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BrBRCVHe0004-28032004000100003

BrBRCVHe0004-28032004000100003

variedadeBr
Country of publicationBR
colégioLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN0004-2803
ano2004
Issue0001
Article number00003

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Função sexual e reprodutiva em receptoras de transplante hepático ARTIGO ORIGINAL ORIGINAL ARTICLEINTRODUÇÃO O sucesso alcançado nos programas de transplantes de órgãos sólidos reflete-se não apenas no aumento da sobrevida dos pacientes, mas também na capacidade de reabilitar o indivíduo e melhorar sua qualidade de vida. Atividades sexual e reprodutiva saudáveis integram o conceito abrangente de qualidade de vida e encontram-se freqüentemente comprometidas nas portadoras de insuficiência hepática avançada. A ocorrência de anormalidades menstruais, amenorréia secundária e infertilidade são comuns nas candidatas a transplante hepático (TH)(1, 4, 14). Múltiplos são os fatores que concorrem para tais anormalidades, incluindo alterações no eixo hipotálamo-hipófise-gônadas, conversão periférica de androgênios fracos em estrogênios, efeitos sistêmicos da desnutrição que acompanha a insuficiência hepática e efeitos tóxicos do próprio etanol sobre o eixo hipotálamo-hipófise e gônadas(1, 5, 12, 21).

Após TH bem-sucedido ocorre rápido retorno da libido e normalização da função menstrual nas mulheres em idade fértil(2, 4, 6, 12, 14). A recuperação da fertilidade é comprovada pelos relatos de mais de uma centena de gestações em receptoras de TH(2, 10, 11, 14, 15, 22, 24). O efeito salutar do TH sobre a função sexual também se faz sentir nas mulheres que se encontram na fase pós- menopausa e que referem melhora em vários aspectos da sexualidade, na imagem corporal e nos relacionamentos íntimos, se comparado à fase pré-TH(8).

Entretanto, pelo menos 30% dos receptores de órgãos sólidos experimentam algum grau de disfunção sexual(7, 17).

Embora uma atividade sexual saudável integre o conceito de qualidade de vida, poucos estudos abordando esse tema têm sido desenvolvidos nas mulheres brasileiras submetidas a TH. Em estudo prévio realizado no Serviço de Transplante Hepático do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR (HC-UFPR), avaliando 12 receptoras de TH com idade entre 18 e 54 anos, constatou-se que a maioria das mulheres em idade fértil reassumiu os ciclos menstruais em média 3,1 ± 1,2 meses após o TH, ocorrendo duas gestações bem-sucedidas em duas pacientes(18). Naquela ocasião, entretanto, quesitos como freqüência e satisfação das pacientes em relação aos seus relacionamentos íntimos não foram avaliados. O melhor conhecimento da função sexual e reprodutiva das receptoras de TH em nosso meio pode fornecer subsídios para que se realizem intervenções que melhorem ainda mais sua qualidade de vida.

O presente estudo foi desenvolvido com o propósito de avaliar diferentes aspectos da função sexual e reprodutiva em mulheres com doença hepática avançada, submetidas a TH no Serviço de Transplante Hepático do HC-UFPR, Curitiba, PR.

PACIENTES E MÉTODOS No período de agosto a setembro de 2002 realizou-se estudo descritivo transversal para avaliar diferentes aspectos da função sexual e reprodutiva de mulheres submetidas a TH, no Serviço de Transplante Hepático do HC-UFPR. Entre setembro de 1991 e dezembro de 2001, 94 mulheres foram submetidas a TH no referido Serviço. Dessas, 28 preencheram os seguintes critérios de inclusão: idade > 16 anos na época do TH, sobrevida > 6 meses pós-TH, estar em acompanhamento ambulatorial regular no Serviço no período em que foi desenvolvida a pesquisa e concordância em participar do estudo.

O estudo compreendeu a aplicação de um questionário abordando as seguintes variáveis: idade atual, raça, estado civil, etiologia da doença hepática, tempo de seguimento pós-TH, esquema atual de imunossupressão, co-morbidades, história menstrual (menarca, padrão de ciclos menstruais antes e após o TH), cirurgias ginecológicas, práticas anticoncepcionais antes e após o TH, ocorrência de gravidez pós-TH, freqüência de realização de citologia oncótica cervical antes e após o transplante, ocorrência de neoplasia maligna ginecológica pós- transplante. O domínio da sexualidade foi avaliado mediante aplicação de questionário específico, adotado rotineiramente no Ambulatório de Sexualidade do HC-UFPR, abordando quesitos como ocorrência de vida sexual ativa, freqüência de coitos, grau de satisfação sexual, freqüência de orgasmo nas relações, freqüência de desejo sexual, recebimento de informações sobre sexualidade no período pré e/ou pós-TH e interesse em receber tais orientações. Foi dado às pacientes o direito de não responder a qualquer pergunta em particular.

Os prontuários médicos foram revisados quanto aos resultados dos exames bioquímicos mais recentes com o objetivo de caracterizar a atual função do enxerto hepático. Considerou-se função adequada do enxerto quando o nível das enzimas hepáticas (aminotransferases, bilirrubinas e fosfatase alcalina) encontrava-se dentro dos valores normais dos testes. Nos casos de gestação pós- TH, os seguintes dados maternos e fetais foram levantados: idade materna na época da concepção, intervalo entre o TH e a concepção, esquema de imunossupressão na época da concepção, função renal e do enxerto hepático na fase que antecedeu à concepção, durante e após a gestação, idade gestacional na época do nascimento, tipo de parto (natural ou cesariana), APGAR, peso e sexo do recém-nascido, complicações maternas e fetais. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos do HC-UFPR.

Para as variáveis contínuas de distribuição normal, os resultados foram expressos em média e desvio padrão. Para as variáveis contínuas de distribuição assimétrica, em medianas, valores mínimo e máximo. As variáveis categóricas foram expressas em percentagens e para a avaliação da diferença entre elas foi aplicado teste exato de Fisher, com nível mínimo de significância de 5%.

RESULTADOS As principais características clínicas das 28 receptoras de TH selecionadas para o estudo estão expostas na Tabela_1. Todas as pacientes eram caucasianas e a maioria casada (60,7%). A indicação mais freqüente para TH foi cirrose associada à hepatite C (n = 7 ' 25%), seguida de hepatite auto-imune (n = 6 ' 21,4%). A mediana de seguimento pós-TH foi 36,5 meses (6 a 110 meses) e todas apresentavam função adequada do enxerto hepático na época do estudo. Em relação ao esquema de imunossupressão, as pacientes apresentaram-se igualmente distribuídas (ciclosporina, n = 15 vs. tacrolimus, n = 13, P = 0,6). Além do inibidor de calcineurina, 10 pacientes empregavam também doses pequenas de esteróides. As co-morbidades mais freqüentes foram hipertensão arterial sistêmica (n = 11 ' 39,3%) e diabetes mellitus insulino-dependente (n = 3 ' 10,8%). Para controle da hipertensão arterial, as pacientes empregavam propranolol (n = 5), anlodipina (n = 5) e captopril (n = 1).

A Tabela_2 descreve o padrão menstrual das pacientes em três períodos distintos: antes do diagnóstico da doença hepática, nos 12 meses que precederam o transplante e após o TH. A idade média de ocorrência da menarca foi de 12,84 ± 1,81 anos. Antes do diagnóstico da doença hepática, 8 das 28 pacientes apresentavam amenorréia (menopausa natural, n = 3; menopausa cirúrgica, n = 3; amenorréia primária pela doença hepática, n = 1 e amenorréia induzida pelo uso de acetato de medroxiprogesterona, n = 1). No ano que precedeu o TH, 18 das 22 pacientes (81,8%) com potencial de menstruar apresentavam irregularidades menstruais, predominando a amenorréia (59,1%). Dezenove das 22 (86,4%) reassumiram precocemente os ciclos menstruais após o TH (mediana de 1 mês, variando de 1 a 7 meses). Todas as pacientes com idade inferior a 45 anos voltaram menstruar. As três pacientes que não menstruaram após o TH apresentavam idade superior a 45 anos. Comparando-se o padrão dos ciclos menstruais das 22 pacientes com o potencial de menstruar durante os 12 meses que precederam e sucederam o TH, houve redução expressiva dos casos de amenorréria (13 vs. 3, P = 0,02), bem como aumento significativo de pacientes com ciclos menstruais regulares (4 vs. 14, P = 0,04).

A idade média de início da vida sexual foi de 18,53 ± 2,97 anos. No ano anterior ao TH, 17 das 28 pacientes apresentavam vida sexual ativa (60,7%), aumentando para 20 (71,4%) após o TH (17/28 vs. 20/28, P = 0,39). A Tabela_3 demonstra as práticas anticoncepcionais nas mulheres sexualmente ativas tanto na fase pré, como pós-TH, excluindo-se nessa análise as pacientes histerectomizadas.

No ano anterior ao transplante, 21 das 28 pacientes (75%) realizaram citologia oncótica cervical. A maioria das pacientes transplantadas realizava exame de citologia oncótica pelo menos uma vez ao ano após o TH (50% anualmente e 21,42% a cada 6 meses). Todos os exames de citologia oncótica realizados antes a após o TH foram negativos para malignidade. Neoplasia maligna ginecológica foi detectada em 1 das 28 receptoras de TH. Tratava-se de paciente com 64 anos submetida a TH 3 anos para tratamento de cirrose biliar primária, em uso de ciclosporina e com boa função do enxerto, que desenvolveu carcinoma adenoescamoso de endométrio. Procedeu-se a tratamento cirúrgico (pan- histerectomia); o exame da peça cirúrgica confirmou neoplasia maligna, porém sem evidência de invasão vascular, linfática ou de linfonodos regionais.

Durante os 2 anos em acompanhamento após a cirurgia, sob os cuidados da equipe do Serviço de Tocoginecologia do HC-UFPR, a paciente vem se mantendo bem, sem evidência de recurrência da neoplasia.

Quatro gestações ocorreram em três pacientes, sendo uma gemelar. A concepção ocorreu num intervalo entre 9 e 36 meses após o transplante. Uma das pacientes submetera-se ao TH para tratamento de hepatopatia avançada secundária à síndrome de Budd-Chiari, associada à trombocitose essencial e empregava método contraceptivo de barreira (condom). Além das drogas imunossupressoras, a paciente fazia uso contínuo de hidroxiuréia para tratamento do distúrbio mieloproliferativo, que foi prontamente suspensa tão logo se diagnosticou a gravidez. Todas as pacientes realizaram acompanhamento pré-natal no Serviço de Tocoginecologia do HC-UFPR. Três das gestações foram complicadas pelo desenvolvimento de doença hipertensiva específica da gravidez, no final da gestação. Uma das pacientes desenvolveu diabetes gestacional controlado apenas com dieta durante as duas gestações que ocorreram após o TH. Todas as pacientes foram submetidas a cesárea segmentar transversa a termo, sem intercorrências, dando à luz cinco recém-natos a termo e saudáveis. Os dados clínicos maternos e fetais referentes às gestações ocorridas após o TH estão sumarizados na Tabela 4. Na fase que antecedeu à concepção, bem como durante e após o término da gestação, as três pacientes mantiveram função renal e do enxerto hepático adequadas.

As 20 pacientes com vida sexual ativa no pós-TH responderam a todas as perguntas que abordavam diferentes aspectos da sexualidade (Tabela_5). Quatro das 20 pacientes (20%) estavam na fase pós-menopausa. A maioria delas (85%) mantinha relações semanais ou quinzenais e 70% delas consideravam-se moderada ou fortemente satisfeitas com seus relacionamentos íntimos. Apenas uma referiu dispareunia profunda nas relações. Quatorze das 20 pacientes (70%) referiram desejo sexual semanal ou quinzenal. Presença de excitação sexual normal ou aumentada foi relatada por 11 receptoras (55%). Setenta por cento das pacientes conseguiam atingir orgasmo sempre ou freqüentemente nas relações sexuais.

Quinze das 20 pacientes (75%) não receberam orientação alguma sobre sexualidade no período pré e pós-TH. Quando indagadas sobre o desejo de receber informações nessa área quer na fase pré, quer na pós-TH, 80% responderam afirmativamente.

DISCUSSÃO O presente estudo, ao avaliar a função sexual e reprodutiva de mulheres brasileiras receptoras de TH, constatou que: 1) é elevada a prevalência de irregularidades menstruais nas candidatas a TH; 2) após o TH, ocorre rápida normalização dos ciclos menstruais nas mulheres em idade fértil; 3) a maioria das pacientes apresenta vida sexual ativa e satisfatória após o TH; 4) os métodos contraceptivos mais freqüentemente empregados são os métodos de barreira e a laqueadura tubária tanto na fase pré, como na pós-TH; 4) com o retorno da fertilidade, torna-se possível a ocorrência de gestações bem- sucedidas, resultando em recém-nascidos saudáveis; 5) a maioria das pacientes realiza o exame de citologia oncótica para rastreamento de câncer de colo uterino pelo menos uma vez ao ano; 6) pouca ou nenhuma informação a respeito de sexualidade é oferecida às pacientes tanto na fase pré, como na pós-TH; 7) a maioria das pacientes deseja receber orientações sobre sexualidade na fase pré e pós-TH.

Alterações da função menstrual são comuns em portadoras de doença hepática avançada, sendo a mais freqüente delas a amenorréia secundária, que pode afetar 30% a 50% das pacientes cirróticas(1, 12, 14). Dezoito das 22 pacientes (81,8%) com potencial de menstruar avaliadas apresentavam anormalidades menstruais no ano anterior ao TH, havendo predomínio de amenorréia (59,1%). Tais anormalidades resultam de alterações endocrinológicas centrais e periféricas, agravadas muitas vezes pelo efeito deletério da desnutrição que freqüentemente afeta essa população(1, 5, 21). No grupo estudado, apenas duas das pacientes eram portadoras de doença hepática alcoólica, hepatotoxina que, por si , pode afetar de modo adverso o eixo hipotálamo-hipófise e as gônadas(1).

Considerando que o fígado participa da destoxificação, metabolismo e excreção dos hormônios sexuais, é esperado que, restaurada a função hepática após o TH, as pacientes normalizem a função menstrual e recuperem a fertilidade.

Excluindo-se as pacientes menopausadas antes do TH, documentou-se rápida normalização dos ciclos menstruais nas mulheres em idade fértil (mediana de 1 mês, variando de 1 a 7 meses). A precocidade no retorno da menstruação após o TH também foi observada em estudo prévio realizado em nossa Instituição, bem como por outros autores(4, 6). Semelhante à experiência de MASS et al.(14), constatou-se no presente estudo que todas as receptoras com idade < 45 anos normalizaram os ciclos menstruais após o TH. Uma hipótese para a observação das três pacientes com idade superior a 45 anos que não reassumiram os ciclos menstruais após o TH seria a evolução para menopausa natural.

O efeito benéfico do TH sobre a normalização da função menstrual nas mulheres em idade fértil tem sido assinalado por vários pesquisadores(4, 6, 14). CUNDY et al.(4) documentaram retorno da menstruação em 90% de 34 mulheres em idade fértil durante o primeiro ano após o TH. Estudo conduzido na Universidade de Michigan(14) constatou que 81% das mulheres entre 18 e 55 anos voltaram a menstruar no primeiro ano após o TH, índice que se elevou para 95% ao se considerar apenas as receptoras com idade < 45 anos. Esses autores não observaram correlação entre a função do enxerto hepático e o retorno dos ciclos menstruais, visto que 18% das transplantadas que normalizaram a função menstrual apresentavam disfunção significativa do enxerto.

Com a melhora da saúde global e o rápido retorno da libido, a maioria das pacientes reassume vida sexual ativa após o TH. Na presente série, 71,4% das transplantadas relataram vida sexual ativa, freqüência semelhante à encontrada em norte-americanas submetidas a TH (72%)(14). O efeito salutar do TH sobre a função sexual e reprodutiva das transplantadas hepáticas, perceptível nos primeiros meses do pós-transplante, requer que sejam precocemente orientadas, preferencialmente antes da alta hospitalar, a respeito de métodos anticoncepcionais seguros, bem como sobre prevenção das doenças sexualmente transmissíveis(12, 23). Na amostra estudada, as práticas contraceptivas mais freqüentes, tanto na fase pré, como na pós-TH, foram os métodos de barreira e a laqueadura tubária, semelhante ao encontrado por MASS et al.(14). Os métodos de barreira são os preferíveis, enquanto a laqueadura tubária ou a vasectomia do parceiro são boas opções para os casais que não desejam mais filhos. O uso do dispositivo intra-uterino (DIU) deve ser evitado pelo risco aumentado de infecção(12). Métodos hormonais podem ser empregados com cautela, preferencialmente no pós-TH tardio (após 1 ano), nas pacientes com função adequada e estável do enxerto, tendo-se o cuidado de monitorar os níveis séricos dos imunossupressores que podem ser afetados por aqueles fármacos(23).

Os métodos hormonais devem ser evitados em pacientes portadoras de co- morbidades, como hipertensão arterial sistêmica, antecedentes de fenômenos tromboembólicos, bem como em pacientes com antecedentes de síndrome de Budd- Chiari(12).

O retorno da fertilidade permite às transplantadas a possibilidade da gravidez que, na maioria, resulta em recém-nascidos saudáveis, sem malformações. A primeira gestação em receptora de TH foi documentada por WALCOTT et al.(26), em 1978, resultando em recém-nascido saudável e a termo. Desde então, mais de uma centena de gestações em receptoras de TH foram publicadas(2, 11, 24). No presente estudo 3 das 28 transplantadas entrevistadas conceberam, num intervalo entre 9 e 36 meses após o TH, dando à luz, através de parto cesariana, cinco recém-nascidos a termo e saudáveis (uma gestação gemelar) (Tabela_4). Todas apresentavam função do enxerto hepático e renal adequadas na fase da concepção, bem como durante e após a gestação. As três pacientes que conceberam após o TH desenvolveram na fase final da gestação, doença hipertensiva específica da gestação e uma delas diabetes mellitus gestacional, complicações maternas que têm sido reportadas em outros estudos envolvendo gestação em receptoras de TH.

O risco materno de desenvolver hipertensão arterial sistêmica (HAS) e pré- eclâmpsia seria maior nas pacientes com disfunção renal (creatinina >1,3 mg/dL) ou HAS não controlada no período que antecede à concepção(2, 3, 23). Em estudo publicado por JAIN et al.(10), observou-se menor incidência de pré-eclâmpsia em mulheres em uso de tacrolimus.

Em 1991, implantou-se na Universidade Thomaz Jefferson, Filadélfia, EUA, um banco de dados para avaliar, em receptores de órgãos sólidos, os efeitos da gestação sobre a saúde materna e da criança (National Transplantation Pregnancy Registry). Os dados compilados indicam que na maioria das receptoras de transplante os resultados são muitos bons tanto para a mãe, como para a criança (2, 20). Se a mulher inicia a gestação com função do enxerto adequada e estável, como as pacientes avaliadas na presente série, a gestação não parece suscitar declínio na função do enxerto. Ao contrário, se a função do enxerto está comprometida na fase que precede à concepção ou se existe alguma condição agravante (p. ex. hepatite ativa por recidiva do vírus da hepatite C), risco aumentado de disfunção ou deterioração da função do enxerto durante ou após o término da gestação(1, 2, 12, 16).

Em relação aos riscos para as crianças, os mais comuns são a prematuridade e o retardo de crescimento intra-uterino, particularmente nas mães hipertensas, sendo rara a infecção congênita por citomegalovírus (CMV)(1, 3, 12, 20, 23).

Essa última complicação é mais freqüente nas pacientes que concebem nos primeiros meses pós-TH, quando a imunossupressão é mais intensa e o risco de infecção pelo CMV é maior(1). O uso das drogas imunossupressoras deve ser mantido durante a gestação, com monitoramento mais freqüente dos níveis séricos dos inibidores da calcineurina(12, 23). A maior restrição é feita à azatioprina, considerada teratogênica nas doses equivalentes às doses empregadas pelos humanos(2).

Pacientes sob uso de imunossupressão apresentam risco 14 vezes superior de desenvolver câncer de colo uterino, se comparados à população saudável na mesma faixa etária(19, 23). No presente estudo não foram observadas alterações no exame de citologia oncótica cervical tanto na fase pré, como na pós-TH. Dado encorajador foi a boa adesão das pacientes transplantadas na realização periódica da citologia oncótica, 71,4% delas realizando ao menos um exame anual. Tais índices, superiores aos 62% encontrados por MASS et al.(14) em receptoras norte-americanas de TH, são animadores ao se considerar que muitas das pacientes atendidas nos centros de transplante brasileiros apresentam baixo nível de escolaridade e enfrentam dificuldades socioeconômicas. Os bons índices de adesão ao programa de prevenção do câncer de colo uterino encontrados no presente estudo podem ser fruto, em parte, de um programa de educação continuada que é oferecido semanalmente no Serviço de Transplante Hepático do HC-UFPR aos candidatos e receptores de TH, que aborda diferentes aspectos relacionados aos cuidados no pré e pós-TH, além do importante papel da medicina preventiva.

Apesar de a sexualidade e sua expressão serem componentes importantes da qualidade de vida do indivíduo, poucos estudos abordando esse domínio em receptoras de TH são disponíveis. TARTER et al.(25), analisando 65 transplantadas hepáticas, constataram que 88% delas consideravam seu relacionamento com o parceiro satisfatório, 78% referiam que o grau de intimidade manteve-se inalterado após o transplante e que 80% delas estavam pouco ou nada preocupadas com aparência física após o TH. Estudo realizado por LOWE et al.(13) para avaliar a qualidade de vida pós-TH em 58 pacientes constatou que 16% relataram problemas com a vida sexual, freqüência semelhante aos controles na mesma faixa etária. Pesquisando a função sexual em 303 receptores de transplante de órgãos sólidos (rim, rim/pâncreas ou fígado), HART et al.(9) reportaram que 70% têm relacionamentos íntimos e 66% sentem-se satisfeitos.

O presente estudo, que no conhecimento dos autores é pioneiro na avaliação do domínio da sexualidade em transplantadas hepáticas brasileiras, confirma a possibilidade de uma vida sexual saudável após o TH. Vinte das 28 transplantadas entrevistadas (71,4%) são sexualmente ativas e 70% delas consideram-se moderada ou fortemente satisfeitas com seus relacionamentos íntimos. A maioria (75%) têm relações semanais e 70% atingem o orgasmo sempre ou freqüentemente durante as relações. Durante a aplicação do questionário, constatou-se que 75% não receberam informação alguma sobre sexualidade quer na fase pré ou na pós-TH, mais importante ainda foi a constatação que 80% delas desejariam ter acesso a tais orientações tanto na fase pré, como na pós- transplante. A falta de acesso a informações a respeito de sexualidade foi referida por 67% a 70% de receptores de transplante de órgãos residentes em países desenvolvidos(7, 9). Segundo ENGLE(7), cerca de 30% dos receptores de órgãos sólidos experimentam algum tipo de disfunção sexual e a falta de suporte e informações pode contribuir para tal disfunção, juntamente com outros fatores, como problemas em relação à auto-imagem, efeitos adversos relacionados a medicamentos e graus variáveis de ansiedade ou depressão.

O presente estudo apresenta limitações, como o tamanho da amostra e a não comparação no domínio da sexualidade na fase pré e pós-TH nas receptoras entrevistadas, o que no julgamento dos autores não invalida os resultados da pesquisa. Estudos envolvendo maior número de pacientes e abordando mais profundamente o domínio da sexualidade poderão contribuir ainda mais para melhor compreensão dessa importante faceta que integra um dos grandes objetivos de toda intervenção terapêutica: a melhoria da qualidade de vida do indivíduo.

Em conclusão, a maioria das mulheres em idade fértil reassume os ciclos menstruais poucos meses após o TH. Com o retorno da libido e da fertilidade as pacientes devem ser precocemente orientadas sobre prevenção de doenças sexualmente transmissíveis e métodos contraceptivos seguros. A maioria das receptoras de TH são sexualmente ativas e encontram-se satisfeitas com seus relacionamentos íntimos. Observou-se boa adesão das transplantadas na realização periódica da citológica oncótica cervical, prática indispensável pelo elevado risco de câncer de colo uterino nas imunodeprimidas. Gravidez bem- sucedida resultando em recém-nascido saudável é possível após o TH, merecendo, entretanto, acompanhamento rigoroso multidisciplinar. É recomendável que os programas de TH ofereçam aos pacientes quer na fase pré, como na pós-TH, suporte e orientação sobre sexualidade.


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