Severidade da antracnose e perda de matéria fresca de frutos de dez
procedências de maracujázeiro-doce (Passiflora alata Dryander) em dois
ambientes de armazenamento
Severidade da antracnose e perda de matéria fresca de frutos de dez
procedências de maracujázeiro-doce (Passiflora alataDryander) em dois ambientes
de armazenamento1
Severity of anthracnose and fresh weight losses of sweet passion fruits
(Passiflora alata Dryander) from ten origins, stored in two environmental
conditions
Nilton Tadeu Vilela JunqueiraII; Rodrigo Marquez AnselmoI; Alberto Carlos de
Queiroz PintoII; Victor Hugo Vargas RamosII; Ailton Vitor PereiraII; Alessandra
Carneiro do NascimentoI
IPesquisadores da Embrapa Cerrados, Caixa Postal 08223, CEP 73301-970,
Planaltina-DF
IIEstudantes de Mestrado em Fitotecnia na FAV/Universidade de Brasília, Caixa
Postal 04508, CEP 70.910-970, Brasília ' DF, bolsistas do CNPq
INTRODUÇÃO
O maracujá-doce é uma das espécies nativas do Brasil, de ocorrência bastante
generalizada, podendo ser encontrado nas regiões Norte (AM, RO, PA e TO),
Nordeste (BA, MA e PI), Sudeste (MG, ES, SP e RJ), Centro-Oeste ( DF, GO, MT e
MS) e Sul (RS e PR). É vulgarmente conhecido como maracujá-de-refresco,
maracujá-grande, maracujá-alado, maracujá-guaçu, maracujá-de-comer. Segundo
Oliveira et al. (1980), Vasconcellos et al. (2001), essa espécie de
maracujazeiro apresenta boa adaptação às diferentes condições edafoclimáticas,
podendo ser cultivado de norte a sul do País. Suas características quanto ao
tamanho, à coloração externa, aroma, propriedades medicinais e baixa acidez
tornam-no bastante aceitável pelos consumidores europeus e indicam-no como uma
opção para exportação (Ruggiero et al., 1996; Vasconcelos & Cereda, 1994;
Vasconcellos et al., 2001).
O maracujá-doce vem, a cada ano, ganhando mais espaço no mercado das frutas
para consumo "in natura". Segundo Vasconcellos et al. (2001), o
volume de maracujá-doce comercializado na CEAGESP dobrou nos últimos cinco
anos, passando de 230.000 caixetas de 3,5 kg em 1994, para 450.00 em 1998.
Segundo Kavati et al. (1998), citado por Vasconcellos et al. (2001), a área
cultivada no Estado de São Paulo é de aproximadamente 200 hectares, com uma
produtividade média de 25 a 30 toneladas/ha. No Distrito Federal, Veras (1997)
obteve produtividade de 29,9 kg por planta/ano em um pomar irrigado, o que
corresponde a 29,9 t/ha numa densidade de 1000 plantas por hectare.
Embora seja uma fruta de grande potencial de mercado, maracujá-doce apresenta
vários problemas. Além das dificuldades para produzi-lo, devido ao ataque de
pragas e doenças (Anselmo & Junqueira, 1997; Rangel & Junqueira, 1998,
Vasconcellos et al., 2001), é uma fruta perecível e muito sensível ao
armazenamento e ao transporte, além de apresentar casca espessa e baixo
rendimento de polpa (Veras, 1997, Ruggiero et al., 1996).
A literatura, de modo geral, relata a alta perecibilidade e susceptibilidade do
maracujá-doce às doenças que ocorrem na pós-colheita (Rangel & Junqueira,
1998; Anselmo & Junqueira, 1997), principalmente à antracnose causada por
Colletotrichum gloeosporioides, mas não faz qualquer menção às técnicas de
armazenamento e aos tipos de embalagens, bem como ao comportamento de frutos de
diferentes procedências ou cultivares.
Dessa forma, este estudo teve como objetivo, avaliar a severidade da antracnose
e a perda de matéria fresca em câmara fria (5 ºC e UR de 90%) e em ambiente de
sala (23±1oC e UR de 65±5%)em frutos de dez procedências de maracujazeiro-doce.
MATERIAL E MÉTODOS
Os frutos foram obtidos de uma coleção de maracujazeiro-doce, situada no Núcleo
Jardim II, Distrito Federal, distante cerca de 70 km de Brasília. O pomar,
irrigado por sistema de gotejamento, situa-se a 47º 25'W de longitude e 15º
58'S de latitude, e acerca de 860 metros de altitude, precipitação média anual
de 1000 milímetros. A temperatura média anual é de 21,9ºC, com máxima de
27,4ºC, e mínima de 16,3ºC. A umidade relativa média é de 69%, com o período
mais seco entre agosto e setembro e o mais úmido entre dezembro e abril. A
luminosidade mínima (fotoperíodo) diária é de cerca de 11 horas e 18 minutos,
aproximadamente, de sol, no período de 15 de junho a 15 de julho.
O solo, onde a coleção está implantada, é um gleissolo hálico, drenado
artificialmente, textura argilosa (53% de argila), o qual recebeu tratamentos
de calagem e fosfatagem um ano antes do plantio. A análise química de amostra
do solo antes do plantio revelou um solo levemente ácido com pH em água de 5,9;
Al= 0,02 meq/100 cm3; Ca + Mg= 5,65 meq/100 cm3; P= 16,40 ppm; K= 96,8 ppm; Fe=
97,2 ppm; Cu= 1,20 ppm; Zn= 1,62 ppm; Mn =3,44 ppm; Mo =1,6 ppm, e teor de
matéria orgânica de 2,6%.
As procedências estudadas foram, inicialmente, obtidas de frutos adquiridos em
mercados da CEAGESP (procedências A, B e C) e de plantações comerciais de Tomé-
Açu-PA (procedência E). As demais, coletadas em estado nativo, oriundas de
Viçosa-MG (procedência D), Itacoatiara-AM (procedência F), Ouro Preto d'Oeste-
RO (procedência G), Domingos Martins-ES (procedência H), Pontes e Lacerda-MT
(procedência I) e Rondonópolis-MT (procedência J). Após um ano de produção no
Distrito Federal, a melhor planta de cada procedência, selecionada com base no
tamanho e formato do fruto, coloração da polpa amarela ou laranja e espessura
da casca, foi reproduzida por estaquia. As estacas, com três nós, foram
retiradas da parte mediana de ramos durante o mês de julho, implantadas em
sacos de polietileno contendo substrato comercial (Plantmax horta) à base de
vermiculita, casca de madeira e fertilizantes N, P e K. As plantas propagadas
por estacas foram plantadas na mesma área, três por procedência e intercaladas
com outras plantas de maracujá-doce oriundas de sementes ilegítimas. A
polinização das flores ocorreu naturalmente.
Os frutos das plantas clonadas foram colhidos de vez, numerados e
acondicionados em caixas de papelão padrão. Uma caixa, contendo oito frutos de
cada procedência, foi mantida em câmara fria a 5ºC e umidade relativa de 90% ;
a outra, em uma pequena sala fechada, com condicionador de ar, a 23±1ºC e
umidade relativa de 65±5%, nas dependências da Embrapa Cerrados. O experimento
foi conduzido em 1998 e repetido em 1998 e 1999. O delineamento experimental
foi o inteiramente casualizado, com oito repetições de um fruto por parcela,
sendo cada experimento analisado separadamente.
As avaliações foram efetuadas aos 0; 3; 6; 9 e 12 dias de armazenamento,
determinando-se, em porcentagem, a perda de matéria fresca calculada pela
diferença de peso dos frutos em balança de precisão, entre cada tempo de
permanência e o peso inicial. Também foram avaliadas: a severidade (% da
superfície do fruto ocupada com lesões) da antracnose e a incidência (%de
frutos atacados) de outras doenças, aos 12 dias de armazenamento. Para a
confirmação das doenças e identificação dos patógenos presentes, utilizaram-se
exames microscópicos. A severidade da antracnose foi calculada com base no
número de lesões por fruto e o diâmetro dessas lesões. Com esses dados,
calculou-se a área lesada na superfície de cada fruto. Para calcular a
porcentagem da superfície do fruto coberta por lesões, determinou-se a área de
cada fruto aos 12 dias de armazenamento, seccionando sua casca em vários
quadrados ou retângulos que foram pressionados sobre um plano, para que fossem
dimensionados. A área do fruto foi determinada pelo somatório das áreas
seccionadas nas formas de quadrados e retângulos.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A antracnose causada por Colletotrichum gloeosporioidesfoi a doença mais
freqüente, com 100% de incidência. Constataram-se também a podridão-preta ou
peduncular (Botryodiplodia theobromae), com uma incidência de 8,3%, podridão-
mole causada por Gliocladium roseum, Rhizopus stolonifer e Sclerotium rolfsii,
com incidência de 3%, manchas e/ou apodrecimento causados por Alternaria
passifloraee Alternariasp. com uma incidência de 5,4% e mancha bacteriana
(Xanthomonas campestris pv. passiflorae) com uma incidência de 6,3%, já
relatadas por Anselmo & Junqueira (1997).
Nas Tabelas_1 e 2, estão apresentados os dados referentes à severidade da
antracnose e perda de matéria fresca nos frutos armazenados em câmara fria e em
ambiente de sala. Analisando-se a Tabela_1, verifica-se que, em ambiente de
sala (23±1ºC e UR de 65±5%), após 12 dias de armazenamento, a antracnose foi
menos severa nas procedências I, G e J, com destaque para a procedência I. Em
frutos armazenados em câmara fria a 5ºC e UR de 90%, a severidade da antracnose
após 12 dias de armazenamento, de modo geral, foi bem menor que nos frutos
armazenados em ambiente de sala (Tabela_2). Nessa temperatura, a colonização
dos tecidos e a esporulação de C. gloeosporioides são reduzidas (Bailey &
Jeger, 1992). Nestas condições, o índice da antracnose foi menor nos frutos das
procedências I, G e D, com destaque para a procedência I. Verifica-se, nas
Tabelas_1 e 2, que a antracnose foi mais severa nas procedências A, B e C, as
mais cultivadas comercialmente no Estado de São Paulo, quando estas foram
armazenadas em ambiente natural ou em câmara fria. Na literatura, estão
relatadas as principais doenças do maracujá-doce (Rezende & Junqueira,
1997; Anselmo & Junqueira, 1997; Rangel & Junqueira, 1998; Ruggiero et
al. 1996), mas não há qualquer menção à resistência de cultivares ou de
germoplasma de maracujá-doce à antracnose para fazer-se uma comparação de
resultados. No entanto, analisando-se os resultados obtidos neste experimento,
pode-se admitir a existência de material genético promissor em termos de
resistência à antracnose em pós-colheita.
Quanto à perda de matéria fresca, notam-se diferenças significativas entre as
procedências (Tabelas_1 e 2). Algumas como a B, C e I perderam mais de 24 % de
matéria fresca em 12 dias de armazenamento em ambiente de sala a 23±1ºC e
umidade relativa de 65±5% (Tabela_1). Por sua vez, as procedências G, J e A
foram as que menos perderam peso durante os 12 dias de armazenamento. A
procedência G apresentou, no final desses 12 dias, 16,68% de perda de matéria
fresca, índice muito inferior ao da procedência D, com 31,16%, o que representa
quase o dobro de perda. Em todos os períodos de permanência, as perdas de
matéria fresca nos frutos armazenados em local a 23±1oC e umidade relativa de
65±5% foram, em média, bem superiores às perdas obtidas nos frutos mantidos em
câmara fria. Não houve diferenças significativas ao nível de 5%, entre as
perdas de matéria fresca ocorridas entre os períodos de armazenamento dentro de
um mesmo ambiente. Em ambiente de sala, essa perda variou, em média, de 4,61%
entre o tempo 0 e 3 dias a 6,66% entre 9 e 12 dias (Tabela_1). Em câmara fria,
essa perda variou de 2,52% entre o tempo 0 e 3 dias a 2,57% entre o tempo 9 e
12 dias (Tabela_2). Esses resultados indicam que as procedências mantiveram a
mesma tendência de perda de matéria fresca aos 3; 6; 9 e 12 dias de
armazenamento. É importante considerar que, de acordo com os dados obtidos
nesse experimento, o maracujá-doce, independentemente de procedências, perdeu
aproximadamente 5,5% de seu peso a cada três dias, quando armazenado em
ambiente de sala, e 2,44%, quando armazenado em câmara fria, a 5ºC e umidade
relativa de 90%.
Em termos econômicos, considerando-se uma produção de 10.000 kg de maracujá-
doce, o produtor perde a cada três dias de armazenamento, em condições de
ambiente, aproximadamente 550 kg, contra 244 kg se armazenado em câmara fria.
CONCLUSÕES
1) Em câmara fria (5ºC e umidade relativa de 90%), as procedências que
apresentaram menores índices de antracnose, após 12 dias de armazenamento,
foram a I (Pontes e Lacerda-MT),G (Ouro Preto d'Oeste-RO) eD(Viçosa-MG),com
destaque para procedência I.
2) Em ambiente de sala (23±1ºC e umidade relativa de 65±5%), as procedências
que apresentaram menores índices de antracnose, após 12 dias de armazenamento,
foram a I (Pontes e Lacerda-MT),G (Ouro Preto d'Oeste-RO)e J (Rondonópolis-MT),
com destaque para procedência I.
3) Frutos armazenados em câmara fria foram menos afetados pela antracnose.
4) Frutos armazenados em câmara fria tiveram, em média, após 12 dias de
armazenamento, a menor perda de matéria fresca.
5) As procedências de Ouro Preto d'Oeste - RO (G) e CEAGESP (A) foram as que,
ao final dos 12 dias de armazenamento, perderam menos matéria fresca.