Qualidade de Vida em Mulheres que Procuram Tratamento para a Obesidade: Estudo
comparativo entre mulheres com diagnóstico de obesidade clinicamente grave
propostas a tratamento cirúrgico e mulheres submetidas a cirurgia
O reconhecimento da obesidade como uma doença ocorreu em 1948, tendo sido
integrada pela World Health Organization (WHO) na International Classification
of Diseases (ICD) (WHO, 1948). De acordo com a WHO (2011), a obesidade e o
excesso de peso definem-se como uma acumulação anormal ou excessiva de gordura
que pode ser prejudicial para a saúde. Para avaliar com rigor a presença da
obesidade, seria necessário medir o valor da massa gorda corporal, que deve
representar sensivelmente 10 a 25% do peso do homem e 20 a 35% na mulher. Na
prática clínica, utiliza-se frequentemente o Índice de Massa Corporal (IMC) ou
Índice de Quetelet (Kg/m2) para identificar o excesso de peso e a obesidade em
adultos, tanto a nível individual como populacional. O IMC é utilizado porque
está intimamente correlacionado com a gordura corporal, e com as consequências
de saúde relacionadas com a obesidade (Guillaume, 1999; Kuczmarski, 2000; Wang,
2004; WHO, 2011).
Deste modo, a WHO (2011) define excesso de peso como um IMC igual ou superior
a 25, e obesidade como um IMC igual ou superior a 30. A gravidade da
obesidade advém da sua frequente associação a múltiplas co-morbilidades. Deste
modo, a WHO (2011) classifica a obesidade, em função do IMC e do risco de co-
morbilidade como: Obesidade Grau I ou moderada quando o IMC se situa entre 30-
34,9, Obesidade Grau II ou grave quando o IMC se situa entre 35-39,9 e
Obesidade Grau III ou muito grave quando o IMC se situa acima de 40Kg/m2. Um
peso normal é considerado quando o IMC se situa entre 18,5-24,9.
A prevalência da obesidade tem aumentado em todo o mundo (Flegal, 2005;
International Obesity Taskforce, 2009; Low et al., 2009; Ogden et al., 2006;
Seidell, & Flegal, 1997; WHO, 2011), tal como em Portugal (Carmo et al.,
2000; Carmo et al., 2008; Padez, 2006; Padez et al., 2004). Em Portugal, o mais
recente estudo nacional representativo desenvolvido para avaliar a prevalência
da obesidade em adultos descobriu que 39,4% dos indivíduos apresentava pré-
obesidade e 14,2% apresentava obesidade, evidenciando que mais de metade da
população portuguesa (53,6%) apresenta excesso de peso (Carmo et al., 2008).
O Centers of Disease Control and Prevention (CDCP) (CDCP, 2011) define a
obesidade como uma doença complexa e multifactorial que se desenvolve da
interacção de factores genéticos, metabólicos, sociais, comportamentais e
culturais. De um modo geral, existe uma variedade de factores que desempenham
um papel na obesidade, tornando-a um problema de saúde complexo para avaliar
(CDCP, 2011). De acordo com a WHO (2011), a causa fundamental da obesidade e do
excesso de peso é um desequilíbrio entre a ingestão calórica e gasto
energético. Por outro lado, a genética e o ambiente podem aumentar o risco de
uma pessoa ganhar peso (CDCP, 2011). A ciência demonstrou que os genes
contribuem para o risco de obesidade (Gale, et al., 1997). Todavia, Barlow
(2007) sublinha que os genes não constituem um único factor. Da mesma forma que
o comportamento e o ambiente influenciam o risco de uma pessoa desenvolver
outras doenças, estes influenciam o desenvolvimento da obesidade em pessoas
geneticamente com maior risco. Este facto é também analisado pelo CDCP (2011),
que salienta que as escolhas que uma pessoa faz na alimentação e na actividade
física também contribuem para o excesso de peso e obesidade. Barlow (2007)
observou ainda que, a um nível populacional, o aumento na prevalência da
obesidade é demasiado rápido para ser explicado por uma mudança genética, e que
este deve resultar de mudanças nos comportamentos alimentares e de actividade
física que desencadearam um desequilíbrio entre a ingestão calórica e o gasto
energético.
A obesidade está associada com um aumento do risco de morbilidade e
mortalidade, bem como uma redução da esperança de vida (Allison et al., 1999;
Flegal et al., 2005; Mokdad et al., 2004; Poirier et al., 2006). O excesso de
peso e a obesidade têm, de facto, grandes consequências para a saúde, sendo que
o risco aumenta progressivamente à medida que aumenta o IMC (WHO, 2011). Um
elevado IMC é um importante factor de risco para doenças crónicas, tais como as
doenças cardiovasculares, e diabetes mellitus tipo 2 (NTPTO, 2000; WHO, 2011 ).
A obesidade associa-se a um risco aumentado de complicações digestivas (tais
como litíase biliar, refluxo gastroesofágico e alterações do esvaziamento
gástrico) (Hampel, et al., 2005), pulmonares (apneia do sono) (NIH, 1998),
alterações degenerativas osteoarticulares (gonartrose e da coxartrose)
(Manninen et al., 1996), assim como a complicações que afectam a função
reprodutora (Esposito et al., 2004; Green, et al., 1988). A obesidade aumenta o
risco de desenvolver vários tipos de cancros (WHO, 2011), incluindo cancro do
cólon (Lee, & Paffenbarger, 1992), cancro do endométrio (Garfinkel, 1985),
cancro na mama em mulheres após a menopausa (Morimoto et al., 2002) e cancro na
próstata (Cerhan et al., 1997), aumentando consequentemente também a
probabilidade de morrer de cancro (Marnick, & Knobler, 2006).
Os esforços para combater a crescente prevalência da obesidade continuam a
centrar-se na promoção de estilos de vida saudáveis e no controlo de peso
através de dieta e exercício. O CDCP (2011) declara que a sociedade se tornou
obesogenic (obesogénica), caracterizada por ambientes que promovem o
aumento da ingestão de alimentos não saudáveis e inactividade física.
Reconhecendo que uma abordagem preventiva eficaz deve abordar o ambiente e as
causas ambientais, e o estilo de vida subjacentes ao ganho de peso, iniciativas
de mudança política e ambiental que tornem as escolhas saudáveis em nutrição e
actividade física, disponíveis, acessíveis e fáceis, irão provavelmente
demonstrar maior eficácia no combate à obesidade (CDCP, 2011).
Para as pessoas que estão já com excesso de peso e obesidade têm sido empregues
várias estratégias no seu tratamento. Estas incluem várias terapias, tais como
aconselhamento dietético, aumento de actividade física, terapia comportamental
e intervenção farmacológica (NIH, 1998; 2000). Porém, estas estratégias em
pessoas com obesidade clinicamente grave, estão associadas com pobres
resultados a longo prazo (NIH, 1998; 2009). O National Institutes of Health
(NIH) salienta que a cirurgia para a perda de peso é uma opção para pessoas com
obesidade clinicamente grave, desempenhando um importante papel no tratamento.
Em 1990, o tratamento cirúrgico para a obesidade foi aceite pelos seus efeitos
nas comorbilidades associadas. Desde 1991, a obesidade clinicamente grave, isto
é, a identificação de um IMC superior a 40 ou um IMC superior a 35 na presença
de comorbilidades significativas, e em doentes nos quais houve fracasso com
outros métodos de tratamento, tem sido considerada ela própria como uma
indicação para cirurgia (NIH, 1991). O tratamento cirúrgico tem sido um método
considerado eficaz para obter uma sustentada redução de peso e melhorias ou
cura de comorbilidades (NIH, 2009). Deste modo, embora a cirurgia tenha um
papel relativamente menor na luta global contra a obesidade, esta precisa ser
considerada para um pequeno segmento da população cuja saúde está seriamente
comprometida.
Importância da Avaliação da Qualidade de Vida na Investigação da Obesidade
No contexto específico da saúde, qualidade de vida pode ter um significado mais
amplo ou mais restrito. O conceito qualidade de vida generalizou-se e
popularizou-se no contexto da saúde, onde é frequentemente referido como
«Qualidade de Vida Relacionada com a Saúde» ' Health Related Quality of Life '
(HRQOL) (Ribeiro, 2007). A qualidade de vida relacionada com a saúde refere-se
particularmente à qualidade de vida das pessoas que, por qualquer razão (neste
caso, por causa da obesidade), estão ligadas ao sistema de cuidados de saúde,
sendo o seu elemento central a saúde. A sua avaliação visa, assim, perceber de
que forma os diferentes domínios são influenciados pelas características da
doença que afecta a pessoa (Silva, Ribeiro, & Cardoso, 2008).
Ribeiro (2007) afirma que o domínio da saúde é o que explica melhor a qualidade
de vida em geral, no qual muitos autores assumem uma forte identidade entre
este conceito e o conceito de saúde tal como definido pela WHO (1946), como um
completo estado de bem-estar físico, mental e social e não meramente a ausência
de doença ou de incapacidade
Contudo, a ausência de definição da qualidade de vida no campo da saúde tem
levado à produção de inúmeras definições, nem sempre conciliatórias (Ribeiro,
2007). Gemert et al. (1998) observam que o conceito é complexo, porque deve
incorporar todos os aspectos da vida. A WHO (1993) define qualidade de vida
como a percepção do indivíduo da sua posição na vida, no contexto da sua
cultura e sistema de valores nos quais vive e em relação com os seus
objectivos, expectativas, padrões e preocupações. Esta definição reflecte a
visão de que a qualidade de vida se refere a uma avaliação subjectiva que está
inserida num contexto cultural, social e ambiental, sendo definida como um
conceito alargado que é afectado de uma forma complexa pela saúde física,
estado psicológico, nível de independência e relações sociais da pessoa, e a
relação com as características salientes do respectivo meio (WHOQOL Group,
1993, 1994). Fontaine e Barofsky (2001) afirmam ainda, que a qualidade de vida
é aceite como um construto multidimensional, englobando sentimentos emocionais,
físicos, sociais e subjectivos de bem-estar, que reflectem uma reacção e
avaliação subjectiva do indivíduo à saúde ou doença.
Tradicionalmente, os resultados da medicina e dos cuidados de saúde têm sido
determinados por avaliações médicas objectivas. Cada vez mais, tornou-se claro
que a perspectiva do doente também é uma variável crítica e, como resultado, o
foco mudou progressivamente, incluindo avaliações de resultados médicos,
relacionadas com a saúde, a partir da perspectiva do doente (Fontaine &
Barofsky, 2001). Avaliações da qualidade de vida são potencialmente úteis para
médicos, investigadores, administradores e políticos (Fontaine, & Barofsky,
2001; Kolotkin et al., 2001), utilizadas para avaliar o estado actual de um
indivíduo que está a experimentar uma determinada doença; como medidas de
resultado para avaliar os efeitos e eficácia de diferentes tratamentos
(Fontaine & Barofsky, 2001; Kolotkin et al., 2001); e, a um nível mais
geral, orientar percursos clínicos, custos dos cuidados de saúde e politicas de
saúde pública (Fontaine & Barofsky, 2001).
A qualidade de vida é um construto particularmente relevante na investigação da
obesidade e perda de peso, uma vez que a obesidade tem mostrado exercer
significativas consequências negativas na qualidade de vida, que parecem ser
resolvidas com uma adequada perda de peso.
É hoje amplamente reconhecido que a obesidade afecta negativamente a qualidade
de vida (Barofsky et al., 1997; Fabricatore et al., 2003; Fine et al., 1999;
Fontaine et al., 1996; Fontaine et al., 2000; Ford et al., 2001; Hassan et al.,
2003; Heo et al., 2003; Jia & Lubetkin, 2005; Karlsson et al., 1998;
Larsson, et al. 1983; Sullivan et al., 1993). Fontaine e Bartlett (1998)
afirmam que os danos na capacidade de um indivíduo com obesidade viver total e
activamente como deseja podem ser uma séria consequência da obesidade, como são
os seus efeitos adversos na morbilidade e mortalidade.
De facto, as pessoas com obesidade tendem a revelar graves dificuldades na
capacidade de desempenhar as suas actividades físicas do dia-a-dia. A qualidade
de vida tem demonstrado variar com a gravidade da obesidade, na qual as pessoas
com obesidade Grau III revelam significativamente pior qualidade de vida do que
as pessoas com menores graus de obesidade (Fontaine et al., 1996; Jia, &
Lubetkin, 2005; Stewart, & BrooK, 1983) e embora pareça estar associada com
decréscimos substanciais no funcionamento social e saúde mental, a magnitude
destes decréscimos pode ser ligeiramente mais fraca do que os observados no que
diz respeito aos domínios do funcionamento físico (Fine et al., 1999; Fontaine
et al., 1996; Ford et al., 2001; Hassan et al., 2003; Heo et al., 2003).
Salientamos ainda, que as pessoas com obesidade que procuram tratamento revelam
pior qualidade de vida do que as que não procuram tratamento (Fontaine et al.,
2000 ; Kolotkin et al., 2002).
A maioria dos estudos que observaram a relação entre a obesidade e a qualidade
de vida examinaram também o efeito da redução do peso, através de intervenção
cirúrgica, na qualidade de vida. Estes indicam que a percepção da qualidade de
vida melhora dramaticamente em pessoas que perderam grande parte do seu excesso
de peso (Choban et al., 1999; Dixon et al., 2001; Dixon et al., 2003; Dymek et
al., 2001; Dymek et al., 2002; Fontaine & Barofsky, 2001; Fontaine et al.,
1999; Gemert et al., 1998; Karlsson et al., 1998; Kolotkin et al., 2001; Kral
et al., 1992; Mathus-Vliegen & Wit, 2007; Schok et al., 2000; Hout et al.,
2009), mesmo quando a perda de peso é pequena ou moderada (Dymek et al., 2002).
Os benefícios de uma dramática perda de peso são especialmente significativos,
e estes continuam por alguns anos (Fontaine, & Barofsky, 2001; Gemert et
al., 1998; Kolotkin et al., 2001; Mathus-Vliegen & Wit, 2007). Além disso,
a maioria dos estudos realizaram follow-up com os indivíduos, sugerindo que os
efeitos da redução de peso na qualidade de vida são estáveis.
O presente estudo avalia a qualidade de vida em mulheres com diagnóstico de
obesidade clinicamente grave em tratamento para a obesidade, abrangendo este
tratamento o acompanhamento médico em especialidades como Endocrinologia,
Psicologia e Nutrição, considerando-se, deste modo, a utilização de diversas
terapias, como intervenção farmacológica, terapia comportamental e cognitiva, e
aconselhamento dietético (adequado ao particular estado clínico). Estas
participantes encontram-se, em adição, propostas a tratamento cirúrgico para a
obesidade (G1). Pretende-se comparar este grupo G1 com dois grupos de mulheres
submetidas a cirurgia para o tratamento da obesidade, em dois períodos de tempo
pós cirúrgico diferentes: num ponto intercalar, seis ou menos meses após a
cirurgia (G2) e após terem estabilizado o seu peso corporal, doze ou mais meses
após a cirurgia (G3). As participantes destes dois últimos grupos receberam
tratamento cirúrgico para a obesidade, tendo sido submetidas a
gastrobandoplastia ou a bypass gástrico.
MÉTODO
Participantes
A amostra avaliada é de conveniência, constituída por três grupos de
participantes:
Grupo 1: Constituído por 118 participantes do sexo feminino com diagnóstico de
obesidade clinicamente grave candidatas a tratamento cirúrgico; com uma média
(M) de idades de 42,38 anos, com um desvio padrão (SD) de 11,08 anos; o nível
médio de escolaridade é de M=7,31 anos (SD=4,17); 50,4% empregadas, 18,8%
desempregadas, 1,7% estudantes, 12% reformadas e 17,1% domésticas; na sua
maioria casadas (72,6%) e com um IMC médio de M=44,64 (SD=8,71), que varia
entre 31,89 e 69,71.
Grupo 2: Constituído por 18 participantes do sexo feminino submetidas a
cirurgia para o tratamento da obesidade há seis ou menos meses; com uma média
(M) de idades de 40,72 anos, com um desvio padrão (SD) de 11,29 anos; o nível
médio de escolaridade é de M=9 anos (SD=4,22); 66,7% empregadas, 15,6%
desempregadas, 16,7% reformadas e 11,1% domésticas; na sua maioria casadas
(77,8%) e com um IMC médio de M=40,22 (SD = 4,63), que varia entre 34.77 e
49,60.
Grupo 3: Constituído por 45 participantes do sexo feminino submetidas a
cirurgia para o tratamento da obesidade há doze ou mais meses; com uma média
(M) de idades de 45,71 anos, com um desvio padrão (SD) de 10,18 anos; o nível
médio de escolaridade é de M=7,10 anos (SD=4,13); 50% empregadas, 9,1%
desempregadas, 11,4% reformadas e 29,5% domésticas; na sua maioria casadas
(70,5%) e com um IMC médio de M=34,06 (SD = 10,22) que varia entre 17,95 e
56,54.
Material
SF-36
Os participantes completaram o SF-36, desenhado para avaliar a qualidade de
vida. Este questionário foi desenvolvido por Ware, Snow, Kosinsky e Gandek
(1993) com o objectivo de avaliar a percepção de saúde tal como é definida pela
Organização Mundial de Saúde, considerando-a um construto multidimensional
(Ribeiro, 2007b). A versão portuguesa designa-se por SF-36 e foi desenvolvida
Ribeiro (2005). Os 36 itens do SF-36 distribuem-se por oito dimensões -
Funcionamento Físico, Desempenho Físico, Desempenho Emocional, Dor Corporal,
Saúde Geral, Vitalidade, Funcionamento social, Saúde Mental - que se associam
em dois Domínios: Físico e Mental. Em adição, apresenta um item Transição de
Saúde. A nota de cada dimensão é convertida de 0 a 100. Elevados resultados
indicam elevado funcionamento, excepto o item transição de saúde, que é
avaliado no sentido oposto (Ribeiro, 2005). O SF-36 é recomendado por
apresentar boas qualidades psicométricas, disponibilizar normas em diferentes
populações e permitir comparar a qualidade de vida de indivíduos com diferentes
condições de saúde (Kolotkin et al., 2001; Wadden & Phelan, 2002). Neste
estudo, as escalas do SF-36 apresentam um valor de Alpha de Cronbach razoável
(os valores são todos superiores a 0,70), tratando-se de uma escala fiel.
Procedimento
Integrado em estudo em curso, ressalvamos que a Comissão de Ética da
instituição onde
foram recolhidos os dados havia já aprovado os procedimentos utilizados. Os
participantes foram recrutados aquando de uma consulta de rotina no Serviço de
Endocrinologia do Hospital de Santo António ' Centro Hospitalar do Porto, e
responderam à entrevista clínica e aos questionários no contexto de uma
entrevista pessoal. Todos preencheram um termo de consentimento livre e
informado. Os dados foram analisados utilizando-se o SPSS, Statistical Package
for The Social Sciences, versão 19.0.
RESULTADOS
No quadro 1 podemos observar que existem diferenças estatisticamente
significativas ao nível da qualidade de vida entre os grupos em estudo. A
análise dos dados, através do Teste ANOVA, relativos aos dois domínios da
qualidade de vida revela a existência de diferenças significativas quer ao
nível físico, F(2,164) = 8,21, p= 0,0001, quer mental, F (2,163) = 4,293, p=
0,015.
Quadro 1
Análise descritiva da qualidade de vida nos grupos G1, G2 e G3. Resultados do
Teste ANOVA. Comparação visual com os valores normativos da população feminina
portuguesa
A análise dos dados permite verificar, utilizando o Teste Post-Hoc de
Bonferroni, a existência de diferenças estatisticamente significativas entre os
grupos G1 e G2 nas dimensões do SF-36 de saúde geral, vitalidade e transição de
saúde. Este teste identifica uma melhor qualidade de vida ao nível destes
domínios no grupo G2, comparativamente ao grupo G1. Constatou-se, a existência
de diferenças estatisticamente significativas entre os grupos G1 e G3 nas
dimensões do SF-36 de funcionamento físico, dor, saúde geral, vitalidade,
desempenho emocional, em ambos os domínios físico e mental, e avaliação de
transição de saúde. Identificamos uma melhor qualidade de vida no grupo G3,
comparativamente ao grupo G1. A análise dos dados revela a não existência de
diferenças estatisticamente significativas entre os grupos G2 e G3 ao nível da
qualidade de vida.
Deste modo, constatamos que são as mulheres submetidas a cirurgia para o
tratamento da obesidade há 12 ou mais meses que apresentam uma melhor qualidade
de vida, seguidas pelas mulheres submetidas a cirurgia há 6 ou menos meses. As
mulheres com diagnóstico de obesidade clinicamente grave a aguardar tratamento
cirúrgico são as que apresentam uma pior qualidade de vida.
Relativamente aos resultados de IMC, a análise dos dados demonstra existir uma
diferença estatisticamente significativa ao nível do IMC entre os três grupos,
F(2,159) = 36,959, p =0,0001). O Teste Post-Hoc de Bonferroni identifica o
grupo G1 como tendo um IMC superior relativamente ao grupo G3 (10,034 pontos
superiores no grupo G1). Do mesmo modo, este teste identifica o grupo G2 como
tendo um IMC superior relativamente ao grupo G3 (6,168 pontos superiores no
grupo G2). A análise dos dados não demonstra diferenças estatisticamente
significativas ao nível do IMC entre os grupos G1 e G2.
Procuramos inicialmente analisar qual a associação existente entre a qualidade
de vida e o IMC, recorrendo à análise das correlações de Pearson.
Primeiramente, considerando os três grupos, a análise da relação entre a
qualidade de vida e o IMC, revela uma correlação estatisticamente significativa
fraca e negativa, quer ao nível do domínio físico, r = -0,323; p = 0,0001, quer
mental, r = -0,184, p = 0,025, sugerindo que quanto menor o IMC, melhor a
qualidade de vida. Analisando cada grupo individualmente, verificamos que no
grupo G1 a relação entre qualidade de vida ao nível do domínio físico e o IMC é
estatisticamente significativa e negativa, apontando no sentido de que quanto
maior o IMC, menor a qualidade de vida ao nível do desempenho físico, r = -
0,215; p =0,032. Relativamente ao nível do domínio mental da qualidade de vida,
os resultados indicam a não existência de uma correlação estatisticamente
significativa entre as variáveis, r = - 0,134; p =0,193. No grupo G2
constatamos a não existência de uma relação estatisticamente significativa
entre o IMC e a qualidade de vida ao nível do domínio físico, r=0,392; p
=0,186, bem como no domínio mental, r=0,179; p =0,507. Os mesmos resultados
foram encontrados no grupo G3, verificando-se a não existência de uma relação
estatisticamente significativa entre o IMC e a qualidade de vida ao nível do
domínio físico, r = -0,246; p =0,149, bem como no domínio mental, r= -0,100; p
=0,555.
Para uma melhor compreensão destes resultados, consideramos os dois domínios da
qualidade de vida, nomeadamente, físico e mental, e estes dois factores, IMC
(medida categórica) e grupos em estudo para o cálculo do Teste ANOVA two-way
com Teste Post-Hoc de Bonferroni. No Gráfico 1 e 2 apresentamos os resultados
relativos aos domínios físico e mental da qualidade de vida, respectivamente.
Gráfico_1
Domínio Físico da Qualidade de Vida ' SF-36
Gráfico_2
Domínio Mental da Qualidade de Vida ' SF-36
A análise dos dados permite identificar que são as participantes do grupo G1 as
que apresentam uma menor qualidade de vida, com resultados médios inferiores em
todas as dimensões da qualidade de vida avaliadas pelo SF-36, com excepção
apenas da sub-escala do funcionamento social, reflectindo-se em ambos os
domínios físico e mental da qualidade de vida. A comparação com as normas
gerais da população feminina portuguesa (normas gerais de um grupo não doente
ou saudável, resultados do SF-36 adaptados de Ribeiro, 2005), indica uma
elevada percentagem de mulheres que apresentam uma qualidade de vida inferior
às normas, nomeadamente ao nível da saúde geral (79,7%), saúde mental (76,3%),
dor corporal (77,1%), vitalidade (75,4%), funcionamento físico (75%),
desempenho físico (52,2%) e desempenho emocional (50,9%).
A análise dos dados, neste grupo G1, revela que existe uma relação entre o IMC
e a qualidade de vida ao nível do domínio físico, contudo, verificamos que não
existe uma relação linear entre a qualidade de vida e o peso corporal, isto é,
não se verifica que quanto maior o peso, menor a qualidade de vida. Como
podemos constatar no gráfico_1 e 2, quer ao nível físico da qualidade de vida,
quer ao nível mental, verificamos que no grupo G1 são as participantes com
classificação de obesidade Grau II aquelas que apresentam uma melhor qualidade
de vida, comparativamente às participantes com obesidade Grau I. Seguidamente,
com melhores resultados encontram-se as participantes de grau I, constatando-se
que, são de facto as participantes com obesidade grau III aquelas que
apresentam uma pior qualidade de vida.
No grupo G2, por sua vez, observamos diferentes resultados na qualidade de
vida. Ao nível do domínio físico da qualidade de vida constatamos que as
participantes com classificação de obesidade Grau I são as que apresentam
piores resultados, quer ao nível físico, quer mental, da qualidade de vida. Ao
nível do domínio físico, as participantes com classificação de obesidade Grau
III apresentam melhores resultados comparativamente às participantes com Grau
II. Contrariamente, ao nível do domínio mental, verificamos o inverso, as
participantes com Grau II apresentam melhores resultados do que as
participantes com Grau III.
No grupo G3, constatamos os elevados resultados na qualidade de vida, quer ao
nível físico, quer mental. Contudo, verificamos uma relação não linear entre o
IMC e a qualidade de vida. Com melhores resultados ao nível do domínio físico
encontram-se as participantes com classificação de obesidade Grau II e Grau I,
seguidas de das participantes que alcançaram uma classificação de Excesso de
Peso, seguidas por participantes que se encontram com uma classificação de peso
Normal, e com os menores resultados, as participantes que se encontram com
obesidade Grau III. Relativamente ao nível do domínio mental, os resultados
diferem. Com melhores encontram-se as participantes com classificação de
obesidade Grau I, seguidas das participantes que alcançaram uma classificação
de peso Normal, seguidas por participantes que se encontram com obesidade Grau
III, e seguidas por participantes que alcançaram uma classificação de Excesso
de Peso, e com os menores resultados, as participantes que se encontram com
obesidade Grau II.
DISCUSSÃO
Constatamos no presente estudo que existem diferenças estatisticamente
significativas entre grupos em observação ao nível dos domínios físico e mental
da qualidade de vida. São as mulheres submetidas a cirurgia para o tratamento
da obesidade há 12 ou mais meses que apresentam uma melhor qualidade de vida,
seguidas pelas mulheres submetidas a cirurgia há 6 ou menos meses. As mulheres
com obesidade clinicamente grave a aguardar a tratamento cirúrgico são as que
apresentam uma pior qualidade de vida.
Verificou-se a existência de diferenças estatisticamente significativas ao
nível do IMC médio entre os três grupos considerados, verificando-se um
resultado de IMC superior no grupo G1, seguido pelo grupo G2 e posteriormente
pelo grupo G3.
São as mulheres com diagnóstico de obesidade clinicamente grave candidatas a
tratamento cirúrgico aquelas que apresentam uma menor qualidade de vida. Aqui
podemos analisar a relação da obesidade na qualidade de vida das pessoas que
sofrem desta condição clínica. Estas mulheres apresentam resultados
significativamente inferiores aos da população geral em todas as dimensões da
qualidade de vida avaliadas pelo SF-36, apenas com excepção do nível do
funcionamento social, em que não há diferenças significativas. A obesidade
parece ter um impacto negativo em ambos os domínios físico e mental da
qualidade de vida. Estes resultados são consistentes com estudos realizados em
indivíduos com obesidade clinicamente grave candidatos a tratamento cirúrgico,
que revelam uma qualidade de vida significativamente menor do que a população
geral, na maioria das oito dimensões avaliadas pelo SF-36 (Choban et al., 1999;
Dixon et al., 2001; Dixon et al., 2003; Dymek et al., 2001; Dymek et al., 2002;
Fontaine et al., 1996; Schok et al., 2000). Considerando as diferenças nos
métodos e, particularmente, nos procedimentos de avaliação adoptados,
salientamos que estes resultados são consistentes com estudos que revelam uma
menor qualidade de vida em doentes candidatos a tratamento cirúrgico
(Fabricatore et al., 2004; Fabricatore et al., 2005; Gemert et al., 1998;
Karlsson et al., 1998; Mathus-Vliegen et al., 2004; Mathus-Vliegen, & Wit,
2007; Hout, 2005; Hout et al., 2009).
Neste grupo G1 verificamos que existe uma relação estatisticamente
significativa (contudo considerada fraca) entre o IMC e a qualidade de vida ao
nível do domínio físico, apontando no sentido de que quanto maior o IMC, menor
a qualidade de vida ao nível deste domínio. No entanto, ao nível do domínio
mental da qualidade de vida, os resultados indicam a não existência de uma
correlação estatisticamente significativa com o IMC apresentado. Estes
resultados levam-nos a colocar a hipótese de que o peso corporal tem um impacto
superior ao nível do domínio físico da qualidade de vida do que ao nível do
domínio mental, hipótese essa adiantada por vários outros autores (Dixon, 2001;
Fine et al., 1999; Fontaine et al., 1996; Ford et al., 2001; Hassan et al.,
2003; Heo et al., 2003).
Contudo, na análise dos dados constatamos que a relação entre o peso e a
qualidade de vida não é linear, como sugerido por Fontaine, Cheskin e Barofsky
(1996), Jia e Lubetkin (2005) e Stewart e BrooK (1983), isto é, que quanto
menor o IMC, melhor a qualidade de vida. Observamos neste grupo G1 que as
pessoas com uma classificação de obesidade Grau I apresentam uma pior qualidade
de vida comparativamente às pessoas que apresentam uma classificação de
obesidade Grau II. Claramente constatamos os piores resultados ao nível da
qualidade de vida nas participantes que apresentam uma classificação de
obesidade Grau III.
São as mulheres submetidas a cirurgia para o tratamento da obesidade (G2 e G3)
as que apresentam uma melhor qualidade de vida. Constatamos que a qualidade de
vida destas participantes se aproxima dos valores normativos, ainda que
apresentem resultados inferiores nas dimensões de saúde mental e dor corporal.
Por sua vez, verificamos que superam os valores normativos, ao nível da
dimensão de saúde geral, vitalidade e funcionamento social, no grupo mulheres
operadas há seis meses ou menos, e ao nível da dimensão de funcionamento social
e desempenho emocional, no grupo mulheres operadas há doze ou mais meses.
Destacamos que, a dimensão de funcionamento social apresenta elevados
resultados em todos os grupos em estudo, isto é, as participantes revelam que
realizam as actividades sociais normais sem que problemas físicos ou emocionais
interfiram, sugerindo que esta dimensão da qualidade de vida não parece ser
afectada pela obesidade. Estes resultados vão ao encontro de estudos anteriores
que evidenciam resultados na qualidade de vida dos indivíduos submetidos a
cirurgia para o tratamento da obesidade similares aos da população em geral na
maioria das oito dimensões avaliadas pelo SF-36, ou mesmo significativamente
melhores (Choban et al., 1999; Dixon et al., 2001; Dixon et al., 2003), mesmo
apenas seis meses após a cirurgia (Dymek et al., 2001; Dymek et al., 2002).
Observamos que o grupo G2, comparativamente aos outros dois grupos, apresenta
melhores resultados nas dimensões de saúde mental, saúde geral e vitalidade. Na
revisão da literatura verificamos que podem ocorrer melhorias no funcionamento
psicológico, apesar de alguns indivíduos permanecerem com obesidade ou logo
algumas semanas após a cirurgia (Dymek et al., 2002; Gemert et al., 1998)
quando pode não existir uma perda de peso substancial, indicando que não é a
perda de peso por si mesma que pode levar a melhorias no funcionamento
psicológico, mas também o facto de os indivíduos adoptarem um papel activo para
mudar a sua vida poder levar a um aumento no optimismo (Gemert et al., 1998;
Guisado, & Vaz, 2003; Lang et al., 2002; Maddis et al., 2001; Hout, 2005).
Contudo, após a estabilização do peso corporal, 12 ou mais meses após a
cirurgia, verificamos que as participantes do grupo G3 apresentam menores
resultados comparativamente ao grupo G2, nas referidas dimensões, saúde mental,
saúde geral e vitalidade. Destacamos particularmente a dimensão de saúde mental
que apresenta piores resultados quando comparados com a população em geral.
Esta sub-escala pretende avaliar a saúde mental geral, incluindo sintomas de
depressão e ansiedade, controlo comportamental e emocional, e afecto positivo
geral. Sobre estes resultados, algumas hipóteses podem ser levantadas, como a
dificuldade de se adaptarem psicologicamente às consequências da cirurgia,
assim como novas possibilidades, como por exemplo, dificuldade em se adaptar às
mudanças na sua forma e tamanho, e à atenção positiva que recebem de outras
pessoas (Hout et al., 2005). Poderemos, ainda, levantar a hipótese de que a
alimentação anteriormente seria utilizada como estratégia de regulação do
humor, estratégia essa que, após a cirurgia, deixa de ser viável. Estes
resultados revelam a importância de valorizar estes sintomas nas consultas de
acompanhamento pós-cirurgia e a necessidade de tratamento comportamental e
cognitivo adicional.
Por sua vez, observamos também que, a dimensão de dor corporal apesar de
apresentar diferenças estatisticamente significativas entre os grupos em
estudo, contudo, mesmo no grupo de mulheres submetidas a tratamento cirúrgico
há 12 ou mais meses, verificamos menores resultados relativamente aos valores
normativos. Estes dados indicam que estas mulheres experimentam dor ou
limitação resultante de dor. Uma análise cuidada sugere que tal pode, por um
lado, traduzir as consequências do impacto do excesso de peso na saúde, ou, por
outro lado, serem subsequentes ao próprio tratamento cirúrgico em si, do qual
podem resultar complicações pós cirúrgicas, que se podem reflectir nestes
resultados. Estes dados sugerem, deste modo, a necessidade de considerar uma
avaliação e tratamento multidisciplinar na prestação de cuidados de saúde em
pessoas com esta condição clínica. Salientamos que esta abordagem permite
identificar doentes que necessitem de intervenções específicas de modo a
aumentar os benefícios da cirurgia.
Podemos verificar que o tratamento da obesidade com recurso a técnicas
cirúrgicas permite alcançar resultados positivos na percepção que os indivíduos
têm do seu estado de saúde e que estes benefícios parecem ser maiores doze ou
mais meses após a cirurgia, período em que é suposto existir uma estabilização
do peso corporal.
Relativamente à relação entre o IMC e qualidade e vida, a análise dos dados
considerando a totalidade dos grupos revela uma correlação estatisticamente
significativa e negativa, sugerindo que quanto menor o IMC, melhor a qualidade
de vida. Analisando cada grupo individualmente, verificamos, no grupo G1, a
existência de uma relação estatisticamente significativa e negativa, entre
qualidade de vida ao nível do domínio físico e o IMC, mas não entre este e o
domínio mental. Em ambos os grupos submetidos a tratamento cirúrgico,
constatamos a não existência de uma correlação estatisticamente significativa
entre o IMC e a qualidade de vida, tanto ao nível do domínio físico como
mental.
Os resultados do presente estudo salientam, acima de tudo, a importância com
que se reveste a definição de obesidade sugerida como uma «doença complexa»
(National Institutes of Health, 2009). Na análise dos resultados constatamos
que a relação entre o peso e a qualidade de vida não é linear, como sugerido
por alguns autores (Fontaine, Cheskin, & Barofsky 1996; Jia, &
Lubetkin, 2005; Stewart, & BrooK, 1983), isto é, que quanto menor o IMC,
não será necessariamente melhor a qualidade de vida. De facto, para uma cuidada
compreensão da qualidade de vida em pessoas com obesidade, é necessário
reconhecer que a gravidade da obesidade não se relaciona apenas com o peso
corporal por si só, mas também com a existência ou não de comorbilidades
associadas, consequentes desta condição, bem como a percepção que a pessoa tem
da doença. Esta questão é fundamental para determinar a sua gravidade (National
Institutes of Health, 1998, 2009). Como podemos observar, em contexto
hospitalar esta evidência apresenta-se particularmente relevante, uma vez que,
quando as pessoas procuram tratamento para a obesidade, tal sugere a existência
de complicações no estado de saúde resultantes desta condição clínica, sejam
elas físicas ou psicológicas.
Salientamos ainda que, a classificação da obesidade sugerida pela WHO (2011)
(bem como outras importantes organizações tais como a IOTF ou NIH) é definida
em função do IMC e do risco de co-morbilidade associado. Contudo, verificamos
que na avaliação de um doente que apresente excesso de peso, considerar este
indicador por si só revela-se insuficiente para determinar o real estado de
saúde em que este se encontra. Neste sentido, a avaliação da qualidade de vida
mostra-se, deste modo, como uma importante ferramenta a considerar pelos
profissionais de saúde aquando da avaliação do estado de saúde de um doente que
apresente excesso de peso, ou mais especificamente, obesidade. Esta permite
fornecer informação sobre o real impacto do excesso de peso na saúde,
considerada um construto multidimensional. Por sua vez, uma maior compreensão
do impacto do excesso de peso na saúde tem ainda o potencial de influenciar a
qualidade dos cuidados de saúde prestados aos indivíduos.
Se na população geral a relação entre a qualidade de vida e o IMC se apresenta
linear (Jia, & Lubetkin, 2005), em contexto hospitalar os resultados podem,
de acordo com este estudo, não ser os mesmos, evidenciando a complexidade
envolvida no estudo da obesidade. Contudo, Jia e Lubetkin (2005) verificaram
que, no contexto de saúde pública, o problema da obesidade pode também não se
encontrar claramente nas pessoas que apresentam uma classificação de obesidade
Grau III, mas naquelas que apresentam menores classificações, dado que são
estas que apresentam uma maior prevalência (Jia, & Lubetkin, 2005). Os
autores observaram que, embora fossem os indivíduos com obesidade Grau III
aqueles que apresentaram a pior qualidade de vida, os participantes com excesso
de peso e com obesidade Grau I podem representar o maior problema de saúde
pública, dado que estas pessoas compreendem mais de metade do total dos adultos
dos Estados Unidos. O mesmo podemos observar em Portugal, em que encontramos
uma prevalência de 39,4% de indivíduos com excesso de peso e 14,2% com
obesidade (Carmo et al., 2008). Adicionalmente, em comparação com as pessoas
com obesidade muito grave, as pessoas com excesso de peso e com obesidade
moderada têm uma menor probabilidade de procurar tratamento para a obesidade ou
condições relacionadas com a obesidade (Jia, & Lubetkin, 2005). Estes dados
evidenciam a importância de intervir nesta doença, quer ao nível da sua
prevenção, quer no seu tratamento.
Estes resultados destacam a importância de sugestões de diferentes autores que
estudaram o problema da obesidade. Por um lado, dada a dificuldade associada
com a perda de peso e a sua manutenção através da modificação do estilo de vida
(Faith et al., 2000), torna-se relevante que sejam feitos esforços para
desenvolver e implementar intervenções que abordem não só o peso, mas também
melhorias na qualidade de vida (Fontaine, & Barofsky, 2001). Tal, salientam
Kolotkin et al. (2001), é consistente com conceptualizações da obesidade como
uma doença crónica (Stunkard, 1996), em que os seus problemas de saúde
associados podem ser monitorizados e controlados, mesmo que nem sempre curados.
De facto, o reconhecimento pelos profissionais de saúde de que em algumas
doenças crónicas, tais como a obesidade, a qualidade de vida pode ser um dos
mais importantes resultados de saúde a considerar na gestão da doença
(Fontaine, & Barofsky, 2001; Kolotkin et al., 2001) o que se torna evidente
nos resultados do presente estudo.
Neste sentido, destacamos a importância da afirmação de Fontaine e Barofsky
(2001, p.7) de que, «discutir os resultados de uma avaliação da qualidade de
vida com um doente com obesidade pode estimular uma conversa que incida
explicitamente sobre o impacto que o seu peso corporal tem tido na forma como
vive a sua vida». A utilização de avaliações da qualidade de vida pode ser,
deste modo, valiosa para ajudar os indivíduos com obesidade a perceber que
podem melhorar significativamente a sua qualidade de vida sem necessariamente
chegar a um peso ideal, redefinindo o sucesso para além do simples alcançar de
um determinado peso (Fontaine & Barofsky, 2001). Ao considerar a qualidade
de vida como um resultado de saúde (Fontaine & Barofsky, 2001; Kolotkin et
al., 2001), este facto pode traduzir-se num reforço da motivação para fazer
modificações no estilo de vida (tais como, comer alimentos mais saudáveis,
tornar-se fisicamente mais activo) ao serviço da qualidade de vida e não o peso
corporal por si só (Fontaine & Barofsky, 2001).
Salientamos, finalmente, que descobertas precisam ser interpretadas tendo em
consideração as limitações do estudo, que foram já anteriormente referidas. A
amostra é constituída apenas por participantes do sexo feminino, que se
encontram em contexto de tratamento para o problema da obesidade clinicamente
grave, podendo à partida, apresentar maior distress físico, mental ou
psicossocial, assim como complicações relacionados com esta doença, podendo
estes aspectos serem sobre-representados nas suas respostas. Em adição,
sublinhamos ainda a limitação da generalização dos nossos resultados decorrente
de critérios de selecção utilizados e tipos de tratamentos particulares
(incluindo as técnicas cirúrgicas).
Em conclusão, estes resultados sugerem que para uma cuidada compreensão de uma
doença tão complexa e multifacetada como a obesidade, a avaliação da qualidade
de vida torna-se fundamental como um indicador do estado de saúde da pessoa e
do real impacto do peso corporal sobre as distintas dimensões, ajudando a
melhor compreender a grande variabilidade nos resultados individuais,
possibilitando que o desenho do tratamento se ajuste às necessidades da pessoa,
identificando áreas específicas críticas a intervir que possibilitem aumentar
os benefícios do seu tratamento.
Melhorar a qualidade de vida de pessoas com obesidade clinicamente grave,
implica uma cuidada avaliação individual, para ajustar o tratamento às
necessidades da pessoa. Constatamos aqui, a necessidade de considerar uma
avaliação e tratamento multidisciplinar na prestação de cuidados de saúde em
pessoas com esta condição clínica, dada a sua complexidade e impacto nos
domínios físico e mental da qualidade de vida.