Cokrigagem na estimativa dos teores de Ca e Mg em um Latossolo Vermelho
distroférrico
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Introdução
O cálcio tem importante função no solo, sendo essencial para que os
microrganismos transformem os restos de cultura em húmus, libere os nutrientes,
melhore a estrutura e a capacidade de retenção de água dos solos (LOPES, 1984).
O magnésio é absorvido pela planta na forma iônica da solução do solo e
acessado pelas raízes principalmente pelos mecanismos de interceptação
radicular e fluxo de massa. A absorção de magnésio está associada também às
suas relações de equilíbrio com cálcio e potássio na solução do solo (NOVAIS et
al., 2007).
Segundo Silva e Chaves (2001), com exceção do pH dos solos, os atributos
químicos apresentam maior variação que as propriedades físicas. O conhecimento
da variação de atributos químicos é importante para o levantamento e manejo do
solo, planejamento de esquemas de amostragem e gerenciamento de práticas
agrícolas. Antes de buscar qualquer relação destes elementos com a cultura, é
importante avaliar a extensão e a intensidade da dependência espacial desta
variação, isoladamente ou em conjunto com outros parâmetros (GANDAH, 2000).
A variabilidade espacial dos solos é resultado de processos pedogenéticos e
pode ser demonstrada por resultados dos levantamentos e análises, bem como
pelas diferenças encontradas nas produções das plantas (SILVA et al., 2010).
Segundo esses autores, a cokrigagem descreve a variação espacial e/ou temporal
simultânea de duas variáveis aleatórias, que estão fortemente associadas entre
si, portanto, é utilizada quando existe dependência espacial para cada variável
em estudo e também entre as variáveis, tornando possível utilizar esta técnica
na estimativa de valores não amostrados. Tal dependência espacial entre as
amostras somente pode ser modelada por meio da geoestatística (WEBSTER, 2000).
Várias são as aplicações utilizando a cokrigagem. Silva et al. (2010) estimaram
os níveis de atributos químicos do solo em função de atributos físicos. Boezio
et al., (2006) realizaram o mapeamento do nível de água, a partir da topografia
do terreno. Carvalho e Queiroz (2002) estimaram a distribuição espacial de
precipitação pluvial média anual, usando altitude como co-variável.
Considerando a existência de correlação entre os atributos pH, cálcio e
magnésio e utilizando as técnicas estatística e geoestatística, buscou-se
através deste estudo, estimar os valores de cálcio e magnésio, utilizando como
co-variável valores de pH de um Latossolo Vermelho distroférrico.
Material e métodos
O experimento foi instalado na fazenda experimental da Faculdade de Ciências
Agrárias da Universidade Federal da Grande Dourados, município de Dourados, MS,
em um Latossolo Vermelho distroférrico textura argilosa (EMBRAPA, 2006), classe
representativa da maioria dos solos do Centro-Sul do estado. A caracterização
química e física do solo estudado é apresentada na Tabela_1.
![](/img/revistas/rca/v42n4/a01tab01.jpg)
Foi delimitada uma área experimental de 5,02 ha (150 x 335 m). A grade amostral
utilizada foi composta por 60 pontos espaçados regularmente em 25 x 25 m (FIG.
1) e georreferenciados, utilizando um receptor GPS, com correção diferencial,
modelo Promark 2. As coordenadas obtidas foram corrigidas no programa
computacional Astec Solutions®, fornecido pelo fabricante, e o arquivo
utilizado como base para correção diferencial foi obtido no site do IBGE,
relativo à estação da Rede Brasileira de Monitoramento Contínuo (RBMC),
localizada em Campo Grande/MS e o datum utilizado foi o SIRGAS 2000.
[/img/revistas/rca/v42n4/a01fig01.jpg]
As amostras de solo foram coletadas da camada 0-0,2 m, utilizando-se trato tipo
holandês. Cada amostra foi composta por três subamostras simples, coletadas em
um raio médio de 0,5 m do ponto conhecido. Os atributos avaliados foram o pH
(em água), determinado utilizando a relação 1:2,5, Ca e Mg (mmolc dm-3),
determinados utilizando extrator KCl na concentração de 1 mol L-1.
Inicialmente, os dados foram submetidos a uma análise descritiva, exploratória
e também a analise de correlação para determinar a relação entre as variáveis.
Para a determinação de valores discrepantes (outliers), foram analisados os
quartis superiores e inferiores e testada a normalidade pelo teste Shapiro-
Wilk's a 5% de probabilidade (W).
Para verificar a dependência espacial das variáveis, foi empregada a análise
geoestatística, segundo Vieira (2000). Foram construídos variogramas, partindo
das pressuposições de estacionaridade da hipótese intrínseca e do cálculo da
semivariância , estimada conforme equação 1:
[/img/revistas/rca/v42n4/a01equ01.jpg]
Em que N (h) é o número de pares experimentais de observações Z(xi) e Z (xi +
h), separados por uma distância h. O variograma é representado pelo gráficoγ(h)
versus h.
Do ajuste de um modelo matemático aos valores calculados de ŷ(h), foram
estimados os coeficientes do modelo teórico para o variograma (o efeito pepita,
C0; patamar, C0 + C e o alcance, a).
A escolha do modelo baseou-se no menor valor da soma dos quadrados dos resíduos
(SQR) e maior coeficiente de determinação múltipla (R2) do ajuste dos modelos
teóricos aos variogramas experimentais e da validação cruzada (valores
observados versus valores estimados).
O índice de dependência espacial (IDE), que é a proporção em porcentagem do
efeito pepita (C0) em relação ao patamar (C0 + C), foi calculado usando a
equação 2, de acordo com Cambardella et al. (1994), e apresenta a seguinte
proporção: (a) dependência forte < 25%; (b) dependência moderada de 26 a 75%,
(c) dependência fraca > 75% e (d) independência entre as amostras quando a
relação for igual a 100%.
[/img/revistas/rca/v42n4/a01equ02.jpg]
Para espacialização de Ca e Mg, em função dos valores de pH do solo, utilizou-
se a extensão multivariada da krigagem, conhecida como cokrigagem. Esta
estimativa pode ser mais precisa do que a krigagem de uma variável simples,
quando o variograma cruzado mostrar dependência entre as duas variáveis
(VIEIRA, 2000).
Na cokrigagem (VIEIRA, 2000), para estimar valores, Z2*, para qualquer local,
X0, o valor estimado deve ser uma combinação linear de ambos Z1 e Z2 , ou seja:
[/img/revistas/rca/v42n4/a01equ03.jpg]
Em que N1 e N2 são os números de vizinhos de Z1 e Z2 , respectivamente, e 11 e
12 são os pesos associados a cada valor de Z1 e Z2 . Tomando z1 (x1i) e z2
(x2j) como sendo uma realização das funções aleatórias Z1 (X1i) e Z2 (X2j),
respectivamente, e assumindo estacionaridade de ordem 2, o estimador pode ser
rescrito em:
[/img/revistas/rca/v42n4/a01equ04.jpg]
Expressando que a estimativa da variável Z2 deverá ser uma combinação linear de
ambos Z1 e Z2, com os pesosλ1 eλ2 distribuídos de acordo com a dependência
espacial de cada uma das variáveis entre si e a correlação cruzada entre elas.
A análise geoestatística, bem como os métodos de interpolação, foram realizadas
no softwareGS+, versão 7. Os mapas foram confeccionados utilizando o software
Surfer, versão 8.
Resultados e discussão
Na Tabela_2, são apresentados os valores da estatística descritiva e valores
relacionados ao teste de normalidade para as variáveis pH, cálcio (Ca) e
magnésio (Mg). Foi observado normalidade dos dados para todas as variáveis
testadas, bem como correlação entre elas. Pode-se observar que os dados
apresentam distribuição simétrica, com proximidade entre os valores de média e
mediana, e os valores do coeficiente de assimetria próximos de zero,
concordando com estudos realizados por Souza et al. (2004), Roque et al. (2005)
e Silva et al. (2007). O menor coeficiente de variação (CV) foi observado para
os valores de pH (6,9%), considerado baixo (<12%). Já para as variáveis Ca e
Mg, observa-se, respectivamente, valores de 21,2% e 22,5%, considerados médios
(12 a 24%). Os dados não apresentaram nenhum CV% considerado alto (>24%),
segundo critério de classificação para o coeficiente de variação (CV), proposto
por Warrick e Nielsen (1980). Silva et al. (2007), em estudo da variabilidade
espacial de atributos químicos do solo, encontraram valor semelhantes. Valores
elevados de CV podem ser considerados como os primeiros indicadores da
existência de heterogeneidade nos dados (FROGBROOK et al., 2002).
Na Tabela_3, são apresentados valores referentes aos parâmetros dos variogramas
para cada variável analisada (efeito pepita, C0; patamar, C0 + C; alcance, a; e
o coeficiente de determinação, R2), valores referentes ao índice de dependência
espacial (IDE%) e os modelos teóricos que melhor se ajustaram a variabilidade
espacial dos dados e a Figura_2 apresenta os variogramas dos modelos teóricos
ajustados a distribuição espacial das variáveis pH, Ca e Mg.
Observa-se, na Tabela_3, que as variáveis pH, Ca e Mg apresentaram forte
dependência espacial (>25%), ajustando-se ao modelo esférico. Carvalho et al.
(2003), Souza et al. (2003), Silva et al. (2003), Cavalcante et al. (2007) e
Souza et al. (2004), estudando a variabilidade espacial de atributos químicos,
obtiveram resultados semelhantes. O alcance apresentado pelas variáveis foi de
86,2; 88,3 e 88,6; respectivamente. Todas as variáveis apresentaram também um
elevado coeficiente de determinação (R2), o que demonstra que o modelo
escolhido foi eficiente ao modelar a dependência especial das variáveis. Todas
as variáveis apresentaram proporção (C0+C/C0) semelhante para o valor de efeito
pepita (4,25; 4,44; 4,4; respectivamente). Guimarães (2004) destaca que quanto
menor for a proporção do efeito pepita para o patamar do variograma, maior a
continuidade do fenômeno, menor a variância da estimativa e maior a confiança
que se pode ter na estimativa.
A Tabela_4 apresenta valores referentes aos parâmetros dos variogramas cruzados
(pH x Ca e pH x Mg), bem como os valores referentes ao índice de dependência
espacial (IDE%) e os modelos teóricos que melhor se ajustaram para cada
relação. A Figura_3 apresenta os variogramas cruzados das variáveis pH x Ca e
pH x Mg.
[/img/revistas/rca/v42n4/a01tab04.jpg]
Observa-se que os valores dos parâmetros dos variogramas, bem como os modelos,
são semelhantes, indicando que estes seguem o mesmo padrão de distribuição
espacial. Se analisarmos os valores de efeito pepita (C0 = 0,63 para pH x Ca e
C0 = 0,62 para pH x Mg), constatamos o elevado grau de dependência espacial
entre as variáveis, uma vez que quanto menor o efeito pepita, mais forte é a
dependência espacial do atributo em questão. A presença de ajuste de modelo
teórico aos variogramas cruzados, afirma a possibilidade de utilização da
variável pH como variável auxiliar na obtenção de estimativas de valores de Ca
e Mg em lugares não amostrados dentro da área de estudo, facilitando e
reduzindo os custos de análise e amostragem, o que corrobora com estudos
realizados por Silva et al. (2010), que buscaram estimar, por meio do método de
cokrigagem, os níveis de fósforo no solo utilizando as frações granulométricas
como variáveis auxiliares.
As Figuras_4 e 5 apresentam, respectivamente, os mapas da distribuição espacial
das variáveis pH, Ca e Mg e os mapas de Ca e Mg, estimados por cokrigagem,
utilizando valores de pH como co-variável.
[/img/revistas/rca/v42n4/a01fig04.jpg]
Os mapas da distribuição espacial dos valores de pH, Ca e Mg (FIG._4) se
apresentam semelhantes, em relação ao padrão de ocorrência, mostrando que as
variáveis apresentaram mesmo padrão de dependência espacial na área em estudo.
Resultados semelhantes foram encontrados por Souza et al. (2004), os autores
explicam que, para o entendimento das causas da variabilidade do solo, é
preciso conhecer os processos do solo que operam em locais específicos.
Observa-se, pela semelhança entre os mapas da distribuição espacial dos teores
de Ca e Mg, a possibilidade de reduzir o número de análises de solo para estes
nutrientes, desde que se utilize valores de pH como co-variável para a
estimativa de tais variáveis, assim, não se perde a eficiência da
caracterização química do solo. Resultados semelhantes foram observados por
Angelico (2006), estudando o desempenho da cokrigagem na determinação da
variabilidade de atributos do solo (pH e Mn em função dos níveis de MO), e
Silva et al. (2010). A utilização do pH como co-variável, na estimativa de
teores de Ca e Mg, é possível, pois ambos estão fortemente correlacionados (R =
0,92). Isso pode ser explicado por estudos realizados por Oliveira et al.
(2005), onde os autores destacam que a origem da acidez do solo é causada,
principalmente, por lixiviação de Ca e Mg do solo pela água da chuva ou
irrigação, bem como pela remoção dos nutrientes pelas colheitas. Estudos
conduzidos por Fernandes et al. (2008) evidenciam tal relação do pH com Ca e
Mg, os autores, estudando as alterações na fertilidade do solo, na nutrição
mineral e na produtividade da bananeira irrigada por dez anos, concluíram que a
aplicação da água calcária resultou em forte elevação do pH e da condutividade
elétrica do solo, incrementando teores de Ca e Mg veiculado pela irrigação.
A Figura_6 apresenta os gráficos de validação cruzada das estimativas das
variáveis Ca e Mg e das estimativas das mesmas variáveis utilizando valores de
pH como co-variável. O melhor ajuste foi obtido para estimativas de valores
absolutos de Ca e Mg, isso pode ser comprovado ao observarmos o coeficiente de
regressão da reta, que, quanto mais próximo ao valor um, melhor é o ajuste.
Porém, ao observarmos a validação cruzada para valores de Ca e Mg obtidos,
utilizando valores de pH como co-variável, observados que pouca foi a
diferença, mais uma vez confirmando a possibilidade da utilização de valores de
pH para a estimativa de valores de Ca e Mg.
Conclusões
1. Foi possível, através do uso da cokrigagem, utilizando valores de pH como
co-variável, estimar, com boa confiabilidade, valores de Ca e Mg na área em
estudo.
2. A cokrigagem se mostra como uma boa opção para estimativa de variáveis de
difícil amostragem, seja por sua complexidade ou pelo elevado custo de análise,
desde que se observe uma boa correlação entre a co-variável e a variável a ser
estimada.