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EuPTHUHu1645-00862013000200005

EuPTHUHu1645-00862013000200005

variedadeEu
ano2013
fonteScielo

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Perturbações da personalidade como expressão dimensional da personalidade em mulheres idosas

A personalidade, a psicopatologia e, o processo de envelhecimento, podem influenciar-se mutuamente de diversos modos. A ação recíproca da personalidade e da psicopatologia tem despertado um interesse substancial, contudo, a relação entre personalidade, saúde mental e psicopatologia, em populações envelhecidas, permanece um assunto ainda por explorar e de grande interesse ao nível da investigação (Widiger & Seidlitz, 2002).

Abrams e Horowitz (1999) conduziram uma meta-análise de 16 investigações e, concluíram que a aproximadamente 20% da população com mais de 50 anos de idade seria diagnosticada uma perturbação da personalidade, o que sugere uma taxa mais elevada de um funcionamento não adaptativo da personalidade na população em processo de envelhecimento do que na restante. Existem dados que sugerem que as perturbações da personalidade podem constituir um fator de risco para depressão major em idades mais avançadas, o que é consistente com os resultados encontrados em amostras de diferentes idades (Dolan-Sewell, Krueger, & Shea, 2001). Verifica-se, igualmente, uma percentagem mais elevada de idosos com depressão major e perturbações da personalidade do que indivíduos com outro tipo de perturbações mentais (Kunik et al., 1994). O estudo da importância da personalidade na psicopatologia e no processo de envelhecimento deve assim, incluir igualmente, o estudo das perturbações da personalidade descritas no DSM-IV (Blatt & Luyten, 2009; Widiger & Seidlitz, 2002; Widiger & Trull, 2007).

A partir de perspetivas dinâmicas e do desenvolvimento cognitivo, Blatt e colaboradores (Blatt, 2004, 2008; Blatt & Luyten, 2009; Blatt & Shichman, 1983) propuseram que o desenvolvimento da personalidade corresponde a uma interação dialética complexa entre duas dimensões fundamentais do desenvolvimento psicológico ' relacionamento (Dependência) e auto-definição (Auto-Criticismo). Estas duas dimensões fornecem uma matriz teórica para a classificação da psicopatologia, interligando conceitos de psicopatologia com os processos de desenvolvimento da personalidade e variações na organização normal da personalidade (Blatt, 2008; Skodol & Bender, 2009). As perturbações do desenvolvimento definem duas linhas de desenvolvimento, estilos de personalidade ou configurações psicopatológicas; anaclítica e introjectiva (Blatt, 2006, 2008; Meyer & Pilkonis, 2005). A configuração psicopatológica anaclítica é caracterizada por tentativas distorcidas e exageradas em manter experiências interpessoais satisfatórias, refletindo um foco nas questões de relacionamento. A configuração psicopatológica introjectiva é caracterizada por tentativas distorcidas e exageradas em estabelecer e manter um sentido de Selfem detrimento do relacionamento interpessoal e, em preocupações com aspetos relativos à autonomia, controlo e identidade (Blatt, 2008).

A distinção entre estas duas dimensões psicológicas fundamentais permitiu aos investigadores identificar e replicar uma taxonomia para as diversas perturbações da personalidade descritas no Eixo II do DSM (Blatt, 2006; Blatt & Luyten, 2009; Luyten & Blatt, 2011). Algumas perturbações da personalidade (i.e., Histriónica, Dependente, Borderline) aparentam estar focadas de diferentes modos e, possivelmente, em diferentes níveis de desenvolvimento, em torno de questões da ordem do relacionamento interpessoal - Dependência, Psicopatologia Anaclítica (Blatt & Levy, 2003; Luyten & Blatt, 2011). E, outras perturbações da personalidade (i.e., Paranoide, Esquizoide, Esquizotípica, Anti-Social, Narcísica, Evitante e, Obsessivo- Compulsiva) em torno de questões da ordem do estabelecimento, preservação e manutenção de um sentido de Self - Auto-Criticismo, Psicopatologia Introjetiva (Blatt & Levy, 2003; Blatt & Shichman, 1983; Luyten & Blatt, 2011; Shahar, Blatt, & Ford, 2003). Uma multiplicidade de dados e de investigações apoiam, na generalidade, estas considerações (Morse, Robins, & Gittes-Fox, 2002; Ouimette & Klein, 1993; Ouimette et al., 1994; Wiggins & Pincus, 1989). Blatt também propôs dois subtipos da perturbação de personalidade Borderline(Blatt & Auerbach, 1988; Ouimette et al., 1994): Borderline Anaclítico, evidenciando perturbações primitivas na regulação da dependência e dos afetos; e Borderline Introjectivo, apresentando conflitos ao nível da autonomia e da autoestima.

O estudo visa explorar, numa amostra não clínica de mulheres na idade adulta avançada, as relações entre as perturbações da personalidade (Eixo II) (DSM-IV) e as duas configurações primárias da personalidade - relacionamento (Dependência) e auto-definição (Auto-Criticismo).

Coloca-se como hipótese que as perturbações da personalidade sejam preditoras da Dependência e do Auto-Criticismo: Dependência predita pelas escalas de perturbação da personalidade Histriónica, Dependente e, Borderline; Auto- Criticismo predito pelas escalas de perturbação da personalidade Paranoide, Esquizoide, Esquizotípica, Anti-Social, Narcísica, Evitante e, Obsessivo- Compulsiva (Blatt & Levy, 2003; Blatt & Shichman, 1983; Luyten & Blatt, 2011; Shahar et al., 2003).

MÉTODO Participantes Amostra constituída por 102 mulheres na idade adulta avançada, autónomas e inseridas na comunidade, residentes em meio urbano. Apresentam idades compreendidas entre os 60 e os 89 anos de idade (M = 72,07 anos de idade, DP = 7,04), caucasianas, com um nível de escolaridade compreendido entre os 4 e os 19 anos (M = 10,08 anos, DP = 4,99). Apresentam uma média de 2 filhos; quanto à situação marital: 6.9% solteiras, 57.8% casadas, 28,l4% viúvas e 6,9% divorciadas.

Material Foi utilizada a versão Portuguesa (Henriques-Calado & Duarte-Silva, 2009) do Personality Diagnostic Questionnaire (PDQ-4+; Hyler, 1994).Questionário de self-report constituído por 99 itens, de respostas verdadeiro/falso, que gera diagnósticos de personalidade compatíveis com os critérios diagnósticos do DSM- IV para as perturbações da personalidade. Cada item do PDQ-4+ corresponde diretamente a um critério diagnóstico do DSM-IV e, uma resposta verdadeira indica que o item deve ser marcado como patológico. Na generalidade dos estudos, a consistência interna das escalas que compõem o PDQ-4+ apresenta uma média de 0,62 (Yang et al., 2000). No presente estudo o alpha de Cronbachapresenta uma média de 0,60.

Utilizou-se a versão Portuguesa (Campos, 2000, 2009) doQuestionário de Experiências Depressivas (Blatt, D'Afflitti, & Quinlan, 1976, 1979).

Questionário de self-report constituído por 66 itens, sendo os itens avaliados numa escala tipo likert com 7 pontos, variando entre discordo totalmente(1) e concordo totalmente (7). São obtidos resultados para três fatores: fator I designado de Dependência(dimensão anaclítica); fator II designado de Auto- Criticismo(dimensão introjectiva) e; fator III designado de Eficácia, que não será utilizado neste estudo. No presente estudo o alpha de Cronbachapresenta valores de 0,70 e 0,82, respetivamente.

Procedimento Estudantes de graduação e pós-graduação em Psicologia contactaram os participantes nas suas casas ou em Centros de Dia. Os participantes disponibilizaram-se para participar, voluntariamente, num estudo alargado sobre o processo de envelhecimento; com devido consentimento informado.

Foram apresentados um conjunto de questionários a preencher, de entre os quais fez parte um questionário de dados sóciodemográficos e psicossociais, o PDQ-4+ e o QED. A aplicação dos instrumentos foi realizada, na generalidade, em regime de autoaplicação (as instruções, apresentadas por escrito), excecionalmente em aplicação oral, quando ocorriam dificuldades de leitura ou de compreensão. Foi garantido aos participantes que qualquer dúvida seria esclarecida pelo investigador.

Após verificação da normalidade da distribuição, recorreu-se ao teste paramétrico do coeficiente de correlação de Pearsone, postumamente à análise de regressão múltipla. Utilizou-se o software SPSS Statistics (v.18, SPSS Inc.

Chicago, IL). Consideram-se estatisticamente significativos os efeitos com p < 0,05.

RESULTADOS A associação entre os fatores do QED e as escalas do PDQ-4+ foi avaliada como o coeficiente de correlação de Pearson, verificando-se correlações positivas e significativas entre a Dependência e as escalas Paranoide, Histriónica, Evitante, Dependente, Obsessiva-Compulsiva e; correlações positivas e significativas entre o Auto-Criticismo e todas as escalas de perturbação da personalidade do PDQ-4+.

No Quadro_1 apresentam-se os resultados referentes à análise de regressão múltipla. Utilizam-se as variáveis de critério Dependência e Auto-Criticismo, tendo como preditores as escalas do PDQ-4+ correlacionadas significativamente na análise anterior. A Dependência é predita pelas escalas Histriónica, Dependente e Obsessivo-Compulsiva. O Auto-Criticismo é predito pelas escalas Narcísica, Borderline e Evitante.

DISCUSSÃO De forma consistente com a literatura (Blatt & Levy, 2003; Blatt & Shichman, 1983; Luyten & Blatt, 2011; Morse et al., 2002; Ouimette & Klein, 1993; Ouimette et al., 1994; Shahar et al., 2003; Wiggins & Pincus, 1989) os resultados demonstram a utilidade das duas dimensões principais da personalidade ' relacionamento (Dependência) /auto-definição (Auto-Criticismo), na descrição e organização das perturbações da personalidade do Eixo II (DSM- IV), conduzindo a uma melhor compreensão das perturbações da personalidade numa amostra não clínica de mulheres na idade adulta avançada.

Conforme esperado e proposto neste estudo, a Dependência foi prevista pelas escalas de perturbação da personalidade Histriónica e Dependente e, o Auto- Criticismo pelas escalas de perturbação da personalidade Narcísica e Evitante (Blatt & Levy, 2003; Blatt & Shichman, 1983; Luyten & Blatt, 2011; Shahar et al., 2003).

Contrariamente à hipótese que a perturbação da personalidade Obsessivo- Compulsiva se encontra relacionada com a linha de desenvolvimento de auto- definição (Auto-Criticismo) (Blatt & Levy, 2003; Blatt & Shichman, 1983; Luyten & Blatt, 2011; Shahar et al., 2003), o presente estudo vai no sentido de outras investigações (e.g., Desmet et al., 2009; Morse et al., 2002) que indicam que esta perturbação da personalidade necessita ser melhor avaliada na sua relação com os fatores do QED. A escala Obsessivo-Compulsiva foi apenas preditora da Dependência. Desmet et al. (2009) verificaram a existência de uma convergência entre o fator Dependência e os resultados no estilo histérico/ anaclítico numa amostra geral, bem como em amostras de mulheres e homens separadamente. Mas a convergência entre o fator Auto-Criticismo e os resultados no estilo obsessivo/introjectivo foi apenas observado em homens e não em mulheres ' sugerindo que mais investigação é necessária para avaliar a validade da especificidade ao nível de género para estes fatores. Igualmente Morse et al. (2002), verificaram que os traços da perturbação de personalidade Obsessivo-Compulsiva, não eram relatados de modo consistente nos resultados da sociotropia (ligada à Dependência) ou autonomia (ligada ao Auto-Criticismo).

Este estudo é também contrário à hipótese de que a perturbação de personalidade Borderline está associada à Dependência (Blatt & Levy, 2003; Blatt & Shichman, 1983; Luyten & Blatt, 2011; Shahar et al., 2003). Neste estudo, a escala Borderline foi preditora do fator Auto-Criticismo. Decorre igualmente no sentido de Ryder et al. (2008), Ouimette & Klein (1993), Ouimette et al.

(1994) e também de Blatt (Blatt & Auerbach, 1988), que propôs dois subtipos da perturbação de personalidade Borderline. Os resultados apoiam a possibilidade de um subtipo Borderline Introjectivo, enfatizando a autopunição e, a necessidade de separação e autonomia na psicopatologia borderline(Blatt & Auerbach, 1988).

As perturbações da personalidade parecem refletir extremos de dimensões subjacentes a configurações normais da personalidade, o que também se verifica em populações idosas. O processo de envelhecimento torna-se numa integração de experiências do passado e eventos presentes, no enquadramento de um Self contínuo. Os indivíduos idosos lidam com os constrangimentos da velhice e respondem aos acontecimentos de vida através de formas que se enquadram no seu estilo de personalidade. Tal como Blatt e colaboradores propuseram (Blatt, 2008; Blatt & Luyten, 2009; Blatt & Shichman, 1983), o desenvolvimento da personalidade ocorre, da infância à senescência, através de uma dialética complexa entre duas dimensões fundamentais do desenvolvimento psicológico ' relacionamento e auto-definição.

O presente artigo contribui para a crescente investigação que documenta as relações sistemáticas entre uma perspetiva dimensional e as perturbações da personalidade do Eixo II, apoiando o alargamento do estudo da psicopatologia ao desenvolvimento da personalidade. Estes dados sugerem um continuum entre as dimensões da personalidade e a psicopatologia ao longo do ciclo de vida.

Contudo, com duas propostas específicas para mulheres na idade adulta avançada, características de perturbação da personalidade Borderline relacionadas com Auto-Criticismo (introjectivas) e, características de perturbação da personalidade Obsessivo-Compulsiva associadas com Dependência.


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