EDITORIAL
De 25 a 28 de maio p.p. ocorreu em Poços de Caldas a 21a Reunião Anual da SBQ,
com a apresentação de 1268 trabalhos e a participação de 1625 sócios,
configurando-se assim na maior reunião científica do país. Além das discussões
acadêmico-científicas ocorridas nas conferências, sessões coordenadas e de
painéis, assembléias divisionais e reuniões informais, a reunião culminou com a
21a Assembléia Geral da SBQ, quando tomaram posse a Diretoria e o Conselho para
o biênio 1998 - 2000. Neste momento, como Ex-Presidente da SBQ, cabe fazer uma
reflexão sobre os avanços da Sociedade no biênio 96-98 e arriscar opinar sobre
os desafios futuros.
No plano interno, neste biênio, a SBQ continuou avançando com a
profissionalização e a informatização no seu gerenciamento e divulgação, bem
como continuou a garantir a qualidade editorial e científica de suas
publicações. No tocante às Reuniões Anuais, foram realizadas alterações no seu
formato, especialmente nas atividades noturnas, e nos resumos, que foram
ampliados para duas páginas o que facilitou a sua avaliação. Estas modificações
foram bem recebidas e absorvidas pela Sociedade. Entretanto, é no plano externo
que as ações da SBQ têm maior impacto e onde se encontram os maiores desafios
atuais e futuros da Sociedade, especialmente no sistema de ensino, ciência e
tecnologia do país.
Transformações significativas foram iniciadas sobre o sistema de ensino,
ciência e tecnologia do país, as quais estão relacionadas direta ou
indiretamente com a SBQ e que têm despertado o interesse dos sócios bem como
acaloradas discussões. Seria muito difícil discutir o amplo espectro destas
transformações, neste editorial, sem torná-lo excessivamente longo e tedioso.
Deste modo, dirigiremos, no momento, as nossas reflexões para alguns aspectos
que julgamos os mais relevantes: a graduação e pós-graduação em química, a
avaliação por pares e o financiamento do ensino e pesquisa.
O ensino de graduação em química passa por uma fase extremamente difícil. O
parque laboratorial/instrumental/bibliotecas é, no máximo, razoável onde
existem cursos de Pós-Graduação em Química, sendo, entretanto, inadequado e/ou
obsoleto quando da inexistência de Cursos de Pós-Graduação na Instituição. A
evasão média é superior a 70% e a grande maioria dos currículos atuais forma
químicos para serem empregados em indústrias e/ou estudantes de pós-graduação.
Neste cenário, foi promulgada a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional em 1996 (Lei no 9.394). O Prof. Romeu C. Rocha Filho fez uma ampla
avaliação das perspectivas e desafios para a área de Química no editorial de
Química Nova, vol. 20, no 4, 1997. Destacamos que a nova LDB acaba com o
"currículo mínimo" e incentiva a flexibilização curricular. É o
momento da área de química realizar uma reforma curricular que, sem prejuízo de
uma formação didática, científica e tecnológica sólida, avance também na
direção de uma formação humanística que dê condições ao novo profissional de
exercer a profissão em defesa da vida, do ambiente e do bem estar dos cidadãos.
Também, é preciso tornar os cursos de química mais atraentes e dinâmicos, de
modo a reduzir a evasão e estimular o aprendizado e o espírito empreendedor do
estudante. Nesse sentido a SBQ, através dos seus sócios e de suas publicações e
reuniões científicas, poderá ter um papel propositivo relevante.
É inquestionável o crescimento vertiginoso da Pós-Graduação em Química nos
últimos 20 anos, bem como a sua contribuição para a melhoria do ensino de
graduação. Na avaliação da CAPES realizada em 1996, relativa ao período 94-95,
existiam 43 cursos e 14 destes (33%) receberam o conceito A, o que demonstra a
qualidade da área. Uma avaliação geral, utilizando os dados dos últimos dez
anos, revelou tendência decrescente no tempo de titulação e crescente no número
de publicações e dissertações/teses defendidas. Recentemente, sem discussão
ampla com a comunidade acadêmica, a CAPES alterou os critérios de avaliação e,
entre outros, substituiu os conceitos de E a A por números de 1 a 7. Se a
proporção anterior prevalecer, pelo menos 1/3 (cinco) dos cursos com conceito A
deverão atingir o conceito 7. No momento a comunidade aguarda a divulgação dos
novos conceitos, com a expectativa de que a avaliação torne-se cada vez mais
qualitativa e menos quantitativa. Infelizmente, a discussão, que não ocorreu
antes da avaliação, ocorrerá apenas após. Por outro lado, cabe registrar que
são preocupantes os cortes ocorridos nas bolsas de formação e o nível de
desinformação associado à sua distribuição.
A avaliação da Pós-Graduação está intimamente relacionada com a avaliação dos
professores/pesquisadores no CNPq. Enquanto o número de docentes doutores
atuando na PG em Química era 693, o de bolsas de produtividade em pesquisa era
cerca da metade deste número. Só para comparação, a Física contava, na mesma
época, com 886 doutores e um número de bolsas de produtividade em pesquisa
praticamente duas vezes maior que o da Química! É óbvio que o congelamento nas
bolsas está penalizando a nossa área e, o que é mais grave, impedindo o acesso
de novos doutores produtivos às mesmas, bem como impondo parâmetros de cortes
indesejáveis.
O aspecto mais relevante considerado nas avaliações na CAPES e no CNPq é a
publicação de artigos. Certamente que este parâmetro não é, e nem pode ser, o
único. Entretanto, freqüentemente, a saúde acadêmica dos cursos de PG é
associada ao número de publicações/docente/ano, ou a posição do pesquisador no
CNPq é associada ao número de artigos publicados no biênio avaliado. Números
têm significado! Comparar cursos de pós-graduação de dimensões distintas em
estágios de consolidação distintos e com acesso a recursos diferenciados,
baseando-se apenas em indicadores quantitativos, pode levar o sistema
avaliador/avaliado a desvios indesejáveis. A avaliação do pesquisador não pode
desconsiderar o seu papel na formação de recursos humanos, liderança,
gerenciamento e atuação político/científica no âmbito da sua instituição e da
comunidade científica.
A "numerologia", mesmo disfarçada através de indicadores como
"citation index" do autor e/ou índices de impacto, pode levar a
desvios consideráveis. Vários autores são bastante citados devido a resultados
erráticos ou conclusões inadequadas! Por outro lado, a crescente especialização
na área de Química e a expansão de suas interfaces têm resultado na criação de
muitos periódicos a cada ano. Certamente que o índice de impacto dos novos
periódicos é inexistente ou inexpressivo. Só para citar um exemplo, o Aerosol
Science and Technology, editado pela American Association for Aerosol Research,
está no vol. 28 e o grande desafio colocado aos editores na última reunião
anual da AAAR foi atingir índice de impacto 1! No Brasil o desafio é muito
maior. Um exemplo disto está registrado em editorial escrito pelo Prof. Angelo
C. Pinto no Journal of the Brazilian Chemical Society (vol. 9, no 2, 1998).
Essas reflexões não visam desmerecer a avaliação através das publicações, mas
sim a excessiva importância da numerologia. Comitês são constituídos para
avaliar qualidade. Os maiores desafios da avaliação por pares estão na escolha
destes, na sua adequação com relação ao sistema sob avaliação e na definição
dos indicadores relevantes ao sistema. Apesar deste assunto estar presente
constantemente nas reuniões e publicações da SBQ, ainda não existe uma relação
direta entre a discussão na Sociedade e a ação das agências. Entretanto, existe
uma relação direta entre o resultado da avaliação e o fomento.
Uma das transformações mais significativas que está ocorrendo no sistema de
ensino, ciência e tecnologia é a relacionada ao fomento. A FAPESP tem anunciado
orçamentos crescentes em C&T. A previsão para este ano é de cerca de R$ 290
milhões. O MCT divulgou que os investimentos nacionais em C&T cresceram de
0,85% do PIB em 92 para 1,2% em 97. Entretanto, existe um sentimento geral de
que os recursos têm diminuído, levando à dúvida sobre a veracidade das
informações divulgadas! Uma análise mais apurada, demonstra que os recursos
realmente aumentaram e que a sensação de diminuição está associada ao
esvaziamento do balcão do CNPq e da FINEP para projetos de demanda espontânea e
à excessiva alocação de recursos através de programas especiais. As siglas são
variadas: PADCT, RHAE, PRONEX, PIE etc., mas a concentração de recursos é real.
Existem hoje grupos de pesquisa com acesso a recursos muito além de suas reais
necessidades. Basta lembrar que muitos dos que dirigiram-se ao PRONEX diziam,
reservadamente, que buscavam na realidade o "rótulo de excelente" e
não mais recursos. Também é real que o fomento praticamente inexiste para os
iniciantes.
O impacto de um programa como o PRONEX, por exemplo, seria bastante amplificado
se não tivesse sido esvaziado na FINEP o apoio a projetos institucionais
através do FNDCT e o CNPq tivesse mantido o apoio através de projetos
individuais e/ou integrados de pesquisa e criado o sistema de
"grants" para os seus pesquisadores. Outro fator importante
relacionado ao financiamento através de programas especiais é o papel das
agências estaduais induzindo a criação de novos grupos e o trabalho em temas de
interesse regional. Infelizmente, à exceção da FAPESP, a ação das demais
agências é na melhor das hipóteses tímida ou inexistente. Mais uma vez, devido
à sua representatividade nacional, a SBQ pode ter um papel relevante na
discussão, diagnóstico e elaboração de documentos sobre a área, nos moldes do
publicado em Química Nova em 1995 (vol. 18, p. 509)
A representatividade da SBQ, através dos seus sócios, no sistema de ensino,
ciência e tecnologia do país é inquestionável e confunde-se com a
representatividade da própria área de Química. Recentemente, em qualquer comitê
que envolva a área, formado no âmbito das universidades, MEC, MCT, agências
estaduais de fomento à pesquisa ou Academia Brasileira de Ciências, entre
outros, reconhecemos a presença majoritária de membros da Sociedade. Um fato
recente e de grande relevância, é a presença significativa de sócios da SBQ nas
reitorias e/ou pró-reitorias de várias universidades. Vale ressaltar que um
número significativo destes sócios ilustres ocupou posições de destaque na SBQ,
especialmente nas secretarias regionais, diretorias de divisões e/ou nacional,
conselho e na editorias/conselhos editoriais de nossas publicações. Em resumo,
a Sociedade permeou o sistema de ensino, ciência e tecnologia do país e o maior
desafio atual e futuro é tornar institucional a representatividade
"individual".
Jailson B. de Andrade - UFBA
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