Incidência comparativa da apendicite aguda em população miscigenada, de acordo
com a cor da pele
ARTIGO ORIGINAL ORIGINAL ARTICLEINTRODUÇÃO
A apendicite aguda é a mais freqüente condição cirúrgica abdominal(14). Essa
doença tem sido atribuída à obstrução mecânica, à dieta inadequada de fibras e
à susceptibilidade familiar(1, 3, 6, 9, 14). Outros fatores relacionados à
estrutura populacional, melhora das condições socioeconômicas e patógenos
bacterianos, virais ou parasitários, também estão envolvidos na etiopatogenia
dessa afecção(1, 2, 5). Entretanto, sua etiologia e epidemiologia ainda
permanecem pouco compreendidas(1, 2, 5). A relação entre apendicite aguda e cor
da pele é um dos aspectos pouco estudados.
Trabalhos realizados em países com predominância de população branca mostraram
incidências de apendicite, que alcançaram 17% na Dinamarca e 12% na Inglaterra.
Todavia, em populações negras de países da África essa doença é muito rara, com
incidências que variam entre 0,3% e 1%(12, 13). Pessoas de origem indígena e de
etnia miscigenada desenvolvem apendicite numa taxa de 2% a 3%(13). Nos Estados
Unidos, a incidência de apendicite aguda é de 1,6%, com predominância para a
cor branca(1).
Na literatura, a epidemiologia da apendicite em diferentes raças está
relacionada não só com a cor da pele, mas também com fatores genéticos,
poluentes ambientais e hábitos dietéticos(3, 9). Brancos e negros de diferentes
regiões de um mesmo país apresentam incidências de apendicite aguda variadas(4,
13).
Os brasileiros são uma mistura de várias raças. Os brancos são provenientes de
diversos países europeus, principalmente Portugal, Itália e Alemanha. Os negros
são descendentes de países da África Ocidental, destacando-se Angola,
Moçambique e Nigéria. Os poucos indígenas estão reunidos em pequenos grupos
localizados em diversas regiões, especialmente no norte do país. Entretanto,
mais de um terço da população brasileira é composta pela mistura de várias
raças(12, 13). Essa origem mesclada de nossa população impossibilita
considerações étnicas, porém é pertinente a classificação de acordo com a cor
da pele.
A localização do Estado de Minas Gerais faz com que ele seja o mais
representativo no que concerne à distribuição populacional por cor de pele. Em
estudo epidemiológico prévio, verificou-se que o padrão populacional dos
pacientes do Hospital das Clínicas (HC) não é diferente do encontrado em todo o
Estado de Minas Gerais. Por conseguinte, é pertinente supor que uma amostra de
pacientes operados por apendicite aguda nesse hospital corresponda à população
do Estado de Minas na proporção de cor da pele.
Por causa da particularidade da população brasileira e a sua representatividade
no HC, considerou-se pertinente verificar aspectos epidemiológicos da
apendicite aguda em amostra populacional miscigenada.
MÉTODO
O presente estudo foi aprovado por Comissão de Ética do Departamento de
Cirurgia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais, de
acordo com as recomendações da Declaração de Helsinque e a Resolução nº 196/96
do Ministério da Saúde sobre pesquisa envolvendo seres humanos.
Este trabalho retrospectivo avaliou 500 prontuários de pacientes operados por
apendicite aguda no HC da Universidade Federal de Minas Gerais de 1992 a 1996.
Foram pesquisados idade, sexo e cor da pele (leucodérmicos, feodérmicos,
melanodérmicos), de acordo com as informações contidas nos prontuários. Estudos
histopatológicos confirmaram a apendicite aguda em todos os casos. Pessoas
submetidas a apendicectomia com apêndice histologicamente normal não foram
consideradas.
Prontuários de outros 500 pacientes tratados por diferentes doenças crônicas e
não inflamatórias ou traumáticas, no mesmo hospital em 1996 foram
aleatoriamente estudados nos mesmos parâmetros dos apendicectomizados.
Foram excluídos os pacientes que não se enquadraram perfeitamente na proposta
metodológica desta pesquisa ou quando houve qualquer dúvida relativa aos
parâmetros estudados. Não houve representante da população indígena na
casuística deste trabalho, tanto dos apendicectomizados quanto do grupo-
controle. Os resultados foram comparados por meio do teste qui-quadrado. O
desvio padrão foi calculado para todas as variáveis em estudo. As diferenças
foram consideradas significativas para valores correspondentes a P < 0,05.
RESULTADOS
A Tabela_1 mostra as características epidemiológicas dos 500 pacientes com
apendicite e dos 500 pacientes operados por doenças diferentes (grupo-
controle). A incidência de apendicite foi ligeiramente maior no sexo masculino,
mas a diferença não foi significativa. Não houve diferença entre as idades de
homens e mulheres com apendicite quanto à cor da pele. A comparação entre as
idades de pacientes com apendicite com diferentes cores da pele (leucodérmicos
23,2 ± 14,4; feodérmicos 24,9 ± 16,7 e melanodérmicos 32,3 ± 16,7) não foi
significativa devido ao desvio padrão da média, entretanto, a média das idades
dos melanodérmicos foi maior.
No grupo-controle, não houve diferença significativa entre homens e mulheres,
quanto a idade e cor da pele. A proporção de cor da pele nesse grupo não foi
diferente da mesma proporção encontrada no Estado de Minas Gerais
(leucodérmicos 57%, feodérmicos 34% e melanodérmicos 8%)(11). Apendicite aguda
foi encontrada em nove desses pacientes: seis homens e três mulheres. As idades
variaram entre 16 e 73 anos. Sete desses pacientes eram leucodérmicos e dois
feodérmicos.
A prevalência de leucodérmicos com apendicite aguda foi significativamente
maior no grupo estudado, do que no grupo-controle e na população de Minas
Gerais(11). A incidência de pacientes negros com apendicite aguda foi
significativamente menor, em comparação ao grupo-controle e à população de
Minas Gerais(11).
DISCUSSÃO
Os resultados desta série confirmam relatos da literatura em relação à
epidemiologia da apendicite aguda em várias populações(10, 12). Essa doença
ocorre mais em pessoas jovens, sem prevalência de sexo, tendo por idade média
21 anos na população geral(1). Entretanto, é importante ressaltar que a idade
encontrada em pessoas negras da presente casuística, foi superior à evidenciada
para os pacientes de outras cores de pele e à estabelecida na literatura como
limite de ocorrência da apendicite, que é de 28 anos.
Parece haver fatores, talvez genéticos, relacionados à cor da pele que são
responsáveis pela prevalência da apendicite aguda em pessoas leucodérmicas. As
diferenças entre as cores de pele não podem ser atribuídas a alguma
particularidade do HC, que é referência para pessoas de todas as classes
sociais. Portanto, os resultados encontrados na presente investigação podem ser
devidos à relação entre cor da pele e apendicite aguda, como mencionado em
outros estudos(1, 4, 5, 10, 13). Deve-se, entretanto, ressaltar que os dados de
prontuário podem deixar dúvida quando ao paciente feodérmico de tonalidade mais
escura e o melanodérmico. Essa diferença é muito difícil de ser estabelecida no
Brasil, porém todos os dados estatísticos englobam ambos os grupos de pessoas
como melanodérmicos(11).
Considerando a predisposição familiar da apendicite, bem descrita na
literatura, essa relação também deve ser levada em conta. Fatores ambientais
poderiam explicar apendicite aguda em populações diferentes, mas esse parâmetro
não interferiu nos resultados deste trabalho e não foi objetivo de estudo na
presente pesquisa(2, 14).
Nesta série, não se avaliou a dieta dos pacientes, que é assunto ainda
controverso na literatura com respeito à apendicite. Alguns autores sugerem que
uma dieta pobre em fibras possa ser responsável pela doença(3, 9). Entretanto,
outros não encontraram relação entre hábitos alimentares e apendicite(6).
Levando-se em conta que os brasileiros tendem a consumir dietas ricas em
fibras, independentemente de classe social ou cor da pele, pode-se supor que
aspectos dietéticos não explicam a incidência variável de apendicite aguda em
pessoas de diferentes cores de pele.
CONCLUSÃO
A apendicite aguda é uma doença que predomina em jovens de ambos os sexos,
porém parece haver tendência dela ser menos freqüente e ocorrer em faixa etária
maior nas pessoas melanodérmicas. Esses achados precisam ser melhor estudados,
principalmente com vista a particularidades morfológicas do apêndice
relacionadas à cor da pele.