Mudanças na ultra-estrutura da parede celular de mangas 'Tommy Atkins' tratadas
com cloreto de cálcio na pré-colheita
COMUNICAÇÃO CIENTÍFICA
A manga (Mangifera indica L.) é uma fruta tropical de grande importância
econômica, sendo o segundo fruto tropical mais importante cultivado no mundo.
Entretanto, é uma fruta altamente perecível, e sua distribuição para centros
distantes é limitada pela curta vida pós-colheita à temperatura ambiente (Yuen
et al., 1993).
A notável habilidade dos tratamentos com cálcio em estender a vida pós-colheita
de muitos frutos, incluindo mangas, tem sido bastante estudada (Yuen et al.,
1993). Tirmazi e Wills (1981) e Wills et al. (1988) estabeleceram que a
aplicação a vácuo de cloreto de cálcio a 4% foi efetivo em retardar o
amadurecimento de manga. Yuen et al. (1993) também verificaram que infiltração
de cálcio a vácuo nas concentrações de 2; 4; 6 e 8% atrasaram o amaciamento de
mangas 'Kensington Pride' por 8 a 12 dias a 20oC.
Fotomicrografias de elétrons mostram que o cálcio é efetivo em preservar a
parede celular e, em particular, a região da lamela média, que é rica em
poliuronídeos. Parece servir como um agente de ligação intermolecular, que
estabiliza o complexo pectina-proteína da lamela média. Estudos prévios das
mudanças composicionais da parede celular de maçãs indicam que um aumento no
teor de poliuronídeos solúveis ocorre quando o tecido do fruto torna-se macio.
Os íons cálcio inibem o processo de solubilização desses poliuronídeos,
reduzindo com isso a taxa de amaciamento dos frutos (Glenn, Reddy e Poovaiah,
1988 ).
Através de microscopia eletrônica de transmissão (TEM), é possível observar as
modificações na lamela média e na parede celular, que ocorrem durante o
amadurecimento dos frutos. Glenn, Reddy e Poovaiah (1988) e Glenn e Poovaiah
(1990) utilizaram microscopia eletrônica de transmissão para observar a parede
celular de maçãs tratadas com cálcio. Uma visível degradação ocorreu na lamela
média dos frutos-controle. Em algumas células, a lamela média apresentou pontos
brancos, sugerindo a extensa degradação que ocorreu, enquanto, em outras
regiões, as quebras foram menores. A modificação na orientação das
microfibrilas era visível na região da parede celular adjacente à lamela média
dos frutos-controle. A lamela média dos frutos tratados permaneceu escura,
indicando a presença de material intercelular.
Ben-Arie et al. (1979) avaliaram as modificações em maçãs e peras e observaram
que os frutos imaturos (firmes) mostram a lamela média como uma massa compacta
e escura. A parede celular dos frutos macios mostra quebra e dispersão das
fibras, formação de espaços vazios e a região da lamela média desintegra-se.
Em mangas, existe um trabalho utilizando microscopia eletrônica de transmissão
(TEM) onde se avaliou a parede celular destes frutos tratados com água quente,
porém não existe nenhum trabalho relacionando parede celular e aplicação de
cloreto de cálcio. Assim sendo, objetivou-se, neste trabalho, verificar as
modificações na parede celular de mangas tratadas na pré-colheita com cloreto
de cálcio, através da microscopia eletrônica de transmissão.
O experimento foi conduzido com mangas cultivar Tommy Atkins, produzidas na
região de Ibirá, oeste do Estado de São Paulo. Esta região apresenta
temperatura média anual de 23oC e precipitação pluviométrica média anual de
1300mm.
Foram utilizadas plantas em produção, com 18 anos de idade, cultivadas em
espaçamento de 8 m por 7 m. Em uma única fileira deste pomar contendo vinte e
uma plantas, o experimento foi conduzido adotando-se aplicações nutritivas por
meio de pulverizações de 0%, 2,5% e 5,0%. Cada tratamento foi aplicado em 5
plantas, com um intervalo de três plantas entre os mesmos. A primeira aplicação
foi realizada 40 dias após a floração, a segunda 60 dias e a terceira 90 dias
após a floração.
Os frutos foram colhidos manualmente, dia 6 de dezembro de 1995, usando como
parâmetro látex claro (transparente) e polpa amarelada, levados para o barracão
onde foram imersos por 5 minutos em um tanque com água à temperatura ambiente
(26oC) contendo Sportak (0,25%). Após a imersão, os frutos foram secos ao ar e
classificados de acordo com seus tamanhos do tipo 8; 9 e 10 frutos em caixas do
tipo exportação de 4,5 kg, classificados por diferença de peso. No experimento,
foram utilizados frutos dos tamanhos 8; 9 e 10 (no de frutos por caixa). Os
frutos foram transportados no mesmo dia para o Laboratório de Bioquímica e
Fisiologia Pós-colheita de Frutos e Hortaliças, do Departamento de Ciência dos
Alimentos, da Universidade Federal de Lavras- UFLA .
As polpas dos frutos dos três tratamentos foram cortadas em pequenos discos (2
mm2) no dia em que foram colhidos e após 35 dias de armazenamento a 10 ± 1oC e
80-90% UR.
Utilizou-se a metodologia descrita por Jacobi e Gowanlock (1995) com as
seguintes modificações: a) Para a fixação, os discos de manga foram imersos em
glutaraldeído a 2,5%, paraformaldeído a 2%, tamponado em cacodilato de sódio a
0,05 M, por 19 horas; b) Em seguida, efetuaram-se quatro lavagens com o tampão
cacodilato de sódio a 0,05 M, em cujo tampão os discos ficavam imersos por 15
minutos; c) O tecido foi pós-fixado em tetróxido de ósmio a 1%, por 3 horas e,
em seguida, lavado com quatro porções de água destilada, colocado em acetato de
uranila a 0,5%, por uma noite; d) Após este tratamento, o tecido foi
desidratado em acetona a 30%, 50%, 70%, 90% e 100%; e) Após a desidratação, foi
embebido em resina Epon mais acetona (1:1) por três horas e meia, Epon mais
acetona (2:1) por 3 horas, Epon puro por uma noite a 60oC, por 48 horas. Após o
material se tornar firme, fez-se o corte em seções ultrafinas, utilizando um
micrótomo-Reichert Jung. As seções foram coradas com acetato de uranila e
levadas ao microscópio eletrônico de transmissão- Electron Microscope EM-301
Philips, para serem fotografadas.
A parede celular (PC) dos frutos-controle (sem aplicação de cloreto de cálcio),
no dia da colheita, mostra que a maioria apresenta desestruturação da parede
celular e dissolução da lamela média (LM) (Figuras_1 e 2). A degradação da
parede celular ocorre inicialmente na lamela média, que é rica em protopectina,
levando à formação de espaços vazios bastante visíveis. Uma degradação da
lamela média e do material fibrilar também foi observada por Gutiérrez et al.
(1992) com cherimoyas maduras, utilizando microscopia eletrônica. Esses autores
observaram que, nos frutos maduros, ocorria uma desintegração da parede
celular, degradação do amido e uma desorganização das membranas.
![](/img/fbpe/rbf/v24n1/9938f1-6.jpg)
Quando os frutos foram tratados com cloreto de cálcio, nas duas concentrações
utilizadas (2,5 e 5,0%), no dia da colheita, notou-se que o cálcio foi efetivo
na preservação da parede celular, em particular a região da lamela média, rica
em poliuronídeos (Figuras_3_a_6). Quando se utilizou a concentração de 5,0%,
verificou-se que as células estavam unidas e a parede celular intacta. A lamela
média dos frutos tratados com cálcio permaneceu escura, indicando presença de
material intercelular (Figuras_3_a_6).
Resultados semelhantes foram observados por Glenn, Reddy e Poovaiah (1988) em
maçãs 'Golden Delicious'. O cálcio foi efetivo, mantendo a estrutura da parede
celular, particularmente a lamela média. O cálcio parece servir como um agente
de ligação intermolecular, estabilizando o complexo pectina-proteína da lamela
média. Estudos com parede celular de maçãs indicam que ocorre um aumento nos
poliuronídeos solúveis com o amaciamento da polpa. O cálcio inibe este processo
de solubilização e reduz a taxa de amaciamento do tecido (Glenn e Poovaiah,
1990). O cálcio preservou a integridade estrutural da parede celular e manteve
a coesividade das células. Hudson e Buescher (1985) sugerem que o cálcio reduz
o amaciamento dos tecidos, pois protege as macromoléculas de pectina da
desmetilação. Sams e Conway (1984) reforçam que a manutenção da integridade da
parede celular e da firmeza de frutos tratados com cálcio é o resultado da
redução da despolimerização devido às ligações do Ca+2com os grupos
carboxílicos livres dos polímeros de poligalacturonato da parede celular e
lamela média. Evangelista, Chitarra e Chitarra (2000) observaram uma manutenção
da firmeza de mangas 'Tommy Atkins' tratadas com cloreto cálcio a 2,5 e 5,0%, e
verificaram que quanto maior a concentração aplicada, mais firmes permaneceram
os frutos, embora tenha sido observada uma diminuição da textura durante o
armazenamento por 35 dias, nos tratamento utilizados.
As Figuras_de_7_a_12 são da parede celular dos frutos após 35 dias de
armazenamento a 10 ± 1oC e 80-90% UR. Os frutos-controle apresentaram uma maior
dissolução da parede celular (Figuras_7 e 8) onde as fibras perderam a
orientação. A parede celular dos frutos tratados com cloreto de cálcio a 2,5%,
após 35 dias de armazenamento, apresentou regiões totalmente preservadas
(Figura_10), em contraste com outras onde a desestruturação ocorreu (Figura_9).
Resultados semelhantes foram observados por Glenn e Poovaiah (1990) em algumas
células, onde a região da lamela média apresentava grandes espaços vazios,
sugerindo que uma grande dissolução tinha ocorrido; entretanto, em outras
regiões, observou-se menor desestruturação.
[/img/fbpe/rbf/v24n1/9938f7.jpg]
No tratamento com cloreto de cálcio a 5,0%, a lamela média permaneceu escura,
indicando presença de material intercelular (Figuras_11 e 12).
Assim sendo, conclui-se que, através da microscopia eletrônica de transmissão,
se verificou que os frutos tratados com cloreto de cálcio a 5,0% apresentaram
lamela média bem definida (escura) e ausência de espaços vazios, mesmo após 35
dias de armazenamento.
A microscopia eletrônica de transmissão detectou que a concentração de cloreto
de cálcio a 2,5% não se apresentou consistente quanto à preservação da lamela
média.