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BrBRCVHe0004-28032002000300005

BrBRCVHe0004-28032002000300005

variedadeBr
Country of publicationBR
colégioLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN0004-2803
ano2002
Issue0003
Article number00005

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Prevalência e prognóstico da peritonite bacteriana espontânea: experiência em pacientes internados em um hospital geral de Porto Alegre, RS, Brasil (1991- 2000) ARTIGO ORIGINAL / ORIGINAL ARTICLEINTRODUÇÃO Estudos demonstram que 30% a 50% dos cirróticos apresentam infecções bacterianas na admissão hospitalar ou a desenvolvem durante a mesma(5, 40).

Estas são responsáveis por até 25% das mortes nesta população de pacientes(5, 28).

Dentre as infecções que acometem os pacientes com hepatopatia crônica, a de maior importância é a peritonite bacteriana espontânea (PBE)(5).

Entende-se por PBE a infecção do fluido de ascite sem haver um foco intra- abdominal aparente causal da infecção(15).

A PBE tem prevalência ao redor de 15%(1, 5, 18, 44), possuindo taxa de recurrência em 1 ano próxima de 70%(2, 42). Por outro lado, traz ao paciente cirrótico com ascite um empobrecimento no prognóstico tanto a curto, quanto a longo prazo, determinando mortalidade hospitalar, nos dias atuais, em torno de 20%(22, 28, 43).

Diante da escassez de estudos(5, 14) que analisam a evolução dos pacientes com PBE em nosso País e também as diferenças regionais existentes, entende-se que esta infecção merece ser avaliada em nosso meio, com o intuito de observar seu comportamento nos dias atuais, permitindo assim, a busca de novas estratégias que visem melhorar seu prognóstico. Portanto, teve-se como objetivo principal, avaliar a prevalência da PBE e sua implicação na mortalidade hospitalar de pacientes com ascite secundária à hepatopatia crônica internados em um hospital geral.

PACIENTES E MÉTODOS Foram estudados todos os pacientes com ascite secundária à hepatopatia crônica hospitalizados no período de janeiro de 1991 a junho de 2000, na Irmandade Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, RS (ISCMPA).

Os dados foram coletados através da pesquisa em prontuários de internação e identificados e elaborados a partir de protocolos prospectivos empregados em pacientes com ascite.

Foram analisadas 1030 internações decorrentes de ascite secundária à hepatopatia crônica, em 520 pacientes. Destas, foram diagnosticados 114 casos de PBE em 94 pacientes. Na população avaliada, a idade média foi de 49 anos (15-95), sendo que 72 (76,6%) pertenciam ao sexo masculino, 79 (84,0%) tinham cor branca, 11 (11,7%), cor preta e 4 (4,3%), cor parda.

A confirmação da hepatopatia foi obtida por biopsia hepática em 55 (48,2%) dos casos e por dados clínicos, laboratoriais, ecográficos e endoscópicos nos restantes.

Em 31 (32,9%) dos pacientes, a gênese da hepatopatia foi atribuída ao álcool associado ao vírus da hepatite C; em 27 (28,7%) somente ao álcool; em 18 (19,1%) somente ao vírus da hepatite C; em 12 (12,8%) ao vírus da hepatite B.

Outras causas foram responsáveis pelos seis (6,4%) restantes, sendo que destes, dois foram secundários à etiologia autoimune e um à associação de álcool, vírus da hepatite B e vírus da hepatite C. Em três casos não foi possível o diagnóstico etiológico.

Os pacientes foram classificados quanto ao grau de disfunção hepática de acordo com a classificação de Child modificada por Pugh(32).

A punção do líquido de ascite foi realizada nas primeiras horas da admissão hospitalar de todos os doentes e em qualquer momento da internação hospitalar em que ocorressem sinais sugestivos de PBE como dor abdominal, febre, desenvolvimento de encefalopatia hepática, perda de função renal e queda do estado geral do paciente(1, 7, 35).

Vinte mililitros de líquido de ascite foram, então, coletados e enviados imediatamente ao laboratório para avaliação bioquímica e citológica, segundo rotina estabelecida(24). Para análise bacteriológica, 10 mililitros de líquido de ascite eram inoculados à beira do leito, em frascos de hemocultura para aerobiose e anaerobiose, utilizando o sistema Bact-Alert® (Organon Teknica). A função hepática dos pacientes estudados foi avaliada através de determinação dos níveis de bilirrubinas, da albumina e da atividade de protrombina.

O diagnóstico de PBE foi estabelecido quando o número de polimorfonucleares no líquido de ascite fosse superior a 250 células por mm³, independente do resultado da cultura(35).

Aqueles casos com cultura positiva, mas sem resposta inflamatória, ou seja, aumento de polimorfonucleares inferior a 250 células por mm³, eram classificados como tendo bacterioascite(37). Nesses casos, repetia-se a paracentese em 48 horas e aqueles sem modificação significativa da celularidade eram excluídos do estudo.

Perfuração intestinal ou outra fonte de infecção intra-abdominal foram excluídas pela ausência de manifestações clínicas, laboratoriais ou de alterações à radiografia e ultra-sonografia abdominais.

A infecção foi considerada comunitária quando o diagnóstico foi estabelecido até 48 horas da internação e hospitalar se adquirida após esse período(19).

O uso de antibiótico (norfloxacina), na profilaxia da PBE, foi determinado pela história do paciente. A profilaxia foi realizada nos doentes com episódio prévio de PBE e/ou com proteínas do líquido de ascite abaixo de 1 g/dL; a dose utilizada foi a de 400 mg/dia(3, 16, 30, 40) e a aderência ao tratamento foi avaliada pela informação do paciente no momento da admissão hospitalar. Nos casos em que não foi possível obter esta informação (devido à encefalopatia portossistêmica, por exemplo) a pesquisa foi feita junto aos familiares.

O tratamento da infecção foi realizado com os antibióticos cefotaxima ou ceftriaxona por via endovenosa, iniciado nas primeiras horas do diagnóstico e mantido por 10 dias. Quando necessário, ajustava-se a dose conforme a função renal, sendo que o mesmo poderia ser trocado na dependência do resultado do antibiograma.

Em 48 horas do início do antibiótico, com exceção de dois casos, procedeu-se à nova punção do líquido de ascite com o intuito de avaliar o controle da infecção (queda na contagem dos polimorfonucleares de no mínimo 25% da contagem inicial e posterior negativação do exame bacteriológico)(35).

O trabalho foi analisado e aprovado pela Comissão de Ética da ISCMPA.

O desfecho deste estudo foi considerado alta ou óbito do paciente no período da internação hospitalar.

Para avaliar associação entre as variáveis categóricas, foi utilizado o teste do qui quadrado e o cálculo do risco relativo com seus intervalos de confiança.

O nível de significância considerado para análise estatística foi 5%.

RESULTADOS Cento e quatorze episódios de PBE (94 pacientes) foram diagnosticados em 1030 internações por ascite secundária à hepatopatia crônica (520 pacientes), perfazendo a ocorrência de infecção do líquido de ascite de 11,1% dos casos avaliados no período de janeiro de 1991 a junho de 2000.

Cinqüenta e oito (50,9%) episódios ocorreram em pacientes pertencentes à classe C de Child-Pugh, 53 (46,5%) à classe B e somente 3 (2,6%) à classe A .

A mortalidade foi de 21,9% em relação aos 114 episódios de PBE. Os óbitos foram atribuídos ao não controle da infecção em oito episódios (32,0%), à falência renal em sete (28,0%), à hemorragia digestiva alta em seis (24,0%) e insuficiência hepática em quatro (16,0%).

Houve controle da infecção na paracentese em 48 horas do diagnóstico, segundo os parâmetros estabelecidos, em 102 (91,1%) dos episódios. Quando não foi observada queda na contagem de polimorfonucleares na paracentese de controle, em 8 de 10 episódios (80,0%) houve associação com o óbito do paciente, o que contrasta com os 16 óbitos (16,7%) observados naqueles que obtiveram controle da infecção (P <0,01). Em dois episódios (1,7%) não foi obtido este dado.

A PBE foi considerada comunitária em 70 episódios (61,4%) e hospitalar em 43 (37,7%). Em um episódio (0,9%) este dado não foi caracterizado. Quando se avaliou o índice de óbito, na dependência do local em que a infecção foi adquirida (comunidade x hospitalar), foi observado que ocorreram 13 (18,6%) e 12 óbitos (27,9%), respectivamente, havendo portanto, tendência a maior mortalidade naqueles casos em que a infecção foi adquirida 48 horas após a internação hospitalar; este dado, porém, não atingiu significância estatística (P = 0,35).

O uso de antibiótico profilático foi documentado em 26 (22,3%) dos episódios e, quando utilizado, houve associação com óbito em 7 (28,0%) contra 18 (20,7%) naqueles que não usaram norfloxacina, sem haver significância estatística (P = 0,61). Quanto ao resultado da cultura do líquido de ascite, houve crescimento de bactéria em apenas seis casos (23,1%), associados ao uso do norfloxacina; destes, dois (33,3%) corresponderam a bactérias Gram-negativas (ambos os casos sensíveis a cefalosporinas de terceira geração) e quatro (66,7%) a bactérias Gram-positivas. Ressalve-se não ter havido diferença significativa neste espectro bacteriano (P = 0,18).

DISCUSSÃO A PBE é a infecção que mais freqüentemente acomete os pacientes com cirrose e ascite e sua prevalência na literatura gira em torno de 5,7% a 23%(1, 5, 44). O estudo que demonstrou a menor prevalência(44) justifica-a pelo fato de que em seu grupo poucos pacientes pertenciam à classe C da classificação de Child-Pugh e por não ser um centro de referência para pacientes hepatopatas.

Na presente casuística, a prevalência foi de 11,1%, o que vem ao encontro de estudo de outros autores(1). Em estudo prévio(24), realizado no mesmo hospital desta série, no período de 1976 a 1990, a prevalência geral de infecção no líquido de ascite foi 20,0% mas, quando excluídos os casos de bacterioascite, à semelhança do estudo atual, a prevalência da infecção foi de 13,5% sendo, portanto, apenas discretamente maior.

Embora se acreditasse que, possivelmente nos dias de hoje, observar-se-ia diminuição significativa na prevalência da PBE, pelo fato de pacientes com pior função hepática e aqueles com PBE prévia serem submetidos a transplante hepático, não se constatou este fato no estudo em foco. O uso profilático da norfloxacina de forma mais rotineira nos pacientes com episódio prévio de PBE (42), nos com proteínas baixa no líquido de ascite(16) e nos com hemorragia digestiva alta, também deveria ter contribuído para a diminuição mais significativa da incidência desta infecção(16, 17, 33). Ressalve-se que na reunião do Clube Internacional de Ascite, onde foram definidos os critérios para o diagnóstico, tratamento e profilaxia da PBE, não houve consenso quanto à realização de profilaxia primária a pacientes com proteínas baixas no líquido de ascite(35). Possivelmente, por ser a instituição onde este estudo foi desenvolvido um hospital tanto geral, como de nível terciário e referência em hepatologia e transplante de fígado, criou-se um viés de seleção pela gravidade dos casos internados. A confirmar tal assertiva, observou-se que o número de casos pertencentes à classe C de Child-Pugh (50,9%) foi semelhante aos 50% encontrados na série descrita 10 anos(24).

A PBE é importante causa de morte nos pacientes internados com cirrose(4).

Estudo desenvolvido em nosso meio(26), avaliando a sobrevida do paciente cirrótico com ascite, demonstrou ser a PBE a terceira causa de morte neste grupo. Dados semelhantes foram encontrados no estudo de LLACH et al.(21).

Durante o início dos anos 70, época em que surgiram os primeiros relatos de séries com esta complicação, a mortalidade hospitalar dos pacientes com PBE situava-se ao redor de 80% a 90% e a cura da infecção era registrada em somente 25% a 50%(7, 8, 38). na década de 80, a maioria dos estudos demonstravam mortalidade em torno de 30% a 40% (12, 15), o que provavelmente era resultado do acréscimo no conhecimento e na precocidade diagnóstica desta infecção. A prática de se realizar paracentese rotineiramente, o alto índice de suspeita da infecção e a melhor clareza dos critérios diagnósticos resultaram na melhora do prognóstico desses pacientes. Por outro lado, acredita-se que outro fator decisivo no incremento das taxas de cura e na sobrevida nessa infecção, deva-se ao uso de antibióticos mais eficazes e seguros, sem a nefrotoxicidade das terapias anteriores(13, 25, 27, 34).

Com o início do uso de cefalosporinas de terceira geração como droga de primeira linha para o tratamento da PBE, a maioria dos estudos demonstra taxas de resolução da infecção de 80% a 90% dos casos e de sobrevida hospitalar entre 70% e 80%(13, 35). Estudos mais recentes demonstram taxas de resolução da infecção ainda maiores, oscilando entre 91% a 100%(1, 9, 22, 28), o que resulta em menor mortalidade hospitalar associada à infecção(22, 41).

Na presente série, a taxa de mortalidade foi de 21,9%, o que vai ao encontro dos resultados de séries publicadas mais recentemente(22, 27, 28, 29), embora índices que variam de 8,33% a 46% possam ser encontrados(1, 20, 22, 27, 28, 29, 43).

Em estudo realizado entre os anos de 1976 e 1990, no mesmo serviço da presente casuística, a mortalidade global foi 48% e, quando excluídos os casos de bacterioascite, foi ainda maior, correspondendo a 58% dos episódios de PBE(24).

Vários fatores podem ter influenciado na acentuada melhoria da sobrevida hospitalar desses pacientes. Dentre estes destaca-se a sistematização da realização de paracentese diagnóstica de forma precoce, o que permitiu diagnóstico mais ágil em pacientes com função hepática mais preservada e a utilização rotineira de cefalosporinas de terceira geração, uma vez que os antibióticos mais freqüentemente utilizados no estudo anterior foram a combinação ampicilina ou cefalosporina de primeira geração associadas a um aminoglicosídio. Ressalve-se que na década passada era exigida para o diagnóstico de ascite neutrofílica, a contagem mínima de 500 polimorfonucleares no líquido de ascite(39), o que pode ter selecionado uma população de pacientes com maior gravidade. Finalmente, que se considerar a melhoria nos cuidados atuais do paciente cirrótico, dos quais destacam-se os avanços no tratamento da ascite, no controle do sangramento por ruptura de varizes de esôfago e no tratamento da insuficiência renal que, com freqüência, instalam-se nestes pacientes.

No presente estudo, os óbitos foram secundários à hemorragia digestiva, insuficiência hepática, falência renal e ao não controle da infecção, à semelhança de outros estudos(1, 22, 27, 28, 29, 43).

É importante lembrar que o prognóstico dos pacientes com PBE está mais relacionado à falência da função hepatocelular do que à infecção "per se".

Diversos autores(20, 22, 27, 29, 35, 43) têm demonstrado que naqueles pacientes em que a infecção foi controlada inicialmente, o prognóstico é mais favorável.

A contagem de polimorfonucleares utilizada como controle de resposta é considerada variável independente, correlacionando-se com a sobrevida(27).

Desta forma, a realização da paracentese de controle tem sido a conduta dos autores deste trabalho desde o clássico estudo de FONG et al.(13), publicado em 1989. Estes autores chamam a atenção para o fato de que os pacientes que obtinham redução na contagem de polimorfonucleares, em 48 horas do início do tratamento, possuíam melhor sobrevida.

No presente estudo, analisou-se o controle ou não da infecção através da contagem de polimorfonucleares no líquido de ascite, em material colhido por paracentese realizada 48 horas após o início da antibioticoterapia e comparou- se a resposta leucocitária com a mortalidade. Assim procedendo, observou-se controle da infecção em 102 (91,1%) dos episódios, o que está de acordo com os dados mais recentes sobre esta infecção(9, 22, 28, 35). Nos casos em que não houve controle da infecção, a mortalidade foi 80,0%, sendo que esta foi observada em somente 16 (16,7%) daqueles que obtiveram controle da infecção.

Postula-se que o local de aquisição da PBE (comunidade versus hospitalar), também possa ser fator relacionado a pior prognóstico. A ocorrência hospitalar desta infecção corresponde a aproximadamente 50% dos episódios(43).

O estudo de TOLEDO et al.(43) demostrou que, nos pacientes com PBE adquirida em ambiente hospitalar, a taxa de resolução da infecção era menor, correspondendo a 68%. Por outro lado, observaram 89% de resposta naqueles que adquiriram essa infecção na comunidade. Da mesma forma, a mortalidade foi 50% e 27%, respectivamente. Esses autores explicam tal achado pela pior condição clínica dos hospitalizados no momento da infecção.

Na presente série, quando se compararam os pacientes quanto ao local de aquisição da infecção, observou-se que em 70 (61,4%) casos a PBE foi adquirida na comunidade. Porém, quando avaliado o modo de aquisição da PBE com a mortalidade, diferentemente de TOLEDO et al.(43), não se encontrou diferença significativa, apesar de haver maior tendência à mortalidade naqueles pacientes em que o diagnóstico da infecção foi realizado após 48 horas da internação hospitalar.

Quanto ao desenvolvimento de PBE nos pacientes recebendo o antibiótico norfloxacina de maneira profilática, o presente estudo, à semelhança de outros (23, 31), não demonstrou diferença na mortalidade quando comparado aos casos sem profilaxia. No estudo de LLOVET et al.(23), que avaliaram 229 episódios de PBE, foi demonstrado que em nenhum dos episódios de infecção ocorridos em vigência da profilaxia foram detectadas bactérias Gram-negativas resistentes à quinolona e o curso clínico e evolução destes pacientes foram semelhantes àqueles dos pacientes virgens de tratamento.

Por outro lado, quanto à bacteriologia, embora sem haver diferença estatística, houve predomínio de bactérias Gram-positivas, o que vai ao encontro dos trabalhos que referem ser freqüente o surgimento destas no grupo que recebe antibiótico profilático(6, 10, 11, 26, 36).


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