Processamento mínimo de uvas de mesa sem semente
COLHEITA E PÓS-COLHEITA
Processamento mínimo de uvas de mesa sem semente1
Seedless table grapes minimally processed
Ben-Hur MattiuzI; Ana Carolina Almeida MiguelI; Jair Costa NachtigalII; José
Fernando DuriganI; Umberto Almeida CamargoIII
IUNESP-FCAV, Departamento de Tecnologia. Via de acesso Prof. Paulo Donato
Castellane, s/n. CEP: 14.884-900. Jaboticabal-SP. benhur@fcav.unesp.br
IIEmbrapa Uva e Vinho - Estação Experimental de Viticultura Tropical, CP. 241,
CEP: 15700-000, Jales-SP
IIIEmbrapa Uva e Vinho, CP130, CEP: 95700-000, Bento Gonçalves-RS
INTRODUÇÃO
A produção mundial de uvas de mesa foi de 10,4 milhões de toneladas em 2002,
sendo que a China e a Turquia figuram como os maiores produtores (AGRIANUAL,
2004).
Atualmente, as variedades de uvas apirênicas (sem sementes) têm despertado
interesse dos produtores, dada a grande aceitação pelos mercados nacional e
internacional, além da agregação de valor ao produto. Entretanto, as principais
cultivares sem sementes, como Superior Seedless, Thompson Seedless e Crimson
Seedless, apresentam produções muito baixas ou inconstantes nos principais
pólos produtores brasileiros (Nachtigal, 2003).
Em 2003, a Embrapa Uva e Vinho lançou as primeiras cultivares de uva de mesa
sem semente - BRS Clara, BRS Linda e BRS Morena - com alta fertilidade natural
nas condições tropicais do Brasil e com frutas de boa qualidade (Camargo et
al., 2003).
Os principais problemas pós-colheita das uvas de mesa são as podridões, a
desidratação do engaço e a degrana, causando perdas e prejudicando a qualidade
dos produtos.
Nos últimos anos, tem ocorrido mudança significativa nos hábitos alimentares da
população brasileira (Souza, 2001). A busca da longevidade e da qualidade de
vida faz com que as pessoas procurem alimentos mais saudáveis, aumentando o
consumo de frutas e hortaliças frescas em detrimento dos produtos
industrializados.
O processamento mínimo tem por objetivo suprir essas exigências,
disponibilizando produtos frescos que são comercializados limpos, convenientes,
e que podem ser preparados e consumidos em menor tempo (Cantwell, 1995). Além
disso, torna possível a agregação de valor aos produtos, maior aproveitamento
da produção, redução das perdas pós-colheita e maior eficiência no manejo de
resíduos. Em uvas, o processamento mínimo poderia ser uma alternativa
interessante, pois permitiria valorizar as bagas com boa qualidade,
provenientes de cachos que não se prestariam à comercialização devido a
problemas de degrana ou de bagas defeituosas.
Entretanto, as frutas minimamente processadas ainda são um desafio, devido à
falta de conhecimento a respeito do comportamento fisiológico, químico e
bioquímico de seus produtos. As operações envolvidas na preparação de frutas
minimamente processadas, geralmente, são responsáveis pela curta vida útil das
mesmas, a qual fica restrita, em alguns casos, a somente 3-4 dias (O'Connor-
Shaw et al., 1994).
O objetivo deste trabalho foi avaliar os aspectos qualitativos de uvas de mesa
sem sementes, quando submetidas ao processamento mínimo e armazenadas sob
refrigeração.
MATERIAL E MÉTODOS
Foram utilizadas uvas de mesa apirênicas (sem sementes) da cultivar BRS Morena
e da Seleção 8, procedentes da Estação Experimental de Viticultura Tropical,
Jales-SP, pertencentes à Embrapa Uva e Vinho. A cv. BRS Morena foi obtida do
cruzamento 'Marroo Seedless' x 'Centennial Seedless', realizado em 1998, e
apresenta produtividade de 20 a 25 t.ha-1, bagas de coloração preta, textura
crocante e elevado grau glucométrico (Camargo et al., 2003). A Seleção 8 é uma
seleção apirênica com potencial para ser lançada como cultivar e que apresenta
bagas de tamanho grande e de coloração avermelhada.
As uvas foram colhidas 120 dias após a poda e acondicionadas em caixas de
papelão com tampa. Os cachos foram transportados, de forma rápida e cuidadosa,
ao Laboratório de Tecnologia dos Produtos Agrícolas da UNESP/FCAV Câmpus de
Jaboticabal-SP.
No laboratório, os cachos foram higienizados por imersão em água clorada a 300
mg de cloro.L-1, por 5 min e mantidos em câmara fria, a 12ºC, por 12h. Pessoas
treinadas e com proteção adequada procederam à degrana dos cachos e ao enxágüe
das bagas com água clorada (20 mg de cloro.L-1). Em seguida, estas foram
colocadas em peneiras plásticas para escorrer o excesso de água e, logo após,
acondicionadas em bandejas de tereftalato de polietileno (PET) transparente com
tampa e com capacidade para 500 mL (Neoform® N-90). As unidades, contendo 200g
do produto, foram armazenadas sob refrigeração (2,5 ± 1ºC, 88 ± 6 % UR).
A cada três dias, foi avaliada a massa fresca, mediante a pesagem em balança
analítica, o que permitiu expressar as variações médias em porcentagem. Neste
mesmo lote, também, foi realizada, a cada três dias, a determinação da
aparência através da atribuição de notas, onde: 4 (ótima) = baga túrgida, sem
fungos, cor normal; 3 (boa) = baga sem brilho, sem fungos, cor normal; 2
(aceitável) = baga sem brilho e sem fungos, porém de cor escurecida; 1 (ruim) =
baga murcha, com fungos e escurecida. Atribuiu-se a nota 2 como sendo condição
para descarte comercial. Semanalmente, foram realizadas análises de coloração,
utilizando-se de reflectômetro Minolta Chomameter CR 200b, que utiliza o
sistema da CIE 1976 (Minolta Corp., 1994), permitindo determinar a luminosidade
(L), o ângulo de cor (hº) e a cromaticidade (C) das bagas. Nesse período,
também foram determinados os teores de sólidos solúveis totais (SST) e de
acidez titulável (AT), conforme método nº 932-12 e 942,15 da AOAC (1997),
respectivamente.
O experimento foi conduzido em delineamento inteiramente casualizado, num
esquema fatorial composto por dois fatores: material (cv. BRS Morena e Seleção
8) e dias de armazenamento (0; 7; 14; 21; 28 e 35). Foram utilizadas três
bandejas (repetições) para as determinações químicas, das quais se tomavam 30
bagas para a determinação da coloração (luminosidade, ângulo de cor e
cromaticidade).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Verificou-se que, durante o período de armazenamento, a perda de massa foi
pequena pelos produtos dos dois materiais testados, havendo diferença
significativa entre eles (Figura_1), sendo que a cv. BRS Morena apresentou
maior valor acumulado médio (0,17%) que a Seleção 8 (0,15%). Os valores obtidos
foram inferiores aos citados por Kluge et al. (2002), que consideram perdas de
água de 1,2% como prejudiciais às características organolépticas de uvas. Os
baixos valores devem-se, provavelmente, aos efeitos conjugados da temperatura
de armazenamento, aliada à embalagem e à modificação da atmosfera no seu
interior. Este fato, além de propiciar um retardo na atividade respiratória do
material, evitou a formação de um grande déficit de pressão de vapor e,
conseqüentemente, a perda de água pelo produto. Esses valores foram menores que
os obtidos por Mattiuz (2002), que constatou uma perda acumulada de 3,57% em
goiabas 'Paluma' minimamente processadas e armazenadas a 3°C. O fato de as
goiabas terem sofrido um processamento mais severo que o da uva, além das
diferenças nos processos metabólicos normais dessas frutas, pode ter
contribuído para essa diferença (Kader, 2002).
A piora na aparência dos materiais testados evoluiu de maneira similar,
conforme o exposto na Figura_2. A cv. BRS Morena apresentou, ao longo do
período de armazenamento, melhor manutenção da qualidade comercial, somente
atingindo a nota para o descarte comercial (nota 2) após 36 dias de
armazenamento. Normalmente, frutas minimamente processadas apresentam curta
vida útil, restrita a poucos dias (Brecht, 1995). Teixeira et al. (2001)
obtiveram viabilidade comercial de 7 dias para mamões 'Formosa' minimamente
processados e armazenado a 3°C. Durigan & Sargent (1999) observaram redução
gradativa na aparência de melão 'Cantaloupe' minimamente processado, obtendo
também um período adequado para a comercialização de até 7 dias. Segundo
Cantwell & Suslow (2002), as operações envolvidas na preparação de frutas e
hortaliças minimamente processadas, geralmente, reduzem a vida de prateleira
das mesmas, pois levam a mudanças fisiológicas que resultam em prejuízos à
aparência. A Seleção 8 conservou aparência geral boa até o 24° dia, revelando
no 27° descoloração, murchamento e perda de textura. A preservação do frescor é
um fator de relevância, visto que 83 % da decisão de adquirir ou rejeitar um
produto é determinado pela aparência ou condição em que o produto se encontra
(Kader, 2002).
A análise de variância dos dados de coloração revelou significância nos efeitos
principais das variáveis testadas (Tabela_1). Observa-se que a cv. BRS Morena
apresentou valores médios menores de luminosidade e de ângulo de cor que os da
Seleção 8, revelando coloração mais arroxeada. De acordo com Chitarra &
Chitarra (1990), os produtos de cor forte e brilhante são os mais procurados
pelos consumidores, pois estes correlacionam as mudanças de coloração, por
ocasião do amadurecimento, com o aumento da doçura e das características
organolépticas. Dessa maneira, normalmente, a decisão de compra recai sobre
produtos coloridos, no caso das uvas, principalmente a cor vermelha, rosada e
preta.
Apesar de ocorrerem diferenças entre os dias de avaliação, o que foi atribuído
às amostras individuais das cultivares, os valores de luminosidade e ângulo de
cor ao longo do armazenamento indicam que as bagas mantiveram boa qualidade
visual durante todo o período. Os parâmetros que definem a coloração podem ser
indicativos da perda de qualidade, pois, à medida que um produto muda suas
características originais, seja escurecendo, seja adquirindo outra tonalidade,
há o comprometimento da sua aparência e, por conseguinte, da sua aceitabilidade
pelo mercado consumidor (Chitarra, 1994). No julgamento da qualidade dos
produtos de origem vegetal, principalmente frutas e hortaliças, a cor é
considerada como um dos fatores mais importantes (Kader, 2002).
Os valores para a intensidade da cor (C) aumentaram com o armazenamento e,
provavelmente, contribuíram para a manutenção da cor. A variação deste
parâmetro foi significativamente mais expressiva na 'BRS Morena', que variou de
4,34 para 6,76, quando comparada à Seleção 8, que variou de 5,51 para 7,35.
Esses aumentos podem ser resultado da oxidação de fenóis que estimulam a
atividade de enzimas de escurecimento, como a peroxidase, resultando em
alterações na cor durante o armazenamento (Hernández et al., 1996). Alterações
dessa natureza podem gerar compostos de coloração escura, assemelhando-se aos
pigmentos naturais da fruta e, deste modo, contribuindo para a manutenção da
cor. A intensidade da cor apresentada por tais produtos depende diretamente da
quantidade e da qualidade dos pigmentos que neles se encontram. Fatores como
variedade, maturação e tipo de processamento têm papel fundamental na cor final
apresentada pelo produto após o processamento. Mattiuz (2002) também observou a
manutenção da coloração durante os 9 dias em que foram armazenadas goiabas
minimamente processadas.
Pode-se verificar na Tabela_2 que a cv. BRS Morena apresentou maiores valores
médios para os teores de sólidos solúveis totais (SST) e menores para a acidez
titulável (AT), o que resultou em uma relação SST/AT muito superior à da
Seleção 8. Essa relação é um importante atributo qualitativo, uma vez que
indica o gosto inerente ao produto, o qual é resultado da contribuição dos
componentes responsáveis pela acidez e doçura (Mattiuz, 2002). O equilíbrio
entre os teores de açúcares e ácidos obtidos neste trabalho, de acordo com
Carvalho & Chitarra (1984), permite inferir que os materiais testados
apresentaram sabor agradável.
O conteúdo de SST manteve-se estável até o 35º dia, enquanto as variações na
acidez e na relação SST/AT também não caracterizaram tendência significativa.
Chitarra & Chitarra (1990) citam que o decréscimo dos teores de açúcares,
em virtude do aumento do metabolismo, pode ser considerado um fator que atua
negativamente na qualidade. A manutenção das características químicas, por 9
dias, também foi observada por Mattiuz et al. (2003) em goiabas minimamente
processadas. Contrariamente, O'Connor-Shaw et al. (1994) constataram perdas na
qualidade e na doçura, com incremento no gosto amargo de melões, kiwis, papaias
e abacaxis minimamente processados.
Pela análise da acidez titulável, verifica-se que a 'BRS Morena' se apresentou
menos ácida, com 0,56% de ácido tartárico, em relação à Seleção 8 (0,86%).
Esses valores estão aquém dos citados por Carvalho & Chitarra (1984), que
consideraram valores superiores a 1,5% prejudiciais à qualidade de uva para
comercialização. A acidez em produtos minimamente processados é benéfica sob o
ponto de vista microbiológico, pois inibe o crescimento de patógenos nocivos à
saúde humana, de tal forma que não comprometa a qualidade sensorial deste mesmo
produto.
No decurso do armazenamento, ocorreu crescimento fúngico no material da cv. BRS
Morena, reduzindo a vida útil do produto para 33 dias. Entretanto, cabe
salientar que, nas embalagens onde não ocorreu contaminação, o produto
conseguiu atingir até 67 dias de armazenamento com boa qualidade. Essa
projeção, aliada às demais características analisadas, como a melhor coloração,
a melhor aparência, a alta relação SST/AT e a manutenção destas qualidades ao
longo do período avaliado sinalizam o grande potencial desta cultivar para a
elaboração de produtos minimamente processados.
CONCLUSÕES
1. O processamento mínimo mostrou-se viável para uvas sem sementes.
2. Os produtos minimamente processados da cv. BRS Morena e da Seleção 8
apresentaram baixo percentual de perda de massa fresca acumulada, em torno de
0,17% e 0,15%, respectivamente.
3. O processamento mínimo e o armazenamento refrigerado permitiram manter a
qualidade comercial da cv. BRS Morena e da Seleção 8 durante um período de 33 e
24 dias, respectivamente.