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BrBRCVHe0004-28032003000200011

BrBRCVHe0004-28032003000200011

variedadeBr
Country of publicationBR
colégioLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN0004-2803
ano2003
Issue0002
Article number00011

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Transplante de intestino delgado REVISÃO / REVIEW

INTRODUÇÃO Falência intestinal (FI) é a incapacidade do indivíduo manter seu suporte nutricional e hidroeletrolítico por via digestiva(7, 13, 17). É decorrente de grandes enterectomias que causam a síndrome do intestino curto ou de doenças onde o intestino está presente mas é incapaz de absorver adequadamente fluidos e nutrientes(7, 13, 17). Pacientes com FI irreversível são dependentes de nutrição parenteral total (NPT) por toda a vida.

Nos EUA existem cerca de 30.000 pessoas dependentes de NPT e estima-se que de duas a três pessoas por milhão de habitante por ano apresentarão FI(6, 14).

O uso crônico da NPT para tratar a FI provoca morbidades importantes. Ocorrem complicações da cateterização venosa (infecções, sepse, trombose, perda do acesso venoso), baixa qualidade de vida, internações freqüentes, distúrbios psiquiátricos, elevado custo de tratamento e mortalidade de 5% a 25% por ano(2, 6, 7, 13, 14). A NPT também pode provocar distúrbios metabólicos com falência de diversos órgãos, principalmente do fígado, com necessidade de transplantes combinados(2, 7, 13, 14, 17).

O transplante de intestino delgado (TID) é proposta lógica para tratar a FI, porém existem grandes dificuldades relacionadas a esse procedimento(2, 17).

Problemas como rejeição de difícil controle, imunossupressão agressiva, infecções graves, técnica cirúrgica complexa, dificuldades na preservação do enxerto, doenças linfoproliferativas, entre outros, limitam a indicação usual do TID(2, 17).

O desenvolvimento de modelos animais de TID isolado, fígado-delgado e do enxerto multivisceral, principalmente em cão e rato, ajudaram a entender e controlar as complicações(13). O TID é modelo experimental muito interessante para o estudo imunológico do transplante e para teste de novas drogas imunossupressoras(13). O TID em rato promoveu modelos experimentais melhores e controlados para o estudo da rejeição aguda e crônica(5, 8, 23, 32), preservação(9, 10, 21), função do enxerto(27), doença do enxerto versus hospedeiro(11, 12), indução de tolerância(4, 24), entre outras.

Apoiado nos estudos experimentais, verificou-se que a forte rejeição no TID (Figura_1) é devido a grande concentração de tecido linfóide presente no intestino(8, 13, 23, 24, 32). A rejeição causa perda da integridade da barreira mucosa, translocação bacteriana e sepse. A forte imunossupressão para controlar a rejeição provoca sensibilidade a infecções, tumores, toxicidade a vários órgãos, entre outras complicações(1, 2, 13, 17).

O surgimento do imunossupressor FK-506 representou grande avanço para o TID clínico(2, 13, 17). Tornou-se rapidamente o imunossupressor de eleição nesse transplante, pois controlou melhor a rejeição, provocou menor incidência de efeitos colaterais e possibilitou longa sobrevida com bom funcionamento do enxerto(2, 13, 17). Os avanços na pesquisa experimental e o FK-506 estimulam indicações do TID para tratar casos especiais da FI irreversível(2, 17).

Mais de 500 desses transplantes foram realizados em vários centros mundiais.

Nos pacientes com boa função do enxerto ocorreu completo restabelecimento da alimentação por via oral, melhor qualidade de vida, redução do custo financeiro e a morbimortalidade atual é semelhante ao da NPT permanente(2, 6, 13, 17, 28).

Mais de 50 TID foram realizados anualmente nos últimos 5 anos(2, 13, 17, 28) e, a partir de outubro de 2000, ele foi aceito como procedimento terapêutico nos Estados Unidos da América(2).

No Brasil, foram realizados no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo dois casos pioneiros por Okumura na década de 60 (26). Essa instituição realiza pesquisa experimental de TID desde 1971, visando sua aplicação clínica(8, 9, 10, 11, 12, 33). Recentemente realizou-se na Santa Casa de São Paulo o primeiro TID com uso de FK-506(3).

INDICAÇÃO CLÍNICA DO TID Existem três categorias de candidatos para o TID: pacientes com falência apenas do intestino, que não mais podem ser mantidos em NPT e devem receber TID isolado, pacientes com FI associada à doença hepática avançada que recebem TID combinado ao transplante hepático e pacientes com falência de vários órgãos abdominais que necessitam transplante multivisceral(2, 13, 17, 19, 28, 34) (Figura_2).

Observaram-se quatro causas principais de FI que podem levar ao TID:1. síndrome do intestino curto devido a grandes ressecções intestinais por volvo, gastrosquise, trauma, enterocolite necrotisante, isquemia mesentérica ou doença de Crohn; 2. absorção intestinal insuficiente causada por distúrbio de inclusões microvilositária, diarréias secretoras, enterite actínica auto-imune e síndromes de absorção; 3. motilidade intestinal deficiente causada, principalmente, por pseudo-obstrução intestinal, doença de Hirschprung e outras neuropatias viscerais; 4. tumores do intestino, principalmente o desmóide, gastrinoma e polipose familiar(2, 13, 17, 19, 28, 34).

As principais causas de FI com indicação de TID em adultos foram: isquemia mesentérica (21%), doença de Crohn, (16%), tumor desmóide (14%) e trauma (12%); e em crianças foram: volvo de mesentério (22%), gastrosquise (22%), pseudo- obstrução intestinal (12%) e enterocolite necrotizante (10%)(28).

Em crianças a indicação de TID é mais freqüente, representando cerca de 70% do total de casos. Isso é devido ao menor calibre dos vasos, a dificuldades nos cuidados da cateterização venosa que provoca sepse e fenômenos tromboembólicos, com perda do acesso venoso(2, 13, 17, 19, 28, 34). Além disso, verifica-se em crianças maior incidência de distúrbios metabólicos associados a NPT permanente (2, 13, 17, 19, 28, 34).

O transplante de fígado-delgado representa cerca de 50% dos TID e é decorrente da cirrose hepática colestática provocada pela FI e NPT prolongada(2, 13, 17, 19, 28, 34). O transplante de fígado-delgado em crianças é indicado quando ocorre hiperbilirrubinemia persistente após o mês de idade, associado à hipertensão portal como varizes de esôfago, esplenomegalia, trombocitopenia e ascite(19).

No transplante multivisceral, várias vísceras abdominais são transplantadas em bloco (Figura_2). É indicado na falência de múltiplos órgãos abdominais devido à dismotilidade grave do trato gastrintestinal, oclusão do tronco celíaco, trombose do sistema venoso mesentérico-portal ou extensa polipose do aparelho digestivo(2, 13, 17, 19, 28, 34).

Além do aumento da sobrevida, observou-se, também, melhora significante da qualidade de vida dos pacientes com TID comparados aos com NPT domiciliar(6) e o custo do TID na Universidade de Pittsburgh (EUA), em 5 anos, baixou de US$ 203,111 para US$ 132,285 no TID isolado, de US$ 252,453 para US$ 214,716 no transplante fígado-intestino e de US$ 284,452 para US$ 219,098 no transplante multivisceral. Por outro lado, o custo da NPT atinge até US$ 120.000 por ano, sem contar as despesas com internações(1). Assim, no final do segundo ano de NPT, os custos monetários desse procedimento seriam equivalentes ao do TID(1).

A mortalidade anual de pacientes dependentes de NPT com doença benigna é de 5% a 25% e é semelhante à do TID em pacientes com boa função do enxerto(2, 7, 13, 17).

Alguns autores defendem indicação do TID em fases menos dramática da falência intestinal, principalmente quando o fígado ainda não está comprometido. Nessa situação, o TID isolado pode ser indicado e, caso ocorra a perda do enxerto, ele pode ser removido e o paciente mantido com NPT(2, 17, 18, 19). Por outro lado, no enxerto de intestino-fígado ou multivisceral, a perda do enxerto cursa geralmente com o óbito do paciente.

A indicação por perda de acesso venoso central deve ser criteriosa. Após o TID, os pacientes vão necessitar de acesso para NPT até a readaptação do enxerto, o que pode levar meses, antibioticoterapia endovenosa por infecções graves e, muitas vezes, imunossupressão endovenosa para tratar a rejeição celular aguda (2, 17, 18, 19, 34). Propõe-se, portanto, não aguardar a perda de todas as seis vias centrais (inguinais, subclávias ou jugulares) para indicar o TID e sim considerá-lo quando ocorre perda de três das vias endovenosas.

A seleção do doador se baseia na compatibilidade sangüínea ABO, tamanho do órgão e resultados sorológicos para citomegalovírus (CMV). Dá-se preferência a doadores CMV negativo para evitar os riscos de CMV grave e persistente no receptor, salvo em casos onde o receptor necessite do transplante com urgência.

A maioria dos centros não adota os critérios de seleção por tipagem do HLA e ''crossmatch''(2, 17, 18, 19, 34).

RESULTADOS CLÍNICOS RECENTES Em 1993 foi criado o registro internacional de TID (International Transplant Registry) que atualiza os dados de todos os TIDs clínicos realizados e cadastra novos centros transplantadores(28). Os resultados são atualizados a cada 2 anos baseados nos dados apresentados no Simpósio Internacional de Transplante de Intestino Delgado. Estes dados são divulgados na Internet no site http:// www.lhsc.on.ca/itr/(28).

Na última atualização, publicada em 2002, foram registrados 55 centros transplantadores que realizaram 696 TID em 656 pacientes (40 retransplantes) (28). O transplante combinado fígado-delgado foi o mais freqüentemente realizado (44%), seguido do transplante isolado de intestino (41%) e do multivisceral (15%). O número de TIDs realizados vem crescendo anualmente e nos últimos 4 anos atingiu nível de cerca de 100 TIDs anuais(28). Imunossupressão primária com tacrolimus foi utilizada na maioria dos casos (97%). A sobrevida atual de 5 anos do enxerto intestinal do total de casos da experiência internacional é pouco maior que 45% para o transplante isolado de intestino, 43% para o combinado intestino-fígado e cerca de 30% para o multivisceral.

Enxertos plenamente funcionantes foram observados em 78% dos receptores, em 10% a função foi parcial (suplementação enteral ou parenteral) e em 12% o enxerto foi removido(28). Nos últimos 2 anos a sobrevida anual do enxerto do total de casos subiu de 45% para 60% e dos pacientes de 45% para 70%. Nos grupos mais experientes a evolução da sobrevida anual do enxerto foi de 60% para 70% e dos pacientes de 65% para 80%. Essa evolução é relacionada a modificações nos programas de transplante, melhores estratégias de manutenção do paciente transplantado, melhores protocolos de imunossupressão e refinamento da técnica cirúrgica.

As causas mais comuns de remoção do enxerto foram: rejeição (57%), trombose, isquemia ou sangramento (23%), falência de múltiplos órgãos (4%), linfoma (2%), sepse (1%) e outras (4%). As causas de óbito foram: sepse (49%), falência de múltiplos órgãos (26%), rejeição (10%) linfoma (8%), complicações técnicas (8%) e outras (4%)(28).

Observaram-se resultados significativamente melhores quanto à sobrevida do enxerto e do paciente nos TID realizados após 1991 e nos grupos de transplantes com experiência maior do que 10 casos de TID(28). Os resultados atuais do TID são equivalentes ao de transplante de pulmão e se aproximam ao de transplante de rim, fígado e coração(1, 17, 18, 19, 34).

A doença linfoproliferativa do pós-transplante (LPPT), complicação que provoca alta morbimortalidade e relacionada à infecção pelo Epstein-Barr vírus, ocorreu em cerca de 20% dos TID(1, 17, 18, 19, 34). A doença LPPT é relacionada ao número e gravidade dos episódios de rejeição, TID combinado a outras vísceras, pacientes pediátricos, uso de OKT-3, múltiplos episódios de rejeição corticóide-resistente e esplenectomia. A doença LPPT tem tratamento difícil, necessitando de redução ou retirada da imunossupressão, uso de antivirais e interferon, que tem eficácia limitada(1, 17, 18, 19, 34). O recente uso de anti-CD 20 dirigido contra linfócitos B infectados com EBV apresenta resultados animadores(1, 17, 18, 19, 34).

A Universidade de Pittsburgh (PA, EUA), grupo de maior experiência, apresentou seus resultados recentes com 165 transplantes realizados, 65 de intestino isolado, 75 fígado-intestino e 25 multivisceral. A sobrevida total é de 75% em ano, 54% em 5 anos e 42% em 10 anos(1). Cerca de 90% dos pacientes têm dieta exclusiva e irrestrita por via oral e apresentaram melhora da qualidade de vida quando comparado aos com NPT(1). A faixa etária de melhor sobrevida situou-se entre os 2 e 17 anos e ficou em 68% para 5 anos. Dos pacientes sobreviventes com TID 93% estão em casa, ativos e com completa autonomia nutricional, 3,5% estão com NPT completa por dismotilidade do enxerto e 3,5% em NPT parcial devido a recentes episódios de rejeição(1).

No Brasil foi apresentado no VII Congresso da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos(3) o resultado preliminar de um TID clínico realizado na Santa Casa de São Paulo.

FUNÇÃO DO ENXERTO TRANSPLANTADO As funções intestinais mais conhecidas são o transporte, digestão e absorção de nutrientes, produção enzimática e hormonal, proteção imunológica e mecânica contra bactérias(1, 8, 15, 27). A total desconexão da inervação, da drenagem linfática e as lesões de preservação e rejeição promovem graus variados de distúrbios na função do enxerto(1, 8, 15, 27, 29, 34).

Observou-se na segunda semana de TID, que ocorre completa regeneração da drenagem da linfa, por reconstrução e dilatação dos vasos linfáticos enxerto(1, 8, 15, 17, 27, 29, 34). Contudo, a absorção de gordura demora um pouco mais para ser normalizada, provavelmente por interferência de fatores decorrentes da recuperação da mucosa intestinal. Ocorre também aumento da quantidade total de lipídios nas fezes, que é reduzida à medida que a absorção de gordura é restabelecida(1, 8, 15, 17, 27, 29, 34).

A inervação intrínseca está preservada no enxerto transplantado, porém a desconexão da inervação extrínseca é fortemente relacionada aos distúrbios de motilidade intestinal observado no TID(1, 8, 15, 27, 34). A reinervação extrínseca é de aparecimento mais longo, demorando cerca de 6 meses para se estabelecer(1, 8, 15, 27, 34). A desconexão da inervação extrínseca se manifesta como diarréia de difícil controle, que persiste por vários meses, melhorando com a reconstrução da inervação extrínseca(1, 8, 15, 27, 34).

A função hormonal do enxerto transplantado é geralmente pouco afetada no TID e a liberação de hormônios mediadores de fenômenos vasomotores, como neurotensina, serotonina, VIP e colecistocinina, está mantida(1, 8, 15, 27, 29, 34).

A função absortiva pareceu ser pouco afetada em ratos com TID. Observou-se nestes animais curva de crescimento ponderal semelhante à de animais normais(9, 23, 32). Nos TID clínicos notou-se que, apesar da lenta recuperação do enxerto, ocorre melhora progressiva da capacidade absortiva, favorecendo a descontinuação da NPT na maioria dos pacientes com TID(1, 8, 15, 17, 22, 27, 34). Em crianças, apesar do TID promover a retirada da NPT, elas apresentam taxa de crescimento corpóreo abaixo do normal(25).

MONITORIZAÇÃO E SEGUIMENTO DO PACIENTE TRANSPLANTADO A monitorização clínica do paciente nos primeiros dias do pós-TID deve ser muito cuidadosa e realizada em ambiente de terapia intensiva. A avaliação sistemática e freqüente de parâmetros ventilatórios, hemodinâmicos, metabólicos, nutricionais e infecciosos são fundamentais para a rápida correção de distúrbios que possam comprometer a evolução dos pacientes(1, 8, 15, 17, 22, 27, 34).

Na fase inicial necessidade do uso de altos níveis de drogas imunossupressoras, para controlar o reconhecimento imunológico do doador ao enxerto intestinal transplantado, evitando, assim, a rejeição(1, 8, 15, 17, 22, 27, 34). Isto pode provocar efeitos colaterais como disfunção renal, hipertensão arterial, problemas neuropsíquicos e favorecimento a infecções, principalmente as oportunísticas. Além disso, enxertos intestinais sempre apresentam lesões decorrentes das isquemias e da lesão de reperfusão, sendo um potencial foco de translocação bacteriana(1, 8, 15, 17, 22, 27, 34).

Suporte nutricional A NPT é reiniciada dentro de 1 a 2 dias, tão logo o paciente se torne hemodinamicamente estável(1,8,15,17,22,27,34). A conversão da nutrição parenteral para enteral ou oral no TID, ocorre em tempo variável e é mais precoce no TID isolado. A alimentação enteral via jejunostomia deve ser iniciada quando ocorre movimento intestinal, por volta de 7-10 dias de pós- operatório e após avaliação da integridade da mucosa avaliada por endoscopia do enxerto(1, 8, 15, 17, 22, 27, 34). A infusão deve ser contínua e inicialmente com baixo volume. Nesta etapa inicial dá-se preferência a dietas elementares ou semi-elementares contendo glutamina (Tolerex).

Após 2 ou 3 semanas, lipídios são administrados via oral, como uma mistura de triglicérides de cadeia longa e média que são absorvidas diretamente na circulação portal(1, 8, 15, 17, 22, 27, 34). Contudo, ácidos graxos essenciais são administrados por via parenteral ou enteral para evitar deficiência dessas substâncias(1, 8, 15, 17, 22, 27, 34). Carboidratos são administrados por mistura de oligossacarídios(1, 8, 15, 17, 22, 27, 34). Com a melhora da função do enxerto, a quantidade e qualidade da alimentação são ampliadas até que o paciente se mantenha com dieta geral oral e sem necessidade de complementação por via parenteral(1, 8, 15, 17, 22, 27, 34).

Função do enxerto intestinal A avaliação clínica da função do enxerto é acompanhada pelo peso, altura (em pacientes pediátricos), volume de urina, quantidade da drenagem pelo estoma, freqüência e natureza das fezes e pela dependência de NPT. Exames hematológicos e bioquímicos são realizados para acessar o grau de hidratação, nutrição e função renal. Periodicamente deve-se determinar balanço nitrogenado, funções absortivas, de motilidade e secretora do enxerto(1, 8, 15, 17, 22, 27, 34). A função absortiva é examinada pelo teste da absorção da D-xilose, secreção fecal de gordura de 72 horas, nível de FK-506, teste de Schilling e níveis plasmáticos de vitaminas, proteínas e sais minerais. A dosagem do nível plasmático de IgA reflete a atividade secretora do intestino. A motilidade e o trânsito intestinal pode ser avaliado por estudo convencional do trânsito intestinal com bário, manometria e por teste da ingestão alimentar com marcação radionuclear(1, 8, 15, 17, 22, 27, 34).

Rejeição A incidência total de rejeição aguda no TID na série da Universidade de Pittsburgh foi de 85% na fase inicial e 67% nos casos mais recentes. O uso do imunossupressor daclizumabe (zenapax) em conjunto com o tacrolimus, parece ter sido o fator preponderante para a redução da rejeição nos casos mais recentes (1). Essa droga é um anticorpo monoclonal IgG1 humanizado, direcionado contra a subunidade dos receptores de interleucina 2 humana(1). A abordagem de irradiar o enxerto de intestino em dose não lesiva e suficiente para promover a ablação das células imunocompetentes nele contidas, associada à infusão de medula óssea do mesmo doador é também relacionado à indução de tolerância imunológica, com diminuição dos episódios de rejeição(1, 4, 17, 24).

A monitorização da rejeição é das etapas mais difíceis no TID por não existirem marcadores específicos. A rejeição no intestino é descontinuada, permitindo erros de amostragem, além de não apresentar lesão patognomônica(1, 7). Pode progredir muito rapidamente de leve para grave se não tratada rapidamente; assim, a detecção e tratamento precoce da rejeição do enxerto é fundamental no TID(1, 8, 15, 17, 22, 27, 34).

Os sintomas clínicos da rejeição incluem dor abdominal, diarréia intensa alternada com íleo paralítico, febre, vômitos, absorção, acidose metabólica, toxemia e sepse(1, 8, 15, 17, 22, 27, 34). Se existe suspeita clínica de rejeição, o enxerto e o intestino remanescente do receptor devem ser imediatamente examinados por endoscopia com realização de múltipla biopsias e estudo histopatológico(1, 8, 15, 17, 22, 27, 34). O uso recente de videoendoscopia com zoom que permite aumento de até 100 vezes melhorou a identificação de rejeição(7).

O controle da rejeição aguda é obtido por meio do aumento da dose de tacrolimus, bolo de esteróide com posterior reciclo e, nos casos mais graves ou refratários de rejeição, OKT-3 deve ser usado(1, 8, 15, 17, 22, 27, 34). A dose de manutenção do tacrolimus deve ser ajustada para manter nível plasmático da droga entre 15 e 20 ng/mL, micofenolato mofetil é utilizado como droga secundária, na dose de 30 mg/kg por dia e corticosteróide (metilprednisolona) é iniciado após a reperfusão com dose de 1 g, seguida de 200 mg no dia seguinte e redução de 40 mg nos dias subseqüentes, até dose de 20 mg/dia, que pode ser reduzida dependendo da evolução do paciente(1, 8, 15, 17, 22, 27, 34). A prostaglandina E1 também é usada na primeira semana pós-transplante(1, 8, 15, 17, 22, 27, 34). Recentemente, o daclizumade promoveu melhor controle da rejeição no TID. É usado em cinco doses intravenosas, primeira dose poucas horas antes do TID e as quatro restantes são dadas 2, 4, 6, 8 semanas após o TID(5). Nas rejeições, corticóides resistentes e de difícil controle ' o OKT- 3 ou timoglobulina ' devem ser usados(1,8,15,17,22,27,34).

Recentemente STARZL et al.(31) idealizaram novo regime de imunossupressão baseado em dois princípios terapêuticos: pré-tratamento do receptor com cerca de 5 mg/kg de globulina antitimócito e uso mínimo de imunossupressão restrita ao tacrolimus no pós-transplante. Após 4 meses, os pacientes com monoterapia por tacrolimus foram considerados para espaçamento da dose em dias alternados ou intervalos mais longos. Esses autores sugerem que a aplicação desses princípios promovem melhoria da qualidade de vida e longa sobrevida após o transplante de intestino delgado.

A rejeição crônica é reação imunológica ainda pouco conhecida, sem tratamento definido e que provoca a necessidade de remoção do enxerto e retransplante, limitando a sobrevida no TID(1, 8, 32). O tacrolimus é relacionado ao combate da rejeição crônica, porém sua eficácia é limitada(8, 10, 32).

Infecção Prevenção de infecção deve ser feita com antibioticoterapia de largo espectro (ampicilina e cefotaxima) nos primeiros 5 dias de pós-operatório(1, 8, 15, 17, 22, 27, 34). Cultura de sangue, fezes, urina, exsudato da ferida cirúrgica, do estoma e secreção peritonial, devem ser freqüentemente repetidas e, se positivas, antibioticoterapia apropriada deve ser iniciada de acordo com a sensibilidade do microorganismo encontrado(1, 8, 15, 17, 22, 27, 34).

Gancyclovir (antiviral), bactrim (antibiótico) e micostatin (antifúngico) são administrados para profilaxia de CMV, P. carinii e infecção por cândida, respectivamente(1, 8, 15, 17, 22, 27, 34). O intestino do doador e do receptor deve ser tratado por meio de solução descontaminante contendo anfotericina B, polimixina B e gentamicina. Essa solução descontaminante deve ser também usada nas rejeições graves para prevenir translocação bacteriana(1, 8, 15, 17, 22, 27, 34).

Pacientes CMV negativos não devem receber enxertos de doadores CMV positivos pois verificou-se que nessa combinação ocorre maior incidência e gravidade de rejeição, CMV de difícil controle e doenças linfoproliferativas, comprometendo a sobrevida do enxerto e do paciente(1, 8, 15, 17, 22, 27, 34).

PERSPECTIVAS O futuro do TID é bastante promissor e se apóia, principalmente, nos avanços de três linhas de pesquisa: indução de tolerância imunológica (TI), confecção de tecido intestinal feito por bioengenharia e o desenvolvimento de imunossupressão seletiva.

A TI é a aceitação de enxerto transplantado sem necessidade de imunossupressão.

Evita a rejeição e a forte toxicidade relacionada ao uso crônico de drogas imunossupressoras(4, 8, 24, 30, 31).

A TI é relacionada com a imaturidade do sistema imunológico e ao macro e microquimerismo que ocorre após o transplante(4, 8, 24, 30, 31, 32).

Postula-se que leucócitos passageiros [células dendríticas, progenitoras (stem cells) e moduladoras (veto cell)] migram para o organismo do hospedeiro (microquimerismo) e são substituídas no enxerto por células equivalentes do receptor (macroquimerismo). Essa interação celular facilitada pela imunossupressão promove ausência mútua de resposta aos antígenos de superfície celular, culminando com a aceitação ou tolerância ao órgão transplantado(4, 8, 24, 30, 31, 32).

Os mecanismos de formação da TI ainda são pouco conhecidos. Sabe-se, porém, que ela é modulada principalmente no timo, por deleção clonal, mais freqüentemente observada em transplante de fígado e tem importante participação de citocinas reguladoras como a IL-4 e IL-10 e de moléculas do segundo sinal da resposta imunológica celular(4, 8, 24, 30, 31, 32).

A quantidade e o fenótipo dos leucócitos passageiros contidos em diferentes órgãos influencia diretamente na qualidade do quimerismo no receptor e na reação imunológica ao enxerto. O fígado e a medula óssea contêm grande quantidade de leucócitos imaturos e células mielóides que promovem quimerismo com maior poder de induzir tolerância(4, 8, 24, 30, 31, 32). Alem disso, essas células têm menor risco de causar doença do enxerto-versus-hospedeiro do que os leucócitos passageiros que migram do enxerto intestinal, ricos em linfócitos maduros(4, 8, 24, 30, 31, 32).

As observações acima expostas alicerçaram alguns centros a realizarem o TID combinando a infusão de medula óssea (IMO) do mesmo doador como forma de induzir TI. A IMO ampliaria o quimerismo no receptor, com sua população de células que facilitariam a indução de TI(8, 31). Os recentes ensaios clínicos de TID + IMO em animais de experimentação e na clínica mostraram-se promissores no aumento do quimerismo, porém ainda ineficientes em induzir TI(8, 31). Esses resultados indicam que a indução de tolerância por meio do aumento da quimerismo necessita melhores esclarecimentos.

A grande limitação do TID com IMO é o risco de aparecimento da DEVH. Observou- se que no TID + IMO (250 milhões de células) entre combinação de ratos com forte disparidade alogênica (ACI doador LEW receptor) e imunossupressão contínua (1 mg/kg/14 dias + semanalmente) ocorria tolerância ao enxerto, porém ocorreu DEVH crônica em todos os receptores(12, 13).

Recentemente obteve-se melhor indução de TI com irradiação ou uso de anticorpo antilinfocitário no enxerto intestinal anteriormente ao TID e infusão simultânea de IMO do mesmo doador. Neste modelo, os leucócitos passageiros do enxerto intestinal, que promovem um quimerismo desfavorável a TI e causam DEVH, são eliminados pela irradiação(1, 4, 17, 24). Assim, o quimerismo é promovido apenas pelas células da medula óssea, que apresentam melhor qualidade de indução de tolerância, favorecendo a aceitação do enxerto. A irradiação teria baixa intensidade de modo a não causar enterite actínica(1, 4, 17, 24). Este interessante modelo se mostrou efetivo em melhorar a evolução em série de 11 pacientes submetidos a esse procedimento, contudo o seguimento desses pacientes foi de no máximo 1 ano(1).

Acredita-se que a terapia genética aplicada ao transplante de órgãos poderá promover quimerismo de melhor qualidade, produzindo mais facilmente a TI e evitando a doença do enxerto versus hospedeiro(16,20).

A engenharia tecidual é um novo e fascinante campo que poderá revolucionar o tratamento de diversas doenças. Baseia-se nos princípios da biologia e da engenharia para desenvolver substitutos funcionais de tecidos doentes ou lesionados(16, 20).

O intestino feito por engenharia tecidual ainda se encontra em fase inicial de pesquisa experimental em ratos. Ele é obtido através de implante de enterócitos colhido por processo denominado de unidade organóide de epitélio intestinal (UOEI). A UOEI é implantada em malha de sustentação tubular feita de polímero biodegradável. Os implantes deste complexo no omento de ratos produziram, após 3 semanas, a formação de cistos neo-intestinais com lume interno, que apresenta neomucosa contendo epitélio colunar. Esse epitélio é formado por células do tipo Paneth e caliciformes, entre outras(16, 20).

Nos cistos neo-intestinais, observou-se a formação de invaginações semelhantes a estruturas de criptas e vilosidades. Além da semelhança histológica, estas estruturas mostraram ser funcionais, com produção de enzimas próprias da borda intestinal em escova, como a sucrase e lactase. Além disso, anastomoses entre o intestino feito por engenharia tecidual e intestino de rato normal resultaram em nenhuma complicação após a cirurgia, manutenção da alta taxa de patência com aumento do tamanho e desenvolvimento de neomucosa por período de até 36 semanas de pós-operatório(16, 20).

O tecido intestinal feito por bioengenharia poderá, num futuro próximo, permitir o entendimento de vários mecanismos envolvendo a organogênese e adaptação do intestino delgado. Acredita-se também que este tecido seja menos imunogênicos que os intestinos comuns, causando menos rejeição(16, 20).

A imunossupressão seletiva é um tipo de pesquisa que visa o desenvolvimento de drogas com a capacidade de bloquear apenas os fenômenos imunológicos responsáveis pela rejeição, não interferindo na imunologia de defesa do organismo(8). Drogas como globulina antitimócito, anti-CTLa-4 Ig, anti-CD25, entre outras, estão sendo testadas experimentalmente com resultados animadores.

No Brasil o TID deverá ser brevemente regularizado para tratar casos especiais de FI e poderá ser realizado em vários centros de transplante de órgãos.

 


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