Aplicação do modelo geométrico no estudo dos efeitos glory e rainbow em
colisões atômicas
INTRODUÇÃO
A descrição do problema de colisão entre dois corpos pode ser feita pelo método
da trajetória clássica através do formalismo de Hamilton em coordenadas
esféricas do centro de massa, utilizando a distância relativa
e a velocidade relativa
para acompanhar a dinâmica. Um exemplo simples é a colisão elástica entre dois
átomos que não possuem estrutura interna, e portanto, a energia cinética antes
e após a colisão é constante, <formula/>, onde m é a
massa reduzida do sistema. Neste caso a colisão entre os átomos produz uma
mudança na direção da velocidade relativa <formula/>, mas
não na norma <formula/>.
Em colisões atômicas o parâmetro de impacto b e o ângulo de espalhamento c são
duas quantidades que caracterizam a dinâmica do processo. O parâmetro de
impacto b, é definido como a distância entre o centro espalhador à uma linha
paralela a velocidade inicial da partícula fictícia de massa µ. O ângulo de
espalhamento c é definido como o ângulo que dá a mudança na direção da
partícula espalhada e é um efeito das interações interatômicas presentes
durante a dinâmica. As quantidade b e c estão definidas na figura_1.
A dependência do ângulo de espalhamento c com o parâmetro de impacto b
apresenta algumas características importantes. Esta função possui valores
positivos e negativos de c; valores de b que correspondem a um mesmo ângulo de
deflexão; um valor mínimo de c , chamado ângulo de rainbow, cr; e uma
trajetória com ângulo de deflexão igual a zero, mesmo quando as forças ainda
estão presentes na interação, que ocorre para um parâmetro de impacto b igual
ao parâmetro de glory bg.
Experimentalmente temos acesso a seção de choque diferencial, ds/dW,
relacionada com a probabilidade P(c) do átomo ser espalhado em um determinado
ângulo c por unidade de ângulo sólido W. Esta quantidade pode ser calculada
teoricamente pela expressão1.
<formula/> (1)
onde o somatório é sobre todas as trajetórias que contribuem para um mesmo
ângulo de espalhamento c. Como podemos ver na equação acima, a função deflexãoc
(b) é suficiente para o cálculo de ds/dW. A seção de choque é definida para
valores de c de 0 à p, uma vez que ângulos negativos e positivos são
indistinguíveis no laboratório.
Determinadas características da função deflexão causam singularidades na seção
de choque diferencial. O efeito glory causa uma singularidade porque senc = 0
quando c = 0. A outra singularidade é devida ao efeito rainbow, e acontece
porque a inclinação da função deflexão dc/db é zero, em b=br.
Como a seção de choque esta relacionada com a probabilidade P (c), as
singularidades representam uma coalisão de átomos espalhados em determinado
ângulo c . No caso do rainbow várias trajetórias em torno da condição inicial
br são espalhadas em um determinado ângulo cr, portanto, a seção de choque
diferencial apresenta uma singularidade em cr. A singularidade em c= 0 da seção
de choque diferencial é devida a trajetória de glory e a todas as trajetórias
com parâmetro de impacto b > bmax que contribuem para o ângulo de espalhamento
c = 0, onde bmax é o valor de bpara o qual o ângulo de espalhamento seja
aproximadamente zero.
O estudo sistemático da estrutura da seção de choque diferencial e total é um
dos objetivos importantes para os cientistas que trabalham em dinâmica atômica
e molecular. Informações essenciais destas estruturas podem ser obtidas se
estudarmos a influência dos efeitos glory e rainbow nas seções de choque
diferencial e total. Por exemplo, como já discutimos, a singularidade na seção
de choque ocorre no ângulo de rainbow2. Apesar do efeito glory ocorrer para
ângulos pequenos, que é uma região de pouco interesse, tanto teórico como
experimental, a importância do efeito glory aparece quando tentamos explicar as
oscilações na seção de choque total. A freqüência destas oscilações está
relacionada com a derivada dc/db em b = bg. O número de estados ligados que
esta molécula (resultante da combinação dos átomos em colisão) teria, está
também relacionada com a derivada acima. Um outro ponto importante sobre o
efeito glory é que a derivada acima serve de base também para a aproximação da
fase estacionária. Para referências genéricas sobre este assunto o leitor deve
consultar a referência 2. A análise do efeito rainbow em estruturas complexas,
aparece, por exemplo, na referência 3. A análise do efeito glory, no contexto
da fase estacionária aparece na referência 4.
No estudo teórico do espalhamento atômico pode-se utilizar diversos modelos na
descrição dos fenômenos envolvidos e no cálculo da seção de choque. Um deles é
o modelo geométrico5,6, que é uma imagem adequada e um caminho simples para o
entendimento das principais características do espalhamento atômico como o
efeito rainbow e glory. Este modelo requer somente o conhecimento de geometria
elementar, substituindo a necessidade de se conhecer métodos numéricos para
solução de sistemas de equações diferenciais acopladas, de integrais impróprias
e técnicas para o cálculo de raízes.
Neste trabalho iremos aplicar o modelo geométrico ao espalhamento atômico para
a análise do efeito glory e rainbow e determinar analiticamente a trajetória de
rainbow, cr(E) e br(E), e a trajetória de glory, bg(E).
MODELO GEOMÉTRICO
O modelo geométrico, para o caso atômico, basea-se em dividir o espaço de
colisão em diversos sub-espaços ei que são esferas concêntricas de raio Rmax-
ih, onde Rmax é o valor máximo para a coordenada de espalhamento, h o tamanho
de cada setor e i um indexador. Assim uma partícula em um determinado setor i
possui momento constante dado por size="2" align="bottom">, onde Eé a energia
de colisão. Portanto a partícula ao passar de um sub-espaço elpara ek muda sua
quantidade de movimento e ela o faz sofrendo uma refração de forma a conservar
o momento. Então a partir da conservação do momento e considerações geométricas
para substituir o cálculo do ponto de retorno clássico, Rc, podemos encontrar o
ângulo de espalhamento c, equação (11) da referência 6.
<formula/> (2)
onde aiebi são respectivamente o ângulo de incidência e refração no setor i, e
n é o número total de setores. Com esta equação acumulamos a mudança da direção
ao longo da trajetória, assim a trajetória contínua de uma partícula de massa
reduzida mé composta de n segmentos de trajetórias descontínuas na fronteira de
cada setor i.
Este modelo foi comparado na referência 6 ao resultado obtido pela quadratura
de Gauss-Mehler7 da integral imprópria do ângulo de espalhamento1.
<formula/> (3)
com o cálculo do ponto de retorno clássico feito pelo procedimento de Newton-
Raphson8. O modelo foi considerado quantitativamente apropriado para um mínimo
de 10.000 seções, com um erro de ~0,5%. Maiores detalhes desta comparação são
apresentados na referência citada.
APLICAÇÃO NA ANÁLISE DO EFEITO GLORY
No espalhamento atômico existe uma situação em que o efeito das forças
atrativas é igual ao efeito das forças repulsivas, neste caso o ângulo de
espalhamento é zero, e esta trajetória, em particular, é conhecida como
trajetória do glory. Portanto o parâmetro de impacto do glory, bg, é importante
porque delimita as regiões das trajetórias repulsivas c> 0, da região das
trajetórias atrativas c< 0.
Na dedução das condições analíticas do rainbow e glory pelo modelo geométrico
utilizaremos o potencial degrau abaixo como exemplo
<formula/> (4)
com isto estamos dividindo o espaço de colisão em dois setores i=1 e i=2,
conforme ilustrado na figura_1.
O ângulo de espalhamento c é dado pela equação 2 e portanto, a condição do
glory, c = 0, é dada no modelo geométrico por,
<formula/> (5)
No caso simples de dois setores, sendo um de diâmetro R0, e outro de diâmetro
R1,teremos a1 + a2 = b1 + b2. Conforme discutido na referência 6 bn = p/2, que
é a condição que define o ponto de retorno clássico no modelo geométrico, e
portanto
<formula/> (6)
O parâmetro de impacto que satisfaz a condição acima é o parâmetro de impacto
do glory, bg. Devemos portanto determinar a1, a2 eb1.
Conforme podemos observar na figura_1 o ângulo de incidência no primeiro setor,
a1,é dado por
<formula/> (7)
e neste caso Rmax = R1. No primeiro setor a energia cinética do átomo é [/img/
fbpe/qn/v21n6/2902si7.gif], e no segundo setor [/img/fbpe/qn/v21n6/
2902si8.gif], portanto, usando a conservação do momento podemos obter o ângulo
de refração no primeiro setor, b1dado por
<formula/> (8)
O ângulo de incidência no segundo setor, a2, é dado por
<formula/> (9)
onde Rc = R0.Esta equação é obtida através de considerações geométricas
discutidas na referência 6. Finalmente depois de um rearranjo, substituindo a
equação 7 na equação 8 e o resultado na equação 9, obtemos
<formula/> (10)
Como os ângulos a1 e b1 dependem inversamente da coordenada de espalhamento
podemos fazê-los tão pequenos quanto desejado e consequentemente podem ser
desprezados numa primeira aproximação. Para altas energias, além deles serem
pequenos, estes ângulos serão também aproximadamente iguais, o que pode ser
visto pela equação (8). Portanto a equação (6) pode ser escrita aproximadamente
como
<formula/> (11)
Rearranjando esta equação obtemos a trajetória de glory
bg = Rc (1+De / E)1/2, (12)
uma aproximação que deve ser melhor para altas energias.
A expressão analítica encontrada para a trajetória de glory mostra que o
parâmetro do glory é dependente do potencial de interação interatômico, neste
caso é função da energia de dissociação De e do parâmetro R0 do potencial
degrau utilizado. No limite de altas energias o parâmetro de impacto de glory é
aproximadamente o ponto de retorno clássico, ou seja, a trajetória é
praticamente retilínea.
O resultado da equação 12 é comparado na figura_2 ao valor obtido pelo método
da trajetória clássica utilizando-se o método de Runge-Kutta de 4ªordem com
passo fixo8 para integração das equações acopladas. A correção do ângulo de
espalhamento é dada pela solução analítica da integral 3 de Rmax à ¥. Os
cálculos foram feitos para o sistema H2, descrito pelo potencial de Morse
V(R) = De(1-e-am(R-Re)
)2 -De (13)
,
com parâmetros De= 4,747eV, am= 1,945 Å-1 e Re= 0,7414Å9.O método de Newton-
Raphson8foi usado para encontrar o ponto de retorno clássico.
Podemos observar na figura_2 que o modelo geométrico descreve corretamente o
resultado obtido por trajetória clássica e que o resultado de ambos os métodos
se aproximam quantitativamente para altas energias.
APLICAÇÃO NA ANÁLISE DO EFEITO RAINBOW
O efeito rainbow corresponde a uma coalisão de trajetórias no ângulo de
deflexão máximo. O ângulo de rainbow divide a região em que a mecânica clássica
poderá ser usada com maior segurança. Na dependência de c x b a situação física
fica mais clara, podemos observar que para valores de c < crexistem três
trajetórias (b0, b1e b2)que contribuem para o mesmo ângulo de espalhamento c,
acima deste valor a correspondência entre c e bé unívoca. Se usarmos uma
expressão mais elaborada (semi-clássica) para a intensidade do feixe de
partícula espalhada, veremos que devido a correspondência entre vários
parâmetros de impacto com o mesmo ângulo de espalhamento teremos um fenômeno
conhecido como interferência, fenômeno este não clássico2.
A condição de rainbow é dada formalmente por
<formula/> (14)
e através da equação (2) podemos encontrar uma condição equivalente no modelo
geométrico
<formula/> (15)
Conforme fizemos na dedução do efeito glory, também, para a dedução do efeito
rainbow, dividiremos o espaço de colisão em dois setores (ver figura_3).
Geometricamente podemos observar que o efeito rainbow ocorre quando o ângulo de
incidência em cada setor i é p/2 e como já discutimos bn também é igual a p/2.
Assim, considerando apenas dois setores, o ângulo de rainbow é dado por
<formula/> (16)
Usando as equações (7) e (8), com a1= p/2, obtemos
<formula/> (17)
Substituindo a equação acima na equação (16) obtemos
<formula/> (18)
e através de um rearranjo simples obtemos a expressão para a trajetória do
rainbow
sec2(cr / 2) = 1 + De / E. (19)
No modelo geométrico, o parâmetro de impacto para a trajetória de rainbow é R1,
tal que, a1=p/2, portanto, br(E) = R1. Esta expressão mostra que a trajetória
de rainbow depende do parâmetro De e R1 do potencial degrau utilizado. No
limite de altas energias o ângulo de rainbow é aproximadamente zero, i.e., as
trajetórias são todas praticamente retilíneas.
A figura_4 apresenta o resultado da sec2(cr/2) em função da energia, comparado
ao resultado obtido pela trajetória clássica para o sistema H2. Podemos
observar uma excelente concordância dos resultados para altas energias.
UNIVERSALIDADE DO MODELO GEOMÉTRICO
O conceito de universalidade é bastante comum em termodinâmica. O segundo
coeficiente do virial pode, por exemplo, ser escrito na forma universal para
potenciais conformais10, i.e., potenciais da forma
V(R) = De(R /s). (20)
como é o caso do potencial (4) utilizado na discussão do efeito glory e
rainbow. Neste item iremos mostrar que o ângulo de espalhamento c também é uma
quantidade universal para esta classe de potenciais. Esta universalidade é
facilmente mostrada substituindo o potencial acima na equação (3), para
obter11.
<formula/> (21)
onde b* = b/s, = Rc/s, R*=R/seE* = E/De.Como podemos observar c*depende somente
das quantidades reduzidas b* e E* e é, portanto, universal nestas variáveis.
Este resultado mostra que também as quantidades bg* e br* são universais. Em
particular, no caso do potencial degrau utilizado, equação (4), s = R0= Rc.
O estudo da trajetória de rainbow e glory, pelo modelo geométrico, mostra de
maneira muito simples a universalidade de c* e para classe de potencias
degraus. Analisando o resultado analítico obtido para a trajetória de glory
pelo modelo geométrico, equação (12), podemos observar que as quantidades
reduzidas bg/Rc e E/De aparecem nesta expressão e que portanto podemos escrevê-
la de maneira universal como
<formula/> (22)
Isto significa que para esta classe de potenciais, o parâmetro de glory, bg(E),
para um dado sistema de energia de dissociação De é dado por Rcb*(E* ) tal que
E*=E/De. Este resultado aproximado da equação (22), para duas seções, sugere
uma série perturbativa para a trajetória de glory apresentada abaixo em sua
forma universal
<formula/> (23)
A quantidade reduzida E/De também pode ser identificada na expressão analítica
para a trajetória de rainbow, portanto, também podemos escrevê-la de maneira
universal como
<formula/> (24)
De fato, como provamos na equação (21), o ângulo de rainbow é universal para a
classe de potenciais conformais, e isto é visto de maneira muito simples pelo
modelo geométrico. Este resultado também sugere, de maneira similar ao caso do
efeito glory, uma série perturbativa em 1/E*, dada por
<formula/> (25)
O modelo geométrico mostra que esta série é adequada para descrever a
trajetória de rainbow e tem significado físico.
Para ilustrar a universalidade sugerida pelo modelo geométrico, isto é, pelas
equações (23) e (25) acima, é conveniente não trabalharmos com o potencial de
Morse. Uma análise deste potencial nos mostra que
<formula/> (26)
onde vemos que <formula/> e [/img/fbpe/qn/v21n6/
2902si10.gif] serão universais somente quando aRe for constante. Como esta
restrição não possui significado físico e os sistemas a serem analisados teriam
de ser artificiais, foi adequado trabalharmos com o potencial de Lennard-Jones
<formula/> (27)
que pertence à classe de potenciais conformais. Os sistemas He2, Ne2, Ar2 e
Xe2, com parâmetros s e De
retirados da referência [12], serão usados para ilustrar a universalidade.
A universalidade para <formula/>, sugerida pelo modelo
geométrico, esta ilustrada na figura_5 para a série de moléculas diatômicas
acima. Os coeficientes, cn, da série apresentada na equação (25) são
universais, e para a classe de potencial de Lennard-Jones, com um ajuste de
grau 6 obtém-se uma boa correlação na faixa de 0.1 £ E* £ 0,8. Os coeficientes
neste caso são: c0 = 1,156, c1= -3,598, c2= 32,235, c3= -132,787, c4= 302,370,
c5= -349,863 e c6= 168,424. Esta curva não pode ser extrapolada além do limite
de 1/E*=1,25, limite este de ocorrência do efeito rainbow nos potenciais de
Lennard-Jones11. Uma análise semelhante foi feita para o efeito glory
utilizando a equação (23). Um ajuste de grau 2 fornece uma excelente correlação
para a faixa de 0,1 £E*£ 1,5. Neste caso os coeficientes são c0= 1,009, c1=
0,731, c2= -0,134.
CONCLUSÃO
O modelo geométrico, desenvolvido anteriormente5,6, foi aplicado no presente
trabalho para elucidar a estrutura do glory e do rainbow no espalhamento
atômico. Este modelo é simples e esclarecedor da natureza física destes
efeitos. A correta dependência das trajetórias do rainbow e glory são
influenciadas pelo potencial de interação e esta dependência fica clara quando
o modelo geométrico é usado. As expressões são universais para a classe de
potenciais conformais e dependentes da quantidade reduzida De/E.
O modelo geométrico sugere uma série perturbativa em De/E para as trajetórias
de rainbow e glory, os coeficientes desta série são universais para a classe de
potencial que foram determinados. Portanto, para qualquer sistema descrito por
um potencial desta classe, <formula/>, tal que, E* = De
/ E e b* = b / Rc.
A universalidade da função f* (equação (25)), para a classe de potenciais
conformais, pode ser utilizada para estimar o valor de De a partir de dados
experimentais. Se o valor de cré determinado experimentalmente, para uma
determinada energia E, teremos sec2(cr/2) = f*(1/E*), e portanto, (1/E*) = De/
E ou De= E(1/E*). Este modelo nos possibilita então, a inversão de dados
experimentais.