Carta ao editor
CARTA AO EDITOR
"Ilmo Sr. Editor,
Durante meu recente estágio de pós doutoramento na University of British
Columbia (Vancouver, Canadá), tive a oportunidade de ler o livro "A
Devotion to Their Science - Pioneer Women of Radioactivity", organizado
por Marelene F. Rayner-Canham and Geoffrey W. Rayner-Canhan. O trabalho, além
de ser excelente, me pareceu importante pelo seu caráter informativo e
didático. Apesar desta revista contar com inúmeras contribuições a respeito da
história da química, não tenho conhecimento de artigos que tenham discutido o
importante papel de pesquisadoras para o desenvolvimento da química. O livro em
questão narra episódios de importância fundamental não somente para o
entendimento da história do desenvolvimento da química, como também para o
desenvolvimento da ciência moderna como um todo.
Assim, julgo ser o livro em questão extremamente interessante para a comunidade
de pesquisadores e estudantes de química e, portanto, tomo a liberdade de
sugerir sua leitura àqueles que se interessam, pela história da química. Na
resenha em anexo, faço uma breve apreciação do livro para que nossos colegas
possam apreciar a natureza de seu conteúdo."
Resenha
A Devotion to their Science - Pioneer Women of Radioactivity
Marelene F. Rayner-Canham and Geoffrey W. Rayner-CanhamMcGill-Queen's
University Press Montreal & Kingston, 1997, ISBN 0-941901-15-7, 307 pp.
Se perguntarmos a colegas e estudantes de graduação em química "qual
mulher recebeu um Prêmio Nobel científico, ou seja, nas áreas de química,
física ou medicina?", sem dúvida a grande maioria responderá sem titubear:
Marie Curie. Se formos adiante, porém e levantarmos a questão "qual mulher
ganhou dois Prêmio Nobel científicos?", possivelmente a grande maioria não
saberá responder. No entanto, trata-se da mesma Marie Curie (Nobel de Física em
1903 junto com seu marido Pierre Curie, e Nobel de Química em 1911, sozinha).
Ainda uma terceira questão possivelmente levantaria ainda mais dúvida:
"qual foi a mulher ganhadora de Prêmio Nobel científico cuja filha também
recebeu o mesmo Prêmio?" Novamente, Marie Curie, cuja filha Irène Joliot-
Curie dividiu o Prêmio Nobel de Química (1940) com seu marido Frédéric Joliot.
Uma última questão a ser então levantada: "Seriam os Curie a única família
cujas mulheres se destacaram cientificamente na história da ciência?".
Absolutamente, não.
É o que nos conta o excelente livro A Devotion to Their Science - Pioneer Women
of Radioactivity, organizado por Marelene F. Rayner-Canham e Geoffrey W.
Rayner-Canham (ambos da Sir Wilfred Grenfell College, Memorial University,
Newfoundland, Canadá). Publicado em 1997, o trabalho reúne 22 capítulos
dedicados a descrever o empenho de pesquisadoras que participaram ativamente
nas descobertas de elementos químicos, do fenômeno da radioatividade, da fissão
atômica e dos raios cósmicos, em uma época durante a qual a maior qualidade
para uma mulher era ser excelente esposa e dona-de-casa. Fundamentado em
extensa pesquisa bibliográfica, os capítulos reúnem dados instigantes e
anedotas, mas sobretudo relatam as enormes dificuldades para as pesquisadoras
de então poderem trabalhar e serem devidamente reconhecidas por sua
contribuição científica. O livro apresenta 17 biografias completas, ainda que
resumidas, bem como 6 capítulos curtos, sobre a vida de mulheres que se
dedicaram muitas vezes integralmente a um trabalho árduo, sob condições de
discriminação, de extrema insalubridade, tendo muitas vezes que exercer ainda
papel de mãe e esposa devota.
O livro se divide em quatro partes. Na primeira parte do livro, os
organizadores situam a época em que a química e a física praticamente
revolucionaram a ciência, com a descoberta da estrutura atômica e das
propriedades dos átomos. As descobertas foram realizadas por três grupos
principais de pesquisadores, notadamente o "grupo inglês", coordenado
por Ernest Rutherford, o "grupo francês", coordenado pelo casal Marie
e Pierre Curie, e o "grupo austro-germano", que teve como figura
central Otto Hahn, ainda que se tribute o crédito das descobertas deste grupo à
brilhante Lise Meitner.
A segunda parte descreve os trabalhos realizados pelas pesquisadoras que
tomaram parte no "grupo francês": Marie Curie, Irène Joliot-Curie,
Ellen Gleditsch, May Sybil Leslie, Catherine Chamié, Stefania Maracineanu,
Alicia Dorabialska e um pequeno capítulo sobre aquelas das quais se obteve
poucas informações (Eva Ramstedt e Irén Gotz).
O "grupo inglês" é assunto da terceira parte, na qual os autores
apresentam dados biográficos a respeito de Harriet Brooks, Fanny Cook Gates,
Jadwiga Szmidt, Ada Hitchins e outras menos conhecidas.
Por fim, a quarta parte se dedica ao "grupo austro-germano", no qual
o destaque é a biografia de Lise Meitner. Por ser judia, Meitner exilou-se
"voluntariamente" durante a 2a Guerra Mundial e com isso distanciou-
se do grupo ao qual foi ourtorgado o Prêmio Nobel de Física pela descoberta da
fissão atômica. Além de Meitner, destacaram-se Stefanie Horovitz, Marietta
Blau, Elizaveta Karamihailova, Elizabeth Tóna, Ida Tacke Noddacke e outras.
Recentemente a vida de Meitner também foi assunto de artigo publicado na
Scientific American (1998, 278, 80-85).
Os capítulos são escritos por diferentes autores, o que não diminui o brilho do
relato vívido sobre a vida destas mulheres excepcionais, algumas das quais
certamente contribuíram definitivamente não somente para o desenvolvimento da
ciência atômica, mas também para a evolução de uma sociedade mais justa e menos
preconceituosa.
Roberto G. S. Berlinck
Instituto de Química de São Carlos - Universidade de São Paulo
CP 780 - CEP 13560-970 - São Carlos-SP.
E-mail: rberlink@iqsc.sc.usp.br
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