Imagem corporal, sexualidade e qualidade de vida no cancro da mama
O cancro da mama é a segunda neoplasia mais prevalente e incidente em todo o
mundo, e a mais frequente nas mulheres (Schottenfeld & Fraumeni-Jr, 2006),
por conseguinte, a mais temível entre o sexo feminino. Segundo a American
Cancer Society,o risco de uma mulher ter cancro da mama invasivo em algum
momento da sua vida é de cerca de 1 em cada 8 casos, e o risco de morrer com
este cancro é de cerca de 1 em 35 (ACS, 2009).
Em Portugal, os dados epidemiológicos são consistentes com os dados universais.
Segundo o Registo Oncológico Nacional, no ano de 2007, o cancro da mama
continua a ser o segundo mais frequente de todos os cancros, mantendo-se o mais
prevalente nas mulheres, tendo subido, comparativamente a 2005, para 38% dos
casos de cancro no sexo feminino. Verificou-se, relativamente aos dados
anteriores, o aumento do cancro da mama nas faixas etárias mais novas, dos 45-
49, seguindo-se maiores de 75 anos e 40-44 (Instituto Português de Oncologia do
Porto(IPOP), 2008). O grupo etário de risco parecem ser as mulheres mais
velhas, pois o cancro ocorre com mais frequência em idades avançadas (Crane,
2000).
Os recentes avanços da medicina têm contribuído para a diminuição da taxas de
mortalidade por cancro da mama, aumentando a sobrevida, e para a minimização
dos efeitos colaterais dos tratamentos químicos, radiológicos e cirúrgicos. Não
obstante, apesar das benéficas transformações, a experiência de cancro da mama
continua a não poupar as mulheres que a vivenciam do sofrimento físico,
psicológico, social e espiritual, durante as fases do diagnóstico, tratamentos,
final dos tratamentos e sobrevivência.
Segundo Faria e Xarepe (2000), o seio tem um significado social e pessoal
particular, sendo órgão privilegiado do Ser Mulher. O seio que amamenta é órgão
que representa a maternidade. Também o seio é o «semáforo sexual» através do
qual se observa a excitabilidade aquando do relacionamento sexual. Assim,
qualquer ameaça à sua integridade é vivida com sofrimento, constituindo uma
ameaça à vivência da feminilidade. Acarretando sentimentos de inferioridade,
rejeição e perda de auto-estima (Ramos & Patrão, 2005).
Por essa razão, estudos revelam que o cancro da mama exerce um importante
impacto no estado de saúde e na funcionalidade, bem como, na perceção de Si-
própria, auto-estima e saúde mental, comparativamente com outros tipos de
cancro (Sendersky, Gaus & Sung, 2002). O cancro da mama despoleta
alterações no funcionamento biopsicossocial, implicando necessidade de
reajustamento das vivências intrapsíquicas, uma vez que se trata de uma doença,
potencialmente, mortal, por um lado, e profundamente estigmatizante para a
doente enquanto mulher, por outro (Dias, Manuel, Xavier & Costa, 2001). O
medo de ficar incompleta é o fantasma que assola a feminilidade destas
mulheres.
A mama tem igualmente um significado cultural e social na vivência da
sexualidade feminina. O diagnóstico do cancro da mama, tratamentos e as
respectivas intervenções cirúrgicas, deixam marcas profundas na esfera
psicossexual destas mulheres. Comprometendo a relação com o corpo, consigo
mesma, com o outro, retirando qualidade à vivência da corporalidade e da
sexualidade. Encontram-se descritas na literatura alterações nos domínios da
imagem corporal e disfunção sexual durante os tratamentos e após a realização
da cirurgia.
Os efeitos secundários dos tratamentos como náuseas, vómitos, anemia, alteração
do estado de ânimo, amenorreia temporária, secura vaginal, alopecia e aumento
de peso encontram-se associados, negativamente, à auto-imagem e à sexualidade
(Bertero, 2002; Marques, 1994; Parker, Baile, Moor & Cohen, 2003; Pérez San
Gregório & Martín Rodrígues, 2002; Rebelo, Rolim, Carqueja & Ferreira,
2005). No caso da alopécia, para muitas mulheres o cabelo tem um importante
papel na sua aparência, a sua perda poderá ter impacto profundo na auto-imagem
(Ogden, 2004). A secura vaginal, decorrente dos tratamentos quimioterapeuticos
e hormonais, é responsável por provocar dor durante as relações sexuais
(Pennery, Speechley & Rosenfield, 2010). Por todas as razões acima
descritas, a libido em mulheres que fazem quimioterapia encontra-se
profundamente alterada (Ogden, 2004).
O impacto da cirurgia na imagem corporal e dimensão psicossexual depende do
tipo de cirurgia realizada. A mastectomia radical é extremamente agressiva e
traumática para as mulheres, motivo pelo qual tem vindo a ser substituída,
sempre que possível, pela cirurgia conservadora, e quando não é , segue-se de
reconstrução mamária (Crane, 2000). Antes de mais, importa clarificar o
conceito de imagem corporal, segundo Palhinhas (2000), não significa apenas
aparência física, mas também, integridade corporal, perceção de corpo intacto,
completo, e funcionando de forma inteira.
Como refere Cardoso (2006) o mundo ocidental atual a representação social de
corpo rege-se pelo mito do corpo perfeito. A doença e a incapacidade física
comprometem assim o modelo de perfeição, despoletando vivências perda da
integridade corporal e de perda de identidade.
Michelena (2010), psicanalista venezuelana, radicada em Madrid, no livro À
noite sonhei que tinha peito, descreve da seguinte forma o impacto emocional
da mastectomia bilateral radical, realizada em 2008: ( ) Não fecho os olhos
perante os hífenes )- -( em que os meu peitos se tornaram(p.113) ( ) Às vezes
também sofro nos sonhos e vejo o Fernando seduzido, seduzindo a mais mamalhuda
das nossas conhecidas (p. 120).
No adoecer do cancro da mama, as alterações na imagem corporal desencadeiam,
não raras vezes, sentimentos de inferioridade, angustia, medo da morte e
repulsa perante a mutilação (Dias, Manuel, Xavier & Costa 2002). Estas
alterações poderão ser acompanhadas de receio de se despir em frente do
companheiro, e por isso, evitar ter relações sexuais (Pennery, Speechley &
Rosenfield, 2010). Tavares e Trad (2005) observaram que o sofrimento causado
pelas repercussões da quimioterapia e da mastectomia na auto-imagem da mulher e
na sexualidade do casal é reconhecido pelas doentes e famílias. Pelo que o
aconselhamento individual e/ou de casal poderá ser muito útil.
Pacientes submetidas à mastectomia sem reconstrução apresentam maior
morbilidade psicossocial, como ansiedade e depressão associadas à auto-imagem,
auto-estima e sexualidade. Já a cirurgia reconstrutiva tem menor impacto na
morbilidade e na sexualidade (Macieira & Maluf, 2008). Mulheres submetidas
a mastectomia radical, sem reconstrução, tendem a conseguir obter menos
orgasmo, comparativamente com as que realizaram reconstrução mamária (Macieira
& Maluf, 2008).
Estudos demonstram que a cirurgia invasiva se associa a alterações mais
expressivas na imagem corporal (IC) e na satisfação sexual (SS), em comparação
com cirurgia conservadora (Rebelo, Vicente, Gomes & Moisão, 2008).
Apontando reações negativas com o corpo, com o espelho, perceção alterada de si
própria, limitações físicas e estéticas (Costa & Patrão, 2009); vivência de
corpo mutilado, acompanhada de sentimentos de perda (Miguel, Marques &
Tosi, 2009); diminuição da satisfação nas relações de intimidade (Costa,
Jimenéz & Pais-Ribeiro, 2010). Não obstante, noutros não foram encontradas
diferenças significativas entre os dois tipos de cirurgia (Barnabé, 1997;
Rebelo et. al. 2007).
Ogden (2004) apesar de considerar que a habituação à nova imagem corporal é
difícil, a reação emocional não deverá ser generalizada. Bem como, não deverá
ser defendida a ideia de ter maior impacto em mulheres jovens. Mulheres idosas
ficam perturbadas com a perda do seio e com as implicações da mesma na vivência
da sexualidade. Algumas mulheres sentem dificuldade em iniciar novos
relacionamentos, outras conseguem ultrapassar essa dificuldade.
Em Portugal, como não existem, ainda, muitos estudos sobre o tema, a literatura
não é conclusiva relativamente ao estudo do impacto do cancro da mama e
tratamentos na IC e na SS. No entanto, alguns resultados são relevantes para
perceber a análise da problemática.
Ramos e Patrão (2005) não encontraram alterações na imagem corporal numa
amostra de 30 doentes com cancro da mama, nem alterações no relacionamento
conjugal, após a doença. Porém, as doentes revelam-se insatisfeitas com a sua
sexualidade. Verificaram ainda, que no caso de existência de problemas ao nível
da imagem corporal, estes se relacionam com maior insatisfação sexual.
Rebelo et. al. (2008) num estudo exploratório de avaliação da qualidade de vida
de 60 doentes com cancro da mama, não encontraram diferentes significativas
entre o grupo das doentes tumorectomizadas e o das mastectomizadas no que
respeita ao funcionamento e prazer sexual. Constataram que o primeiro grupo
avalia a sua auto-imagem de forma mais negativa e se encontra mais preocupado
com a queda do cabelo. Verificaram ainda, que as doentes que realizam
quimioterapia de maior toxicidade, sentem menos prazer sexual.
Ao nível do estudo das diferenças entre os dois grupos, no que respeita ao
impacto na IC, FS e SS, outros estudos dão conta de reações negativas com o
corpo, com o espelho, perceção alterada de si própria, limitações físicas e
estéticas (Costa & Patrão, 2010); vivência de corpo mutilado, acompanhada
de sentimentos de perda (Miguel et. al., 2009); diminuição da satisfação nas
relações de intimidade (Costa et. al., 2010), em mulheres mastectomizadas. Não
obstante, para avaliar o real impacto da doença na vida e na sexualidade das
mulheres com cancro da mama, é primordial avaliar como era vivida a sexualidade
antes do aparecimento da doença (Patrão, 2005).
Porque a vivência da sexualidade é um dos aspetos essenciais do desenvolvimento
humano, desde o nascimento até à morte (Macieira & Maluf, 2008). E porque a
saúde também é saúde sexual, a integração dos aspetos somáticos, emocionais,
intelectuais e sociais do ser sexuado de formas enriquecedoras e que valorizam
a personalidade, a comunicação e o amor, a sexualidade na doença e na
incapacidade, não deve ser negligenciada(WHO, 1995, cit. por Cardoso, 2006, p.
182) .
Falar do impacto da doença oncológica da mama nas diferentes dimensões da vida
das doentes é falar de qualidade de vida. A qualidade de vida é um conceito
recente, quer no âmbito da saúde e das doenças, em geral, quer no da doença
oncológica em particular (Ribeiro, 2002). A Organização Mundial de Saúde
identificou seis domínios da qualidade de vida: saúde física, saúde
psicológica; nível de independência; relações sociais; ambiente;
espiritualidade/religião/crenças pessoais. A atividade sexual insere-se na
dimensão física da qualidade de vida. A imagem pessoal e a aparência, na
dimensão psicológica (Ribeiro, 2002). Posto isto, a sexualidade é transversal
às dimensões física e psicológica da qualidade de vida e um domínio importante
da conceção de saúde em geral.
Assim, é o objetivo do presente trabalho estudar a relação entre a imagem
corporal, função, prazer sexual e a saúde e qualidade de vida, contribuindo
assim, para perspetivar da sexualidade enquanto dimensão da qualidade de vida
no adoecer do cancro da mama, e enquanto dimensão importante na conceção de
saúde/doença.
MÉTODO
Participantes
Participaram 51 mulheres com cancro da mama, com idades compreendidas entre os
34 e os 82 anos de idade (M=60,69, DP=12,3), seguidas no Centro de Oncologia do
Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro, em Vila Real.
No que respeita à caracterização sociodemográfica da amostra, começando pelas
habilitações académicas, 27 participantes (53%) possuem o primeiro ciclo
completo e incompleto, seis (11,8%) não frequentaram a escola, e 35,2% têm
formação acima do primeiro ciclo. Quanto ao estado civil, a maioria (62,7%) das
doentes são casadas. No que concerne à atividade profissional, as domésticas
encontram-se em maior número (39,2%). A maioria (58,8%) das doentes encontra-se
reformada. A composição do agregado familiar na maioria das participantes
(58,8%) é constituída pelo cônjuge e cônjuge e filhos. 13,7% vive sozinha.
Relativamente à caracterização clínica, 39,2% das doentes foram diagnosticadas
há mais de dois anos. A generalidade das doentes (74,5%) realizou mastectomia
radical. No que respeita ao tratamento, 22 (43,1%) doentes encontram-se a
realizar quimioterapia e 24 (47,1%) a realizar outro tipo de tratamento, na sua
maioria, hormonoterapia.
Material
Questionário de Dados Sócio-demográficos, construído para o efeito, do qual
fizeram parte as variáveis: idade, zona de residência, escolaridade, estado
civil, profissão, situação ocupacional e agregado familiar.
European Organization for Research and Treatment of cancer Quality of Life
Questionnaire ' EORTC-C30 (Fayers et al., 1999), traduzido e adaptado para a
população portuguesa por Pais-Ribeiro, Pinto e Santos (2008), e o Supplementary
Questionnaire Breast Cancer Module ' QLQ-BR23 (Fayers et al.,1999), traduzido
pela EORTC.
Do EORTC-C30 foi utilizada a escala do estado global de saúde e qualidade de
vida (QL2), constituída por dois itens, 29 e 30. Do QLQ-BR23 utilizaram-se três
sub-escalas da escala funcional: imagem corporal (BRBI), constituída por sete
itens (34, 35, 39, 40, 41 e 42), funcionamento sexual (BRSEF) composta por dois
itens (44 e 45) e prazer sexual (BRSEE), de apenas um item (46).
Os dois instrumentos apresentam-se em formato tipo Likert, sendo que os itens
da escala do estado global de saúde e qualidade de vida (QL2) do EORTC-C30
variam entre 1 e 7, indicando que a valores elevados corresponde melhor estado
de saúde e qualidade de vida. Já os itens das sub-escalas (BRBI, BRSEF e BRSEE)
da escala funcional do EORTC-BR23 variam entre 1 e 4, neste caso quanto mais
elevado o valor total obtido, menor a qualidade de vida, exceto nas questões
44,45 ( BRSEF) e 46 (BRSEE), que serão cotadas de forma inversa, correspondendo
a maior a pontuação, maior a qualidade de vida.
Questionário de História da Doença Oncológica,construído para o efeito com base
no Sistema de Classificação Internacional TNM - Classification of Malignant
Tumours (Wittekind et. al, 2005), por forma a conter variáveis clínicas
relacionadas com a história da doença oncologia, a saber: data de realização do
diagnóstico oncológico, Classificação TNM, conhecimento do diagnóstico,
prognóstico, sintomas físicos e tratamento atual.
Procedimentos
Todos os procedimentos tiveram em consideração os pressupostos éticos
subjacentes à prática investigativa e às leis em vigor no país. A recolha dos
dados pautou-se sempre pelo respeito e salvaguarda da integridade física e
psicológica das doentes participantes. O primeiro procedimento consistiu no
pedido de autorização ao Conselho de Administração do Centro Hospitalar de
Trás-os-Montes e Alto Douro para a recolha dos dados. Este, depois de consultar
a comissão de ética e obter o parecer favorável, concedeu a autorização para a
realização do trabalho. Num segundo momento, foi igualmente solicitada
autorização junto do diretor do Centro de Oncologia do mesmo Hospital. Depois
de concedida procedeu-se à recolha dos dados na Consulta de Oncologia e no
Serviço de Quimioterapia. Previamente à resposta aos questionários, todas as
participantes do estudo assinaram o consentimento informado, no qual foram
informadas sobre os objetivos do estudo e das implicações da sua participação
no mesmo.
Após o preenchimento dos instrumentos de investigação e da introdução dos dados
numa base de dados em IPSS, procedeu-se á análise estatística das respostas à
escala do estado global da saúde e qualidade (QL2) do EORTC QLQ-C30 e das
subescalas de Imagem corporal (BRBI), de função sexual (BRSEF) e de prazer
sexual (BRSEE) do EORTC QLQ-BR23. Num primeiro momento foi efetuada análise
descritiva, num segundo momento análise correlacional.
RESULTADOS
Auto-avaliação da Saúde e da Qualidade de Vida
Numa escala de 1 a 7, na qual 1corresponde a saúde péssima e 7 a saúde ótima,
as classificações de 4e 5 foram as que registadas maior percentagem (ver quadro
1). Indicando que as doentes da amostra classificam a sua saúde entre razoável
a boa. Quanto à qualidade de vida, foi atribuída a classificação de 4 pela
generalidade das doentes.
Quadro 1
Auto-avaliação da Saúde e da Qualidade de Vida
Avaliação da Imagem corporal, Função sexual e Prazer sexual
Como podemos observar no quadro 2, começando pala imagem corporal, a
generalidade das doentes não apresenta queda de cabelo. Das que apresentam, não
existe grande diferença entre as que não ficaram preocupadas com isso e as que
ficaram bastante preocupadas. Em maior número responderam não se sentirem menos
atraentes devido à doença e ao tratamento, no entanto, não sendo esta diferença
muito expressiva, na medida que aproximadamente em igual percentagem (23,5% e
25,5%) sentiram-se um pouco e bastante menos atraentes, respetivamente. A
maioria das doentes não se sentiu menos feminina por causa da doença e dos
tratamentos, nem teve dificuldade em olhar o seu corpo nua. Quanto à satisfação
com o corpo, apesar de em maior número referirem que não se sentiram pouco
satisfeitas com o seu corpo, em igual número sentiram-se pouco satisfeitas.
Quadro 2
Resultados obtidos nas sub-escalas Imagem Corporal (BRBI), Função Sexual
(BRSEF) e Prazer Sexual (BRSEE) do EORTC QLQ-BR-23
No que se refere à função sexual, a generalidade das doentes não sentiu desejo
sexual, nem estiveram sexualmente ativas, sendo as percentagens bastante
expressivas.
Quanto ao prazer sexual, das 27,5% que estiveram sexualmente ativas, em maior
número, não sentiram prazer nas relações sexuais.
A Sexualidade enquanto dimensão da saúde e da qualidade de vida
Com o objetivo de explorar a relação entre imagem corporal, a função sexual o
prazer sexual, e a auto-avaliação da saúde e da qualidade de vida, foi efetuada
uma análise correlacional bivariada. Foi possível observar que a imagem
corporal se relaciona de forma inversa com a auto-avaliação da saúde e da
qualidade de vida. Como podemos comprar no quadro 3, as doentes que se sentiram
menos atraentes fisicamente devido à doença e ao tratamento, as que se sentiram
menos femininas por causa da doença e do tratamento,as que tiveram mais
dificuldade em olhar o seu corpo nuae as que se sentiram pouco satisfeitas com
o seu corpo avaliaram pior a sua saúde.
Quadro 3
Relação entre a Imagem corporal, função sexual e prazer sexual na auto-
avaliação da saúde e da qualidade de vida
O mesmo foi verificado em relação à avaliação da qualidade de vida. Avaliaram
pior a sua qualidade de vida, as doentes que se sentiram menos atraentes e
menos femininas devido à doença e tratamentos, e as que tiveram mais
dificuldade em olhar o seu corpo nua. Não foi encontrada relação
estatisticamente significativa entre a satisfação com o corpo e a auto-
avaliação da qualidade de vida.
Ficou igualmente demonstrado que a função e o prazer sexual se associam
positivamente com a saúde e com a qualidade de vida. As doentes que sentiram
desejo sexual, que estiveram sexualmente ativas e que sentiram prazer sexual
avaliaram melhor a sua saúde e a sua qualidade de vida.
Outras relações encontradas são igualmente pertinentes de serem analisadas. As
doentes que tiveram queda de cabelo ficaram preocupadas com isso (r=0,69,
p<0,01), as que se sentiram menos atraentes fisicamente devido à doença e ao
tratamento sentiram-se menos femininas (r=0,81, p<0,01) e tiveram dificuldade
em olhar o seu corpo nua (r=0,55,p<0,01). As doentes que se sentiram menos
femininas por causa da doença e do tratamento, tiveram dificuldade em olhar o
seu corpo nua (r=0,68, p<0,01). As que se sentiram pouco satisfeitas com o seu
corpo, sentiram-se igualmente menos femininas (r=0,65, p<0,01) e tiveram
dificuldade em olhar o seu corpo nua (r=0,83, p<0,01)
Imagem corporal, função e prazer sexual em função dos dados sociodemográficos
Observou-se uma relação significativa no sentido inverso entre a idade e a
função e o prazer sexual, demonstrando que a doentes mais velhas corresponde
menor desejo sexual (r=-0,43, p=0,01), menor atividade sexual (r=-0,39,
p<0,01), e menor satisfação nas relações sexuais (r= -0,36, p<0,01).
A escolaridade associa-se positivamente com o desejo sexual (r=0,29, p< 0,05),
com a atividade sexual (r=0,29, p<0,05) e com o prazer sexual (r=0,32, p<0,05),
indicando que as doentes com mais anos de escolaridade são mais ativas
sexualmente e têm mais prazer nas relações sexuais.
DISCUSSÃO
Tendo em conta os resultados obtidos, constatamos que a maioria das doentes da
amostra tem uma auto-perceção razoável e boa da sua saúde, e razoável da sua
qualidade de vida, apesar do aparecimento da doença nas suas vidas. Perceber a
perspetiva subjetiva do doente relativamente à sua doença e qualidade de vida,
permite conhecer as suas representações da doença (Aguiar & Fonte, 2007;
Favoreto & Cabral, 2009), sendo esse conhecimento importante na prestação
de cuidados, não obstante, é ainda, uma perspetiva pouco estudada. Seria
igualmente oportuno comparar a sua perceção com os resultados totais do EORTC
QLQ-C30 e do EORTC QLQ-BR23. Não obstante, não foi esse o objetivo do presente
trabalho, no entanto seria pertinente atender a essa comparação em estudos
posteriores.
No que respeita à imagem corporal, a generalidade das doentes não apresenta
queda de cabelo, facto justificável por cerca de metade das doentes da amostra
não se encontrarem a realizar quimioterapia aquando da avaliação. Não obstante,
no caso das que apresentam, foram encontrados resultados muito próximos entre
as que não ficaram preocupadas e as que ficaram muito preocupadas. Indicando
que a queda de cabelo poderá constituir um problema para a imagem corporal de
algumas doentes (Ogden, 2004). Rebelo et. al.(2007) também encontraram mais
preocupações com a queda de cabelo em mulheres tumorectomizadas,
comparativamente com as mastectomizadas.
Apesar de me maior número responderem que não se sentiram menos atraentes
devido á doença e aos tratamentos, a diferença de resultados não foi muito
expressiva, pois cerca de metade sentiram-se um pouco menos atraentes e
bastante, e uma percentagem não negligenciável sentiu-se muito menos atraente.
Situação idêntica foi verificada relativamente à satisfação com o corpo. Em
maior número responderam que não sentem pouco satisfeitas com o seu pouco, mas
em igual número responderam que se sentem um pouco. Assim, os resultados
obtidos na avaliação da imagem corporal não se revelaram muito
discriminatórios. Podendo indicar que, como referem Holland e Mastrovito (1980)
as problemáticas psicológicas das mulheres com cancro da mama poderão ser
maiores do que as assumidas. Também Ogden (2004) acrescenta que a negação é um
estilo de coping frequente nas doentes da mama. Pelo que defendemos a
continuação do estudo da imagem corporal em mulheres com cancro da mama.
No que concerne à função e prazer sexual, as generalidade das doentes não
sentiu desejo sexual nem esteve sexualmente ativa. As poucas que estiveram, em
maior número não tiveram prazer sexual, embora a diferença não fosse muito
significativa. A literatura refere diminuição do desejo, da atividade e do
prazer sexual após o diagnóstico e durante os tratamentos, por vezes até após
os tratamentos, (Bertero, 2002; Marques, 1994; Ogden, 2004; Parker et.
al.,2003; Pennery, Speechley & Rosenfield, 2010; Ramos & Patrão, 2005;
Rebelo et. al., 2005). No entanto, é fundamental ter em conta a sexualidade na
mulher antes do cancro da mama, na avaliação do real impacto da doença (Patrão,
2005).
Para percebermos se a Imagem corporal, a função sexual e o prazer sexual têm
influência na saúde e na qualidade de vida, realizamos uma análise
correlacional. Começando pela imagem corporal, foi possível verificar que esta
tem implicações na auto-avaliação da saúde e da qualidade, tratando-se de uma
relação no sentido inverso. As doentes que mais se sentiam menos atraentes
fisicamente devido à doença e aos tratamentos, que se sentiram menos femininas
por causa da doença e dos tratamentos, que tiveram mais dificuldade em olhar o
seu corpo nua, avaliaram pior a sua saúde e a sua qualidade de vida. Ao nível
da satisfação com o corpo, a relação inversa apenas foi verificada na avaliação
da saúde. Estes resultados reforçam a relação biunívoca entre imagem corporal e
a auto-percepção de saúde e qualidade de vida. Problemas de saúde interferem
com a imagem corporal, esta por sua vez, associa-se a pior saúde, comprometendo
a qualidade de vida (Dias et. al., 2002; Costa & Patrão, 2009; Pennery et.
al., 2010; Tavares & Trad, 2005).
Ficou igualmente demonstrada a relação entre a função, o prazer sexual e a
saúde e qualidade de vida. Neste caso a relação estatisticamente significativa
é positiva. As doentes que sentiram desejo, que estiveram sexualmente ativas e
que tiveram prazer sexual avaliaram melhor a sua saúde e qualidade de vida.
Constatamos assim, o papel da vivência satisfatória da sexualidade na saúde e
na qualidade de vida das doentes com cancro da mama. Sublinhando-se assim a
importância da sexualidade na saúde/doença (Cardoso, 2006) e enquanto dimensão
da qualidade de vida, igualmente no contexto saúde/doença (Ribeiro, 2002).
Apesar dos resultados indicarem que as doentes da amostra não apresentarem
preocupações com a imagem corporal, não sendo estes resultados muito
discriminativos, a análise correlacional revelou uma relação positiva
significativa entre as dimensões da imagem corporal. Foi possível observar que
a queda do cabelo afeta a imagem corporal das doentes. Ficou igualmente
demonstrado que as doentes que se sentem menos atraentes fisicamente e menos
femininas devido à doença e aos tratamentos, sentem-se mais insatisfeitas com o
seu corpo e têm mais dificuldade em olhar o seu corpo nu. Sublinhando assim, o
impacto da doença e dos tratamentos na imagem corporal e na vivência da
corporalidade sexuada, bem como, a pertinência do estudo da imagem corporal no
cancro da mama.
No que refere às variáveis sociodemográficas, a função e o prazer sexual
relacionam-se inversamente com a idade e o estado civil, e positivamente com a
escolaridade. As doentes com mais idade tem menor atividade e prazer sexual.
Contrariando assim, os resultados obtidos por Rebelo et. al. (2007). Quanto à
relação entre a escolaridade e a atividade e função sexual, poderá ser
explicada em função da escolaridade poder exercer influencia na vivência da
sexualidade na saúde/doença, por um lado, e pela maior facilidade em responder
a questões desta natureza.
O objetivo do presente trabalho consistiu em avaliar a imagem corporal, o
desejo, atividade e prazer sexual, e observar em que medida se relacionam com a
auto-perceção da saúde e da qualidade de vida, pretendendo ser um contributo
para o perspetivar da sexualidade enquanto dimensão da qualidade de vida no
adoecer do cancro da mama.
Em função dos resultados obtidos, defendemos a continuidade do estudo das
repercussões do cancro da mama e respetivos tratamentos na imagem corporal.
Ficou demonstrado que a sexualidade é uma variável importante na saúde e na
qualidade de vida das mulheres com cancro da mama. Como tal, o estudo da
sexualidade enquanto dimensão da saúde e da qualidade de vida no adoecer do
cancro da mama, revela-se de grande pertinência. Consideramos ter dado um
pequeno contributo para o desenvolvimento dessa perspetiva. Reconhecemos ainda,
que quer este trabalho, quer a continuidade do tema em estudos posteriores,
fornecerão dados igualmente importantes para a prática clínica com as doentes
com cancro da mama e respetivos companheiros.