Superfícies de resposta do tangor 'Murcott' à fertilização com N, P e K
SOLOS E NUTRIÇÃO DE PLANTAS
INTRODUÇÃO
O Brasil é o quarto maior produtor mundial de tangerinas (FAO, 2002). O Estado
de São Paulo participa com 50% do total da produção no País, numa área de 27
mil ha e 9,5 milhões de plantas. Essa produção inclui também o tangor 'Murcott'
[Citrus reticulata Blanco x C. sinensis (L.) Osb.], o qual tem despertado
grande interesse dos citricultores na última década, principalmente devido ao
alto valor de comercialização no mercado de fruta fresca e maior resistência a
doenças, como o declínio (ROSSETTI, 2001) e a clorose variegada dos citros, do
que as variedades comerciais de laranjas (POMPEU Jr. et al., 1998).
O potássio (K) ocupa posição de destaque no manejo nutricional de plantas
cítricas devido ao seu grande efeito no tamanho de frutos (SMITH, 1966). Em
tangerineiras, esse efeito é ainda mais importante, pois plantas deficientes em
K produzem frutos de tamanho reduzido, o que deprecia o valor de
comercialização.
Desequilíbrios nutricionais provocam, nas principais variedades de tangerinas,
a alternância de produção e, quando são acentuados, o rápido declínio da
planta-conhecido como colapso dos citros (Smith, 1976). A redução acentuada de
nutrientes, como nitrogênio (N) e K na biomassa, e distúrbios fisiológicos que
as árvores sofrem em função de alta produção de frutos no ciclo anterior, estão
relacionadas a prováveis causas da alternância de produção e colapso dos citros
(Stewart et al., 1968). Os sintomas visuais de deficiências minerais em plantas
estressadas resultam da redução no transporte e redistribuição de amido da copa
para as raízes, o que prejudicaria a plena absorção de água e nutrientes em
função da menor atividade do sistema radicular (Jones et al., 1964; Smith,
1976)
Apesar da importância da nutrição para a produção e a qualidade dos frutos das
tangerineiras, existem poucas informações disponíveis na literatura que possam
orientar o manejo nutricional dessas plantas. Köller & Schwarz (1995)
verificaram que a fertilização com fósforo (P) aumenta o número de frutos por
planta do tangor 'Murcott', na média de cinco safras, após o plantio, enquanto
o K aumentou o peso médio dos frutos, mas reduziu a produção. A análise química
inicial do solo desse estudo mostrou teores muito baixos de P-Mehlich I (2 mg
dm-3) e médios de K trocável (2,7 mmolcdm-3). Por outro lado, Panzenhagen et
al. (1999) observaram que a fertilização corretiva com P, na instalação do
pomar, proporcionou acréscimos de produção da tangerina Montenegrina (C.
deliciosa Tenore) comparados à aplicação anual, até oito anos após o plantio. A
elevação dos teores foliares de N de 23 para 28 g kg-1, devido à adubação,
proporcionou aumento da produção e diminuição do peso médio de frutos.
As doses recomendadas de adubação N, P e K para tangerineiras em produção, no
Estado de São Paulo, foram estabelecidas de acordo com a expectativa de
exportação de nutrientes pelas plantas, informações da literatura internacional
e nas curvas de resposta à adubação N, P e K e de calibração das análises de
solo e folhas, obtidas com laranjeiras, por Quaggio et al. (1998).
Assim, teve-se por objetivo estudar e estabelecer doses adequadas de
fertilizantes para maximizar a produtividade e qualidade dos frutos de
tangerinas e híbridos, e definir critérios seguros de diagnóstico da
fertilidade do solo para o manejo nutricional dessas plantas.
MATERIAL E MÉTODOS
O presente estudo foi instalado em um pomar comercial da variedade tangor
Murcott enxertada sobre limão 'Cravo' [C. limonia (L.) Osb.], com 4 anos de
idade, em 1995, espaçadas a 7,0 x 3,8 m, em Itirapina-SP. O solo é do tipo
Latossolo Vermelho-Amarelo, textura arenosa, cujas características químicas no
início do estudo, segundo métodos do sistema IAC de análise de solo (Raij &
Quaggio, 2001), eram: P-resina = 16 mg dm-3; K = 1,1 e Ca = 4,4 e Mg = 14 mmolc
dm-3, e V = 77% na camada arável.
Utilizou-se o delineamento fatorial fracionado, do tipo ½ (43), conforme
proposto por Colwell (1978) e reajustado por Andrade & Noleto (1986). O
arranjo experimental apresentou metade das combinações do fatorial completo,
com tratamentos dispostos em dois blocos. A técnica do confundimento de efeitos
dos tratamentos foi usada para reduzir o tamanho do experimento, aumentando a
eficiência do modelo de resposta para estimar efeitos significativos. As
parcelas experimentais foram constituídas por 6 plantas úteis, separadas por
bordaduras duplas entre as linhas de plantio e entre as plantas, num total de
20 plantas por parcela.
Os tratamentos consistiram de 4 níveis dos nutrientes N, P e K aplicados
anualmente, como segue: N = 30; 100; 170 e 240 kg ha-1 de N, na forma de
nitrocálcio; P = 20; 80; 140 e 200 kg ha-1de P2O5, na forma de superfosfato
triplo, e K = 30; 110; 190 e 270 kg ha-1de K2O, na forma de cloreto de
potássio. Os fertilizantes foram aplicados manualmente na superfície do solo,
sem incorporação, em faixas de 1,2 m de largura espaçadas de 0,5 m do tronco,
em três parcelas iguais, durante a primavera e o verão. No mesmo período, as
plantas receberam três aplicações foliares com solução contendo 0,30% ZnSO4 e
0,20% MnSO4, e via solo com 10 kg H3BO3 ha-1 (Quaggio et al., 1997). Foi feito
calagem durante a condução do ensaio, procurando-se manter a saturação por
bases do solo entre 50 e 70% na camada arável.
O desbaste de frutos foi feito manualmente, entre os meses de fevereiro e
março, procurando-se manter a distância de 20 cm entre frutos na copa, com
distribuição uniforme em toda a copa das plantas.
A colheita de frutos foi realizada entre os meses de agosto e setembro,
anotando-se a produção por parcela para as safras de 1996 a 2001. Coletaram-se
ainda 24 frutos por parcela para a análise de qualidade, avaliando-se os teores
de sólidos solúveis totais em refratômetro (Mod. RFM 330; Bellinghan &
Stanley, England) com correção para temperatura a 20 ºC e para acidez do suco,
a acidez por titulação com solução padronizada 0,3125 N NaOH (Reed et al.,
1986) e o teor de vitamina C por iodometria (Lopèz-Fernandez, 1995).
Coletaram-se amostras de terceira ou quarta folhas a partir do fruto (25 folhas
por parcela), geradas na primavera, para análise química. O preparo das
amostras e a determinação dos teores totais de nutrientes foram feitos
seguindo-se os métodos descritos por Bataglia et al. (1983).
O volume de copa foi estimado após medição da altura e da largura da copa das
árvores, nos meses de janeiro de 1998, 1999 e 2001. Em 2001, estimou-se também
o diâmetro do tronco das árvores logo acima do ponto de enxertia, utilizando a
expressão: D = Pr/p, onde D = diâmetro do tronco e Pr = perímetro do tronco.
Os resultados obtidos foram submetidos às análises de variância e de
correlação, ajustando-se também modelos de resposta do tipo: Y = b0 + b1N +
b2N2 + b3P + b4P2 + b5K + b6K2 + b7NP + b8NK + b9PK, onde Y = variável
dependente, N, P e K são doses de nutrientes NPK, utilizando-se do programa
estatístico SAS® (SAS Institute, 1996).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Durante o período de desenvolvimento do ensaio, verificou-se crescimento
significativo das plantas. A matriz de correlação determinada para os
parâmetros médios do crescimento das plantas mostrou coeficientes
significativos (P<0,001) para o volume de copa, com relação à altura (R2 =
0,72) e à largura (R2 = 0,98). Verificou-se também um efeito linear
significativo das doses da fertilização nitrogenada nos três anos de avaliação
(Tabela_1), com maior crescimento da copa com o aumento da dose de 30 para 240
kg ha-1 de N, em 1998 (P<0,0420). Panzenhagen et al. (1999) também relataram
efeito positivo da adubação nitrogenada com o crescimento da tangerineira,
avaliando-se o perímetro do tronco.
O volume de copa, em 2001, mostrou correlação significativa com o diâmetro do
tronco das plantas acima do ponto de enxertia, nesse mesmo ano. O efeito
positivo da adubação nitrogenada, no crescimento da planta, refletiu na
produtividade de frutos, a qual variou com as doses de N aplicadas (Figura_1).
A variação do crescimento das árvores permite explicar o aumento de produção
devido à adubação quando as tangerineiras são conduzidas com desbate de frutos.
As superfícies de resposta para produção e qualidade de frutos do tangor
'Murcott' à fertilização N, P e K são apresentadas na Tabela_2. Houve efeitos
da fertilização N e K sobre a produção de frutos (média de 6 safras), conforme
segue: para o N, efeito positivo com os componentes linear e quadrático
significativos, e para o K, observou-se efeito linear depressivo significativo,
conforme mostra a Figura_1. A máxima produção de frutos, para a média das
safras, foi de 20,1 t ha-1, obtida com a dose de 155 kg ha-1de N na presença de
20 kg ha-1 de P2O5 e 30 kg ha-1 de K2O. O efeito depressivo de doses K sobre a
produção dos frutos (Figura_1) foi mais acentuado nos últimos anos do
experimento e significativo apenas na análise conjunta dos anos. A análise de
correlação confirmou este efeito depressivo, mostrando que a produção de frutos
foi menor quando os teores foliares de K aumentaram (R2 = -0,61; P <0,05). Isto
pode estar relacionado à desordem nutricional com cálcio (Ca) e magnésio (Mg),
cujos teores foliares foram reduzidos pelas doses de K (Figura_2). O equilíbrio
entre cátions trocáveis no solo é relacionado à razão de atividade de K e
cátions bivalentes em solução; assim, doses maiores de K determinam o aumento
da atividade deste nutriente na solução do solo e a redução da absorção de Ca e
Mg pelas plantas (Jakobsen, 1993).
A perda de produtividade devido à adição de K pode ser compensada pela
qualidade superior e conseqüente maior valor do produto, pois, com o aumento da
dose de K, verificou-se aumento linear no tamanho de frutos (Figura_1).
Esses resultados estão coerentes com aqueles verificados por Du Plessis &
Koen (1988) num ensaio de fertilização de laranjeira com N e K, no qual as
doses para produção ótima de frutos foram 225 kg ha-1 de N e 375 kg ha-1 de
K2O, enquanto, para obtenção de frutos de maior tamanho e retorno econômico
superior, a dose de N deve ser reduzida para 45 kg ha-1 de N. Quaggio et al.
(1999 e 2002), em ensaios de longa duração, respectivamente com laranjeiras e
limoeiros, também verificaram a necessidade de aumentar a dose de K recomendada
para maximizar o tamanho dos frutos.
Por outro lado, com o aumento do tamanho do fruto, verificou-se uma redução no
teor de sólidos solúveis totais do suco (P<0,0211; Tabela_2), provavelmente por
um efeito de diluição (Jackson et al., 1995). O teor de acidez do suco reduziu-
se linearmente com a fertilização com P (P<0,0310; Tabela_2), contudo essa
variação entre as doses de P aplicadas anualmente foi pequena. O teor de
vitamina C do suco também diminuiu com a fertilização com K (P<0,0675; Tabela
2).
A fertilização N e K também influenciou significativamente os teores foliares
desses nutrientes (Figura_2). Observou-se uma resposta quadrática para os
teores foliares médios de N para as amostras coletadas de 1996 a 2001
(P<0,0450), com um valor máximo estimado de 29 g kg-1. Em laranjeiras, com
teores acima de 28 g kg-1 de N, praticamente não se observou resposta à adição
de N (Quaggio et al., 1998). Para o K, houve um efeito linear positivo
(P<0,0184), o que evidenciou o consumo de luxo desse nutriente pelos citros com
o maior teor de 14 g kg-1. A correlação entre o teor foliar de K e o volume de
copa foi negativo (R2 = -0,45), provavelmente pela maior ocorrência de seca de
galhos nas árvores devido ao excesso de K. Koo & McCornack (1965)
reportaram que a adição de 220 e 440 kg ha-1 de K2O proporcionou aumento dos
teores foliares de K de 15 para 17 g kg-1 para a tangerina 'Dancy', sem que
houvesse resposta significativa para produção e tamanho de frutos.
A ausência de efeitos significativos da fertilização com P sobre a produção de
frutos e teores foliares desse nutriente pode ser explicada pelos níveis
iniciais de P-resina, no solo, superiores ao nível crítico de P estabelecido
para citros em produção de 20 mg kg-1, na camada de 0 a 20 cm de profundidade
(Quaggio et al., 1998).
CONCLUSÕES
1) A produção de frutos do tangor 'Murcott' correlacionou positivamente com o
volume de copa. A dose de N para máxima produção de frutos foi de 155 kg ha-
1 de N, o que correspondeu à concentração de N foliar de aproximadamente 29 g
kg-1.
2) Doses crescentes de K determinaram redução na produção de frutos,
provavelmente associada a menores teores foliares de Ca e Mg. Contudo,
verificou-se ainda um aumento linear no peso de frutos até a dose de 270 kg ha-
1 de K2O. Nesta dose, o teor foliar de K foi de 14 g kg-1. Com o aumento do
tamanho do fruto, houve uma redução significativa no teor de sólidos solúveis
totais e acidez do suco.