Crescimento e produção de tomate cereja em sistema hidropônico com rejeito de
dessalinização
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Introdução
Em todo o mundo, em razão da crescente demanda por água, cada vez mais se
testemunha a utilização de águas caracterizadas como de qualidade inferior,
sendo essas: efluentes de sistemas de drenagens urbana e rural, esgoto, águas
salobras e rejeito de dessalinizadores. No ambiente semiárido brasileiro,
devido à escassez de águas superficiais, o grande desafio é promover o
abastecimento de água às famílias rurais e garantir a produção de alimentos. O
uso de águas subterrâneas é uma alternativa viável para garantir o acesso
dessas comunidades à água, a partir de investimentos públicos na perfuração de
poços tubulares. Entretanto, essas fontes hídricas apresentam na maioria dos
casos restrições de uso para o consumo humano (AYERS; WESTCOT, 1999), por
apresentarem problemas de salinidade.
Para suprir a necessidade por águas de boa qualidade das comunidades rurais de
Mossoró-RN, as quais são abastecidas com água proveniente do aquífero Jandaíra,
que há concentração elevada de sais; tem-se utilizado equipamentos
dessalinizadores, capazes de reduzirem a níveis muito baixos de sais as águas
captadas destes poços subsuperficiais, viabilizando sua utilização para o
consumo humano. A tecnologia amplamente utilizada tem sido a dessalinização por
osmose reversa e, essa técnica tem um fator limitante que é a produção de um
rejeito de água com alta salinidade, o qual necessita ser utilizado de forma
ambientalmente correta, possibilitando, sempre que possível, a produção de
alimentos.
No Brasil, o rejeito da dessalinização não está recebendo, na quase totalidade
dos casos, qualquer tratamento; mesmo assim, está sendo despejado no solo,
propiciando alto acúmulo de sais nas camadas superficiais do terreno (PORTO et
al., 2001). Riley et al. (1997) consideraram o cultivo de plantas halófitas a
melhor opção para dispor o rejeito da osmose reversa; já para Soares et al.
(2006) afirmam que o uso do rejeito para irrigação de plantas halófitas
forrageiras pode ser incompatível com a seguridade ambiental em razão da
ineficiência de extração de sais dessas plantas frente ao montante aplicado ao
solo.
Uma opção para dispor o rejeito da dessalinização é a sua utilização na solução
nutritiva em cultivos hidropônicos de hortaliças, já que a tolerância das
plantas à salinidade em sistemas hidropônicos é maior em relação ao sistema
convencional, pois a inexistência do potencial mátrico sobre o potencial total
da água irá reduzir a dificuldade de absorção de água pelas plantas (SOARES et
al., 2006). Além disso, no sistema hidropônico o rejeito da dessalinização de
água já está captado, podendo ser diluído para recirculação e irrigar outras
cultura ou ainda ser facilmente direcionado para concentração em tanques de
evaporação, evitando seu despejo no solo. Com isso, espera-se que os cultivos
de plantas em sistema hidropônico proporcionem o uso sustentável das águas
salobras provenientes da dessalinização.
Por outro lado, a exploração de culturas moderadamente sensível à salinidade
(AYERS; WESTCOT, 1999), como o tomate, terá sua produção econômica de frutos em
condições de salinidade dependente das práticas culturais adequadas e, também
da habilidade das plantas em reagir aos efeitos salinos. Porém, a redução na
produção de massa seca e na produtividade total e comercial em tomate com o
aumento da salinidade tem sido reportada por diversos autores, tanto em solo
(CAMPOS AL-BUSAIDI et al., 2009; et al., 2006; MAGAN et al., 2008; MALASH et
al., 2002; YURTSEVEN et al., 2005) como em cultivo hidropônico (AL-ERYANI,
2004; MAGGIO et al., 2007).
O presente trabalho objetivou avaliar o crescimento, consumo hídrico e a
produção de tomate cereja em sistema hidropônico com fibra de coco utilizando
rejeito da dessalinização da água de uma estação de tratamento em Mossoró, RN.
Material e métodos
O experimento foi realizado, no período de março a junho de 2008, em um
ambiente protegido do Departamento de Ciências Ambientais e Tecnológicas da
Universidade Federal Rural do Semi-Árido, localizado em Mossoró, RN (5°11' S,
37°20' W e 18 m).
O experimento foi conduzido em vasos de 12 L preenchidos com 8 kg de fibra de
coco que serviram de sustentação para as plantas. Em cada vaso foram feitas
perfurações na base e adicionada uma camada de 3 cm de brita coberta com manta
geotêxtil (bidim) para permitir a drenagem do excesso de água aplicada nas
irrigações.
A solução nutritiva básica tinha a seguinte constituição conforme recomendação
de Santos (2002), sendo dissolvidos, por cada 100 L de água, 805 g nitrato de
cálcio, 334 g nitrato de potássio, 175 g de fosfato monoamônico - MAP, 252 g
sulfato de magnésio e 10 g de Quelatec® (mistura sólida de EDTA-chelated
nutrientes contendo 0.28% Cu, 7.5% Fe, 3.5% Mn, 0.7% Zn, 0.65% B e 0.3% Mo).
As mudas de tomate cereja (Lycopersicon esculentum L., cv. Samambaia) foram
transplantadas para os vasos aos 15 dias após a semeadura; cada vaso recebeu
apenas uma muda e foram dispostos de modo a proporcionar um espaçamento de 1 x
0,5 m entre plantas. Foram instalados mourões nas extremidades de cada fileira
para amarração de três fios de arame para tutoramento das plantas. A condução
da cultura foi feita em espaldeiras verticais de 2 m de altura e com auxílio de
fita de ráfia, eliminando-se os excessos de brotações laterais por meio de
podas manuais (FIG._1). À medida que as plantas se desenvolviam foram sendo
eliminadas algumas hastes e as folhas velhas da parte basal, para melhorar a
luminosidade e ventilação.
O delineamento experimental foi inteiramente casualizado, com quatro repetições
e cinco tratamentos, obtidos pelo acréscimo de rejeito da dessalinização da
água salobra na solução nutritiva elaborada, que correspondeu a valores de
condutividade elétrica da solução (CEs) de 2,1 dS m-1 (sem a adição de rejeito
salino), 3,55 dS m-1 (25% de rejeito salino), 4,88 dS m-1 (50% de rejeito
salino), 6,02 dS m-1 (75% de rejeito salino) e 6,96 dS m-1 (100% de rejeito
salino). O rejeito da dessalinização da água foi coletado de uma unidade de
tratamento de água salobra em uma comunidade rural localizada em Mossoró-RN,
enquanto que a água de abastecimento (CEa = 0,52 dS m-1) foi proveniente do
campus da UFERSA.
A solução nutritiva foi fornecida diariamente na água de irrigação, sendo o
volume de solução suficiente para preencher o substrato na capacidade máxima de
retenção, calculado a partir de tensiômetros instalados a 20 cm de profundidade
e da curva característica de retenção de água da fibra de coco nos vasos,
construída previamente.
Para cada nível de salinidade, a solução nutritiva foi armazenada em tanque
independente de 500 L, sendo a solução nutritiva renovada a cada 15 dias. A CE
da solução e o pH foram medidos a cada 2 dias na irrigação e a lixiviação da
solução não excedeu 5% do volume aplicado. O pH médio ao longo do ciclo do
experimento variou de 6,0 a 6,5 em todos os tratamentos.
Semanalmente, realizavam-se medidas da altura das plantas, medindo-se a
distância entre a superfície do solo e a gema apical, do diâmetro da haste,
tomando-se como referência a região da haste localizada a 1 cm de altura em
relação à superfície do solo, e do consumo hídrico, que foi estimado através
das leituras do tensiômetro instalado a 20 cm de profundidade, utilizando uma
curva característica do substrato estimada por meio de regressão exponencial
simples.
Os frutos foram colhidos a partir dos 120 dias após o transplantio (DAT) quando
completavam a maturação. Os frutos com podridão apical foram considerados como
não comercial. O peso fresco dos frutos, comercial e não comercial, foram
registrados individualmente. Ao final da colheita (127 DAT), foram coletadas as
plantas de cada tratamento para determinação da área foliar (AF), utilizando o
integrador de área foliar (Licor, LI-3100) e da matéria seca da parte aérea,
após secagem em estufa com circulação forçada de ar a 70 ºC.
Os dados foram submetidos às análises de variância e de regressão utilizando-se
o software SISVAR (FERREIRA, 2000).
Resultados e discussão
O diâmetro do colo e altura da haste do tomateiro ajustaram-se
significativamente (p < 0,05) ao modelos quadrático e linear respectivamente
(FIG._2). No entanto, não se constatou diferença significativa entre os níveis
de salinidade ao longo do ciclo da cultura. A altura final das plantas reduziu
em média de 70 cm no nível 2,10 dS m-1, caracterizada como testemunha, para 55
cm no nível 6,96 dS m-1, representando uma redução de 21%. Já para o diâmetro
da haste esta redução foi de 14%. Egídio Neto (1985) constatou a diminuição do
diâmetro caulinar causado pela salinidade na cultura no tomate para a
indústria. Assim como, reduções na altura e no diâmetro da haste do tomateiro
com o aumento da salinidade foram também observadas por Oliveira et al. (2007)
e Najla et al. (2007).
Observou-se efeito linear decrescente no consumo hídrico do tomate cereja (p <
0,01) com o aumento da salinidade da solução nutritiva preparada com rejeito
salino (FIG._3B). As reduções no consumo hídrico médio durante o ciclo, em
relação ao tratamento testemunha (T0) foram de 4,59; 15,82; 23,58; 28,72% (T1,
T2, T3 e T4, respectivamente).
É possível observar na Figura_3 que à medida que o nível salino aumentou, as
plantas reduziram o consumo hídrico por mecanismos fisiológicos, induzidos pela
situação de estresse salino, que sacrificam fases de crescimento e
desenvolvimento, reduzindo as perdas de água por transpiração. Outrossim, as
plantas tendem a fechar os estômatos para reduzir as perdas de água por
transpiração, resultando em uma menor taxa fotossintética, e contribuindo para
redução do crescimento das espécies sob tal estresse (NOBRE, 2002). Deste modo
a redução do ciclo, nesta situação de estresse, compromete os índices de
crescimento (FIG._4E e 4F) e produção (FIG._4A e 4B) devido à redução da
disponibilidade de água a ser consumida, afetando a divisão e o alongamento das
células (VALE et al., 2005).
Relacionando o consumo hídrico da cultura do tomate cereja ao longo do ciclo
(FIG._3A), é notório o crescimento desse consumo paralelamente ao
desenvolvimento vegetativo que ocorreu até meados de 42 à 49 dias após o
transplantio (DAT) para a maioria dos níveis de salinidade da solução
nutritiva. Em seguida a esse período o consumo hídrico das plantas ficou
estabilizado até o início das colheitas aos 90 dias. Estes dados evidenciam que
o período de maior consumo de água pelas plantas, independentemente da
concentração salina da solução nutritiva, é o período de desenvolvimento
vegetativo e florescimento.
A literatura tem demonstrado que o estresse salino reduz o crescimento e o
desenvolvimento das plantas em diferentes fases fisiológicas; esta redução pode
estar relacionada com os efeitos adversos do excesso de sais sob homeostase
iônica, balanço hídrico, nutrição mineral e metabolismo de carbono
fotossintético (ZHU, 2002; MUNNS; JAMES, 2003). Contudo, os mecanismos pelos
quais o estresse salino deprecia as plantas ainda é uma questão discutida
devido à natureza muito complexa do estresse salino na planta.
A condutividade elétrica da solução nutritiva também reduziu a massa seca da
haste (MSH) e total (MSPA) das plantas, sendo os decréscimos de MSH e MSPA de
9,14 g e 12,58 g por planta, respectivamente, para cada unidade de aumento da
CEs acima de 2,1 dS m-1 (FIG._4E e 4F). Os resultados obtidos estão compatíveis
com Egídio Neto (1985) o qual constatou que a elevada concentração de NaCl na
solução nutritiva promoveu redução significativa na produção da matéria seca da
cultura do tomate industrial.
A produtividade total de frutos (PTF) diminuiu de 791 g por planta, no
tratamento de CEs de 2,1 dS m-1, para 527 g por planta no tratamento de maior
salinidade, o mesmo ocorreu para a produtividade de frutos comerciáveis (PFC),
a qual reduziu de 552 para 398 g por planta. Ajustando-se os valores relativos
de PTF e PC (PTFr e PFCr, respectivamente) ao modelo proposto por Ayers e
Westcott (1999), verificando-se que as reduções de PTFr e PFCr foram de 10,9% e
9,9%, respectivamente, para cada aumento de uma unidade de CEs, sendo a CEs
limiar em torno de 3,5 dS m-1 para ambas (FIG._5). Assim, considerando-se
somente a produtividade da cultura, seria possível adicionar em torno de 25% de
rejeito salino à solução nutritiva sem haver perda de produção.
![](/img/revistas/rca/v42n4/a05fig05.jpg)
A redução na produção de massa seca e na produtividade total e comercial em
tomate com o aumento da salinidade tem sido reportada por diversos autores,
tanto em solo (AL-BUSAIDI et al., 2009; CAMPOS et al., 2006; MAGAN et al.,
2008; MALASH et al., 2002) como em cultivo hidropônico (AL-ERYANI, 2004; MAGGIO
et al., 2007). Sob sistema hidropônico, geralmente observa-se maior tolerância
do tomateiro à salinidade do que no cultivo em solo, o que possibilita a
utilização de água salina com menor risco de redução de produtividade. Além
disso, águas de salinidade baixa a moderada permitem a obtenção de frutos de
melhor qualidade, com maior teor de sólidos solúveis e acidez titulável (MAGAN
et al, 2008), permitindo atingir mercados diferenciados.
Conclusões
1. O incremento da água de rejeito salino no preparo da solução nutritiva reduz
o crescimento do tomate cereja, cv. 'Samambaia' cultivado em fibra de coco em
todo ciclo da cultura;
2. O consumo hídrico médio dos tratamentos foi reduzido linearmente com aumento
unitário da condutividade elétrica da solução nutritiva (CEs), com decréscimo
médio de 0,79 L/planta ao final do ciclo;
3. A adição de 25% de rejeito de dessalinizador, com CE de 3,55 dS m-1, à
solução nutritiva permite o cultivo do tomate cereja, cv. 'Samambaia', sem
haver redução na produtividade;
4. A água de rejeito da dessalinização, diluída ou não com água de
abastecimento, pode ser utilizada no cultivo de tomate cereja, cv. 'Samambaia'
em sistema hidropônico com reduzida perda no rendimento dos frutos, permitindo
que as águas de boa qualidade, de difícil aquisição escassez, sejam utilizadas
para outros fins.
Agradecimentos
Os autores agradecem ao CNPq pela concessão de recursos financeiros para
execução do projeto (CNPq/Edital Universal 2006, processo n. 486242/2006-4).