Indução do florescimento e crescimento de tangerineira 'Poncã' (Citrus
reticulata Blanco) em função da irrigação e da aplicação de paclobutrazol
BOTÂNICA E FISIOLOGIA
Indução do florescimento e crescimento de tangerineira 'Poncã' (Citrus
reticulata Blanco) em função da irrigação e da aplicação de paclobutrazol1
Flowering induction and vegetative development of 'Ponkan' mandarin (Citrus
reticulata Blanco) by irrigation and paclobutrazol application
Carlos Henrique dos SantosI; Antonio Evaldo KlarII; Hélio Grassi FilhoIII; João
Domingos RodriguesIV; Fernanda Cristina PierreV
IPós-Doutorando - Depto. de RN/Ciência do Solo, FCA/UNESP, 18.603-970,
Botucatu-SP. e-mail: chenriquesantos@zipmail.com.br
IIProf. Titular - Depto. Eng. Rural, FCA, 18.603-970, Botucatu-SP. e-mail:
klar@fca.unesp.br
IIIProf. Adjunto - Depto. de RN/Ciência do Solo, FCA/UNESP, 18.603-970,
Botucatu-SP. e-mail: heliograssi@fca.unesp.br
IVProf. Titular - Depto. Botânica, IB, 18.603-970, Botucatu-SP. e-mail:
mingo@ibb.unesp.br
VEngª Agrª, Pós-graduanda - Depto. Eng. Rural, FCA/UNESP, 18.603-970, Botucatu-
SP
INTRODUÇÃO
A melhor oferta de preços para os frutos de tangerina 'Poncã', nas diversas
regiões produtoras, ocorre nos meses de julho e agosto, uma vez que a
concentração da produção se situa nos meses de maio e junho (Pio, 1993).
Uma das alternativas para auferir maiores lucros poderia ser a alteração do
período de florescimento das plantas e, assim, proporcionar a colheita em
períodos de entressafra, quando os preços dobram ou triplicam, em relação
àqueles da época de safra normal. Essa prática poderia ser realizada através do
manejo da irrigação, associada com a aplicação de biorreguladores vegetais do
grupo dos retardantes de crescimento (Rademacher, 2000).
É conhecido que o florescimento em plantas cítricas é precedido por um período
de transformação das gemas vegetativas em reprodutivas através de estímulos, e
o repouso da planta devido à paralisação do crescimento vegetativo, seja por
seca, seja por frio, resulta no acúmulo de reservas que são rapidamente
consumidas durante o florescimento (Lovatt et al., 1988). Nas regiões
subtropicais, o repouso é induzido principalmente por baixas temperaturas e,
nas condições da citricultura paulista, ocorre, geralmente, deficiência hídrica
no período que precede o florescimento (Ortolani et al., 1991).
O controle do florescimento de citros pela aplicação de biorreguladores
vegetais também tem sido relatado (Davenport, 1990), e várias hipóteses têm
sido levantadas associando a absorção, a concentração, a translocação e a
atividade destes, bem como sua interação, com biorreguladores endógenos e a
conseqüente resposta no crescimento.
As giberelinas parecem influenciar no florescimento em citros, mostrando ser
possível que as mesmas, produzidas nas raízes, atuem através da inibição do
desenvolvimento de gemas reprodutivas (Goldschimidt et al., 1998). Assim, se as
giberelinas são responsáveis pela inibição do florescimento em citros, então,
os retardantes de crescimento, conhecidos por inibir a síntese de giberelina
endógena, podem promover o florescimento (Davenport, 1990).
O paclobutrazol, por exemplo, bloqueia a biossíntese de GA1, diminuindo o
desenvolvimento das plantas (Rademacher, 2000). Esses inibidores são capazes de
induzir o florescimento em citros, sob condições não indutivas, sendo que as
respostas podem ser muito variáveis, devido, em parte, aos fatores concernentes
à aplicação, à absorção e ao estádio fenológico de aplicação (Goldschimidt et
al., 1998).
Nesse contexto, este trabalho objetivou avaliar o florescimento fora de época e
o crescimento vegetativo das plantas de tangerina 'Poncã' em função da
associação dos manejos de irrigação e de aplicação do biorregulador
paclobutrazol.
MATERIAL E MÉTODOS
O experimento foi conduzido na Fazenda Experimental Lageado, da Faculdade de
Ciências Agronômicas - UNESP/Câmpus de Botucatu, Estado de São Paulo, em área
de solo classificado como Nitossolo Vermelho, textura argilosa. O tipo
climático predominante no local é o Cwb, clima quente com inverno seco, verão
chuvoso e brando conforme classificação de Köeppen, descrita em Santos (2001).
Para a realização desse experimento, foram utilizadas tangerineiras 'Poncã' de
dois anos de idade, enxertadas em limoeiro 'Cravo' e plantadas com espaçamento
de 6x4 m.
A irrigação foi efetuada por um sistema de gotejamento, com duas fitas
gotejadoras dispostas em cada lateral das plantas com vazão de 3,73 L m-1 h-1.
Os potenciais e os teores de água no solo foram determinados com tensiômetros
instalados nas profundidades de 20 e 40 cm, considerando-se o valor médio
destas para fins de cálculo das lâminas de irrigação. As curvas de retenção de
água no solo foram determinadas para as mesmas profundidades através de placas
de pressão, conforme metodologia citada em Santos (2001).
Na distribuição dos tratamentos, adotou-se o delineamento estatístico2 em
blocos casualizados, em parcelas subdivididas, com duas repetições. Os dois
tratamentos de potencial da água no solo foram aplicados às parcelas, e os
quatro níveis de paclobutrazol, às subparcelas. Utilizou-se de um tratamento
sem irrigação e sem aplicação de paclobutrazol, como testemunha. Cada parcela
experimental foi constituída por 16 plantas, sendo 8 destinadas à avaliação.
No primeiro ano de avaliações (1999-2000), os tratamentos consistiram de dois
potenciais mínimos de água no solo, -0,03 e -0,05 MPa, cada um, associados com
0; 4; 8 e 12 g por planta de paclobutrazol, além da testemunha sem irrigação.
O biorregulador b-[(4-chlorphenyl)methyl]-a-(1,1-dimethylethyl)-1H-1,2,4-
triazole-1-ethanol, denominado comercialmente de Paclobutrazol, foi aplicado
via solo no final do período de irrigação e início do período de suspensão da
mesma (12 de outubro). Decorridos 70 dias de sua aplicação, realizou-se a
pulverização foliar de nitrato de potássio a 4%, visando à uniformização da
quebra de dormência das gemas reprodutivas.
Em virtude de não ter ocorrido o florescimento com a aplicação de paclobutrazol
via solo, optou-se, no segundo ano, pela aplicação via foliar. Assim sendo, os
tratamentos foram delineados da seguinte forma: irrigação para a indução
floral, procurando manter os potenciais da água no solo, no intervalo: T1: -
0,03 MPa; T2: -0,03 MPa + 500 mg L-1 por planta de paclobutrazol; T3: -0,03 MPa
+ 1000 mg L-1; T4: -0,03 MPa + 2000 mg L-1; T5: -0,05 MPa; T6: -0,05 MPa + 500
mg L-1; T7: -0,05 MPa + 1000 mg L-1; T8: -0,05 MPa e aplicação de 2000 mg L-1;
T9 - Testemunha (sem irrigação: atingiu -0,07 MPa). Em todos os tratamentos,
após o potencial mínimo da água no solo atingir as imediações dos valores
estipulados, o teor de umidade foi elevado até a Capacidade de Campo (C.C.: -
0,01 MPa).
Antes da aplicação dos tratamentos, as flores presentes nas plantas, em função
do florescimento ocorrido no mês de setembro de 2000, foram eliminadas
manualmente, assim que surgiram. Posteriormente, todos os tratamentos foram
aplicados no período de 12-10 a 16-11 de 2000. Os tratamentos de diferenciação
do potencial da água no solo foram interrompidos em 16-11,com o início de um
período de chuvas, o qual forneceu ao solo aproximadamente 246,5 mm de água no
período de 16-11 a 07-12-2000.
O paclobutrazol foi aplicado via foliar no início do período de imposição dos
tratamentos (12-10). A aplicação de nitrato de potássio via foliar seguiu o
esquema adotado no primeiro ano de experimentação.
As plantas não floresceram e, portanto, não foi possível avaliar o
florescimento. Entretanto, as demais avaliações programadas foram realizadas e,
a partir de novembro de 1999 a maio de 2001, mensalmente, foram avaliados os
parâmetros biométricos, como a altura das plantas e o diâmetro médio das copas.
Com esses resultados, foram determinados o volume e a área de projeção da copa,
que proporcionaram indicação do vigor das plantas em função dos tratamentos. As
fórmulas para as determinações estão descritas em Santos (2001).
Semanalmente, foram efetuadas leituras da condutância estomática através do
equipamento denominado LI-1600 Steady State Porometer- LI-COR, em intervalos de
aproximadamente duas horas, entre 8 e 16 horas, e do potencial da água das
folhas utilizando a câmara de Scholander. As leituras foram realizadas entre 6h
' 6h30 e 12h ' 12h30, conforme metodologia descrita em Santos (2001).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os tratamentos com paclobutrazol e a variação do potencial da água no solo não
proporcionaram efeito favorável ao florescimento fora de época da tangerineira
'Poncã'. A resposta estomática associada ao não-florescimento das plantas,
mostra que não ocorreram déficits hídricos de amplitude capazes de proporcionar
condições para a indução do florescimento (Figura_1). As plantas apresentaram
resposta estomática semelhante em função das alterações das condições
ambientais e da variação do potencial da água no solo.
Associada aos potenciais da água, a aplicação do paclobutrazol via solo, no
primeiro ano de estudos, não induziu o florescimento. Talvez, a aplicação nas
dosagens empregadas (Santos, 2001) não tenha sido eficiente para que o mesmo
fosse absorvido na quantidade ideal para desencadear o processo fisiológico de
indução do florescimento.
De acordo com Goldschimidt et al. (1998), as respostas das plantas cítricas,
sob condições não indutivas, às aplicações de retardantes de crescimento, podem
ser muito variáveis, devido, em parte, aos fatores concernentes à aplicação,
translocação, dosagem e à interação destes com a espécie. Davenport (1990)
relatou ainda que existem diferenças nas características fenológicas de
crescimento do sistema radicular e da parte aérea das plantas cítricas. A falta
de controle de todos esses fatores, na maioria dos casos, leva aos resultados
contraditórios encontrados na literatura (Davenport, 1990).
No segundo ano de experimentação, foi realizada a aplicação do paclobutrazol
via foliar baseada em resultados de literatura, como os obtidos por Ogata et
al. (1996). Dessa forma, tentou-se promover o florescimento, evitar acúmulo de
paclobutrazol no solo e, conseqüentemente, não causar efeito tóxico de forma a
influenciar negativamente no desenvolvimento das mesmas, como descrito por
Rademacher (2000).
Porém, nas condições do presente experimento, mesmo alterando a forma de
aplicação, também não ocorreu o florescimento fora de época das plantas
submetidas à aplicação de paclobutrazol e à variação do potencial da água no
solo.
Entretanto, foi possível verificar que o paclobutrazol modificou o crescimento
das plantas cítricas, o que também é relatado por Rademacher (2000). As
modificações no crescimento das plantas podem ocorrer devido ao fato de que o
controle desses parâmetros e o florescimento não são controlados pelas mesmas
giberelinas (Goldschmidt et al., 1998).
Os resultados da Figura_2 mostram que as plantas dos tratamentos de 1 a 5, em
todos os parâmetros avaliados e em ambos os potenciais da água do solo,
tenderam a apresentar maiores valores quando comparados aos demais tratamentos
com paclobutrazol, principalmente com referência às plantas dos tratamentos 3 e
7; 4 e 8, e 9, os quais atuaram de forma semelhante na redução do crescimento
das plantas.
O modelo de regressão linear determinado pelo padrão de crescimento das
tangerineiras (Figuras_2, 3 e 4) é significativo ao nível de 1% de
probabilidade. De acordo com o parâmetro b do modelo ajustado (yi = ai + bix),
que mostra a relação direta dos valores dos parâmetros avaliados com a função
tempo, há a tendência de diferenciação na resposta das plantas à aplicação das
doses de paclobutrazol.
Os resultados expressos nas Figuras_de_2_a_4 também mostraram que o potencial
da água no solo, próximo a -0,05 Mpa, não proporcionou diferença no crescimento
vegetativo das plantas, em comparação com o potencial próximo a -0,03 MPa.
Contudo, quando se analisam os resultados fornecidos pelas plantas do
tratamento 9, as quais foram submetidas ao potencial da água no solo próximo a
-0,07 MPa, pode-se verificar o menor desenvolvimento vegetativo das mesmas bem
como diminuição nos valores da condutância estomática das folhas (Figura_1).
Entretanto, essa limitação hídrica também não proporcionou a indução do
florescimento.
Para Goldschmidt et al. (1998), o déficit hídrico é uma das bases indutivas
para a concepção do modelo de florescimento bem como fator de restrição ao
desenvolvimento das plantas cítricas, uma vez que afeta a produção e
translocação de biorreguladores.
Nos potenciais da água no solo, de -0,03 e -0,05 MPa, o paclobutrazol pode ter
atuado na função da limitação da síntese de giberelina, sem diminuir o nível
necessário para que ocorressem resultados mais expressivos no crescimento e no
florescimento (Davenport, 1990). Machado et al. (1999) constataram que
ocorreram decréscimos nos valores de condutância estomática e potencial da água
nas folhas das laranjeiras 'Valência', quando o potencial da água no substrato
atingiu valores abaixo de -0,05 MPa.
De forma similar aos dados apresentados pelas Figuras_3 e 4, aqueles
apresentados pelas Figuras_5 e 6 reforçam a hipótese de que o aumento da dose
de paclobutrazol proporcionou redução no crescimento das tangerineiras,
principalmente com relação ao volume e área de projeção da copa, salientando
que essa alteração no padrão de desenvolvimento das plantas foi observada com
maior intensidade a partir dos 13 meses após a aplicação do produto, mas,
principalmente, aos 16 e 19 meses, em ambos os tratamentos de potencial da água
no solo.
Para Grassi Filho (1995), o volume e a área de projeção da copa fornecem bons
indicativos da velocidade de ocupação da área de plantio. É importante destacar
que o modelo de regressão linear determinado pelo padrão de crescimento das
plantas (Figuras_5 e 6) é significativo ao nível de 10% de probabilidade.
A aplicação de uma dosagem maior do produto via solo ou via foliar talvez seja
necessária para obter o florescimento, uma vez que o potencial da água no solo
de -0,05 e a testemunha não irrigada (-0,07 MPa) não agiram como fator
sinérgico à ação do paclobutrazol para induzir o florescimento sob condições
não indutivas. A espécie, a dosagem do paclobutrazol, a forma de aplicação, os
fatores retenção pelo solo (textura argilosa), o tempo de disponibilização do
produto e as condições climáticas podem ter exercido papel preponderante no
processo não indutivo do florescimento bem como no crescimento das plantas.
A análise da resposta de crescimento linear apresentado pelas plantas, que
receberam a aplicação de paclobutrazol, mostra que, provavelmente, houve efeito
residual do produto aplicado no solo, do primeiro para o segundo ano de estudo,
confirmando os relatos de Aron et al. (1985). Neste último caso, a ação do
paclobutrazol na restrição do crescimento vegetativo das plantas pode ter sido
reforçada com a aplicação foliar (segundo ano), mas, em virtude dos problemas
mencionados, não proporcionou melhores resultados.
CONCLUSÕES
Os resultados permitiram concluir que a aplicação do paclobutrazol e a variação
do potencial da água no solo não proporcionaram a indução do florescimento fora
de época da tangerineira 'Poncã', mostrando, entretanto, evidências da atuação
dos mesmos fatores influenciando no crescimento das plantas.