Comparação entre ressecção com anastomose primária e ressecção em estágios nos
tumores obstrutivos do cólon esquerdo
ARTIGO ORIGINAL / ORIGINAL ARTICLEINTRODUÇÃO
Embora haja consenso de que o melhor tratamento na obstrução do cólon direito
seja a ressecção da lesão seguida de anastomose primária, ainda existe
controvérsia sobre a melhor forma de conduzir uma oclusão do lado esquerdo(7,
14, 18). Anastomoses realizadas na vigência de obstrução distal têm sido
associadas a maior risco de deiscência devido ao edema, distensão e dificuldade
no manuseio cirúrgico do intestino grosso repleto de gases e fezes(1, 11). Por
esta razão, alguns autores têm preferido o tratamento em estágios que envolvem,
inicialmente, a realização de estoma, com ou sem ressecção da lesão obstrutiva,
e a seguir, dependendo do que foi realizado, mais uma ou duas operações para a
resolução completa do problema(7, 16, 18).
Esse tratamento em estágios, entretanto, não é isento de críticas. O número de
atos operatórios é maior, parece não haver menor mortalidade, os custos são
maiores, alguns pacientes não conseguem ser novamente operados para a ressecção
do tumor ou para o fechamento do estoma e o tempo de inatividade é maior. Além
disso, a condição de vida para aqueles casos paliativos é, certamente, pior(7,
8, 10, 12, 14).
Por outro lado, há na literatura relatos em número cada vez maior, mostrando
que a ressecção da lesão neoplásica associada à anastomose primária é possível,
eficaz e com aceitáveis taxas de morbimortalidade. As principais opções para
este tipo de operação em um só tempo são: a ressecção segmentar do cólon
esquerdo associada ao preparo intra-operatório do cólon (PIOC)(2, 5, 6, 8, 9,
13, 14, 19, 22) e a colectomia subtotal ou total seguida de ileossigmóide ou
ileorretotostomia(4, 10, 12, 14, 23). Entretanto, há carência de trabalhos
controlados sobre esse tópico na literatura.
O objetivo deste trabalho é relatar a experiência do nosso grupo no tratamento
da obstrução do cólon esquerdo devido ao câncer colorretal, enfocando os
resultados imediatos com um só tempo pela ressecção e anastomose primária (RAP)
e com a ressecção em estágios (RE).
CASUÍSTICA E MÉTODO
Foram revistos, retrospectivamente, os prontuários de 41 pacientes com
obstrução neoplásica do cólon, atendidos e operados no período de janeiro de
1988 a dezembro de 1999 em um dos três hospitais onde os autores operam:
Hospital Universitário Júlio Muller, Santa Casa de Cuiabá e Hospital Santa
Rosa, Cuiabá, MT. Foram excluídos do estudo 18 (43,9%) pacientes pelos
seguintes motivos: a) obstrução localizada no cólon direito, definido como a
porção do intestino grosso situada entre o ceco e até o ângulo esplênico (n =
11), e b) neoplasia avançada sem possibilidade de ressecção no inventário da
primeira operação (n = 7). Foram estudados, portanto, 23 (56,1%) casos onde a
obstrução era ressecável e localizava-se à esquerda. Obstrução colônica foi
definida pela presença de distensão colônica na radiografia simples de abdome
associada à história e exame físico compatíveis. Em oito pacientes, o
diagnóstico pré-operatório foi confirmado por colonoscopia e em dois casos pelo
toque retal.
Nos 23 pacientes com obstrução do cólon esquerdo, a idade mediana foi de 52
(39-84) anos, sendo 10 (43,5%) do gênero masculino e 13 (56,5%) do feminino. As
operações realizadas nestes pacientes estão elencadas na Tabela_1. Em 14
(60,9%) deles, o tratamento completo foi realizado em um só tempo, com
ressecção e anastomose primária (grupo RAP), e em 9 (39,1%), o tratamento foi
programado com ressecção em estágios (grupo RE), realizando-se inicialmente
colostomia, com ou sem ressecção da lesão obstrutiva.
Operações realizadas
As operações realizadas nos 14 pacientes tratados em um só tempo operatório
(grupo RAP) foram as seguintes: a) ressecção segmentar e anastomose primária
com PIOC (n = 10) e b) colectomia subtotal seguida de anastomose primária
ileossigmóide ou ileorretal (n = 4). Todos os pacientes foram operados na
posição de Lloyd-Davies sob anestesia geral. Basicamente, a técnica operatória
utilizada foi a seguinte:
1. Ressecção segmentar com preparo intra-operatório do cólon ' Nos 10
pacientes submetidos a este tipo de operação, o procedimento iniciou-
se pela descompressão aspirativa do cólon com uma agulha associada a
cateter plástico, tipo Jelco16 F. A seguir, mobilizou-se a flexura
esplênica do cólon e removeu-se o apêndice para introdução de um
cateter Foley 20'24 F no ceco pelo coto apendicular. O cólon esquerdo
foi seccionado com boa margem de segurança abaixo da lesão obstrutiva
e, após as ligaduras do seu mesentério, foi mobilizado para fora da
cavidade abdominal. Com cuidado e com auxílio de pinças de
coproestase, realizou-se pequena colotomia de 2,5 cm logo acima da
obstrução e, através dessa fenda, introduziu-se um tubo corrugado
transparente de uso corriqueiro para gases anestésicos, que foi
fixado com duas ou três ligaduras de linho 0 duplo. Pelo cateter
Foley irrigou-se anterogradamente o cólon com 7 a 10 L de solução
salina 0.9% aquecida a 38ºC, sendo o efluente captado por saco de
lixo devidamente acoplado à porção terminal do tubo corrugado e
colocado no nível inferior da mesa operatória. A irrigação só
terminava quando o efluente estava claro e sem fezes. Nesse momento,
irrigava-se pela última vez o cólon com solução fisiológica contendo
10% de polivinil pirrolidona iodo. A seguir, praticava-se a ressecção
segmentar, sendo o coto retal irrigado também com a mesma solução
através de anuscópio rígido ("rectal wash-out"). A
anastomose foi realizada manualmente (plano único com pontos
separados extramucosos com fios de poliglatina ou linho 3-0) em sete
pacientes e com grampeador em três. O cateter Foley foi exteriorizado
como cecostomia nos primeiros seis pacientes e foi retirado com
fechamento em bolsa do coto apendicular nos últimos quatro. Nos
pacientes que ficaram com a cecostomia no pós-operatório, esta era
deixada aberta para descompressão, fechada quando o trânsito
intestinal se normalizava e retirada após o 14º dia pós-operatório.
2. Colectomia subtotal' Nos quatro pacientes submetidos a esta
operação, realizou-se, também de maneira inicial, descompressão do
cólon com a utilização de agulha acoplada a cateter plástico tipo
Jelco 16 e aspiração. A seguir, praticou-se a dissecção do cólon
pelas goteiras parietocólicas, mobilização das flexuras hepática e
esplênica e secção e ligadura dos vasos principais do mesocólon
próximo à raiz. Realizou-se, então, a ressecção com margem de
segurança abaixo da lesão obstrutiva e a aproximadamente 2-4 cm
proximal à válvula ileocecal. A seguir, procedeu-se à irrigação do
coto retal do modo anteriormente descrito e, finalmente, à anastomose
manual primária término-terminal ileorretal ou ileossigmóide da forma
já referida.
Dos nove pacientes restantes (grupo RE), quatro casos foram submetidos a
ressecção segmentar e colostomia à Hartmann (ressecção em dois tempos) e cinco
foram submetidos apenas a colostomia em alça no ângulo hepático (ressecção em
três tempos).
Todos os pacientes receberam antibióticos por, no mínimo, 6 dias. O regime
consistiu na associação de amicacina 500 mg bid e metronidazol 500 mg tds por
via intravenosa. Na Tabela_2, encontram-se as características clínicas e
demográficas dos pacientes. Observou-se distribuição bastante semelhante entre
os dois grupos de tratamento, principalmente quanto ao estado nutricional
avaliado pela albumina sérica e na avaliação da gravidade do caso clínico para
a condução anestésica, determinada pelo grau ASA.
Para o seguimento dos pacientes no pós-operatório, foram registradas as
seguintes variáveis: tempo total de internação, infecção de parede, deiscência
da anastomose (fístula), complicações pulmonares e mortalidade. Nos pacientes
do grupo RE, computaram-se os dois ou três atos operatórios que compunham o
tratamento completo, sendo as complicações registradas no total por paciente
por tratamento. Nesse grupo, registrou-se também o número de pacientes que não
completou o tratamento.
Os dados foram apresentados como média ± desvio padrão ou mediana (variação),
conforme a distribuição dos dados ser homogênea ou não (teste de Levene).
RESULTADOS
Dois pacientes (8,7%) faleceram no pós-operatório intra-hospitalar. Ambos
apresentaram complicações pulmonares, íleo prolongado e falência de múltiplos
órgãos, pertenciam ao grupo RE e submeteram-se a operação de colostomia em
alça. Não houve mortalidade entre pacientes operados no grupo RAP.
Quatro (44,4%) dos pacientes no grupo RE não completaram o tratamento com o
fechamento da colostomia. Dois, conforme descrito acima, faleceram no pós-
operatório recente, e outros dois, um submetido a operação de Hartmann e outro
a colostomia em alça, faleceram, respectivamente, 8 e 11 meses após a operação
inicial, ainda com o estoma. No total, os nove pacientes deste grupo foram
submetidos a 18 operações.
Treze (56,5%) pacientes dentre os 23 iniciais evoluíram sem apresentar
complicações. As complicações apresentadas pelos outros 10 pacientes (43,5%)
podem ser vistas, de acordo com o grupo, na Tabela_3. A incidência de
complicações por paciente foi de 28,6% (4/14), no grupo ressecção e anastomose
primária e de 66,7% (6/9), no grupo submetido a ressecção em estágios.
Dentre os 14 casos operados com realização de anastomose primária, ocorreu um
caso (7,1%) de deiscência de anastomose seguida de fístula estercoral em
paciente submetido a ressecção segmentar e PIOC. O paciente evoluiu com sepse
pélvica importante, obrigando a realização de colostomia e drenagem do
abscesso, tendo, então, evoluído favoravelmente. No grupo ressecção em
estágios, ocorreram dois casos (22,2%) de deiscência e fístula estercoral,
ambos durante o fechamento de colostomias, sendo o primeiro em fechamento de
colostomia Hartmann e o segundo em colostomia em alça no terceiro tempo do
tratamento em estágios. Os dois pacientes evoluíram bem com tratamento clínico
e terapia nutricional enteral.
Sete (30,4%) pacientes apresentaram supuração da parede abdominal, exigindo
apenas curativos para o tratamento. Destes, três (3/14; 21,4%) pertenciam ao
grupo com ressecção e anastomose primária e quatro (4/9; 44,4%) ao grupo com
ressecção em estágios. O tempo de internação foi de 10 (6-45) dias, sendo de 15
(9-45) dias no grupo ressecção em estágios e de 8 (6-20) dias no grupo
ressecção e anastomose.
Na Tabela_4 encontra-se o estádio dos casos pela classificação de Dukes. Nos
dois que evoluíram para óbito, não foi possível o estádio pois os pacientes
foram submetidos apenas a colostomia em alça e, assim, as peças não foram
estudadas. Observou-se distribuição semelhante nos 21 casos possíveis de serem
estudados em relação ao estádio mostrando, de maneira geral, tumores bastante
avançados.
DISCUSSÃO
A presença de cólon distendido, edemaciado e repleto de fezes tem sido apontada
como a principal causa de deiscência de anastomoses realizadas na vigência de
obstrução do cólon esquerdo(1, 11). Porém, essa insegurança de realizar
ressecção seguida de anastomose primária na presença de cólon mal preparado,
vem sendo progressivamente menor entre os cirurgiões habituados às operações
colorretais. Vários estudos clínicos comprovam que a ressecção segmentar, com
auxílio do PIOC(2, 5, 6, 8, 9, 13, 14, 19, 22) ou a colectomia subtotal/total
(4, 10, 12, 23), é segura e eficaz no tratamento da obstrução do cólon
esquerdo. Experimentalmente, o uso do PIOC tem mostrado também ser vantajoso
quanto à cicatrização(1, 3).
Nos 14 casos desta série, operados em um só tempo seja pelo uso de uma ou de
outra técnica, não ocorreram óbitos e em apenas um caso houve deiscência da
sutura anastomótica. De maneira geral, a morbidade observada foi menor quando a
operação de ressecção e anastomose primária foi empregada. No entanto, este
estudo é retrospectivo, com grupos heterogêneos para comparação e, por isso, os
resultados devem ser vistos com cautela. Entretanto, o estádio do câncer, a
classificação dos pacientes pelo grau ASA e a albumina sérica nos dois grupos
foram muito semelhantes. Esses resultados confirmam as boas expectativas na
experiência inicial do presente grupo com a técnica em um só tempo(2).
Nos nove pacientes operados pela técnica de ressecção em estágios, ocorreram
dois óbitos e, em quase 45% dos casos, a colostomia não pôde ser fechada.
Realmente, esta é uma das grandes críticas a esse tipo de operação, pois os
casos de câncer com obstrução geralmente são avançados, o prognóstico é pior e
paliativamente é melhor para o paciente que o tumor seja ressecado e que ele
sobreviva sem estoma. Esses dados não causam surpresa, pois na literatura, de
maneira geral, 16% a 54% dos pacientes não completam o tratamento em estágios e
acabam falecendo com a colostomia(8, 16, 18). Além disso, há evidências que, a
longo prazo, os resultados são mais favoráveis à ressecção e anastomose
primária quando comparada à ressecção em estágios(7).
Em muitos trabalhos comparativos entre o tratamento em um único tempo e em
estágios, levou-se em conta, no segundo grupo, apenas a primeira operação(18).
Essa avaliação é distorcida, pois deveriam ser computados os dois ou três atos
operatórios aos quais o paciente foi submetido para completar o tratamento.
Quando isso é feito, os melhores resultados da operação em um só tempo ficam
mais evidentes(7, 12). Nessa casuística, o tempo de internação total e a
morbidade mostram que quando os dois ou três atos são vistos em conjunto, fica
evidente que a resolução em um só tempo é melhor. No entanto, deve ficar claro
que a manipulação de cólon obstruído é difícil e, assim, apenas cirurgiões
treinados devem fazer essas operações. Caso o treinamento do cirurgião de
plantão não seja adequado para tal, a colostomia pode trazer mais benefícios
para o paciente.
Há, no momento, discussão na literatura a respeito da melhor técnica para o
tratamento em um só tempo(21, 24). Ressecção segmentar e anastomose primária
sem PIOC tem seus adeptos(17), porém não tem sido a preferida pelos autores.
Embora o preparo de cólon tenha sido questionado recentemente(20), realizar
anastomoses em cólon obstruído e sem preparo deve ser o temor da maioria dos
cirurgiões. Dentro desse contexto, então, a preferência tem sido dada à
ressecção segmentar auxiliada pelo PIOC e pela colectomia subtotal/total com
anastomose ileorretal ou do sigmóide.
As principais vantagens do PIOC são a de oferecer cólon preparado para uma
ressecção, permitir tratamento oncologicamente eficaz com ressecção colônica
habitual e proporcionar melhor qualidade de vida para casos onde a ressecção
foi paliativa(2, 5, 6, 8, 9, 13, 14, 19, 21, 22). Entretanto, o método envolve
tempo operatório maior e há riscos de contaminação da cavidade abdominal com
fezes durante a lavagem(23, 24). No entanto, essa situação não ocorreu em
nenhum dos 10 casos operados desta série. Em outra experiência nacional com o
PIOC(22), isto também não ocorreu, havendo igualmente, relato de bons
resultados.
Já a colectomia subtotal/total tem a vantagem de poder extirpar possíveis
tumores sincrônicos e pólipos satélites do resto do cólon e permitir ressecção
e anastomose primária com menor chance de contaminação da cavidade(4, 10, 12,
23, 24). A principal desvantagem é a ressecção completa e desnecessária do
cólon, podendo causar diarréia e incontinência para alguns pacientes(21, 24). A
preferência do grupo tem sido para a ressecção associada ao PIOC, porém em
alguns casos, optou-se pela colectomia subtotal, também com bons resultados.
Recentemente, o uso de próteses auto-expansivas tem sido relatado para o
tratamento paliativo ou, ainda, como primeiro tempo no tratamento das
obstruções do cólon esquerdo. Essa conduta tem ainda a vantagem de evitar
operações desnecessárias em casos paliativos(15). O papel dessas próteses
precisa, ainda, ser melhor definido com novos estudos.
A análise global dos resultados mostrou mortalidade aceitável quando comparada
com a literatura. Embora o presente trabalho seja retrospectivo, com casuística
pequena, os achados mostraram morbidade alta e maior nos pacientes submetidos
ao tratamento em estágios. Desta maneira, o conjunto dos resultados sugere que
o tratamento em um só tempo na obstrução aguda do cólon esquerdo é seguro e
pode ser indicado na maioria dos casos. Trabalhos prospectivos comparando a
ressecção em tempo único e em estágios são, por conseguinte, recomendados.