Otimização do uso dos descritores morfo-agronômicos de mandioca em análise
multivariada
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Introdução
A mandioca (Manihot esculentaCrantz) é uma planta heliófila, perene, arbustiva,
pertencente à família das Euforbiáceas. Nessa família são encontrados 290
gêneros e aproximadamente 7.500 espécies distribuídas por toda zona tropical do
globo terrestre (ALVES et al., 2006), esta tem sua origem na America do Sul,
onde é cultivada desde a Antigüidade pelos povos nativos deste continente.
Cerca de 80 países produzem mandioca, caracterizando como a base de alimentação
para grande parte da população, sendo que o Brasil é responsável por mais de
15% da produção mundial (AMARAL et al., 2007).
Estima-se que cerca de 700 milhões de pessoas no mundo tem a mandioca como
principal fonte alimentar, sendo o Brasil, o principal consumidor de seu
produto, a farinha. O consumo per capita de mandioca, no país, é da ordem de 70
kg ano-1. A farinha é consumida em todo o território nacional, especialmente
pela população de baixa renda. Atualmente, cerca de 85% da produção de mandioca
são destinados à fabricação de farinha e amido e o restante vai para consumo in
natura (raízes frescas) e indústrias de congelados e alimentação animal
(ARCHANGELO et al., 2007).
Para a caracterização de genótipos de mandioca silvestre faz-se necessário
quantificar e avaliar as variáveis quantitativas e qualitativas, sendo que o
uso de técnicas multivariadas é um dos fatores que faz aumentar os estudos
sobre diversidade genética entre os genótipos (LEDO et al., 2008). Cruz (2009)
apresenta os procedimentos para estimar medidas de dissimilaridade com base em
variáveis quantitativas, binárias e multicategóricas. Após as estimativas das
distancias são submetidos a métodos de agrupamento. Estes têm por finalidade
separar um grupo original de observações em vários subgrupos, de forma a obter
homogeneidade dentro e heterogeneidade entre os subgrupos, destacando-se os
hierárquicos e os de otimização que vem sendo empregado em grande escala pelos
melhorista de plantas (BERTAN et al., 2006).
Nos métodos hierárquicos, os genótipos são agrupados por um processo que se
repete em vários níveis, sendo estabelecido um dendograma, sem preocupação com
o número ótimo de grupos. Destes, o método de distância média entre grupos
(UPGMA) é o método mais simples para a construção de árvores filogenéticas,
utilizando a média das distâncias entre todos os pares de genótipos para
formação de cada grupo (CRUZ; CARNEIRO, 2003).
Normalmente, os dados qualitativos utilizados nas análises multivariadas são de
natureza binária, isto é, ausência (0) ou presença (1) de uma determinada
característica, porém para a caracterização morfo-agronômica são mais
utilizadas as variáveis multicategóricas, com mais de duas classes por
variável. Uma técnica que permite a análise simultânea de dados quantitativos e
qualitativos foi proposta por Gower (1971). Este método permite que valores da
matriz de distância fiquem compreendidos entre 0 e 1, sendo necessário a
padronização das variáveis quantitativas e qualitativas (LEDO et al., 2008).
O presente trabalho tem por finalidade a avaliação e caracterização de acessos
de mandioca que estão introduzidos na coleção de germoplasma da UNEMAT, e a
otimização do uso dos descritores morfo-agronômicos, com emprego de variáveis
multicategóricas.
Material e métodos
O presente trabalho foi realizado na Empresa Matogrossense de Pesquisa,
Assistência e Extensão Rural (EMPAER) do município de Cáceres - MT com as
seguintes coordenadas geográficas: 16 º43'42", de latitude Sul e 57º 40' 51",
de longitude Oeste, a 118 metros de altitude, localizada às margens da BR 070 a
aproximadamente 12 km da mesma cidade onde está sendo mantida a coleção de
acessos de mandioca da UNEMAT. A região apresenta clima tropical úmido, com
temperatura média de 27,15 °C, e a pluviosidade anual varia de 1.100 a 1.200
mm, concentrando 45% nos meses de dezembro a fevereiro (FIBGE, 2006).
Em cada acesso foram analisados e avaliados 40 descritores morfológicos e
agronômicos, considerados como essenciais para a execução dos ensaios de
distinguibilidade, homogeneidade e estabilidade dos acessos de Manihotssp. que
dividiram-se em quantitativos e qualitativos. Foram avaliados 38 acessos de
mandioca do banco de germoplasma da UNEMAT (Universidade do Estado de Mato
Grosso) de Cáceres - MT oriundos das cidades de Cáceres e Rosário Oeste
situadas na região sudoeste de Mato Grosso, sendo eles: Branca (1), Sinop (2),
Liberata (3), Espeto (4), Liberatão (5), Liberata (6), Cacau (7), Ligeirinho
(8), Vermelha (9), Branquinha 12 (10), Seringueira (11), Liberata (12), Guaporé
Vermelha (13), Amarelinha (14), Roxa (15), Vassourinha (16), Vermelha 18 (17),
Faz. São Pedro (18), Aipim (19), Rondônia (20), Cacau Branca (21), Branquinha
26 (22), Não Identificado 1 (23), Não Identificado 2 (24), Aipim Cáceres (25),
Branquinha (26), Pretinha 1 (27), Pretinha 2 (28), Cacau (29), Não Identificada
1 (30), Não Identificada 2 (31), Petterson (32), Cacau Vermelha (33), Cacau 2
Anos (34), Juriti (35), Seringueiro 2 (36), Cacau 8 mês (37), Branquinha 3 mês
(38).
A caracterização morfo-agronômica dos genótipos foi realizada conforme escala
proposta por Fukuda e Guevara (1998), tendo sido avaliadas tanto
características de parte aérea quanto subterrânea (raízes tuberosas) das
plantas. Em função do grande número de descritorespropostos até então,
identificou-se também a necessidade de classificá-los por categoria ou por
ordem de importância. Ficou estabelecido, portanto, que os acessos de mandioca
deveriam ser caracterizados de forma padronizada, mediante o uso de setenta e
cinco descritores morfológicos e agronômicos. No presente trabalho foram
avaliados treze descritores mínimos, doze principais, nove secundários e seis
descritores agronômicos preliminares. Os descritores seguem com a numeração
adotada pelo livro proposto por Fukuda e Guevara (1998).
Descritores Mínimos: 01. Cor da folha apical, 02. Pubescência do broto apical,
03. Forma do lóbulo central, 04. Cor do pecíolo, 05. Cor do córtex do caule,
06. Cor externa do caule, 07. Comprimento da filotaxia, 08. Presença de
pedúnculo nas raízes, 09. Cor externa da raiz, 10. Cor do córtex de raiz, 11.
Cor da polpa da raiz, 12. Textura da epiderme da raiz, 13 Floração.
Descritores Principais: 14. Cor da folha desenvolvida, 15. Número de lóbulos,
16. Comprimento do lóbulo, 17. Largura do lóbulo, 18. Relação comprimento/
largura do lóbulo central, 19. Comprimento do pecíolo, 20. Cor da epiderme do
caule, 21. Hábito de crescimento de caule, 22. Cor dos ramos terminais nas
plantas adultas, 23. Altura da planta, 24. Altura da primeira ramificação, 26.
Constrições da raiz.
Descritores Secundários: 27. Cor da nervura, 28. Posição do pecíolo, 29.
Proeminência das cicatrizes foliares, 30. Comprimento das estípulas, 31. Margem
das estípulas, 32. Hábito de ramificação, 35. Sinuosidade do lóbulo foliar, 36.
Forma da raiz, 37. Tipo de planta.
Descritores Agronômicos Preliminares: 42. Comprimento médio da raiz, 43.
Diâmetro médio da raiz, 44. Destaque da película da raiz, 45. Destaque do
córtex da raiz, 46. Posição das raízes, 47. Número de raízes por planta.
Os dados coletados foram avaliados utilizando a metodologia de variáveis
multicategóricas, segundo Cruz e Carneiro (2003), através da equação 1.
Em que: dii´: dissimilaridade considerando um conjunto de variáveis
multicategóricas; D: concordância de categoria; C: discordância de categoria.
Foi utilizado o Índice de Transformação Inverso 1-c, que visa contornar os
possíveis problemas de indeterminação provocados nas condições em que o
coeficiente assume valor "0".
Para o método de UPGMA (Método de Agrupamento Médio Entre Grupos), o dendograma
foi estabelecido pelos acessos com maior similaridade. Configura-se como um
método não-ponderado de agrupamento aos pares, utilizando médias aritméticas
das medidas de dissimilaridade, que evita caracterizar a dissimilaridade por
valores extremos (máximo ou mínimo) entre os acessos considerados. A distância
entre dois grupos formados foi dada pela média do conjunto, cujos elementos são
as distancias entre os pares de acessos (CRUZ; CARNEIRO, 2003).
Neste método, o dendograma foi estabelecido pelos acessos com maior
similaridade, e a distância entre o acesso k e um grupo formado pelos acessos i
e j é dada pela equação (2):
[/img/revistas/rca/v42n4/a12equ02.jpg]
Ou seja, d(ij)k será dada pela média do conjunto das distâncias dos pares de
acessos de mandioca (i e k) e (j e k). O trabalho utilizou-se do recurso
computacional Genes, versão 2009 (CRUZ, 2009).
Resultados e discussão
Os resultados obtidos com o método Hierárquico de distância média entre grupos
(UPGMA) dos acessos de mandioca do município de Cáceres e Rosário Oeste no
estado de Mato Grosso evidenciaram a existência de variabilidade genética.
As figuras representadas neste trabalho foram submetidas a um corte de
aproximadamente 95% podendo verificar a formação de grupos, onde foram alocados
os pares de acessos com maior similaridade.
Na Figura_1 foi possível observar a presença de 3 grupos, sendo que o grupo 1
foi responsável por 28,94% dos 38 acessos avaliados, o grupo 2 foi composto por
25 acessos (65,70%) e o grupo 3 com apenas 2 acessos (5,26%) , sendo eles, 12
(Liberata) e 21 (Cacau Branca). Por sua vez, os acessos 25 (Aipim Cáceres) e 21
(Cacau Branca) foram os que se mostraram mais divergentes, enquanto que a menor
divergência foi apresentada pelos acessos 25 (Aipim Cáceres) e 29 (Cacau).
Essas divergências podem ser notadas utilizando o método da distância de média
entre grupos (UPGMA) a fim de detectar grupos mais divergentes na coleção,
assim como Zuin et al. (2009), estudando divergência genética entre 43 acessos
de mandioca no município de Cianorte PR, utilizando 12 descritores morfo-
agronômicos, por analise multivariada com o mesmo método de agrupamento, obteve
como resultado formação de grupos semelhantes.
A Figura_2 é representada pelos descritores Principais, Agronômicos e
Secundários. Está análise verificou que o grupo 1 possui 78,57% do acessos
presentes similar ao grupo 1 da Figura_1, com um total de 11 acessos dos 14 que
alocou neste grupo, o grupo 2 por sua vez obteve 2 acessos, com um total de
100% de similaridade ao mesmo grupo da Figura_1, já o grupo 3 foi o mais
representativo com 22 acessos, sendo que, este grupo demonstrou ter 100% de
similaridade com os acessos presentes no terceiro grupo dos descritores totais.
Comparando os 3 grupos teremos um total de aproximadamente 92% de similaridade
com a retirada dos descritores Mínimos, com isso apenas os acessos 26
(Branquinha), 35 (Juriti) e 38 (Branquinha 3 mês) estiveram alocados em grupos
distintos aos da Figura_1. Entre os acessos que apresentaram ser mais próximos
podemos destacar os 25 (Aipim Cáceres) e 29 (Cacau), e os mais divergentes 25
(Aipim Cáceres) e 21 (Cacau Branca).
A Figura_3 que é composta pelos descritores Principais, Mínimos e Secundários
apresentou a formação de 3 grupos, onde pode-se notar que o grupo 1 foi formado
por 10 acessos, com um total de 90% dos acessos similar ao grupo 1 da Figura_1,
o grupo 2, foi composto por 26 acessos apresentando um total de 88% similar ao
mesmo grupo da Figura_1, na formação do grupo 3 pode-se notar uma similaridade
de 100% com os 2 acessos presentes neste grupo se comparados ao mesmo grupo da
Figura_1. Com a saída dos descritores Agronômicos foi possível visualizar uma
similaridade de aproximadamente 89%. Os acessos com maior distância foram o 25
(Aipim Cáceres) e o 21 (Cacau Branca), enquanto que a menor divergência foi
observada entre os acesso 25 (Aipim Cáceres) e 29 (Cacau). Esse resultado pode
ser notado nos demais grupos de descritores com exceção de quando são retirados
os descritores Principais dando resultados diferentes aos demais.
A Figura_4 que é composta pelos descritores Agronômicos, Mínimos e Secundários
apresentou a formação de 3 grupos, sendo que o primeiro foi formado por 28
acessos, dos quais 16 aparecem com uma similaridade ao primeiro grupo da Figura
1, o segundo grupo foi composto por 9 acessos sendo que estes apresentaram 100%
de similaridade, isso também é possível de visualizar na formação do grupo 3.
Com a exclusão dos descritores Principais é possível obter uma similaridade de
aproximadamente 69%. Os acessos 25 (Aipim Cáceres) e 21 (Cacau Branca) foram os
que apresentaram a maior distância, já os que apresentam-se mais próximos foram
os acessos 25 (Aipim Cáceres) e 29 (Cacau).
O agrupamento apresentado na Figura_5 é formado pelos descritores Mínimos,
Agronômicos e Principais. Com formação de 3 grupos, pode-se notar que o
primeiro grupo foi mais numeroso, composto de 35 acessos, dos quais 22 acessos
apresentam similaridade com o grupo mais numeroso da Figura_1. O segundo grupo
aparece com apenas um único individuo o acesso 5 (Liberatão). O terceiro grupo
foi representado por 2 acessos, porém, tanto no segundo quanto no terceiro
grupo não houve similaridade se comparados com os descritores Totais. De forma
geral, este grupo de descritores apresentou cerca de 58% de similaridade
comparados a todos descritores possíveis de serem analisados. Os acessos 30
(Não Identificada I) e 31 (Não Identificada II) foram os que se mostraram mais
próximos.
O método demonstra certa semelhança no agrupamento dos acessos. O UPGMA oferece
uma apresentação mais detalhada, podendo visualizar dentro dos grupos aqueles
acessos com maior afinidade, possibilitando visualizar as distâncias dentro de
um determinado grupo. Fato também observado por Kvitschal (2008), estudando a
caracterização e divergência genética de germoplasma de Mandioca da região
urbana de Maringá PR. Bertan et al. (2006) relatam que o UPGMA discrimina
cada acesso, possibilitando uma visão maior dentro de cada grupo e subgrupos.
Pode-se notar ainda que os acessos 3; 5 e 12 (Liberata), apesar de apresentar o
mesmo nome comum, são materiais genéticos diferentes. Prova essa de que há
variabilidade genética evidenciada pelo UPGMA. Silva et al. (2009) relata que
na região de Cáceres há uma grande diversidade de etnovariedades, porém muitos
acessos podem apresentar denominações iguais para meterias diferentes, pois a
mandioca é uma espécie que apresenta grande variabilidade genética.
Observando os grupos I e II de cada agrupamento, pode-se notar que ambos
apresentam a maioria dos acessos alocados, com algumas exceções, bem como
apresentaram a formação de alguns grupos constituídos por apenas um único
acesso, assim como pode-observar na Figura_4. De acordo com Vieira et al.
(2005), grupos formados por apenas um indivíduo apontam na direção de que tais
indivíduos sejam mais divergentes em relação aos demais. Esta semelhança na
discriminação de genótipos pela divergência genética também é relatada por
Martinello et al. (2001) e Martinello et al. (2003) em quiabeiro (Abelmoschus
esculentus), por Silva et at. (2005) em feijão-de-vagem (Phaseolus vulgaris), e
por Barelli et al. (2006) e Ceolin et al. (2007) em feijoeiro comum (Phaseolus
vulgaris).
Sudré et al. (2006) caracterizaram a coleta de dados multicategóricos como
sendo prática, econômica e com uma demanda menor de tempo, comparada a dados
quantitativos e moleculares. Contudo, fazem uma ressalva de que cada um tem sua
importância singular, sendo preferível que uma coleção de germoplasma seja
amplamente estudada para que possa dar maior suporte aos programas de
melhoramento.
O uso de todos os Descritores morfo-agronômicos é, sem dúvida, o que apresenta
melhores resultados, porém, o presente trabalho demonstrou que com a exclusão
do grupo dos descritores Mínimos obteve-se resultados de aproximadamente 92% de
similaridade, tendo resultado de 100% em dois dos três grupos formados dentro
do dendograma formado, sendo que, apenas 3 acessos presentes na coleção não
foram similares. De forma geral, foram os descritores mais promissores,
passíveis de serem explorados em programas de melhoramento genético na cultura
da mandioca, usando os descritores morfo-agronômicos.
Conclusões
1. Os resultados obtidos nos 38 acessos de mandioca do banco de germoplasma da
UNEMAT campus Cáceres, evidenciam variabilidade genética;
2. Verificou-se comprometimento do agrupamento ideal dos acessos quando
retirado o grupo de descritores Principais e Secundários;
3. Há possibilidade de otimização do uso dos descritores morfo-agronômicos a
partir da eliminação dos descritores Mínimos.