárias mencionadas8, foi, assim, voluntária e não vinculada, porque anterior à adesão de Portugal às Comunidades Europeias.

A influência da Estratégia Europeia para o Emprego nas políticas públicas portuguesas sobre igualdade de género, a partir de 1998 Em finais de 1997, foi aprovada pelo Conselho Europeu Extraordinário do Luxemburgo a Estratégia Europeia para o Emprego, que consistia num conjunto de linhas de orientação agrupadas em 4 pilares estruturantes empregabilidade, espírito empresarial, adaptabilidade e igualdade de oportunidades a desenvolver por cada Estado membro através de um Plano Nacional de Emprego, por cujo cumprimento seria sujeito a avaliação numa perspetiva comparada entre pares e, se fosse caso disso, a recomendações por parte da Comissão Europeia.

Considero que a existência do IV Pilar relativo à "Igualdade de Oportunidades ", embora abrangesse uma área de intervenção mais vasta do que a igualdade entre homens e mulheres, constituiu uma oportunidade de relevo para o avanço das políticas públicas em Portugal no domínio da igualdade de género. Desde logo, porque a metodologia participativa para a elaboração do plano e para o seu acompanhamento implicou que a Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE) fosse regularmente consultada, o que também foi facilitado quer pelo facto de a Comissão estar integrada no Ministério do Trabalho e da Solidariedade, quer pelo facto de a responsabilidade pela elaboração do plano pertencer ao mesmo ministério.

Não fossem as obrigações da Estratégia Europeia para o Emprego concretizadas no Plano Nacional de Emprego de 1998 e, muito dificilmente teria tido lugar a adoção do conjunto de medidas que integraram as diretrizes pertinentes do IV pilar do plano no domínio da igualdade de género9, que foram semente de muitas realizações. Ainda que a execução tenha, em algumas situações, ficado longe de ser atingida, o tema viu reforçada a sua credibilidade e mereceu visibilidade e consistência ao ser tratado, pelo menos formalmente, de modo idêntico a qualquer outro relevante para o emprego: enquadramento, elencagem de prioridades, de objetivos/metas, de principais instrumentos disponíveis, de novos instrumentos, de indicadores de resultados e de desenvolvimento, de calendário. No âmbito dos então "novos instrumentos", salienta-se:

Formação na área da igualdade de oportunidades, a partir da construção de módulos, de metodologias e de materiais inovadores, dirigidos a grupos estratégicos; Inclusão de um módulo sobre igualdade de oportunidades em toda a formação pública desenvolvida pelo IEFP; Entrada em funcionamento de um observatório para seguimento da temática da igualdade de oportunidades nos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho; Atribuição de prémios às empresas com políticas exemplares na área da igualdade de oportunidades. (Diretriz 16).

Transposição da diretiva relativa ao acordo quadro sobre licença parental, garantindo a igualdade de direitos e oportunidades dos cônjuges com atividade profissional; Promoção da elaboração de códigos de boas práticas em áreas como a proteção da maternidade e da paternidade e as ações positivas em matéria de conciliação da vida profissional e familiar; Generalização, na formação inicial e contínua dispensada a ambos os sexos, do domínio de competências para o exercício de atividades de apoio à vida familiar; Expansão da rede do ensino pré-escolar. (Diretriz 17).

Atribuição de apoios específicos às empresas que promovam a igualdade de oportunidades na reinserção de trabalhadoras e trabalhadores na vida ativa; Ajustamento e reforço de medidas de ação positiva. (Diretriz 18).

Este plano concretizou também uma boa prática de transversalização (mainstreaming) da igualdade de género nas políticas públicas, não porque estabeleceu uma ligação com o Plano Global para a Igualdade de Oportunidades, de 199710, o primeiro sobre a matéria, mas também porque:

Para atingir o objetivo geral de promover, numa perspetiva horizontal e integrada, a igualdade entre homens e mulheres no conjunto das medidas e das ações, a nível do trabalho, do emprego e da formação profissional, a transversalidade das questões implica que medidas de ação positiva, designadamente de reforço ou aprofundamento das atualmente existentes ou previstas, devam considerar-se implícitas nos três primeiros pilares do presente Plano, e suscetíveis de aplicação nas situações em que o acompanhamento e a avaliação venham a aconselhá-las (Pilar IV Reforçar as políticas de Igualdade de Oportunidades).

A influência das políticas públicas portuguesas sobre paternidade no direito da União Europeia Quando teve início a presidência portuguesa do Conselho da União Europeia em janeiro de 2000, o País tinha acabado de introduzir na sua ordem interna no âmbito da transposição da diretiva comunitária sobre licença parental11, mas muito para além dos mínimos obrigatórios, respondendo também ao previsto no Plano Nacional de Emprego uma mudança de paradigma na divisão sexual do trabalho. Com efeito, a Lei n.º 142/99, de 31 de agosto, que alterara a Lei de Proteção da Maternidade e da Paternidade12 e a respetiva regulamentação13 (CITE, 2001), evidenciaram que, para a atividade económica, as crianças tinham pai, a quem também cabiam as responsabilidades da vida familiar. Tinha acabado, por via de lei explícita, o reconhecimento de que o trabalho de cuidado com descendentes era um exclusivo das mulheres. Tinha sido reconhecido aos homens o direito ao tempo e à inerente ausência sem prejuízos do local de trabalho, para o exercício da sua paternidade. Tinha sido aberto o caminho para a igualdade de facto entre mulheres e homens no trabalho pago e não pago. Como sublinha Karin Wall (Wall, 2010: 83-84), "esta nova legislação de 1999 representa um marco relevante na evolução dos direitos da paternidade em Portugal, sendo a partir desta data que se torna mais evidente a relação entre a política de licenças e a política de igualdade de género."

Com efeito, os homens trabalhadores quando são pais passaram a ter:

a. um direito próprio, autónomo e intransmissível a uma licença por paternidade de 5 dias úteis, paga a 100% pela segurança social ou pelo Estado, no caso de funcionários públicos14; b. um direito, por decisão conjunta com a mãe e no caso de não haver lugar à amamentação, à dispensa em cada dia de trabalho por dois períodos de duração máxima de uma hora para aleitação, até o filho perfazer um ano15; c. um direito exclusivo a 15 dias por licença parental paga a 100% pela segurança social ou pelo Estado, no caso de funcionários públicos, se esses dias fossem gozados imediatamente após a licença por maternidade ou por paternidade16.

Daí que Portugal tenha pretendido marcar a sua presidência, não apenas com a adoção da Agenda de Lisboa, mas também com a introdução no direito da UE de um instrumento que, ainda que simbolicamente, dissociasse as mulheres da exclusividade do trabalho de reprodução. O que conseguiu com a Resolução 2000/ C218/02 do Conselho e dos Ministros do Emprego e da Política Social, reunidos no seio do Conselho, de 29-06-2000, relativa à participação equilibrada das mulheres e dos homens na atividade profissional e na vida familiar (União Europeia, 2000). Para Dominique Méda (2001: 157),

Esta resolução parece, com efeito, um concentrado das posições mais modernas em matéria de igualdade de oportunidades e de promoção de um novo modelo de sociedade, onde, por um lado, os tempos consagrados às diferentes atividades seriam melhor equilibrados, e, por outro, estas diferentes atividades melhor repartidas entre homens e mulheres do que são atualmente (Méda, 2001: 157).17

Transcrevo algumas disposições particularmente inovadoras da Resolução, pelo que significam de consenso político num texto jurídico, ainda que não vinculativo, da União Europeia:

(2) O princípio da igualdade entre homens e mulheres implica a indispensabilidade de compensar a desvantagem das mulheres no que se refere às condições de acesso e participação no mercado de trabalho e a desvantagem dos homens no que se refere às condições de participação na vida familiar, decorrentes de práticas sociais que ainda pressupõem o trabalho não remunerado emergente dos cuidados à família como uma responsabilidade principal das mulheres, e o trabalho remunerado inerente à vida económica como uma responsabilidade principal dos homens.

(3) O princípio da igualdade entre homens e mulheres em matéria de emprego e de trabalho implica igual partilha entre pais e mães trabalhadoras no que toca nomeadamente à necessidade de ausência do local de trabalho para prestação de cuidados a filhos ou outros dependentes.

(4) A participação equilibrada das mulheres e dos homens tanto na atividade profissional como na vida familiar, que é do interesse tanto dos homens como das mulheres, constitui um aspeto essencial do desenvolvimento da sociedade, sendo a maternidade, a paternidade e os direitos das crianças valores sociais eminentes que deverão ser protegidos pela sociedade, pelos Estados-Membros e pela Comunidade Europeia.

(5) Tanto os homens como as mulheres, sem discriminação em função do sexo, gozam do direito à conciliação entre a vida profissional e a vida familiar.

(10) Face ao n.º 3 do artigo 141.º do Tratado que institui a Comunidade Europeia, importa proteger os trabalhadores de ambos os sexos que exercem direitos inerentes à paternidade, à maternidade ou à conciliação da vida profissional e familiar18.

a) O objetivo da participação equilibrada dos homens e das mulheres na atividade profissional e na vida familiar, em paralelo com o objetivo da participação equilibrada dos homens e das mulheres no processo de decisão, constituem dois pressupostos particularmente relevantes para a igualdade entre mulheres e homens; b) É necessária uma abordagem global e integrada do tema da articulação da vida profissional e da vida familiar, enquanto direito dos homens e das mulheres, fator de realização pessoal na vida pública, social, familiar e privada, valor social eminente e responsabilidade da sociedade, dos Estados-Membros e da Comunidade Europeia; c) É necessário promover todos os esforços e medidas concretas, bem como os respetivos acompanhamento e avaliação, designadamente através de indicadores apropriados, para imprimir às estruturas e às atitudes as mudanças que são essenciais para estabelecer uma participação equilibrada de homens e mulheres quer na esfera laboral quer na esfera familiar19;

Encorajamento aos Estados-membros para: i) Avaliarem a possibilidade de as respetivas ordens jurídicas reconhecerem aos trabalhadores do sexo masculino um direito individual e não transferível à licença de paternidade, após o nascimento ou a adoção de um filho, sem perda dos seus direitos relativamente ao emprego, a gozar em simultâneo com a licença de maternidade, independentemente da duração dos prazos da licença de paternidade e da licença de maternidade; ii) Avaliarem a possibilidade de as respetivas ordens jurídicas reconhecerem aos homens direitos suscetíveis de lhes permitir maior apoio à vida familiar com vista à concretização da igualdade20;

Apelo à Comissão: c) Para que, face aos novos requisitos previstos nos artigos 2.º, 3.º, no n.º 1 do artigo 137.º e no n.º 3 do artigo 141.º do Tratado que instituiu a Comunidade Europeia, e tendo em conta o (...) quinto programa de ação, proponha novas formas de participação equilibrada das mulheres e dos homens, tanto na vida profissional como na atividade familiar21;

Compromisso dos Estados-membros: 6. COMPROMETEM-SE a promover periodicamente debates sobre as matérias objeto da presente resolução num enquadramento paralelo ao tema da participação equilibrada dos homens e das mulheres no processo de decisão.

Aquele apelo à Comissão pressupunha o encorajamento a que a mesma apresentasse uma proposta de instrumento comunitário vinculativo que reconhecesse o direito à licença por paternidade nos termos em que se preconizava para os Estados membros. Entretanto, diversos Estados membros introduziram a licença por paternidade, ainda que sob formatos variados (European Union Expert Group on Gender, Social Inclusion and Employment, 2005), e uma proposta de inclusão de licença por paternidade nos moldes preconizados pela Resolução de 2000 foi apresentada no Relatório do Parlamento Europeu sobre a proposta de alteração da diretiva de 1992 relativa à proteção na maternidade apresentada pela Comissão22 pela eurodeputada Edite Estrela (Estrela, 2010), num processo que continua pendente23. Dez anos depois do apelo que atrás refiro, a Comissão incluiu a licença por paternidade, como uma hipótese a considerar nas ações-chave da sua Estratégia para a Igualdade entre Mulheres e Homens 2010-2015 (Comissão Europeia, 2010a: 14).

Os aperfeiçoamentos do Tratado de Lisboa sobre igualdade de género em contraste com instrumentos recentes da UE Embora desde o Tratado de Amsterdão, de 1997, por um lado, a Comunidade Europeia tivesse como missão promover a igualdade entre mulheres e homens24, estivesse vinculada a procurar eliminar as desigualdades e promover a igualdade de homens e mulheres em todas as suas atividades25 e a combater a discriminação baseada no sexo26, devesse apoiar e completar a ação dos Estados-Membros no domínio da igualdade entre homens e mulheres quanto às oportunidades no mercado de trabalho e ao tratamento no trabalho27, e, por outro lado, cada Estado membro fosse obrigado a assegurar o cumprimento da igualdade salarial entre trabalhadoras e trabalhadores28, sendo-lhe também permitido manter e adotar medidas de ação positiva em benefício do sexo sub- representado para lhe facilitar uma atividade profissional ou para prevenir ou compensar desvantagens na carreira profissional29, o Tratado de Lisboa30, assinado em dezembro de 2007, no final da última presidência portuguesa, e entrado em vigor em dezembro de 2009, mantendo quanto sobre a matéria vinha de Amesterdão31, trouxe melhorias no domínio da igualdade de homens e mulheres.

Assim, esta:

a. pode ser considerada um dos valores fundamentais da União Europeia32; b. deve ser promovida pela União33; e c. é garantida em todos os domínios, podendo ser adotadas, também em todos os domínios, ações positivas a favor do sexo sub-representado34.

Por outro lado, Na definição e execução das suas políticas e ações, a União tem por objetivo combater a discriminação em razão do sexo, raça ou origem étnica, religião ou crença, deficiência, idade ou orientação sexual.35

Estes aperfeiçoamentos poderiam permitir uma ação legislativa mais robusta por parte da União, não a fim de concretizar a igualdade, de facto, de mulheres e homens no território de todos os seus Estados membros, mas a fim de transversalizar este objetivo em todas as dimensões da sua política externa.

que, independentemente do controlo institucional da aplicação do direito da União Europeia e de incontestáveis aspetos positivos, alguns instrumentos recentes não concretizam aqueles aperfeiçoamentos, antes revelando alguma incoerência, lentidão no cumprimento dos objetivos, visão estratégica limitada e mesmo risco de retrocesso. Tomemos 3 desses instrumentos: a "A Carta das Mulheres" de 2010 (CE, 2010b), a Estratégia para a Igualdade de Homens e Mulheres 2010-2015 (CE, 2010a) e o Pacto Europeu para a Igualdade de Género 2011-2020 (CE, 2011).

A Carta das Mulheres 2010, embora visasse comemorar o 8 de março, os 30 anos da CEDAW (UN, 1979) e os 15 da Plataforma de Pequim (UN, 1995), e embora utilize a expressão "Igualdade entre Mulheres e Homens", pela denominação, torna as mulheres únicas destinatárias das políticas que preconiza, apenas visibilidade a objetivos em áreas de prejuízo para as mulheres (independência económica, remuneração, tomada de decisão, violência baseada no género, direitos das mulheres) e não tem em conta os efeitos prejudiciais dos estereótipos na situação dos homens e em alguns resultados assimétricos que lhes respeitam nos indicadores do desenvolvimento humano.

A Estratégia para a igualdade entre homens e mulheres 2010-2015:

a. Retoma os objetivos da Carta das Mulheres, embora evidencie menor pendor para fazer delas as únicas "clientes" da Igualdade entre Mulheres e Homens; b. Reforça a argumentação sobre a "utilidade social" das mulheres a sua participação no mercado de trabalho contrabalança a diminuição da população em idade ativa, reduzindo a pressão sobre as finanças públicas e a segurança social, alarga a base do capital humano, aumenta a competitividade, tem impactos positivos na fertilidade; c. visibilidade às mulheres empresárias, migrantes, pobres; d. Acrescenta nas questões horizontais os estereótipos de género, mas com os homens a aparecer como necessários para "ajudar" na concretização da igualdade, e apenas aludindo às desigualdades que afetam os rapazes e os homens na literacia, no abandono escolar precoce e na saúde no trabalho sem as quantificar, como faz em situações equivalentes relativas a mulheres, quando existem dados disponíveis para os dois sexos; e. Incentiva apenas as mulheres para o exercício de profissões não tradicionais ao respetivo sexo; f. Enumera iniciativas para mais expressiva participação das mulheres no processo de decisão, mas não para mais expressiva participação dos homens nas responsabilidades da vida familiar; g. Refere a abordagem do "papel" dos homens em perspetivas específicas e sem transversalização global.

Quanto a ações a desenvolver pela Comissão, e como atrás mencionei a propósito do apelo que lhe era dirigido na Resolução do Conselho sobre conciliação da atividade profissional e da vida familiar, depois de todo o diagnóstico que se tem vindo a fazer sobre a assimetria entre homens e mulheres na divisão do trabalho não pago de apoio à vida familiar, aquela ainda irá avaliar as lacunas, designadamente em termos de licença por paternidade, e examinar as opções possíveis para as colmatar, após consulta aos parceiros sociais.

No Pacto Europeu para a Igualdade de Género para 2011-2020, o Conselho:

a. Constata, por sucessivos relatórios da Comissão, que o progresso da Igualdade entre Homens e Mulheres é lento e que a igualdade de facto ainda não foi atingida; b. Considera que o problema são as barreiras que as mulheres enfrentam no mercado de trabalho; c. Reafirma o seu compromisso em cumprir a ambição da União Europeia no domínio da igualdade entre mulheres e homens tal como mencionado no Tratado, designadamente através de mainstreaming; d. Autonomiza:

i. a redução das assimetrias no emprego e na proteção social, como contributo para o potencial de crescimento da força de trabalho europeia; ii. a promoção de um melhor equilíbrio entre o trabalho pago e o de apoio à vida familiar; iii. o combate à violência contra as mulheres, para que gozem os seus direitos humanos e alcancem a igualdade de género;

e. Preconiza:

i. a promoção do emprego, do empoderamento das mulheres; ii. a eliminação dos estereótipos de género e a promoção da igualdade de género a todos os níveis; iii. melhores respostas para o cuidado de crianças até à idade da entrada obrigatória no sistema de ensino; iv. flexibilidade na organização do trabalho; v. diversos tipos de licenças para homens e mulheres; vi. o reforço da prevenção da violência contra as mulheres e a proteção das vítimas; vii. O reforço do papel e da responsabilidade dos homens e dos rapazes no processo de erradicação da violência contra as mulheres;

f. Terá em conta o papel crítico dos homens e dos rapazes na promoção da igualdade de género; g. Assegura que os efeitos da igualdade de género sejam tidos em conta na avaliação do impacto das novas políticas da União Europeia.

Em suma, não a coerência destes documentos é muito relativa, como o grau de exigência de concretização do que muito se vem dizendo é muito reduzido, como ainda, muitas vezes, eles próprios reforçam os estereótipos de género, enviando à sociedade mensagens do tipo:

Estas políticas são para mulheres, logo a igualdade entre homens e mulheres não é uma questão que interesse a toda a sociedade; Os homens têm "um papel" e "uma responsabilidade" na concretização da igualdade de género, devem "ajudar" a que a igualdade se concretize, que o mesmo é dizer que as mulheres possam ser iguais a eles, enquanto sexo "padrão" da humanidade.

Por outro lado, as políticas preconizadas incidem em áreas específicas e não transversalizam a dimensão da igualdade entre homens e mulheres (mainstreaming), em todas as áreas de intervenção da UE como os Tratados determinam, verificando-se um claro desajustamento entre a situação que reiteradamente se reconhece e a intervenção que se preconiza, o que, ao tornar as mesmas políticas insuficientes face ao determinado pelos Tratados, frustra as expetativas das pessoas.

Tais limitações ficaram, aliás, patentes no último relatório da Comissão Europeia sobre a evolução da igualdade de homens e mulheres, que conclui no sentido de que "apesar de uma tendência geral para mais igualdade na sociedade e no mercado de trabalho, os progressos na eliminação das desigualdades entre as mulheres e os homens continuam lentos."36 (EC, 2011: 17).

Em conclusão No jogo de influências recíprocas nas políticas públicas em matéria de igualdade de género, que manter uma atenção constante às limitações e incoerências que se verificam, com maior ou menor intensidade, tanto na União Europeia como nos seus Estados membros, incluindo Portugal, e ter permanentemente em conta a lição da experiência: trabalhar principalmente sobre os efeitos dos problemas pouco altera as suas causas.

A igualdade entre mulheres e homens exige o mesmo reconhecimento social de umas e outros. Verificando-se assimetrias estruturais decorrentes dos papéis de género que educam para a desigualdade, haverá condições para a igualdade com intervenções corretoras das políticas, dirigidas nuns casos a homens, noutros a mulheres.

Atualmente, face aos diagnósticos e à avaliação dos resultados de quase 40 anos de políticas para a igualdade entre homens e mulheres que anunciam visões holísticas mas que são predominantemente setoriais e focadas em ações destinadas a mulheres, na sua "condição de metade desfavorecida da humanidade", é tempo de dar visibilidade, consistência e respostas apropriadas ao peso com que os estereótipos de género se abatem sobre os ombros dos homens e, também a eles, condicionam a vida.

Nesta época de crise da natalidade, em que as crianças são um bem raro e precioso, é particularmente importante para a concretização da igualdade de género não nos deixarmos distrair ou até ludibriar com medidas "de apoio às mulheres". Estas medidas poderão reforçar o seu "papel social" tradicional, com as consequências conhecidas em termos de secundarização social com o consequente desequilíbrio estrutural nos indicadores do desenvolvimento humano. que ter presentes as "contradições, nomeadamente no seio da família, onde a participação dos homens não cresceu da mesma forma que o envolvimento das mulheres no trabalho e na atividade profissional, nem a carreira, no caso das mulheres, ganhou a mesma importância social que é atribuída à carreira dos homens" (Amâncio, 2004: 21).

Se houver vontade para se atingir, de facto, a igualdade de género, são agora necessárias políticas públicas dirigidas aos homens, que atuem sobre os elementos que constroem e mantêm as assimetrias, designadamente de poder produzidas pelo género:

a. medidas de ação positiva valorizadoras da paternidade, também na atividade económica, entre os pares e na sociedade; b. medidas que lhes atribuam um papel indispensável no cuidado de filhos e filhas, que os liguem simbolicamente, obrigatoriamente e de facto à reprodução social; c. medidas que os compensem, face às mulheres, do poder natural da maternidade certa, que as tem mantido tuteladas, ciosas de um destino que lhes ensinaram ser inevitável, e aparentemente conformadas com o preço a pagar, apesar de mais ou menos visivelmente insatisfeitas; d. medidas que lhes deem segurança e tranquilidade, e, consequentemente, os dispensem do fardo de violência, de apropriação, de proteção e de representação da espécie em que foram educados, construíram o mundo e se têm compensado para garantir a imortalidade.


transferir texto