Comportamento respiratório e qualidade pós-colheita de graviola (Annona
muricata L.) 'morada' sob temperatura ambiente
Comportamento respiratório e qualidade pós-colheita de graviola (Annona
muricata L.) 'morada' sob temperatura ambiente1
Respiratory behavior and postharvest quality of 'Morada' soursop (Annona
muricata L.) at room temperature
Maria Auxiliadora Coêlho de LimaI; Ricardo Elesbão AlvesII; Heloísa Almeida
Cunha FilgueirasII; Joaquim Enéas-FilhoIII
IDr., Pesquisadora Embrapa Semi-Árido, CP 23, CEP 56300-970, Petrolina-PE.
maclima@cpatsa.embrapa.br
IIDr., Bolsista PQ/CNPq, Pesquisador Embrapa Agroindústria Tropical, CP 3761,
60511-110, Fortaleza-CE. elesbao@cnpat.embrapa.br, heloisa@cnpat.embrapa.br
IIIDr., Professor, Depto. de Bioquímica e Biologia Molecular, UFC, CP 1065,
60541-970, Fortaleza-CE. joaquime@ufc.br
INTRODUÇÃO
A graviola (Annona muricata L.) é um fruto climatérico, mas apresenta padrão de
liberação de CO2 bastante distinto da maioria das espécies. Segundo Biale &
Barcus (1970), a graviola possui um climatério difuso com mais de um ponto
máximo.
Alguns estudos têm confirmado aquelas observações e destacado que o primeiro
pico não corresponde ao climatério (Paull, 1982; Bruinsma & Paull, 1984;
Worrell et al., 1994). As primeiras idéias atribuíram a existência dos dois
picos às diferenças de desenvolvimento e amadurecimento entre os frutilhos que
compõem o órgão, que é um fruto composto (Biale & Barcus, 1970). No
entanto, Bruinsma & Paull (1984) argumentaram que a própria colheita induz
ao aumento respiratório. Nesta ocasião, a respiração mitocondrial é
incrementada pelo maior fornecimento de carboxilatos induzido pela separação do
fruto da planta. Além disso, a produção de etileno geralmente só começa a ser
detectada quando já ocorreu o primeiro pico de CO2 (Paull, 1982; Bruinsma &
Paull, 1984; Worrell et al., 1994).
Colhendo-se o fruto na maturidade fisiológica, a atividade respiratória aumenta
nos dois primeiros dias, a partir do qual se desencadeia a síntese de etileno
(Bruinsma & Paull, 1984). Mudanças na cor, textura, sabor e aroma da
maioria dos frutos durante o amadurecimento estão associadas ao climatério
(Biale & Barcus, 1970), e algumas são dependentes de etileno (Ayub et al.,
1996). Bruinsma & Paull (1984) e Worrell et al. (1994) registraram mudanças
no desenvolvimento do flavor, no escurecimento da casca e no amolecimento da
polpa durante a produção autocatalítica de etileno.
A perecibilidade e o reduzido tempo de vida da graviola (Aziz & Yusof,
1994) certamente estão associados à velocidade com que ocorrem as mudanças
características do amadurecimento. Um maior entendimento deste metabolismo
subsidiaria propostas de tecnologias para a conservação do fruto por períodos
maiores.
A partir destas considerações, o objetivo deste estudo foi avaliar as
alterações físicas e físico-químicas durante a maturação, sob temperatura
ambiente, da graviola-'Morada', relacionando-as às taxas respiratória e de
liberação de etileno.
MATERIAL E MÉTODOS
Frutos, do plantio comercial de gravioleira-'Morada' da Fazenda Alto da Boa
Vista, localizada em São Luiz do Curu-CE, foram colhidos na maturidade
fisiológica, selecionados com base na sanidade e na uniformidade de formato, e
divididos nas épocas de avaliação a serem estudadas: 0; 1; 2; 3; 4 e 6 dias
após a colheita. Até a data da avaliação, os frutos foram armazenados em
temperatura ambiente, a 23,4 ± 1,1ºC e 81,8 ± 10,6% UR.
As variáveis estudadas e as metodologias empregadas foram as seguintes: a)
atividade respiratória (mg CO2·kg-1·h-1), determinada em cromatógrafo a gás
através de detector de condutividade térmica (150ºC), em coluna PORAPAK ' N (4
m x 3,2 mm), usando H2 como gás de arraste (30mL·min-1) a uma temperatura de
60ºC na coluna; b) liberação de etileno (mL·kg-1·h-1), determinada em
cromatógrafo a gás através de detector de ionização de chama (200ºC), com as
características descritas anteriormente; c) perda de matéria fresca (%), obtida
através do peso individual do fruto no dia da colheita e na data da avaliação,
utilizando-se de balança semi-analítica; d) cor da casca e da polpa,
determinadas através de reflectômetro, a partir dos parâmetros luminosidade,
cromaticidade e ºHue; e) firmeza da polpa (N), obtida por meio de texturômetro
eletrônico, equipado com ponteira de 6 mm de diâmetro e ajustado para uma
distância de penetração de 20 mm, à velocidade de 2,0 mm·s-1; f) pH, obtido em
potenciômetro digital com eletrodo de membrana de vidro (IAL, 1985); g) acidez
total titulável (ATT, % de ácido cítrico), determinada por titulação com
solução de NaOH 0,1N, conforme metodologia do IAL (1985); h) sólidos solúveis
totais (SST, ºBrix), determinados por leitura em refratômetro digital (IAL,
1985); i) açúcares solúveis totais (AST, %), extraídos em álcool 80% e
determinados usando o reagente antrona, conforme Yemn & Willis (1954).
O delineamento experimental utilizado foi o inteiramente casualizado, com seis
tratamentos e quatro repetições, exceto o tratamento correspondente aos 2 dias
após a colheita, que teve três repetições. Cada unidade experimental foi
constituída por um fruto.
As variáveis atividade respiratória e liberação de etileno foram avaliadas a
intervalos de tempo mais freqüentes que as demais a fim de obter-se o padrão
respiratório característico do fruto. As mesmas não foram submetidas à análise
de variância por não atenderem ao critério de homocedasticidade das variâncias,
conforme teste de Bartlett. Neste caso, apresentaram-se as médias das variáveis
em cada tempo. Para as demais, procedeu-se às análises de variância e, quando
os tratamentos foram significativos, às análises de regressão polinomial,
admitindo-se equações de até 3° grau.
Os valores de perda de matéria fresca foram analisados após transformação em
arc-sen Öx/100. Para representação gráfica, utilizou-se das médias não
transformadas obtidas a partir da operação inversa à transformação.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A atividade respiratória da graviola manteve-se estável em cerca de 70 mg
CO2·kg-1·h-1 até dois dias após a colheita (Figura_1A). Nesta ocasião, começou
um rápido aumento que resultou no primeiro pico respiratório e correspondeu à
liberação de 197,60 mg CO2·kg-1·h-1.
Entre o terceiro e o quarto dia após a colheita, ocorreram poucas variações na
atividade respiratória, caracterizando a fase lag, citada por Worrell et al.
(1994). Ao término desta fase, o aumento respiratório seguinte resultou no pico
climatérico propriamente dito (298,82 mg CO2·kg-1·h-1), observado entre o
quarto e o quinto dia. Num intervalo de nove horas, a atividade respiratória
caiu para 266,34 mg CO2·kg-1·h-1. A partir daí, observaram-se variações
irregulares que sugerem o início da senescência do fruto.
O padrão respiratório obtido concorda com estudos anteriores (Biale &
Barcus, 1970; Paull, 1982; Bruinsma & Paull, 1984; Worrell et al., 1994).
Porém, a ocorrência do primeiro pico respiratório tem sido registrada desde o
segundo até o quarto dia após a colheita, enquanto o pico climatérico pode ser
observado do quarto ao sexto dia. Quanto aos valores, os autores citam
atividade respiratória variando de 50 a 170 mg CO2·kg-1·h-1, no primeiro pico,
e de 130 a 305 mg CO2·kg-1·h-1, no pico climatérico. Tais diferenças podem ser
atribuídas aos estádios de maturação usados em cada estudo, aos materiais
genéticos, aos métodos empregados e às condições a que os frutos foram
submetidos, principalmente temperatura.
A liberação de etileno só começou a ser detectada aproximadamente aos três dias
após a colheita, por ocasião do primeiro pico respiratório (Figura_1A). O pico
(41,75 µL·kg-1·h-1) foi registrado no quarto dia, quando se iniciava o
incremento respiratório para o pico climatérico, confirmando a idéia de que
este aumento é uma resposta ao etileno (Dean & Matoo, 1991).
Da mesma forma que para a atividade respiratória, estudos têm registrado pico
de liberação de etileno desde quatro até seis dias após a colheita, com taxas
que variam de 80 até 350 µL·kg-1·h-1 (Paull, 1982; Bruinsma & Paull, 1984;
Worrell et al., 1994).
A perda de matéria fresca aumentou durante o período, especialmente entre o
segundo e o terceiro dia, até atingir 4,6% (Figura_1B). Entretanto, não
repercutiu em sinais de enrugamento ou murcha de forma que não houve
comprometimento da aparência. Mosca et al. (1997) obtiveram graviolas aptas
para consumo mesmo após 11,8% de perda da matéria fresca.
As variações na cor da casca foram devidas apenas à cromaticidade e ao ºHue já
que não houve diferença estatisticamente significativa da luminosidade durante
o período estudado (Figura_1C). Este resultado exclui o emprego da luminosidade
como indicador seguro de maturidade em graviolas do tipo Morada. Contudo, na
maioria dos fenótipos de graviola tem-se verificado aumento no brilho da casca
durante a maturação (Salgado et al., 1998).
Por outro lado, as mudanças na cromaticidade e no ºHue asseguram diferenças de
cor entre os frutos na maturidade fisiológica e os maduros (Figura_1C). Para
cromaticidade, os valores não seguiram um padrão claro de resposta. É possível
que a variabilidade natural da espécie dificulte uma caracterização precisa.
Entretanto, a partir do primeiro dia após a colheita, os valores foram maiores
do que no dia zero, o que sugere alguma degradação da clorofila.
O ºHue, que representa a variação de cor do verde para o amarelo, por sua vez,
apresentou resposta mais característica (Figura_1C). A queda observada no
primeiro dia em relação à data da colheita representou a fase de maior mudança
na cor (de 124,4 para 118,9º). O período seguinte, até quatro dias após a
colheita, pode ser descrito como estável. Somente após quatro dias é que
ocorreu nova redução no ângulo, definindo uma cor verde mais clara aos seis
dias. Mattiuz & Durigan (2001) também registraram aumento da cromaticidade
e redução no ºHue em goiabas 'Paluma' e 'Pedro Sato' colhidas a partir da
maturidade fisiológica.
Ao contrário da cor da casca, as variações na cor da polpa restringiram-se à
luminosidade. Conforme Figura_1D, houve uma queda gradativa a partir dos dois
dias após a colheita. Os valores de cromaticidade e ºHue tiveram variações
pequenas, indicando que o amadurecimento da graviola não envolve mudanças
expressivas na cor da polpa.
Durante o amadurecimento da graviola, a firmeza da polpa foi bruscamente
reduzida (Figura_2A). Enquanto na maturidade fisiológica a firmeza era próxima
de 60N, nos frutos maduros, este valor era de apenas 0,9N. As mudanças mais
importantes ocorreram entre o segundo e o terceiro dia e a partir do quarto
dia. Estas fases coincidiram com o primeiro aumento respiratório e com o pico
de liberação de etileno, conforme Figura_1. Aos quatro dias após a colheita,
quando a firmeza era de 19,1N, os frutos já podiam ser considerados moles.
Worrell et al. (1994) consideraram que o amolecimento da graviola começa com a
liberação de etileno e que, no pico, todas as regiões do fruto já estão moles.
Contudo, neste estudo, variações acentuadas na textura já eram observadas antes
que a liberação de etileno tivesse sido desencadeada (Figuras_1A e 2A) e podem
ser resultantes da hidrólise de poliuronídeos da parede celular, da perda de
açúcares neutros (Mitcham & McDonald, 1992), da degradação de amido (Wills
et al., 1998) ou perda de turgescência (Sams, 1999).
A ATT aumentou durante o período, partindo de 0,18 a 0,88% de ácido cítrico
(Figura_2B). Outros estudos já destacaram este acúmulo na ATT, atípico em
relação à maioria dos frutos (Wills et al., 1998), mas característico de
algumas anonáceas (Paull, 1982; Bruinsma & Paull, 1984; Aziz & Yusof,
1994; Muñoz et al., 1997).
Considerando as médias dos valores originais não-ajustados, pode-se destacar o
período de dois a três dias como o de maior incremento na ATT (0,32%). Este
período coincidiu com o aumento respiratório e o primeiro pico de CO2,
indicando que pode ser conseqüência da ativação da glicólise induzida pela
colheita, com intensa oxidação de glicose e hidrólise de amido, conforme
sugerido por Bruinsma & Paull (1984).
A coincidência entre o primeiro pico respiratório e o de liberação de etileno
com as mudanças mais marcantes na ATT e na firmeza da polpa sugere que a
atividade metabólica nesta fase promove degradação mais intensa de
constituintes celulares, principalmente carboidratos, do que a verificada no
climatério. É possível que, no primeiro pico de CO2, haja utilização reduzida
de ácidos orgânicos nas vias oxidativas normais, favorecendo o acúmulo.
A ATT do fruto maduro (0,88% de ácido cítrico), aos seis dias após a colheita,
é ligeiramente inferior àquela obtida por Paull (1982) e Cruz et al. (2000). É
possível que as diferenças sejam de origem genética já que a graviola 'Morada',
segundo Ramos (1999), tem sabor subácido a ácido, enquanto outros tipos podem
variar de subácido a doce.
O pH, como conseqüência do aumento na ATT, diminuiu linearmente até os seis
dias após a colheita (Figura_2B). A variação observada foi desde 5,46 a 3,60,
nos frutos maduros. Estudos anteriores citam valores de pH, em graviola madura,
variando de 4,2 a 3,7 (Paull, 1982; Aziz & Yusof, 1994; Mosca et al.,
1997).
Em relação ao teor de SST, observou-se aumento até os quatro dias após a
colheita (Figura_2C). Entre o quarto e o sexto dia, o incremento foi de apenas
0,9ºBrix, de forma que, no final do período de armazenamento, o teor de SST foi
de 14,4ºBrix. Em relatos anteriores, alguns autores encontraram, em graviolas
maduras, teores de SST variando de 10 a 18ºBrix (Paull, 1982; Aziz & Yusof,
1994; Mosca et al., 1997).
O maior acúmulo de SST ocorreu antes do aumento para o pico climatérico (Figura
1A). Portanto, a ocorrência do primeiro pico respiratório e do pico de etileno
pode ter um envolvimento mais direto no ganho de SST, possivelmente por
estimular reações que produzem precursores para compostos daquela natureza.
Durante o amadurecimento da graviola, conforme Figura_2C, o teor de AST
aumentou linearmente, desde valores próximos de 5 até 9,98%, à semelhança do
que obtiveram Aziz & Yusof (1994). A proporção de AST em relação aos SST,
no entanto, variou pouco e correspondeu a 65-69% dos valores dos SST.
O acúmulo de açúcares durante o amadurecimento nos frutos climatéricos, ou
mesmo em hortaliças que contenham reservas de amido, pode ser resultado da
degradação deste carboidrato (Paull, 1982; Roe & Bruemmer, 1981) e
possivelmente da quebra parcial de pectinas, celulose e outros polissacarídeos
(Roe & Bruemmer, 1981).
CONCLUSÕES
1) A maturação da graviola-'Morada' caracterizou-se pela existência de dois
picos respiratórios e pela liberação de etileno, detectada somente a partir do
terceiro dia após a colheita.
2) A redução na cromaticidade da casca e na luminosidade da polpa indicaram que
os frutos maduros tiveram cor mais clara e polpa menos brilhante que aqueles na
maturidade fisiológica.
3) As modificações mais acentuadas na firmeza da polpa, na ATT e nos teores de
SST e AST da graviola-'Morada' coincidiram com o período em que se verificou o
primeiro aumento na respiração e o pico de liberação de etileno.