Expressão protéica diferencial entre plântulas apomíticas e zigóticas de citros
BIOTECNOLOGIA
INTRODUÇÃO
O fenômeno da apomixia caracteriza-se pela reprodução assexuada por meio de
sementes, onde um ou mais embriões são formados sem redução do número
cromossômico e sem fertilização (Nogler, 1984). Os embriões apomíticos
apresentam constituição genética idêntica à da planta genitora feminina e
representam uma barreira à recombinação genética (Koltunow, 1993). O padrão de
formação dos embriões em espécies apomíticas é freqüentemente indistinguível do
seu relativo sexual (Nogler, 1984). O gênero Citrus apresenta apomixia
facultativa, onde reprodução sexual e apomítica coexistem na mesma planta
(Koltunow, 1993). Espécies apomíticas facultativas adaptaram-se evolutivamente,
devido à capacidade de multiplicar as combinações genéticas vantajosas por meio
da reprodução apomítica (Nijis & Van Dijik, 1994).
Existem evidências de que a herança da embriogênese nucelar apomítica em Citrus
é um caráter dominante, com o envolvimento de um lócus principal, que pode
consistir de vários genes ligados entre si, codificando diversos elementos
apomíticos (Cameron & Soost, 1982; Dijk & Damme, 2000). Entretanto,
tais genes ainda não foram isolados, permanecendo ainda como incógnita a
identificação de seus produtos e de suas funções. Modelos de ação gênica
relacionados à apomixia facultativa sugerem que, uma vez que os genes
apomíticos são acionados em uma célula nucelar específica, os elementos do
processo sexual poderiam completar o evento. Informações nos tipos de genes
expressos durante o desenvolvimento apomítico e sexual nos óvulos poderão
indicar se os processos apomíticos são resultantes de genes específicos
relacionados à reprodução apomítica das plantas ou se a apomixia reflete
alterações na regulação e expressão dos genes normalmente envolvidos na
reprodução sexual (Koltunow, 1993; Koltunow et al., 1995). É improvável que o
lócus responsável pelo evento apomítico envolva novas e distintas vias
metabólicas (Koltunow et al., 1995). Uma possibilidade é que a reprodução
apomítica seja uma conseqüência da expressão errônea de um gene, durante o
curso dos eventos sexuais no óvulo (Peacock, 1992; Koltunow, 1993). Outra
hipótese é que o fenótipo apomítico seja decorrente da mutação deste alelo
(Koltunow et al., 1995).
Em Citrus, a apomixia possibilita a uniformidade das cultivares, a fixação da
epistasia e da heterose, e a eliminação de vírus e viróides (Davies &
Albrigo, 1994). Entretanto, a apomixia é o maior obstáculo para a produção
sistemática de híbridos, visto que muitas cultivares produzem quase que somente
embriões nucelares (apomíticos), os quais podem ser muitos em uma única semente
(Cameron & Soost, 1982).
Por outro lado, a engenharia genética oferece ferramentas que possibilitam a
introdução do comportamento apomítico em culturas agrícolas de reprodução
sexuada, o que tem sido citado na literatura como a "tecnologia da apomixia".
Através desta tecnologia, seria possível a fixação da heterose, através de
sucessivas gerações, via semente (Nijis & Van Dijik, 1994). Outras
vantagens seriam conseguidas, como, por exemplo, a transformação direta de
genótipos superiores em cultivares e a eliminação da transmissão de vírus
através de propagação vegetativa. Entretanto, antes se faz necessário que os
genes que controlam o fenômeno apomítico, sejam elucidados (Dijk & Damme,
2000).
Uma das formas de estudar os mecanismos moleculares do processo apomítico, é
por meio da comparação de perfis protéicos de embriões zigóticos e apomíticos,
buscando-se a existência de diferentes proteínas envolvidas no desenvolvimento
apomítico. Atualmente, a técnica de maior resolução para a separação de
proteínas é a eletroforese bidimensional (O'Farrell, 1975), a partir da qual se
produz um mapa ou perfil protéico global. Estes perfis compõem as bases para o
estudo de proteomas, ou seja, identificação sistemática de proteínas
codificadas pelo genoma (Lopez, 1999; Fey & Larsen, 2001).
O presente trabalho teve por objetivo a comparação de perfis protéicos
bidimensionais de plântulas apomíticas (nucelares) deCitrus sinensis e de
plântulas zigóticas de citranges (C. sinensisXPoncirus trifoliata), de modo a
produzir um banco de dados de proteínas de expressão diferencial de plântulas
apomíticas.
MATERIAL E MÉTODOS
Foram utilizados embriões zigóticos e apomíticos (nucelares) resultantes do
cruzamento controlado entre laranja-doce (C. sinensis L. Osb. cv.Pêra) e P.
trifoliata cv. Rubidoux, provenientes do Banco Ativo de Germoplasma do Centro
de Citricultura Sylvio Moreira / IAC Cordeirópolis - SP. C. sinensis foi
utilizada como genitor feminino e P. trifoliata como genitor masculino.
Cultura in vitrodos embriões
Os embriões foram utilizados após 51 dias da polinização controlada. As
sementes resultantes dos cruzamentos foram banhadas por 15 min em solução
estéril de hipoclorito de sódio 0,5% e detergente Extran 1%. Retiraram-se os
tegumentos e banharam-se em solução estéril de hipoclorito de sódio 0,5% por 10
min. As sementes foram então lavadas em água destilada autoclavada por 1 min,
por três vezes. Os embriões foram isolados em ambiente estéril, com auxílio de
lupa, e transferidos para tubos de ensaio, contendo 15 mL de meio MT (Murashige
& Tucker, 1969), suplementados com 50 g/L de sacarose e 6 g/L de phytagel,
e foram mantidos no escuro com temperatura controlada de 27+/-1ºC, até o
estádio de plântula.
Identificação de embriões zigóticos e nucelares
Empregou-se a técnica de RAPD para gerar marcadores que diferenciassem a
progênie zigótica da nucelar.A extração de DNA foi baseada no método proposto
por Saghai-Maroof et al. (1984) e a reação RAPD foi feita com 30 ng de DNA
total, tampão PCR 1X (GIBCO), MgCl2 1,5mM, dNTP 1mM de cada, Taq DNA Polimerase
(GIBCO) 1U, "primer" (fornecidos pela Britsh University of Columbia) 225mM, H2O
milli Qfiltrada q.s.p. 20mL. Para amplificação, utilizou-se um ciclo de 94ºC,
por 2 min, seguido de 36 ciclos de 94ºC, por 1 min; 36ºC, por 2 min; 72ºC, por
2 min, e por fim a 72ºC, por 5 min. Os produto das reações foram separados
através de eletroforese (90 V - 1h 30 min) em gel de agarose (1,5%, dissolvida
em Tampão TBE 1X - Tris 28 mM, ácido bórico 88 mM, EDTA 7mM, pH 8,3) contendo
brometo de etídio (0,5 mg/mL).
Extração Protéica
As plântulas foram maceradas em N2 líquido e, para cada mg de material
macerado, acrescentaram-se 5mL de tampão de extração (4% SDS, 2% 2-
mercaptoetanol, 20% glicerol, 2mM phenylmethylsulfonyl fluoride em 10 mM Tris-
HCl pH 8,5), seguindo metodologia proposta por Hurkman & Tanaka (1986). A
quantificação foi realizada segundo o método de microensaio descrito por
Bradford (1976).
Focalização Isoelétrica (1ª Dimensão)
Utilizaram-se géis de poliacrilamida com gradientes imobilizados de pH 3-10 não
linear (IPG strip- Amersham Pharmacia), os quais foram reidratados por 12 h com
tampão de amostra (uréia 8M, CHAPS 2%, DTT 18 mM, IPG Buffer 0,5% -Amersham
Pharmacia Biotec), contendo 50 mg de extrato protéico. Em seguida, cada gel foi
submetido à corrente elétrica máxima de 50 mA, usando o seguinte programa: 500V
por 1 h, 1000V por 1 h e 8000V por 2h. Imediatamente após a focalização, os
géis foram banhados em solução de equilíbrio (50mM Tris-HCl pH8,8, 6M uréia,
30% glicerol, 2% SDS, 64mM DTT), por 15 min, e imediatamente procedeu-se a
segunda dimensão.
SDS/PAGE (2ª Dimensão)
A separação das proteínas através dos pesos moleculares foi conduzida segundo
Laemmli (1970). Foram produzidos cinco géis de cada amostra para confirmação da
reprodutividade. As proteínas foram reveladas com prata, utilizando-se de
Silver Staining kit- Protein (Amersham-Pharmacia). As imagens dos géis foram
digitalizadas por um escâner de transmitância com 300 dpi de resolução e
analisadas pelo programa ImageMaster 2D v.3.01 (Amersham Pharmacia Biotech). Os
espotes (proteínas isoladas) foram detectados automaticamente, e artefatos
foram corrigidos manualmente. Os espotes foram quantificados em unidades de
volume (área versus intensidade) e a normalização foi efetuada dividindo-se o
volume de cada espote pela soma total dos volumes de todos os espotes, de forma
que cada volume normalizado representa uma porcentagem do volume total. Para a
determinação do peso molecular e do ponto isoelétrico (pI), utilizaram-se
padrões Amersham Pharmacia, os quais foram plotados em coordenadas y e x dos
géis de segunda dimensão. Através do programa, elaboraram-se equações ajustadas
por regressão de First-order LaGrande, que serviram para a determinação do peso
molecular e do pI (ponto isoelétrico) de cada espote.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
O cultivo in vitro dos embriões permitiu a padronização do estádio de
desenvolvimento e a quantidade de material suficiente para trabalhar-se em
nível molecular. Para a identificação da origem nucelar e zigótica da progênie,
testaram-se inicialmente 24 "primers", buscando-se polimorfismo suficiente para
a diferenciação dos parentais e conseqüentemente da progênie. Verificou-se que
o "primer" BC708 (5'GGGTTGTGGG3') produziu uma banda polimórfica de 667pb no
perfil do parental masculino (Poncirus trifoliata). Desta forma, este "primer"
foi empregado nas amostras da progênie, e apenas os indivíduos que apresentavam
a banda de 667pb foram selecionados como zigóticos, e os demais como apomíticos
(Figura_1). Somente após essa verificação procedeu-se à análise protéica.
Através da análise bidimensional das proteínas, pode-se identificar um total de
508 espotes protéicos, sendo que, no perfil da progênie apomítica, observou-se
um número inferior ao observado no perfil da progênie zigótica,
respectivamente, 217 e 291 (Figura_2). Grande parte das proteínas detectadas,
provavelmente, constituam-se em proteínas de reserva, dada a fase de
desenvolvimento em que o material se encontrava. Entretanto, entre elas, estão
as proteínas cuja expressão ocorreu no período de embriogênese. A grande
maioria das seqüências de mRNA produzidas durante o desenvolvimento do embrião
são estocadas, principalmente, nos cotilédones, e persistem no estádio de
plântulas, de maneira que apenas pequenas alterações qualitativas podem ocorrer
(Goldberg et al., 1989). Dentre os genes que são expressos na embriogênese,
estão os que determinarão a arquitetura básica da planta (Thomas, 1993).
Observou-se que 77 espotes são comuns a ambos os perfis (apomítico e zigótico),
perfazendo uma similaridade de 26,5% entre eles. Tais espotes correspondem a
proteínas resultantes da expressão de genes comuns aos dois tipos de embriões.
Na comparação dos perfis, verificou-se que a maioria das proteínas coincidentes
apresentou valores próximos de quantificação, demonstrando nível semelhante de
expressão protéica. Entretanto, também se verificaram-se diferenças no nível de
expressão de genes comuns à progênie zigótica e nucelar. Como exemplo disto,
pode-se citar a proteína de 21,7 KDa e pI 6,4 (valores estimados), a qual
apresentou um volume normalizado aproximado de 0,5 no perfil nucelar e 3,9 no
perfil zigótico. Outro exemplo é a proteína de 49 KDa e pI 6,4 (valores
estimados), apresentando volume normalizado de 3,9 no perfil nucelar e 0,2 no
perfil zigótico. Provavelmente, as proteínas comuns entre os dois perfis são
resultantes da expressão de genes relacionados a processos metabólicos
essenciais à manutenção ou desenvolvimento do embrião/plântula. Uma explicação
para estas diferenças nos níveis de expressão seria o fato de que, quando os
embriões foram retirados de sementes para serem cultivados in vitro, se
encontravam em diferentes estádios de desenvolvimento. Ou seja, aqueles
embriões que se encontravam em fase mais desenvolvida, já haviam iniciado o
processo de acúmulo ou degradação de proteínas de reserva, que, segundo
Goldberg et al. (1989), tem início na fase de expansão celular do embrião. O
embrião, quando em desenvolvimento in vivo, recebe estímulos das estruturas da
semente para expressão protéica (Koltunow et al., 1996). Embriões apomíticos de
citros desenvolvidos in vivo expressam a proteína de reserva citrina cerca de 8
a 9 vezes mais que em embriões somáticos desenvolvidos in vitro(Koltunow et
al., 1996). Em Brassica napus,também ocorre diferença no nível de expressão
quando se comparam embriões zigóticos e não zigóticos cultivados in vitro
(Crouch, 1982).
Nos perfis das plântulas zigóticas, observaram-se 214 espotes que não estão
presentes nos perfis das plântulas apomíticas. Já nos perfis da progênie
apomítica, observaram-se 140 espotes ausentes nos perfis da progênie zigótica
(Tabela1). No geral, essas proteínas diferenciais variaram em uma faixa de peso
molecular entre 12,7 KDa e 96,2 KDa e em uma faixa de pI de 6,0 a 8,4. Pode-se
considerar que parte das diferenças observadas entre as plantas de origem
zigótica e nucelar pode estar relacionada ao fato de estar-se comparando os
embriões nucelares de uma espécie (C. sinensis) com os embriões zigóticos de um
híbrido intergenérico (C. sinensis x P. trifoliata), e, portanto, diferentes
proteínas podem ser conseqüência de estar-se trabalhando com diferentes
conjuntos gênicos. Entretanto, no conjunto de proteínas de expressão
diferencial, estão proteínas candidatas ao envolvimento com o processo
apomítico. Obviamente, apenas pequena parte deve estar diretamente relacionada
com a apomixia, uma vez que os modelos moleculares do processo apomítico
preconizam o envolvimento de um ou de poucos genes (Parlevliet & Cameron,
1959; Iwamasa et al., 1967; Dijk & Damme, 2000).
O total conhecimento da identidade destas proteínas diferencialmente expressas
pela progênie apomítica só é possível através de seqüenciamento das mesmas e
posterior busca de similaridade em banco de dados. Entretanto, para utilizar-se
tal tecnologia, é pré-requisito indispensável o conhecimento do perfil
diferencial destas proteínas, assim como de algumas características
bioquímicas, como peso molecular e ponto isoelétrico. Pode-se considerar que o
mapa protéico de características químicas (Tabela_1) aqui descrito constitui-se
em um banco de dados de proteínas candidatas ao envolvimento com o processo
apomítico, o qual poderá ser utilizado em futuros estudos de identidade
protéica, buscando maior elucidação do sistema apomítico em embriões
resultantes do cruzamento de Citrus sinensis e Poncirus trifoliata.
CONCLUSÕES
1) Plântulas apomíticas oriundas do cruzamento de Citrus sinensis e Poncirus
trifoliata expressam um grupo de proteínas não expressas por plântulas
zigóticas, de forma que algumas destas proteínas podem estar envolvidas no
processo apomítico.
2) Existem diferenças na quantidade de expressão protéica de genes comuns a
plântulas zigóticas e apomíticas.
AGRADECIMENTOS
À FAPESP, pelo suporte financeiro do Projeto 98-14753/9.