Preferência e habituação pela face/voz da mãe vs. estranha em recém-nascidos
O bebé humano apresenta, desde a nascença, um vasto número de competências
sensoriais que lhe possibilitam atender preferencialmente a estímulos humanos
em detrimento de outros presentes no ambiente (Figueiredo, 2001). Esta elevada
sensibilidade, resultado do aperfeiçoamento progressivo do equipamento genético
e/ou das aprendizagens nos últimos meses de gestação, garante uma pré-adaptação
que beneficia a sobrevivência do recém-nascido no meio que encontra depois de
nascer (Bowlby, 1969).
Em termos visuais, o bebé tem preferência por estímulos complexos, com
contraste de cores, brilhantes e atraentes (Fantz, 1974). Porém, o estímulo
mais interessante é aquele que apresenta semelhanças como rosto humano
(Easterbrook, Kisilevsky, Hains, & Muir, 1999; Fantz, 1974;Maurer &
Barrera, 1981). O recém-nascido é capaz de fixar uma face esquemática,
diferenciar uma face falsa de uma verdadeira (Stechler & Latz, 1966) e dar
preferência ao rosto da sua mãe (Field, Cohen, Garcia, & Greenberg, 1984),
mesmo quando se controlam outras variáveis maternas, como o odor corporal, a
cor do cabelo ou a cor da pele (Bushnell, Sai, & Mullin, 1989; Field et
al., 1984; Pascalis, de Schonen, Morton, Deruelle, & Rabre-Grenet,
1995;Walton, Bower, & Bower, 1992).
Em termos auditivos, o bebé tem preferência por sons humanos (DeCasper &
Fifer, 1980), em particular vozes femininas (Brazelton & Cramer, 1989), por
sons que fazem parte da língua materna (Moon, Cooper, & Fifer, 1993), mas
especialmente por sons provenientes da própria mãe (DeCasper & Fifer,
1980). DeCasper e Fiffer (1980) observaram que, o recém-nascido apresenta
preferência pela voz da mãe em comparação com outra voz feminina, sendo capaz
de estimular a mãe a falar com ele pela intensificação dos seus movimentos de
sucção. Por sua vez, Querleu, Lefebvre, Titran, Renard, Morillion, e Crepin
(1984) estudaram um grupo de 45 recém-nascidos com uma a duas horas de vida
que, após o nascimento, ainda não tinham tido qualquer contacto com a voz
materna. Observaram diferenças significativas na resposta à voz da mãe,
comparativamente a cinco vozes desconhecidas. Estas diferenças mantinham-se
depois de controlar a entoação (dado que as mães frequentemente eram mais
calorosas); ou seja, os recém-nascidos apresentavam um comportamento mais
complexo em resposta à voz da mãe do que em resposta às vozes desconhecidas.
No entanto, sabe-se que, quanto mais a entoação da mãe se aproxima do discurso
normal, mais fácil é para o bebé demonstrar a sua preferência (Mehler,
Bertoncini, & Barriere, 1978).
Ockleford, Vince, Layton, e Reader (1988) avaliaram a frequência cardíaca de
recém-nascidos em resposta à gravação de diferentes vozes que: 1) liam uma
sequência de números e 2) apresentavam um discurso espontâneo. Observaram que,
habitualmente, a frequência cardíaca aumenta em resposta à voz da mãe (vs. Uma
voz desconhecida). Contudo, recém-nascidos com menos de vinte e quatro horas de
vida revelam uma diminuição da frequência cardíaca perante o discurso
espontâneo da mãe (vs. leitura da sequência de números). Estes dados sugerem
que os recém-nascidos respondem selectivamente aos sons experienciados
repetidamente no útero, em particular à voz da mãe.
Assim, a preferência dos recém-nascidos pela voz materna nos primeiros dias de
vida pode ter origem na sua experiência pré-natal (Fifer & Moon, 1994), já
que, quando nasce, o bebé traz consigo consideráveis experiências auditivas
relativas ao período de gestação. A voz materna tem sido descrita como o
estímulo acústico mais intenso no líquido amniótico. Dados revelam que, os
fetos, tal como os recém-nascidos, apresentam uma diminuição na frequência
cardíaca em resposta a sons do discurso materno; as desacelerações cardíacas
traduzem uma resposta cardiovascular de atenção (Fifer & Moon, 1994).
Para além da sua elevada sensibilidade sensorial, o bebé humano está capaz de
coordenar diferentes modalidades sensoriais. Por exemplo, perante um som,
dirige o olhar para o local de onde supõe que provém, esperando visualizar o
estímulo que lhe deu origem. A coordenação entre modalidades sensoriais é uma
competência muito importante para a interacção mãe-bebé, porque é em sua função
que o bebé elabora os primeiros quadros representativos da mãe (Figueiredo,
1996).
Sabe-se que os recém-nascidos preferem a face/voz da mãe vs. de uma estranha
(DeCasper & Fifer, 1980; Figueiredo, Pacheco, Costa, Conde, &Teixeira,
2010. Hernandez-Reif, Field, Diego, & Largie, 2002). A condição de o recém-
nascido ser capaz de reconhecer a voz da mãe é uma mais-valia no
estabelecimento da relação mãe-bebé: após o nascimento, vai procurar a fonte da
voz da mãe, o que o leva a olhar para a sua face. Este comportamento atrai a
atenção da mãe que tenderá a interagir mais com o filho, o que fortalece a
relação de vinculação na díade (Kisilevsky, Hains, Lee, Xie, Huang, et al.,
2003).
Burnham (1993) defende que os bebés com um mês de idade reconhecem a voz da
mãe. Contudo, é somente aos três meses que estão capazes de reconhecer a mãe
apenas através do seu rosto. O autor defende que o reconhecimento da mãe em
recém-nascidos se dá pelo reconhecimento da voz e não pelo da face. Porém, é o
precoce reconhecimento auditivo da mãe que favorece o seu posterior
reconhecimento visual.
A investigação neste domínio valoriza a importância das competências do recém-
nascido no estabelecimento de uma relação privilegiada com a mãe, que resulta
na prestação dos cuidados de que o bebé depende para sobreviver. Contudo,
outros investigadores buscam explicações alternativas. Por exemplo, Hernandez-
Reif et al. (2002) especulam sobre se a experiência que o feto desenvolve ao
tocar no seu rosto in útero não ajudará ao reconhecimento dos contornos do
rosto quando olha para a face da mãe depois de nascer.
Num dos primeiros estudos onde se demonstrou a preferência dos recém-nascidos
pela face da mãe (Field, Cohen, Garcia, & Greenberg, 1984), os autores
constataram não só que os bebés preferiam a face da mãe, mas que depois de
sucessivas apresentações do rosto materno, a sua preferência alterava para a
apresentação de um novo estímulo (a face de uma pessoa estranha). Estes
resultados sugerem que os recém-nascidos, não só, reconhecem características do
rosto materno, como percepcionam diferenças entre dois rostos humanos femininos
e, mais curioso ainda, exploram nova informação, quando providenciada.
A habituação consiste na diminuição ou extinção de uma reacção a um estímulo,
após sucessivas repetições do mesmo. Os primeiros estudos sobre a habituação em
recém-nascidos (e.g., Bridger, 1961; Bartoshuk, 1962; Engen, Lipsitt, Lewis,
& Kaye, 1963) e bebés com menos de um mês de vida (Bronshtein, Antonova,
Kamentskaya, Luppova, & Sytova, 1958) remontam à década de 50 e 60.
Observaram-se alterações ao nível da frequência cardíaca ou dos movimentos de
sucção face à apresentação repetida de um mesmo estímulo (quer visual, quer
auditivo, quer olfactivo). Sokolov (1963) designou de “reflexo orientado” o
padrão de mudanças fisiológicas e comportamentais perante a apresentação de um
estímulo novo.
Publicaram-se diversos relatos de que a criança exibe quer reflexos orientados,
quer um declínio nesses reflexos (habituação) face à apresentação repetida do
estímulo (e.g., Clifton & Meyers, 1969; Graham, Clifton, & Hatton,
1968). A identificação de uma resposta de habituação (diminuição da atenção)
perante a apresentação repetida da face materna e a posterior preferência por
outra face feminina revelam que as competências dos recém-nascidos envolvem
mais do que um comportamento inato de manutenção de sobrevivência.
Este estudo tem como objectivo principal avaliar a preferência e a habituação
neo-natal, pela face e pela voz da mãe vs. uma pessoa estranha. Em particular,
procura, em recém-nascidos comuma cinco dias de vida: 1) testar a preferência
pela face/voz da mãe vs. estranha; 2) verificar a presença de uma resposta de
habituação ao estímulo da face/voz da mãe; 3) após habituação, avaliar a
disponibilidade para a preferência pela face/voz de uma pessoa estranha.
Pretende, ainda, investigar, considerando variáveis do bebé, da gestação e
parto e da mãe, factores que possam influenciar o comportamento do recém-
nascido nas três dimensões em estudo acima discriminadas.
MÉTODO
Participantes
Da amostra deste estudo fazem parte 50 bebés com 1 a 5 dias de vida (M= 66.72
horas após o parto, SD = 69.25), nascidos na Maternidade de Júlio Dinis (Porto)
entre Janeiro de 2006 e Janeiro de 2007. São em maior número do sexo masculino,
a grande maioria nasceu de termo, embora algumas gravidezes tivessem sido
consideradas de risco médico (cf. Quadro 1). Os partos foram quer eutócitos,
quer distócitos. Ao nascimento, os bebés apresentaram, em termos médios, um
peso de 3073.90g (SD =500.27), comprimento de 48.29 cm (SD = 2.53), índice
ponderal de 2.72 (SD = 0.31), perímetro cefálico de 33.24 cm (SD = 8.15), Apgar
ao 1º minuto de 8.46 (SD = 0.92) e ao 5º minuto de 9.63 (SD = 0.61). Um número
reduzido de bebés (8.0%) foi reanimado no parto. As mães tinham, em média, uma
idade de 29.08 (SD = 6.54), sendo que 8% eram adolescentes, a maioria era
primípara (58.0%), casada ou a viver com o pai do bebé (86.0%), tendo 9 ou mais
anos de escolaridade (68.0%) e encontrando-se empregada (68.0%).
Quadro_1
Dados socio-demográficos do bebé
Medidas
Questionário Sócio-Demográfico do Parto. Questionário com 12 itens que permite
recolher informação sobre a gestação e o parto e as características sócio-
demográficas e desenvolvimentais do bebé (e.g., peso, comprimento, Apgar, tipo
de parto).
Paradigma da “Preferência e habituação pela face/voz da mãe vs. estranha”
(Hernandez-Reif, Field, Diego, & Largie, 2002). O paradigma da “preferência
e habituação pela face/voz da mãe vs. estranha”consiste numa situação
experimental que se desenvolve ao longo de 3 fases: 1) preferência, 2)
habituação e 3) pós-habituação. Envolve a participação da mãe e de duas figuras
estranhas ao bebé, com o objectivo de avaliar o tempo que o bebé olha, quer
para a mãe, quer para as figuras estranhas.
Procedimento
Os dados que apresentamos neste estudo fazem parte do projecto de investigação
“Anxiety and depression in women and men during the transition to parenthood:
Effects on fetal and neo-natal behavior and development” (POCI/SAUESP/ 56397/
2004) autorizado pela Comissão de Ética da Maternidade de Júlio Dinis.
Os pais, após esclarecimento dos objectivos e procedimentos da investigação,
assinaram um termo de consentimento informado. A recolha de dados decorreu no
Internamento de Obstetrícia entre Janeiro de 2006 e Janeiro de 2007. A
avaliação aconteceu entre o 1º e o 5º dia do pós-parto, envolvendo a aplicação
do Questionário Sócio-Demográfico do Parto e do Paradigma da “Preferência e
habituação pela face/voz da mãe vs. estranha”. O Questionário Sócio-Demográfico
do Parto foi administrado sob a forma de entrevista às puérperas.
O Paradigma da “Preferência e habituação pela face/voz da mãe vs. estranha”
envolveu a mãe (M), o bebé, um observador e duas mulheres (estranhas ao bebé)
que serviram de figuras estranhas (E1 e E2). A mãe e as estranhas vestiram uma
bata branca de modo a reduzir a presença de estímulos parasitas e utilizaram um
ecrã preto com 40 cm x 22 cm para tapar a face sempre que não chamavam pelo
bebé (cf. Figura 1). A mãe ficou entre as duas figuras estranhas e o bebé foi
colocado em situação de face a face (a cerca de 20 cm de distância da face) com
a pessoa que chamava por ele. A implementação deste procedimento envolveu 3
fases:
Figura 1
E1 , Mãe e E2
1ª fase - Preferência do bebé pela face/voz da mãe vs. estranha: Existem dois
estímulos: face/voz da mãe (M) (cf. Figura 2) e face/voz da estranha (E1) (cf.
Figura 3) apresentados em duas possíveis sequências (ME1E1M ou E1MME1). Mede-se
o tempo (segundos) que o bebé olha para a mãe/estranha, desde que iniciou o
contacto visual até que desvia os olhos ou a cabeça 30º em relação ao estímulo.
Figura 2
Bebé e Mãe
Figura 3
Bebé e E1
2º fase - Habituação do bebé à face/voz da mãe: Nesta fase, apenas participam a
mãe e o bebé. São apresentados 3 estímulos (MMM) a partir dos quais o
investigador define a linha de base (média de tempo que o bebé olhou para a mãe
nos 3 estímulos). Novos estímulos (M) são apresentados sucessivamente até que
em 3 apresentações sucessivas o bebé olhe para a mãe menos tempo que o definido
na linha de base (resposta de habituação). Mede-se o número de apresentações do
estímulo até se verificar a resposta da habituação.
3ª fase – Pós-habituação - preferência do bebé pela novidade face/voz da mãe
vs. estranha: Repete-se o procedimento da 1ª fase mas, em vez da E1, utiliza-se
uma outra figura estranha (E2) (cf. Figura 4).
Figura 4
Bebé e E2
As instruções dadas eram as mesmas para a mãe e para as estranhas: pedia-se que
chamassem o bebé, cativando a sua atenção dizendo “olá bebé”, “olha para mim
bebé”. O observador gravou em formato DVD as 3 fases que constituem o
paradigma, com o objectivo de, posteriormente, avaliar o tempo/número de vezes
que o bebé olhou para o estímulo apresentado. Após a aplicação do procedimento,
o observador / investigador visualizou o vídeo e cotou as variáveis em estudo.
Os dados foram digitalizados informaticamente para avaliação do acordo inter-
observadores.
O acordo inter-observador foi aceitável considerando a correlação de Pearson
entre dois juízes para as variáveis contínuas - tempo que olhou para a mãe (r =
.90) e tempo que olhou par a estranha (r = .81); e o kappa de Cohen para o
número de apresentações do estímulo até à resposta de habituação (k = .58).
Tratamentos estatísticos
Os dados colhidos foram digitalizados e o tratamento estatístico realizado com
o apoio do programa informático SPSS 15.0. Análises descritivas (frequências,
médias e desvios padrões) foram realizadas para a caracterização sócio-
demográfica da amostra e para determinação da resposta de habituação do bebé. O
Teste - t para amostras independentes foi aplicado na comparação do tempo médio
que o bebé olhou: 1) para a mãe vs estranha; 2) para a mãe na fase de
preferência vs. pós-habituação e, 3) para a estranha na fase de preferência vs.
pós-habituação. O Teste - t para amostras independentes permitiu, igualmente, o
estudo de diferenças na resposta de preferência e habituação em diferentes
grupos (tendo em conta características do bebé: sexo, peso, comprimento, índice
ponderal, reanimação, Apgar; gestação e parto: tipo de gravidez, semanas de
gestação, tipo de parto; e características da mãe: idade, estado civil,
estatuto ocupacional, escolaridade e paridade (tal como definidos no Quadro_1).
RESULTADOS
Preferência do bebé pela face/voz da mãe vs estranha (1ª fase)
Na 1ª fase do procedimento, avaliou-se a preferência do bebé pela face/voz da
mãe vs. uma pessoa estranha (E1). Quando se analisou o tempo que o bebé olhou
para a mãe e para a estranha, observou-se que em média o bebé olhou mais tempo
para a mãe do que para a estranha: na 1ª apresentação do estímulo e no tempo
total (soma do tempo em que olhou na 1ª e na 2ª apresentação) (cf. Quadro 2).
Quadro 2
Preferência pela face/voz da mãe vs estranha
O estudo de diferenças na resposta de preferência e habituação (tendo em conta
características do bebé: sexo, peso, comprimento, reanimação, Apgar; gestação e
parto: tipo de gravidez, semanas de gestação, tipo de parto; e características
da mãe: idade, estatuto civil, estatuto ocupacional, escolaridade e paridade)
revelou diferenças significativas em alguns dos grupos analisados.
Os bebés das mães adultas (M = 8.25, SD = 6.24), em comparação com os de mães
adolescentes (M = 3.78, SD = 2.29) olharam mais para as suas mães na 1ª
apresentação (t = 2.625, p = .012). Os bebés do sexo feminino olharam mais para
a estranha na 2ª apresentação (M = 3.93, SD = 3.42) do que os bebés de sexo
masculino (M = 2.32, SD = 1.65) (t = 2.176, p = .035). Constatou-se ainda que
os bebés que não foram sujeitos a reanimação após o parto olhavam mais para a
estranha na 2ª apresentação (M = 3.11, SD = 2.75) do que os bebés que foram
reanimados (M = 1.88, SD = 0.63) (t = 2.394, p = .028).
Habituação do bebé à face/voz da mãe (2º fase)
Na 2ª fase, após determinar a linha de base (tempo médio que o bebé olha para a
mãe em três estímulos consecutivos), avaliou-se o número de vezes que o
estímulo materno é apresentado até que o bebé apresente uma resposta de
habituação. A linha de base na amostra apresentou uma média de 3.11 (SD =
2.24). A resposta de habituação ocorreu após 0 a 4 apresentações sucessivas do
estímulo materno.
Os dados mostraram que bebés com gestação igual ou superior a 37 semanas
demoram menos tempo (M = 1.60, SD = 1.52) a habituar-se à face/voz da mãe do
que os bebés com gestação inferior a 37 semanas (M = 0.58, SD = 0.89) (t =
2.256, p = .029). Os filhos das puérperas que não coabitam com os companheiros
apresentaram um tempo médio de habituação à face/voz da mãe superior (M = 4.79,
SD = 4.43) ao dos filhos de mães casadas ou em coabitação com os companheiros
(M = 2.83, SD = 1.56) (t = 2.240, p = .030). De igual forma, os bebés de mães
desempregadas apresentaram um tempo médio de habituação à face/voz da mãe
superior (M = 4.08, SD = 3.34) ao dos bebés de mães empregadas (M= 2.64, SD =
1.26) (t = 2.208, p = .032). Os bebés que não reanimados apresentaram um tempo
médio de habituação superior (M = 3.21, SD = 2.30) ao dos bebés que foram
reanimados no parto (M = 1.96, SD = 0.56) (t = 2.825, p = .012).
Pós-habituação - preferência do bebé pela novidade: face/voz da mãe vs estranha
(3ª fase)
Na 3ª fase avaliou-se a preferência do bebé pela face/voz da mãe vs. uma pessoa
estranha (E2), depois de habituado ao estimulo materno. Ou seja, pretendeu-se
verificar se, após habituação, o bebé tinha preferência por um novo estímulo,
em oposição à face/voz da mãe. Os resultados mostram que, embora os bebés olhem
mais tempo para a estranha do que para a mãe, as diferenças não foram
estatisticamente significativas (cf. Quadro 3).
Quadro 3
Pós-habituação - preferência pela novidade: face/voz da mãe vs estranha
Quando se comparou o tempo que o bebé olhou para a mãe na fase de preferência
(1ª fase) com o tempo que olhou para a mãe na fase pós-habituação (3ª fase),
verificou-se que o bebé olha menos para a mãe depois da habituação do que no
início do procedimento, sendo as diferenças estatisticamente significativas
(cf. Quadro 4).
Quadro 4
Preferência do bebé pela face/voz da mãe vs estranha, antes e depois da
habituação
Por sua vez, quando se comparou o tempo que o bebé olhou para a estranha (E1)
na fase da preferência com o tempo que olhou para a estranha (E2) na fase pós-
habituação, os dados mostraram que, o bebé, depois de habituado, está mais
disponível para olhar para o novo estímulo, já que olhou mais para E2 do que
para E1 (cf. Quadro 4). A preferência pelo novo estímulo foi, igualmente,
confirmada pelo facto de o bebé ter olhado menos tempo para a mãe, na fase pós-
habituação do que na fase de preferência.
O estudo da resposta de preferência na fase pós-habituação, tendo em conta
características do bebé, da gestação e parto e da mãe, revelou diferenças
significativas em alguns grupos, como reportamos a seguir.
Os bebés com peso igual ou superior a 2500g olharam mais para a mãe na 1ª
apresentação (M = 3.11, SD = 4.25) e no tempo total (M = 7.26, SD = 6.065) do
que os bebés com peso inferior a 2500g (M = 1.58, SD = 0.80; M = 4.67, SD =
1.89, respectivamente) (t = 2.125, p = .039; t = 2.171, p = .040). Da mesma
forma, os bebés com índice ponderal mais favorável (> 2.50) olharam mais para a
mãe na 1ª apresentação (M = 3.57, SD = 4.58) do que os bebés com índice
ponderal igual ou inferior a 2.50 (t = 3.989, p = .008). Por sua vez, os bebés
com índice de Apgar ao 5º minuto maior ou igual a 9 olharam mais para a
estranha na 1ª apresentação (M =3.59, SD = 2.73) do que os bebés com índice de
Apgar ao 5º minuto menor que 9 (M = 1.93, SD = 1.10) (t = 2.258, p = .029). Os
bebés das mães adultas olharam mais para a mãe na 1ª apresentação (M = 7.50, SD
= 11.67) e no tempo total (M = 12.88, SD = 12.18) do que os bebés de mães
adolescentes (M = 2.53, SD = 2.56; M = 5.43, SD = 4.52, respectivamente) (t =
2.490, p = .016; t = 2.068, p = .010). Quando as mães não coabitam com os
companheiros, os bebés olham mais para a mãe na 1ª apresentação (M = 6.07, SD =
8.81) do que os bebés cujas mães são casadas ou vivem em coabitação com os
companheiros (M = 2.42, SD = 2.43) (t = 2.324, p = .024). Os bebés que foram
reanimados olharam mais para a estranha na 1ª apresentação (M = 3.14, SD =
2.49) e no tempo total (M = 7.25, SD = 5.91) do que os bebés que não foram
reanimados (M = 1.50, SD = 0.58; M = 3.50, SD = 1.73, respectivamente) (t =
3.517,p = .003; t = 3.054,p = .011).
DISCUSSÃO
Os resultados revelam que os bebés preferem a face/voz da mãe em detrimento à
de uma pessoa estranha (DeCasper, & Fifer, 1980; Figueiredo et al., 2010;
Hernandez-Reif, Field, Diego, & Largie, 2002), na 1ª fase do procedimento
experimental. Os bebés que parecem mais consistentes nesta preferência são do
sexo masculino, não sujeitos a reanimação no parto e cujas mães tem idade igual
ou superior a 19 anos.
Apenas 25% dos bebés precisam de mais do que uma apresentação do estímulo
materno para mostrar um declínio na sua atenção ao estímulo materno, sendo, por
conseguinte, rápida a resposta de habituação à face/voz da mãe (0.68 segundos,
SD = 0.99), tal como referem outros investigadores (Field, Cohen, Garcia, &
Greenberg, 1984). O os bebés de termo não reanimados no parto e cujas mães
vivem com os companheiros e se encontram empregadas são os que mais rapidamente
mostram habituação.
Quanto à preferência pelo estímulo novo na fase de pós-habituação, este estudo
não mostra claramente que o bebé prefere o estímulo novo em relação ao estímulo
materno, em oposição ao encontrado por Field, Cohen, Garcia, e Greenberg
(1984). Contudo, observa-se uma tendência, nomeadamente quando comparamos o
comportamento do bebé na fase de preferência com o comportamento na fase pós-
habituação: os bebés olham mais para a figura estranha e menos para a mãe na
fase pós-habituação. Parece isto dizer que, embora o bebé olhe mais para a
estranha e menos para a mãe, ainda não é o suficiente para que se possa
concluir que ele prefere o estímulo novo. Em relação às características dos
bebés, surgem dois resultados distintos: um que mostra preferência pela mãe
(bebés com peso igual ou superior a 2500g ou índice ponderal superior a 2.50,
cujas mães são adultas e que não coabitam com os companheiros), e outro que
denota preferência pelo estímulo novo (bebés com índice de Apgar ao 5º minuto
maior ou igual a 9 e que foram reanimados no parto).
Os resultados parecem indicar, no global, uma forte preferência do bebé pela
mãe, o que vai de encontro à maior parte das investigações sobre as
competências dos recém-nascidos (e.g., Brazelton & Cramer, 1989; Bushnell
et al., 1989; DeCasper & Fifer, 1980; Easterbrook et al., 1999; Field et
al., 1984; Fantz, 1974; Maurer & Barrera, 1981; Pascalis et al., 1995;
Walton et al., 1992). Isto parece confirmar a hipótese de manutenção da
sobrevivência na base do desenvolvimento dos comportamentos relacionais do
recém-nascido (Bandera & Maurer, 1981; Bowlby, 1969; Heimann, 1989; Gomes-
Pedro, 1982; Kisilevsky, Hains, Lee, Xie, Huang, et al., 2003; Klaus et al.,
1975; Papousek, 1989). Bebés fisicamente mais robustos apresentam resultados
mais favoráveis. Do mesmo modo, variáveis maternas (estar empregada, a viver
com o companheiro e não ser adolescente) traduzem indirectamente melhores
resultados do bebé, muito possivelmente porque as mães tiveram diferentes
disponibilidades para reforçar o comportamento dos seus filhos nas horas que
antecederam a avaliação que realizámos.
Estes dados revelam a importância de melhor clarificar o contributo de
variáveis do bebé, da gestação e parto e da sua própria mãe, como mediadoras
das competências do recém-nascido. Note-se o papel da depressão materna, cada
vez melhor documentado (para uma revisão, Field, Diego, Hernandez-Reif, 2006) e
que neste estudo não foi considerada. Outra das limitações que pode ser
apontada é o facto de, em algumas análises relativas a variáveis sócio-
demográficas, o reduzido número de participantes em alguns dos grupos não
permitir considerar os resultados apresentados mais do que preliminares neste
domínio específico (e.g., bebé reanimado e mãe adolescente).