Fontes, reatividade e quantificação de metanol e etanol na atmosfera
I. INTRODUÇÃO
Mais de 99,9% do ar atmosférico seco, consiste de nitrogênio, oxigênio e
argônio. A fração restante é composta por CO, CO2, hélio, neônio, criptônio,
metano, hidrogênio, ozônio, óxidos de nitrogênio e amônia, entre outros1.
Vários desses constituintes podem ser gerados através de processos biológicos
ou por fenômenos atmosféricos. Existem, entretanto, diversos compostos ou
partículas que modificam a composição natural da atmosfera e que são lançados
no ar por fontes principalmente antropogênicas, sendo classificados como
poluentes. Aí se incluem o carbono elementar, óxidos de enxofre,
hidrocarbonetos não metânicos, vários oxidantes, aerossóis de metais,
partículas sólidas e substâncias radioativas.
A indústria, especialmente em áreas altamente industrializadas, é importante
causadora da poluição do ar. Em grandes cidades, os gases de exaustão de
motores de veículos, bem como a evaporação de combustíveis, podem ser os
componentes principais da poluição. A quantidade e tipo de substâncias
presentes na exaustão, irá depender grandemente do tipo e do grau de manutenção
dos motores.
Os poluentes atmosféricos podem ser classificados como primários ou
secundários, conforme a fonte e os mecanismos de formação. Os primeiros são
substâncias químicas que entram diretamente no ar vindas de fontes móveis ou
estacionárias. Os secundários são resultado das interações na atmosfera de
poluentes primários com componentes do ar (oxigênio, ozônio, amônia, água,
etc.), sob a ação de luz UV. Freqüentemente, os poluentes secundários resultam
ser muito mais tóxicos do que seus poluentes primários precursores1.
As conversões atmosféricas e as interações entre as diferentes substâncias,
assim como processos de diluição, deposição, adsorção, absorção, entre outros,
não evitam que estas se acumulem na atmosfera e se espalhem sobre vastas áreas,
em processos que dependem em alto grau do tipo de fonte emissora, origem e
propriedades do composto poluente e fatores meteorológicos e topográficos
(velocidade e direção dos ventos, inversões térmicas, pressão atmosférica,
umidade relativa, topografia da região e distância da fonte emissora, por
exemplo).
O emprego de metanol, etanol e outros combustíveis derivados de biomassa, vem
encontrando um mercado crescente como conseqüência de políticas econômicas ou
de esforços em prol da redução da poluição atmosférica, causada por emissões
veiculares2. No caso específico do Brasil, a tradição em cultura de cana de
açúcar, aliada a uma conjuntura econômica surgida com o aumento do preço do
petróleo no início dos anos 70, levaram o país a utilizar, a partir daquela
década, etanol hidratado puro e etanol anidro em mistura (22±2 % v/v) com
gasolina, como combustíveis para a sua frota veicular leve. Estima-se que em
1993 a frota brasileira movida a álcool hidratado era de cerca de 4,2 milhões
de veículos. No começo da década de 90, cerca de 41% dos veículos leves em
Salvador era movido a álcool hidratado, sendo o restante impulsionado pela
mistura gasolina-álcool, também chamada de "gasool".
Em face disso, pode-se deduzir que é de extrema importância a disponibilidade
de metodologias analíticas capazes de determinar de maneira sensível, precisa e
exata, os níveis de etanol e metanol no ar atmosférico de regiões urbanas, bem
como de maneiras de elucidar suas transformações na atmosfera.
II. METANOL E ETANOL:PROPRIEDADES GERAIS
II.1. Metanol
O metanol, cuja fórmula molecular é CH3OH, é um líquido incolor, com peso
molecular igual a 32,04, possuindo um odor suave na temperatura ambiente. Desde
sua descoberta, no final do século XVII, o metanol evoluiu para ser uma das
matérias-primas mais consumidas na indústria química. Já foi também chamado de
álcool de madeira, devido a sua obtenção comercial a partir da destilação
destrutiva de madeira3.
Seus principais usos concentram-se na produção de formaldeído, metil tert-butil
éter (MTBE) - aditivo para gasolina - e como combustível puro ou em mistura com
gasolina para veículos leves. As principais propriedades físicas do metanol são
dadas na tabela_1.
II.1.2. Reações e Obtenção Industrial
As reações do metanol são as típicas da classe dos álcoois. Do ponto de vista
industrial, as de maior importância são a desidrogenação, a desidrogenação
oxidativa para gerar formaldeído empregando catalisadores metálicos (reação 1)
e a carbonilação levando ao ácido acético, catalisada por cobalto ou ródio.
(1)
A reação catalisada por ácido entre o isobutileno e metanol (reação 2), para
formar o MTBE, importante aditivo para gasolina, vem encontrando aplicação
crescente. O crescimento do emprego do MTBE como aditivo oxigenado para
gasolina, pode ser medido por sua posição no grupo dos 50 produtos químicos de
maior produção nos EUA. Do 18o lugar em 1994, avançou para o 12o em 1995, com
produção total de cerca de 8,0 milhões de toneladas, tendo crescimento médio de
29,5%4.
<formula/> (2)
Além destas, podem ser citadas as reações de formação de ésteres metílicos, e
reações com ácidos inorgânicos, como as que formam o nitrato e os haletos de
metila.
O método mais antigo de produção industrial de metanol baseia-se na destilação
destrutiva de madeira. Praticado desde a metade do século XIX até o começo do
século XX, tornou-se no entanto obsoleto. Pode-se obtê-lo também a partir da
oxidação de hidrocarbonetos. Atualmente, o processo mais empregado é o de
síntese a partir de misturas pressurizadas de hidrogênio, CO e/ou CO2, em
presença de catalisadores metálicos heterogêneos.
<formula/> (3)
II.1.3. Toxicologia
O metanol possui propriedades narcóticas peculiares, sendo também um irritante
para as mucosas. Seu principal efeito tóxico é exercido sobre o sistema
nervoso, particularmente os nervos ópticos e possivelmente a retina3,5. O
efeito sobre os olhos tem sido atribuído a neurite óptica, seguida de atrofia
do nervo óptico. Uma vez absorvido, é lentamente eliminado. O estado de coma
produzido por ingestão massiva pode durar de 2 a 4 dias. No corpo, os produtos
formados a partir de sua oxidação são o formaldeído e o ácido fórmico, ambos
tóxicos. Devido à lentidão com a qual é eliminado, deve ser considerado como um
veneno de efeito cumulativo. Ainda que exposições curtas aos vapores não devam
causar efeitos prejudiciais, quando se tornam diárias podem resultar em acúmulo
de metanol suficiente para provocar danos à saúde.
As exposições severas podem causar vertigem, perda de consciência e paradas
respiratória e cardíaca. A ingestão oral de 25 a 100 mL já pode ser fatal. Em
casos de exposição menos severa, os sintomas podem ser de fraqueza, fadiga,
dores de cabeça, náuseas, além de turvação da vista, fotofobia e conjuntivite,
podendo ser seguida de lesões oculares definitivas. Os sintomas com relação aos
olhos podem regredir temporariamente, apenas para recrudescer posteriormente e
progredir para a cegueira definitiva.
Encontram-se igualmente relatados casos de irritação de mucosas da garganta e
do trato respiratório, assim como outros tipos de lesões do sistema nervoso. No
contato com a pele, esta pode tornar-se sêca e quebradiça. A tabela_2 indica
alguns valores estimados de tolerância para exposição a vapores de metanol.
II.2. Etanol
O etanol, cuja fórmula molecular é CH3CH2OH, é um líquido incolor com peso
molecular 46,07, tem sido descrito como um dos mais peculiares compostos
orgânicos contendo oxigênio, dado sua combinação de propriedades como solvente,
germicida, anti-congelante, combustível, depressivo, componente de bebidas,
além de grande versatilidade como intermediário químico para outros produtos6.
Sob condições ordinárias, é um líquido incolor e claro, volátil, inflamável,
possuindo um odor agradável e característico. Suas propriedades físicas e
químicas dependem primeiramente do grupo hidroxila, -OH, o qual imputa
polaridade à molécula, além de promover interações intermoleculares via
ligações de hidrogênio. Essas duas características ocasionam as diferenças
observadas entre os álcoois de baixo peso molecular (incluídos aí o metanol e o
etanol) e os respectivos hidrocarbonetos. Estudos de espectroscopia no
infravermelho mostram que, no estado líquido, as ligações de hidrogênio são
formadas pela atração do hidrogênio da hidroxila de uma molécula pelo oxigênio
da hidroxila da outra molécula. Tal efeito de associação faz com que o etanol
no estado líquido se comporte como um dímero. No estado gasoso, entretanto, ele
é um monômero. A tabela_3 sumariza as propriedades físicas do etanol.
II.2.2. Reações e Obtenção Industrial
A química do etanol é, em grande parte, representada pela química do grupo
hidroxila. Assim, suas reações características são a desidratação,
desidrogenação, oxidação e esterificação. Além disso, o átomo de hidrogênio do
grupo -OH pode ser substituído por um metal como o sódio, potássio ou cálcio,
formando-se o etóxido do metal com a liberação paralela de hidrogênio.
A obtenção industrial de etanol se dá pela síntese a partir do etileno, como
sub-produto de determinados processos, ou por fermentação do açúcar, amido ou
celulose.
No caso do Brasil, o principal método para obtenção de etanol baseia-se na
fermentação de açúcar de cana.
<formula/> (4)
II.2.3. Toxicologia
O etanol não é considerado como sendo muito tóxico, de tal forma que em um
ambiente apropriadamente ventilado, a probabilidade de intoxicação por inalação
é baixa5. O valor limite de tolerância para o vapor no ar foi determinado em
1000 ppm, para uma exposição temporal média (TWA) de 8 horas. A quantidade
mínima detectada pelo odor é referida como sendo de 350 ppm. Exposições a
concentrações de 5000 a 10000 ppm resultam em irritação dos olhos e das
membranas e mucosas do trato respiratório superior. Quando mantidas por uma
hora ou mais, podem causar entorpecimento e perda de sentidos. A tabela_4
sumariza os efeitos de exposição a uma larga faixa de concentrações.
O etanol não tem efeito cumulativo no corpo, já que é completamente oxidado a
CO2 e água em um breve intervalo de tempo. Menos de 10% do álcool absorvido é
excretado, principalmente na urina, no ar expirado, e na transpiração. A
intoxicação e o envenenamento por etanol são provocados quase que
invariavelmente pela sua ingestão como bebida, e não pela inalação de vapores.
Assim, uma pessoa de 70 Kg deverá ser intoxicada por uma ingestão de etanol de
75 a 80 g, sofrerá entorpecimento com 150 a 200 g e poderá morrer com 250 a 500
g.
Existe alguma controvérsia sobre o fato de ser possível ou não a embriaguez
resultante de inalação de vapores do etanol. A experiência tem demonstrado que
ela é rara. Não há também evidência concreta de que a inalação do vapor possa
causar cirrose. Exposições repetidas, por outro lado, desenvolvem a tolerância
no indivíduo, sem que haja uma adaptação fisiológica concomitante. Evidências
experimentais7 indicam uma associação positiva entre a ingestão moderada de
álcool e os níveis do antígeno t-PA endógeno no plasma, o que levaria pessoas
que consomem bebidas alcoólicas, moderadadamente, a ter menos riscos de sofrer
doenças de coração.
III. FONTES DE EMISSÃO DE ÁLCOOIS PARA A ATMOSFERA
III.1. Emissões Naturais
Sabe-se que as plantas emitem uma considerável quantidade de compostos
orgânicos voláteis (COV) para a atmosfera. As emissões anuais globais de COV
provenientes de vegetação tem sido estimadas entre 500 e 825 toneladas8.
Se comparado com a quantidade de espécies vegetais existentes em diferentes
partes do planeta, o inventário de emissões de COV ainda é muito escasso. A
maior parte das determinações foi realizada no continente norte-americano,
focalizando principalmente a emissão de isopreno e terpenos. Assim, os
inventários de emissões naturais de COV por plantas são geralmente baseados em
dados relacionados ao isopreno, a-pineno, e hidrocarbonetos não-metânicos
(HCNM) totais.
Com relação aos HCNM, até recentemente estes eram relacionados básicamente aos
monoterpenos e ao isopreno. Na atualidade, tem-se atribuído grande importância
também a muitos outros tipos de compostos, especialmente COV oxigenados, os
quais são igualmente emitidos. Arey et al.9
, mostraram que hidrocarbonetos oxigenados podem representar a maior parte das
emissões naturais terrestres de COV. Também, Schulting et al.10
relataram que certas espécies de gramíneas emitem (Z)-3-hexen-1-ol e (Z)-3-
hexenilacetato, que foram denominados como "álcool e éster de folha".
Para certas espécies de semeaduras plantadas na região central da Califórnia,
as emissões de (Z)-3-hexen-1-ol e (Z)-3-hexenilacetato superam as emissões
"clássicas" de isopreno e terpenos.
Em trabalho recente, König et al11 foram capazes de determinar as taxas de
emissão de mais de cinqüenta COV, compreendendo oito espécies de plantas e três
diferentes tipos de gramíneas típicos de regiões da Áustria. Como fração dos
COV, são relatados dezessete álcoois, entre eles o 2-metil-1-propanol, 1 e 2-
butanol, 1 e 3-pentanol, 1-hexanol, linalool, mentol, etc. Nenhuma referência é
feita, no entanto, a emissões de metanol e etanol.
MacDonald e Fall8, por outro lado, se referem a dados de literatura que relatam
quantidades significativas de metanol, detectadas em atmosfera rural e, mais
recentemente, em regiões de florestas no sudeste dos E.U.A. Nesse estudo, as
concentrações de metanol variaram de 11 ppbv durante o dia a 6 ppbv durante a
noite. Para efeito de comparação, as concentrações de isopreno variaram de 6
ppbv durante o dia a 1 ppbv a noite.
O metanol é conhecido por se acumular em sementes em processo de
amadurecimento, provavelmente como produto da desmetilação da pectina, por meio
da enzima pectinmetilesterase. Os estudos desenvolvidos por MacDonald e Fall
indicam que a principal fonte de emissão de metanol nas plantas são as folhas,
as quais possuem taxas comparáveis às de emissão de isopreno.
III.2. Emissões Artificiais
Durante as duas últimas décadas, cresceu e consolidou-se a tendência ao uso de
etanol, metanol e outros combustíveis derivados da biomassa como uma
alternativa de energia mais "limpa" do que a gerada por combustíveis
fósseis12,13,14. O setor de transporte consome 25% da energia mundial, além de
produzir cerca de 22% do CO2 emitido para a atmosfera15. A adição de álcool à
gasolina é vista como uma solução para a queima de misturas com menor emissão
de monoxido de carbono (CO). Entretanto, é importante ressaltar que devido à
ausência de parâmetros de controle de emissão, não são conhecidos ou levados em
consideração dados sobre as emissões causadas por evaporação e combustão
incompleta, ou reações secundárias que ocorrem com estes compostos no ar
atmosférico.
O Programa Nacional de Produção de Etanol de Cana de Açúcar (PROÁCOOL) foi
instituído em 1975, com o objetivo de incentivar e subsidiar a produção de
etanol que seria utilizado como combustível veicular. Logo depois, em 1979, foi
introduzido o primeiro veículo movido a etanol hidratado. Em 1985, a fração de
carros movidos a "gasool", mistura etanol-gasolina 22:78 (% v/v), era
de aproximadamente 20% nas grandes cidades. Em 1993 a frota brasileira movida a
álcool era avaliada em 4,2 milhões de veículos. No começo da década de 90 em
Salvador, cerca de 41% dos veículos eram movidos a álcool hidratado, enquanto
os 50% correspondentes a veículos a gasolina utilizavam na realidade a mistura
gasolina-álcool. Estes dados eram mais ou menos extrapoláveis para outras
grandes cidades brasileiras, devendo entretanto ter sofrido variações nos
últimos anos em função de um novo aumento na procura por carros a gasolina. A
produção de carros a álcool, que já atingiu 76% do total produzido no país em
86, caiu para menos de 1% em 96/9715. A frota nacional de veículos movidos a
etanol hidratado, vem se mantendo no patamar de 4 milhões de unidades15. Dados
publicados recentemente16 mostram que no estado do Rio de Janeiro, de um total
de 2,5 milhões de veículos (leves e pesados), 1,8 milhões, ou 72%, rodam a base
da mistura gasolina - álcool, enquanto apenas 507 mil, ou cerca de 20%, ainda
usam o etanol hidratado.
Por outro lado, a estabilização do preço dos combustíveis e o aumento na venda
de automóveis, ocorridos logo após a implantação do Plano Real (julho/94),
levaram a um crescimento significativo da frota veicular trafegando diáriamente
nas cidades. Uma vez que a engenharia de trânsito e as reformas urbanas não
foram capazes de acompanhar ou prever este crescimento, vem-se observando,
freqüentemente, a formação de grandes congestionamentos principalmente nas
horas de "pico" de tráfego. Pode-se supor daí que as emissões de
combustíveis não queimados e seus produtos secundários tenham também aumentado
de 1994 para cá. Estima-se13 que o etanol compareça na emissão do escapamento
numa proporção da ordem de 50 a 85%, dependendo da tecnologia aplicada.
As propriedades que fazem do etanol um combustível distinto da gasolina são o
calor de combustão mais baixo, uma razão estequiométrica ar:combustível
diferente, calor de vaporização mais alto e um ponto de ebulição único, ao
contrário da gasolina que destila em uma faixa. O calor de combustão mais baixo
implica no uso de mais etanol para produzir a mesma energia no interior da
câmara de combustão13,14.
Em face ao exposto, o impacto do uso de álcool ou misturas gasolina / álcool
deve ser avaliado, na medida em que metanol ou etanol, através de seus produtos
de oxidação, tais como aldeídos de baixo peso molecular, cetonas e ácidos
carboxílicos tem papel fundamental nos processos de fotooxidação na
atmosfera17.
IV. REATIVIDADE DOS ÁLCOOIS NA ATMOSFERA
Com relação aos compostos carbonílicos, sabe-se que os mesmos tem papel
decisivo na formação do "smog" fotoquímico, em áreas urbanas ou
remotas18. Os fotooxidantes são formados na atmosfera quando compostos
orgânicos reativos interagem com óxidos de nitrogênio sob ação de radiação UV.
Como resultado, compostos altamente tóxicos, tais como o nitrato de
peroxiacetila (PAN) e o nitrato de peroxipropila (PPN) são formados. Esses
compostos têm um efeito lacrimejante agudo, danificam plantas e atacam
artefatos de borracha, sendo ainda instáveis, especialmente a altas
temperaturas, quando se decompõem para formar substâncias mais simples, como
nitrato de metila e CO2.
Já os ácidos carboxílicos podem ser a principal fonte de acidez livre nas
precipitações pluviométricas, especialmente em regiões onde seja rara a
ocorrência de ácidos minerais fortes. Uma grande variedade de compostos
carbonílicos e de ácidos carboxílicos tem sido identificados e quantificados em
fase vapor, líquida ou em forma de aerossol, consequência do grande interesse
que vem despertando recentemente devido a sua participação em reações
atmosféricas.
O papel na atmosfera dos álcoois alifáticos simples é altamente controlado
pelas reações com os radicais .OH, uma vez que reações de fotólise, reações com
O3 e com radicais .NO3 são desprezivelmente lentas. Atualmente, sabe-se muito
pouco a respeito dos mecanismos de oxidação na atmosfera de compostos
oxigenados do tipo álcoois e éteres. As constantes de velocidade de reação com
radicais .OH, para metanol e etanol a 298 K, foram calculadas em 0,90 e 3,4
.1012 cm3 . molecula-1.s-1 respectivamente, conforme as reações esquematizadas
abaixo18:
<formula/> (5)
<formula/> (6)
Os tempos de meia-vida na atmosfera, calculados a partir dos valores de
constante determinados acima, tomando por base uma concentração de .OH igual a
1,0 x 106 moléculas . cm-3 são, respectivamente, de cerca de 9 dias para
metanol e 2,5 dias para etanol19.
Uma comparação simples entre metanol e etanol, em termos de capacidade
potencial na formação de ozônio, leva a reatividades de 4 a 5 vezes maiores
para o etanol18,20.
Não obstante a reatividade do metanol frente aos radicais .OH ser relativamente
baixa, quando comparada a outros compostos orgânicos oxigenados (como por
exemplo o dimetil éter, com k=2,5.1012 cm3 .molécula-1 . s-1), ele é
potencialmente um melhor precursor da formação de ozônio. Isso se explica pelo
tipo de espécies formadas na reação com o radical .OH. A oxidação atmosférica
do metanol gera formaldeído, extremamente reativo, o qual leva à formação de
radicais hidroperóxido, segundo as possíveis reações abaixo:
<formula/> (7)
<formula/> (8)
<formula/> (9)
<formula/> (10)
Os radicais hidroperóxido são capazes de oxidar o NO a NO2.
<formula/> (11)
Deste modo a concentração atmosférica de O3 aumenta pois o estado estacionário
de equilíbrio entre NO, NO2 e O3 é perturbado quando o balanço entre NO e NO2é
alterado.
Quanto ao principal produto de oxidação atmosférica do dimetil-éter, o formiato
de metila, este não favorece de maneira significativa a geração de ozônio.
O uso de etanol em atmosferas relativamente pobres em óxidos de nitrogênio
(EtOH / NOx ³ 10) pode ser atrativo em termos de redução na formação de ozônio.
Por outro lado, pode levar não só à maior formação de acetaldeído, como também
de nitrato de peroxiacetila (PAN)18. De 76 a quase 100% do aldeído formado
durante a combustão em veículos movidos a etanol corresponde ao
acetaldeído21,22,23,24. Foi observada no Rio de Janeiro25, uma relação inversa
entre as concentrações de acetaldeído e PAN, ou seja, uma diminuição na
concentração de acetaldeído era acompanhada por um aumento na concentração de
PAN, cerca de duas horas depois.
A não utilização ou o uso de catalisadores ineficientes em veículos movidos a
álcool ou misturas gasolina-álcool, leva a um aumento nos níveis de emissão de
formaldeído e, principalmente, acetaldeído, além de ter um efeito potencial no
crescimento das concentrações de "gases estufa", como CO2, metano,
óxidos de nitrogênio, etc2. A variação global na concentração de CO2 na
atmosfera devida à combustão de álcool, depende basicamente da forma como o
mesmo é produzido. Em caso de ser via transformação de produtos petroquímicos,
pode-se esperar um acréscimo. Por outro lado, sendo produzido a partir de
biomassa (ex. cana de açucar), o consumo de CO2 no processo de crescimento da
matéria-prima deve contrabalançar a sua emissão durante a queima em motores.
Metanol e etanol podem ainda reagir com SO2 e ácido sulfúrico na atmosfera para
formar os respectivos sulfato de dimetila e de dietila (DMS e DES). O DMS, que
tem sido detectado em diversos estudos, é altamente tóxico e mutagênico, tendo
sido classificado como um provável agente cancerígeno para seres humanos. Pouco
se sabe, no entanto, sobre a possível formação na atmosfera de DES, e sua
potencial atividade cancerígena ou qualquer outro tipo de toxicidade a ele
associada20.
V. DETERMINAÇÃO DE METANOL E ETANOL
A necessidade de uma avaliação mais criteriosa do papel do metanol e etanol nas
reações atmosféricas, exige metodologias analíticas confiáveis para medir suas
concentrações no ar, em nível de traços. Entretanto, no que diz respeito aos
álcoois de baixo peso molecular, os dados disponíveis em literatura ainda não
indicam que tenha se chegado a uma metodologia adequada, seja na amostragem ou
na determinação propriamente dita, devido principalmente às faixas de
concentração no ar e às interferências de outros compostos orgânicos nos
métodos de coleta.
Grande parte dos métodos analíticos desenvolvidos para metanol e etanol,
encontra maior aplicação na indústria de bebidas e nas áreas da química forense
e toxicológica. A determinação de etanol é provavelmente uma das análises mais
efetuadas em laboratórios de toxicologia e de análises forenses. Por outro
lado, sua quantificação rápida, precisa e exata em bebidas é importante para o
processo e para o controle de qualidade na indústria alimentícia26,27,28. Entre
os métodos empregados, pode-se destacar os baseados em automação por injeção em
fluxo (FIA), acoplados a reações utilizando enzimas imobilizadas tais como a
álcool oxidase (AOD) e álcool desidrogenase(ADH), segundo respectivamente as
reações abaixo:
<formula/> (12)
<formula/> (13)
No caso da reação 12, o peróxido de hidrogênio formado é detectado
eletroquímicamente a +700 mV. A sensibilidade relatada para o método é de
0,0001% (v/v) em etanol27. Na reação com álcool desidrogenase (reação 13), a
forma reduzida da coenzima (NADH) é determinada espectrofotométricamente a 340
nm ou, alternativamente, por espectrofluorimetria ou amperometria, sendo o
limite de detecção referido como sendo de 0,0025% (v/v) em etanol28. As reações
acima têm sido também empregadas na construção de biosensores. Dennison et al29
relatam a detecção indireta de vapor de etanol, em concentrações na faixa de 50
a 250 ppm, usando biosensores a base da enzima ADH imobilizada sobre suporte
(reação 13).
A determinação quantitativa de álcoois alifáticos por cromatografia líquida tem
se ressentido da falta de um detector sensível. Os álcoois alifáticos não
possuem grupamentos cromóforos ou fluoróforos, para a detecção por
espectrofotometria ou espectrofluorimetria, respectivamente, além de serem
considerados eletroquímicamente inativos em potenciais constantes. Vários
compostos aromáticos são facilmente detectados por oxidação em eletrodos
inertes, como por exemplo ouro, platina e carbono vítreo. O efeito do anel
aromático é o de estabilizar, por ressonância, os radicais-livres formados em
etapas de oxidação unieletrônica. Este tipo de estabilização, por outro lado,
não está presente nos compostos orgânicos alifáticos, como as aminas e os
álcoois. Daí resultam velocidades de oxidação extremamente lentas, mesmo para
as reações termodinâmicamente favorecidas.
Alternativamente, a estabilização pode ser tentada via adsorção do radical na
superfície de um metal nobre servindo como eletrodo, e que possua orbitais d
insaturados. Em contrapartida, ela é acompanhada pelo "envenenamento"
da superfície do eletrodo por diversos produtos de oxidação, levando à sua
desativação. Assim, o que normalmente é tomado como sendo não reatividade do
composto alifático, pode ser na verdade consequência deste
"envenenamento". Uma solução proposta para esse problema pode ser o
emprego de detecção por amperometria pulsada30,31. Neste caso, a polarização do
eletrodo está alternando-se contínuamente entre uma voltagem anódica e uma
catódica, o que proporciona a limpeza e reativação constantes da sua
superfície. Com o emprego dessas condições, etanol e metanol podem ser
detectados em eletrodos de platina e ouro. As melhores condições de
sensibilidade foram obtidas empregando-se o eletrodo de platina em fase móvel
ácida (HClO4 50 mM). Dessa forma, os limites de detecção relatados para metanol
e etanol foram, respectivamente, 0,1 e 0,2 ppm30.
Montalvo e Ingle Jr.32, fizeram uso da quimioluminescência observada durante a
oxidação de etanol por permanganato de potássio em meio fortemente ácido. Foram
estudados diversos tipos de ácidos e sua influência no sinal detectado. Uma vez
selecionado o ácido capaz de produzir os melhores resultados (HNO3), o limite
de detecção do método alcançou valores de 0,3% (v/v), tendo o mesmo sido
aplicado em amostras de bebida (gim).
A determinação de etanol em bebidas pode também ser realizada por meio de
espectrofotometria no infravermelho. Perez Ponce et al.33 descrevem um método
em que a amostra de bebida não tratada, é aquecida em um reator de Pyrex a uma
temperatura entre 80 e 100oC. O vapor de etanol isento de água e açúcares é
então arrastado, por corrente de N2, para uma célula de gás, onde é analisado
na faixa de 950 a 1150 cm-1. O limite de detecção referido é de 0,02% v/v.
V.1. Determinação de metanol e etanol atmosféricos
A análise de metanol e etanol em fase vapor no ar atmosférico, não apresenta,
até o momento, um método que seja ao mesmo tempo direto, sensível e seletivo
para esses compostos. Hayes et al34 relatam o desenvolvimento de um amostrador-
sensor seletivo para etanol, baseado na reação desse álcool com o oxinato de
vanádio - um éster fenólico do ácido ortovanádico -, que encontra-se
imobilizado em uma matriz polimérica. O produto da reação é um complexo
colorido vermelho, e a concentração de etanol pode ser associada à intensidade
da cor desenvolvida pelo mesmo, a qual é lida diretamente. A reação em questão
é mostrada a seguir.
<formula/> (14)
Esse sensor, no entanto, além de encontrar-se em um estágio inicial de
desenvolvimento, apresentou até o momento sensibilidades muito baixas, sendo da
ordem de 1200 ppm para vapor de etanol na atmosfera, o que pode fazê-lo
adequado para ambientes altamente contaminados, mas não para o monitoramento de
áreas urbanas. Além disso, os autores relatam problemas que ainda persistem com
a reprodutibilidade na formação de cor para uma dada concentração de etanol.
A determinação de metanol e etanol na atmosfera envolve nitidamente dois
aspectos: o primeiro deles é o que trata da amostragem propriamente dita,
enquanto o segundo diz respeito à quantificação dos álcoois amostrados. Cada um
será tratado separadamente a seguir.
V.1.1. Amostragem de metanol e etanol atmosféricos
A literatura recente que aborda a questão da análise de poluentes atmosféricos,
tem dedicado um grande espaço aos problemas associados à coleta de amostras e à
concentração de micropoluentes. A amostragem é um dos estágios mais difíceis no
conjunto de procedimentos analíticos de determinação de poluentes, uma vez ser
a atmosfera um sistema químico lábil, contendo vários compostos químicamente
ativos em baixas concentrações, sendo afetados por fatores tais como umidade,
oxidantes e radiação solar, entre outros1.
A amostragem de metanol e etanol em fase vapor requer, primeiramente, um
procedimento de pré-concentração, devido às baixas quantidades presentes desses
compostos no ar atmosférico. Isto pode ser feito pela passagem de determinado
volume de ar através de um borbulhador ou "impinger" contendo água,
por coleta através de cartuchos de adsorvente sólido (figura_1) ou por técnicas
de crioamostragem. Em procedimentos de pré-concentração, os problemas que podem
ocorrer de forma associada envolvem a co-captura de substâncias que diferem
grandemente em propriedades químicas e concentração, sendo muitas delas
reativas, instáveis e sujeitas a oxidação, hidrólise e outras reações. Além
disso, uma maior concentração de substâncias na solução aquosa ou no
adsorvente, aumenta a probabilidade de interações químicas e transformações
irreversíveis, as quais podem ser catalisadas pela superfície do adsorvente ou
pelo pH da solução1.
A coleta dos álcoois em água pura contida em borbulhadores tem sido
freqüentemente utilizada, principalmente em amostras geradas por emissões em
testes de bancada, onde as condições experimentais são melhor controladas35.
Seu emprego em campo, todavia, não é prático, pois envolve a manipulação de
soluções no próprio local da amostragem. Do mesmo modo, a crioamostragem também
apresenta inconvenientes práticos para ser utilizada em campo.
A melhor alternativa, a princípio, para a coleta e pré-concentração de metanol
e etanol em fase vapor, vem a ser portanto a adsorção em um sólido. Volumes
variáveis de ar são passados através de uma coluna do adsorvente com grande
área superficial, após o que os compostos retidos e concentrados são
recuperados, seja por dessorção por aquecimento ou por eluição com um solvente
apropriado. Colunas contendo adsorventes sólidos ocupam pequeno volume e são de
fácil utilização e transporte, tornando a técnica adequada para amostragens em
campo. A aplicação de adsorventes sólidos para a amostragem e pré-concentração
de substâncias no ar, vem crescendo nessa década, tanto na área de estudos da
atmosfera como em higiene industrial.
Os adsorventes sólidos utilizados para coleta e/ou pré-concentração de
contaminantes atmosféricos, devem preencher uma série de requisitos, tais como:
i) reter eficientemente pequenas massas de contaminantes, e mantê-las até que a
análise possa ser efetuada ; ii) sua capacidade em termos de massa retida de
composto(s) deve ser suficientemente alta ; iii) não devem reagir com os
compostos, enquanto estes estiverem armazenados, e iv) devem adsorver
quantitativamente os contaminantes de interesse, mesmo na presença de outros. A
tabela_5 apresenta características de alguns adsorventes sólidos de uso comum.
Os adsorventes sólidos mais apropriados para a amostragem de metanol e etanol
atmosféricos, são os capazes de reter compostos polares e voláteis. Entre os
adsorventes mais empregados na análise de compostos atmosféricos em fase vapor,
estão os polímeros porosos, a sílica, a alumina e aqueles a base de carvão
ativado.
O carvão ativado é um adsorvente em geral bastante eficiente, podendo ser
utilizado tanto para reter compostos orgânicos voláteis e apolares, como também
os polares, embora para esses últimos ocorra normalmente dificuldade para a
posterior dessorção. O carvão obtido da casca de côco é considerado como sendo
de múltiplo propósito, enquanto o obtido de petróleo, embora menos ativo,
também pode ser empregado. As colunas ou tubos de adsorção contendo carvão
ativado possuem certas desvantagens. A umidade do ar tende a diminuir a
eficiência de coleta, enquanto substâncias co-adsorvidas podem remover por
deslocamento os contaminantes de interesse. Além disso, em certos casos, os
tempos de amostragem relativamente longos podem exceder o
"breakthrough" do adsorvente para compostos muito voláteis. Define-se
como volume de "breakthrough", o volume de ar ou gás de arraste, por
grama de adsorvente, que atravessa a coluna até o momento em que os compostos
adsorvidos começam a ser liberados na sua extremidade oposta
Adsorventes a base de polímeros porosos - tais como Tenax®, Porapak®,
Chromosorb®, etc. - são relativamente inertes, hidrofóbicos e de grandes áreas
superficiais, sendo usualmente empregados na amostragem de compostos de alto
peso molecular e alto ponto de ebulição. Para compostos voláteis, a eficiência
de adsorção é frequentemente baixa, conduzindo não raramente à baixos valores
de "breakthrough". Devido à sua alta estabilidade térmica e grande
capacidade de reter compostos de diversos pesos moleculares e polaridades, o
Tenax® é mais empregado que qualquer outro polímero poroso. No entanto, deve-se
ter em consideração que a sua eficiência é baixa na adsorção de álcoois,
cetonas, éteres e cloroidrocarbonetos. Mesmo para baixos volumes de ar
coletados (0,5 a 5,0 L) o volume de "breakthrough" é em geral
ultrapassado.
Sílica gel e alumina são usualmente empregados como um complemento ao carvão
ativado, na amostragem e concentração de compostos polares no ar,
particularmente aminas, compostos halogenados e oxigenados, além de
hidrocarbonetos. Possuindo em sua superfície grupos silanol ( -SiOH ), que lhe
conferem um caráter polar, o grau de retenção de um composto em sílica é função
de sua polaridade, havendo uma correlação entre o calor de adsorção da
substância e o momento de dipolo da molécula, conforme ilustrado na tabela_6.
Como consequência, em geral indesejável, ela é capaz de reter fortemente o
vapor d'água, o que leva à desativação de seus sítios e a valores de
"breakthrough" relativamente pequenos para os compostos de interesse,
por conta do deslocamento frontal provocado pela frente de umidade. Sendo
assim, a afinidade pelo vapor d'água torna-se um fator limitante. Em atmosferas
sêcas, contudo, ela é um excelente adsorvente.
Na amostragem de contaminantes muito leves (hidrocarbonetos do tipo C1-C2),
pode ser necessário o uso de baixas temperaturas na coluna para que a retenção
seja quantitativa. A dessorção é usualmente feita com o uso de solventes
polares, tais como água, metanol, dimetilsulfóxido, etc. Na amostragem de
álcoois, os mesmos podem ser eluídos, por exemplo, com água1. O comportamento
da alumina como adsorvente se assemelha ao da sílica gel.
A escolha do adsorvente apropriado para coletar traços de contaminantes no ar,
é determinada pelas propriedades químicas e físicas dos contaminantes em
questão, além de parâmetros de amostragem tais como a velocidade do fluxo de ar
através da coluna de adsorvente, o volume de ar coletado, a temperatura durante
a coleta, a umidade relativa do ar e a coadsorção de outros contaminantes.
A velocidade do fluxo de uma amostra de ar através de um tubo contendo
adsorvente, deve ser tal que o volume necessário para a determinação
quantitativa dos contaminantes de interesse seja atingido no menor intervalo de
tempo possível. Se esta velocidade é muito alta, todavia, a resistência da
coluna ao fluxo aumenta e o tempo de passagem dos contaminantes pela mesma pode
tornar-se muito curto, caso em que a adsorção pode não se concretizar.
Velocidades de 100 mL a vários litros por minuto são comuns, e sua grandeza irá
depender fundamentalmente da relação desejada entre tempo de coleta e massa
coletada e da queda de pressão ocasionada na coluna. Quanto à influência da
velocidade sobre a eficiência de adsorção dos compostos, esta varia com o tipo
de adsorvente empregado.
Uma coluna de adsorção é, de certa forma, como uma coluna cromatográfica, e com
a passagem de um fluxo de gás os compostos retidos tendem a migrar através
dela. O volume de "breakthrough" é função do tipo de composto e
adsorvente, da concentração do composto na amostra, da temperatura da
amostragem e da presença e tipo de interferentes na amostra. Compostos voláteis
possuem em geral um volume de "breakthrough" baixo. Em consequência,
o volume máximo de amostragem, idealmente, deve ser menor do que o volume de
"breakthrough" para o composto mais volátil de interesse presente na
amostra. Essa restrição tende a causar problemas quando o intuito é determinar
compostos em muito baixas concentrações, já que no caso há necessidade de
amostrar grandes volumes de ar. A tabela_7 apresenta valores de
"breakthrough" determinados para metanol e etanol, em diversos tipos
de adsorventes
Os resultados expostos na tabela refletem a dificuldade normalmente encontrada
na determinação de metanol e etanol em atmosfera. Com exceção do Carboxen SIII,
todos os demais adsorventes apresentam volumes de breakthrough extremamente
baixos, considerando-se a concentração usualmente encontrada para estes
compostos no ar, e a massa de adsorvente contida nas colunas de amostragem
normalmente empregadas (entre 300 e 2000 mg). A 40oC, contudo, o volume de
breakthrough do mesmo cai para 4,0 e 30,0 L/g, respectivamente, para metanol e
etanol.
Estudos realizados indicam existir uma correlação entre o volume dos poros do
sólido adsorvente e a quantidade de composto adsorvida por ele. Nesse caso, a
eficiência na adsorção independeria da área superficial e da estrutura do
adsorvente, sendo função apenas da conformidade estérica existente entre os
poros do adsorvente e as moléculas do composto.
Ainda que a eficiência na adsorção aumente com um decréscimo de temperatura, a
geração de baixas temperaturas no sítio da amostragem pode não ser prática,
além de haver o risco de congelamento do vapor d'água presente no ar, o que
desativaria o adsorvente. Salvo para compostos extremamente voláteis, o ideal é
realizar a amostragem à temperatura ambiente. Aumentos de temperatura levam à
diminuições no volume de "breakthrough". Para o carvão ativado, por
exemplo, a cada aumento de 10oC corresponde um decréscimo entre 1 e 10% no
volume de "breakthrough"1. Durante a armazenagem da amostra, é
recomendável o emprego de baixas temperaturas, já que nesse período pode
ocorrer migração dos compostos adsorvidos com a consequente perda dos mesmos.
O volume de "breakthrough" também é reduzido pela presença de umidade
no ar. Ainda que uma pequena fração das moléculas de água possa realmente ser
adsorvida pelo sólido, sua presença na amostra poderá afetar o equilíbrio
adsorção-dessorção dos compostos de interesse, principalmente no caso destes
ocorrerem em concentrações muito baixas. Adsorventes polares, tais como sílica
e alumina, adsorvem água em muito maior intensidade que muitos compostos
orgânicos. Como consequência, tem-se não só a redução do comprimento efetivo da
coluna, mas também o progressivo deslocamento dos compostos adsorvidos
anteriormente.
No estudo do comportamento dinâmico de um determinado conjunto adsorvente-
adsorvato, quase sempre o sistema não envolve a presença de outros compostos,
que não aqueles de efetivo interesse. Entretanto, se duas ou mais substâncias
da amostra real estiverem interagindo com o adsorvente, aquelas que se ligarem
mais fortemente a ele irão deslocar as outras, reduzindo o comprimento efetivo
da coluna para estas. A competição da água, abordada no parágrafo acima, pode
ser encarada assim como um fenômeno de coadsorção. Em adsorventes polares,
compostos com maiores constantes dielétricas e momentos de dipolo serão retidos
mais fortemente. Entre as substâncias apolares, prevalecem as de maior ponto de
ebulição ou maior volume molecular. Atualmente, estão sendo desenvolvidos38,39
estudos no sentido de selecionar um material para a amostragem de álcoois que
alie boa capacidade de retenção com volumes de "breakthrough"
satisfatórios para os níveis de concentração esperados de metanol e etanol no
ar atmosférico urbano.
A recuperação para análise dos compostos retidos no adsorvente, envolve uma
etapa de dessorção. Os métodos de dessorção mais empregados são a extração com
solvente, a dessorção térmica e a extração em soxhlet. Com menor utilização
tem-se a dessorção em vácuo e a dessorção em vapor. Na extração com solvente, o
sólido adsorvente é retirado da coluna e posto em contato - em frasco selado e
por um período de tempo - com um pequeno volume (ca. 0,5 mL/100 mg) do solvente
extrator. O período de tempo em que sólido e solvente permanecem em contato é o
necessário para que a extração seja quantitativa, podendo ser reduzido mediante
o auxílio, por exemplo, de sonicação. Outra alternativa não envolvendo a
destruição da coluna, é fazer com que o solvente extrator percole lentamente
através do adsorvente. Durante o processo, as substâncias retidas são eluídas
(0,5 a 10,0 mL/min) e a solução coletada em um frasco apropriado. Um artifício
usualmente empregado para aumentar a eficiência da extração, é percolar o
solvente extrator em sentido inverso ao do fluxo de ar empregado durante a
amostragem. Dentre os solventes extratores, o dissulfeto de carbono -CS2- é
geralmente empregado na extração de compostos orgânicos de carvão ativo, com a
vantagem de não produzir sinal nos detectores de ionização em chama, largamente
empregados em análises por cromatografia em fase gasosa. A desvantagem é sua
alta toxicidade. Mais uma vez, a escolha do solvente extrator irá depender das
características do adsorvente, do composto que se deseja extrair, da técnica
usada posteriormente na análise e, em menor escala, de outros fatores tais como
segurança e toxicidade. Solventes polares como metanol e água são quase sempre
usados para extrair compostos retidos em adsorventes polares, tais como sílica
ou alumina.
A principal vantagem da dessorção térmica sobre a extração com solvente é que
na primeira não ocorre a diluição dos compostos. Dessorvendo e analisando toda
a massa retida do composto, o ganho em sensibilidade pode ser da ordem de 102 a
103. O método é frequentemente empregado para extrair substâncias retidas em
adsorventes cromatográficos a base de polímeros porosos. Seu uso é todavia mais
raro em carvão ativado e outros adsorventes com altas áreas superficiais, seja
por uma baixa cinética de dessorção, seja pela possibilidade de ocorrência de
reações composto/adsorvente ou entre compostos nas temperaturas requeridas ao
processo. Para a sílica, a dessorção térmica só é recomendada para a
recuperação de hidrocarbonetos na faixa C1 - C3, a temperaturas não superiores
a 100oC, caso em que a probabilidade de reações secundárias é baixa1. Durante o
processo de dessorção térmica, a temperatura na coluna do adsorvente não atinge
instantâneamente o valor final desejado, mas cresce segundo uma taxa que irá
depender das características de projeto do equipamento. Assim, os compostos
retidos vão sendo progressivamente dessorvidos da superfície do sólido na
medida em que se atinge uma temperatura favorável ao deslocamento do equilíbrio
adsorçãoÛdessorção. Para os compostos muito voláteis, no entanto, a dessorção
ocorre em temperaturas relativamente baixas (< 100oC) e a difusão se faz a
velocidades aproximadamente iguais, sendo freqüente a saída de todos eles em
uma única frente. No caso de serem analisados, por exemplo, em um sistema
cromatográfico, o sinal detectado irá corresponder então à uma mistura, ao
invés dos componentes separados. Uma possível alternativa para corrigir o
problema envolve a reconcentração (via criogenia) da mistura no início da
coluna analítica e, em seguida, o aquecimento programado da coluna para a
separação cromatográfica das substâncias o que, em geral, produz resultados
satisfatórios.
V.1.2. Quantificação de metanol e etanol
A coleta do metanol e etanol em atmosfera, segundo um dos procedimentos
descritos na seção precedente, deve ser seguida da quantificação dos mesmos.
Uma das técnicas mais adequadas à análise de metanol e etanol é a
cromatografia, líquida (CL) ou gasosa (CG). A cromatografia líquida,
entretanto, apresenta alguns inconvenientes quando comparada à gasosa, tais
como uma menor eficiência na separação dos compostos, falta de um detector
sensível ou seletivo para os mesmos, além de um custo relativamente mais alto,
devido ao consumo de solventes especiais na fase móvel. Essas diferenças
tornam-se mais perceptíveis ainda quando se empregam colunas capilares para a
análise por CG.
A cromatografia gasosa (CG) permite a separação de substâncias voláteis,
baseando-se na migração diferencial dos compostos que movimentam-se em um fluxo
de gás (fase móvel), em relação a uma fase estacionária que pode ser um sólido
ou um filme líquido depositado sobre um suporte sólido. A migração diferencial
se estabelece a partir dos diferentes equilíbrios de partição em que cada um
dos compostos se distribui entre as duas fases. Os equilíbrios de partição e,
conseqüentemente, a separação dos compostos, podem ser alterados pela
modificação das propriedades da fase estacionária ou por alterações nas
densidade e viscosidade do gás da fase móvel, através de uma mudança na
temperatura do mesmo.
Atualmente, a forma de CG que predomina em análises quali e quantitativas é a
executada com colunas capilares de alta resolução (CGAR), cujo diâmetro interno
é da ordem de 0,2 mm e o comprimento típico de 25 a 30m. Pode-se eventualmente
usar-se CG com colunas de diâmetro ligeiramente superior (tipicamente 0,53 mm)
as quais são comumente conhecidas como "megabore". A principal
diferença nos dois casos é quanto ao volume da amostra injetado para a análise.
O uso de CGAR se distingue por uma série de fatores, os quais são responsáveis
por seu rápido avanço e domínio sobre a CG com colunas recheadas. Sua
eficiência de separação é superlativamente maior, as análises mais rápidas, a
detecção mais sensível e parâmetros de separação, tais como programação de
temperatura e velocidade linear do gás (fase móvel) tem melhor
reprodutibilidade entre análises1. A CGAR é de ampla utilização na análise de
poluentes ambientais, principalmente com uso de colunas capilares de fase
estacionária quimicamente ligada ao suporte sólido. Tais colunas tem como
vantagens em relação às de fase mecânicamente depositada, maiores resistências
térmica e mecânica (menor "sangramento"), o que reverte na
possibilidade do emprego de filmes mais espessos.
Enquanto na coluna cromatográfica é executada a separação dos compostos, no
detector é feita a sua quantificação e/ou identificação. A determinação é feita
em um fluxo de gás de arraste (fase móvel) ao qual, em princípio, o detector
responde com sensibilidade diferente à manifestada em presença do analito. As
características de um detector determinam, em ampla escala, as características
gerais de funcionamento de um sistema cromatográfico. A seletividade em uma
determinação é função das seletividades da coluna e do detector. Na prática, é
sempre proveitoso o emprego de um detector que alie uma alta sensibilidade à
seletividade frente aos compostos de interesse.
Junto à seletividade e alta sensibilidade, outras características desejáveis a
um detector são uma alta faixa de linearidade na resposta, respostas rápidas à
presença do analito, facilidade de operação e não destrutividade da amostra,
essa última particularmente importante quando se trabalha com cromatografia
preparativa ou com detectores em série. Os detectores mais comuns atualmente
empregados em CG são os que medem uma concentração instantânea de analito
(detectores dependentes de concentração), ou a massa de um analito na fase
móvel (detectores dependentes de massa). A tabela_8 apresenta as propriedades
mais importantes de alguns detectores empregados em CG.
De fácil operação, o detector por ionização em chama (DIC) é de grande
aplicabilidade na análise de metanol e etanol, embora sua sensibilidade em
geral decresça no sentido hidrocarbonetos > ésteres > álcoois > ácidos. Sua
operação baseia-se no fenômeno de aparecimento de espécies carregadas, em uma
chama de hidrogênio/ar, desde que presentes traços de alguma substância
orgânica. Tal processo de ionização provoca um repentino aumento da corrente
elétrica entre dois eletrodos, um deles o queimador e o outro acima deste. O
aumento na corrente é proporcional à quantidade de analito que atravessa o
detector1.
No caso de necessidade de diminuição do limite de detecção para metanol e
etanol, pode-se ainda lançar mão de reações de derivatização, capazes de
transformar o álcool, quantitativamente, em uma molécula derivada que gere uma
alta resposta quando analisada por determinado tipo de detector. Dentre uma
série de reações de derivatização referidas na literatura40, uma
particularmente interessante é a que envolve o cloreto de pentafluorbenzoíla -
C6F5COCl, que reage com o álcool de acordo com a equação a seguir:
<formula/> (15)
O éster, produto da reação, é separado cromatograficamente e devido à grande
quantidade de átomos de fluor na molécula, gera uma alta resposta em um
detector por captura de elétrons (DCE). O detector por captura de elétrons está
entre os mais sensíveis em CG, com capacidade de detectar concentrações da
ordem de ppt ou menos, se considerar-se a possibilidade de uma pré-concentração
da amostra41. Além disso, possui boa seletividade para compostos
polialogenados. Se atribuirmos arbitrariamente um fator de resposta igual a 1,0
para os hidrocarbonetos no DCE, o respectivo fator de resposta para
polifluorcompostos pode chegar a 1 x 106 41. Vale ressaltar, entretanto, que a
reação foi testada com álcoois puros (100 mg de n-hexanol, ciclohexanol e
fenol) e em soluções não aquosas42, diferindo significativamente das condições
esperadas para concentrações de álcool medidas no ar.
CONCLUSÕES
A ausência de parâmetros de controle de emissão e a falta de dados sobre as
reações secundárias que ocorrem com metanol e etanol no ar atmosférico, tornam
necessário e importante o desenvolvimento ou aperfeiçoamento de métodos de
amostragem e análise para esses álcoois em ar.
Para que atinja os objetivos de conhecimento das suas concentrações no ar em
variados locais e de seus parâmetros de reatividade frente a outros poluentes,
a análise de metanol e etanol em fase vapor na atmosfera deve ser equacionada
em termos de duas etapas distintas: i) amostragem dos compostos no ar e ii)
quantificação dos produtos amostrados.
Os álcoois, em particular metanol e etanol, podem ser quantificados por várias
técnicas, das quais uma das mais simples e adequadas ao tipo de matriz
envolvida vem a ser a cromatografia gasosa (CG), com colunas capilares ou do
tipo "megabore", usando um detector por ionização em chama. Todavia,
a etapa de pré-concentração da amostra parece ser nesse caso imprescindível, a
fim de que se alcancem os limites de detecção desejáveis.
Dentre os métodos de amostragem e pré-concentração usualmente empregados para
compostos em fase vapor na atmosfera, a adsorção em fase sólida acompanhada de
dessorção térmica ou por solvente apresenta vantagens em relação aos demais
métodos. Colunas contendo adsorventes sólidos são de fácil utilização e
transporte, tornando a técnica adequada para amostragens em campo. Assim, sua
aplicação para a coleta de substâncias presentes no ar vem crescendo
continuamente, tanto na área de estudos da atmosfera como em higiene
industrial. Os baixos valores de "breakthrough" para metanol e
etanol, normalmente propiciados pelos adsorventes mais comuns, tornam
entretanto necessário que se testem novos tipos de materiais para este fim.
Outros procedimentos visando o aumento de sensibilidade na detecção, tais como
derivatização dos álcoois e análise dos produtos de reação por detectores
específicos, devem ser melhor estudados do ponto de vista de cinética e
equilíbrio das reações envolvidas.