Detecção imunoistoquímica das oncoproteínas p21ras, c-myc E p53 no carcinoma
hepatocelular e no tecido hepático não-neoplásico
ARTIGO ORIGINAL ORIGINAL ARTICLEINTRODUÇÃO
O carcinoma hepatocelular (CHC) está entre as neoplasias mais freqüentes.
Estima-se que 1.000.000 de novos casos surjam a cada ano no mundo(5). Sua
freqüência varia em diferentes regiões, mostrando-se endêmico na Ásia e em
algumas áreas do continente africano, onde fatores risco como a infecção pelo
vírus da hepatite B (VHB) e a aflatoxina B1 estão sabidamente implicados.
Contudo, além da variação na distribuição mundial decorrente de diferentes
fatores de risco, a variação quanto à prevalência dos padrões macro e
microscópicos também é encontrada, indicando que possivelmente o CHC seja uma
neoplasia cujos mecanismos envolvidos possam diferir mundialmente. A
carcinogênese hepática é um complexo processo que passa por acúmulos de
alterações genéticas e epigenéticas bem conhecidas em modelos experimentais. A
ativação dos oncogenes myc, ras, raf, fos e jun tem sido demonstrada na
hepatocarcinogênese química em roedores e em linhagem de células do hepatoma.
Todavia, há pouca evidência da sua participação no CHC humano(3, 9, 26, 32). O
papel do p53 tem sido mais bem documentado(12, 15, 16, 30), tendo como
protótipo a mutação G-T na terceira base do códon 249, em decorrência dos
metabólitos liberados pela contaminação dos alimentos pela aflatoxina B1(21).
Na procura de maior conhecimento sobre a hepatocarcinogênese humana em nosso
meio, estudou-se a expressão imunoistoquímica das oncoproteínas p-21ras, c-myc
e p53 no CHC e no tecido circunjacente não-tumoral, com os objetivos de
analisar a sua freqüência e de verificar a associação destas oncoproteínas com
o grau de diferenciação e padrão microscópico do CHC, assim como com a infecção
pelos VHB e vírus da hepatites C (VHC).
MATERIAL E MÉTODOS
Este estudo foi realizado em 47 casos de CHC provenientes do serviço de
Anatomia Patológica do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho da
Universidade Federal do Rio de Janeiro, RJ. A seleção dos casos para a inclusão
neste estudo teve os seguintes critérios: não haver dúvida quanto ao
diagnóstico histológico de CHC, haver material disponível nos blocos em
parafina, de forma que minimizasse o erro de amostragem e haver preservação do
material tanto quanto ao processamento histológico, quanto a áreas
representativas de neoplasia viável.
Os espécimes foram provenientes de biopsias (27), peças cirúrgicas (16) e
necropsia (4). As informações referentes aos marcadores para os VHB e VHC
(HBsAg, anti-HBs, anti-HCV-ELISA) foram obtidas dos prontuários dos pacientes.
Na análise dos preparados histológicos foram empregadas as seguintes técnicas:
hematoxilina-eosina, ácido periódico de Schiff, tricrômico de Masson e
reticulina de Gomori. O tecido hepático não-neoplásico circunjacente ao tumor,
foi representativo em 40 casos. Os CHC foram classificados segundo a OMS,
quanto aos padrões histológicos(7). Quando mais de um padrão estava presente,
foram classificados como misto. Os graus histológicos foram agrupados como CHC
bem diferenciados (graus I e II) e CHC pouco diferenciados (graus III e IV).
A pesquisa imunoistoquímica foi realizada no Laboratório de Imunoistoquímica do
Instituto Adolfo Lutz, São Paulo, SP, empregando-se os anticorpos (Ac)
monoclonais: anti-p21ras clone NCC-ras-001, soro de camundongo que reconhece o
epitopo carboxi terminal da proteína p21ras entre os aminoácidos 126-140 (Dako
A/S Dk), na diluição de 1:100; anti-c-myc clone 9E11, soro de camundongo contra
peptídio sintético, cuja seqüência representa os resíduos dos aminoácidos 408-
420 (Novocastra Laboratories Ltd, Inglaterra), na diluição de 1:100; e anti-
p53, clone DO7, soro de camundongo na diluição de 1:50 (Dako A/S Dk). Os cortes
foram desparafinados e posteriormente hidratados. A recuperação antigênica
ocorreu em solução de ácido cítrico 0,01M, pH 6.0, em duas incubações por 9
min, em forno de microondas. A atividade da peroxidase endógena foi bloqueada
em solução de peróxido de hidrogênio, a 6% em etanol, em dois banhos de 5 min.
Os cortes foram incubados com os Ac primários em câmara úmida a 4ºC por 18 h.
Seguiu-se a incubação do Ac secundário, conjugado com biotina, IgG de cavalo
anti-camundongo ou IgG de suíno anti-coelho, de acordo com o Ac primário
utilizado, em câmara úmida, a 37ºC por 30 min. Entre as incubações foram feitas
lavagens em tampão PBS, pH7.4. A reação foi detectada através da incubação com
o sistema estreptoavidina-biotina-peroxidase (Strep AB complex/HRP, duet mouse/
rabbit Dako S/A Dinamarca) na diluição de 1:500. A revelação deu-se com o
substrato cromógeno (DAB 60 mg% em PBS + 2 mL de peróxido de hidrogênio a 10%),
por 5 min a 37ºC.
A freqüência e a associação entre as diferentes variáveis estudadas foram
analisadas através do teste chi quadrado (c2), sendo definido como limite de
significância o valor de P <0,05.
RESULTADOS
A pesquisa do HBsAg ocorreu em 39 pacientes com CHC, sendo que 5 casos foram
positivos, enquanto o anti-HBs foi pesquisado em 19 pacientes, com positividade
em 6. O anti-HCV foi investigado em 37 pacientes e positivo em 15, sem
evidências de co-infecção pelo VHB. Três pacientes apresentaram positividade
para o anti-HBs e para o anti-HCV. Em 16 pacientes não havia quaisquer
marcadores de infecção para os vírus B ou C.
O padrão histológico do CHC mais freqüente foi o trabecular (22 casos),
seguindo-se o misto (18 casos) e o compacto (7 casos). Quanto ao grau de
diferenciação histológica, os CHC bem diferenciados predominaram em relação aos
pouco diferenciados, 32 e 15 casos, respectivamente. Nos casos nos quais se
dispunha de tecido não-neoplásico havia 24 pacientes com cirrose. Os resultados
da imunorreatividade das oncoproteínas no CHC e no tecido perineoplásico podem
ser observados nas Tabelas_1 e 2, respectivamente.
O padrão de reatividade da oncoproteína p21ras(Figura_1) e do c-myc (Figura_2)
foi difuso e exclusivamente citoplasmático, enquanto que a do p53 foi nuclear
(Figura_3). Embora essas proteínas tenham apresentado uma variação na
positividade entre os diferentes padrões e tipos histológicos, a mesma não teve
significado estatístico (Tabela_1). Nos pacientes com sorologia positiva para o
VHB e o VHC, a freqüência da p21ras, c-myc e p53 foi a seguinte: pacientes
HBsAg+: 4/5 p21ras+, 4/5 c-myc+ e 1/5 p53+; pacientes anti-HBs+: 3/6 p21ras+,
4/6 c-myc+, 4/6 p53+, sendo que destes, um também foi anti-HCV+; pacientes
anti-HCV+: 6/15 p21ras+, 8/15 c-myc+ e 5/15 p53+. As oncoproteínas acima também
foram positivas nos pacientes com sorologia negativa para os vírus B e C, cuja
freqüência variou de 7 para o p21ras, 9 para o c-myc e 6 para o p53.
Ao analisar-se em conjunto a positividade destas proteínas no CHC observa-se
que estes expressaram em 80% (38/47) ao menos uma oncoproteína, ocorrendo
concomitância de pelo menos duas em 44,6% (21/47). Encontrou-se, ainda,
associação estatisticamente significativa entre a imunodetecção das proteínas
c-myc e a p21ras (P = 0,02) e destas com o padrão trabecular (P = 0,01).
A análise da imunorreatividade das oncoproteínas p21ras e c-myc no tecido não-
tumoral mostra índices significativamente maiores nos fígados cirróticos
(Tabela_2). Por outro lado, não foi detectada a imunorreatividade para o p53 em
nenhuma amostra de tecido hepático não-neoplásico.
DISCUSSÃO
A participação do oncogene ras no ciclo celular normal resulta em divisão e
proliferação celulares. Sua forma ativada pode decorrer da mutação de uma única
base ou ainda devido à perda de um dos alelos(19). No fígado, sua ativação tem
sido relatada durante a regeneração hepática, após hepatectomia parcial(6) e no
CHC, cuja expressão imunoistoquímica varia de 60% a 7,1% (13, 29). Os
resultados do presente estudo (44,7%) estão compreendidos dentro desta ampla
faixa de variação, que pode em parte ser atribuída à diversidade dos Ac
empregados. Adicionalmente, fatores não avaliados, como dieta e exposição a
carcinógenos ambientais, devem ter diferente participação nas diversas regiões
onde estes estudos foram realizados. A positividade em 4/5 de pacientes HBsAg
positivos necessita de posterior avaliação em maior número de pacientes. Mesmo
que o VHB não tenha participação direta na elevação da expressão do ras no CHC,
a possibilidade deste gene estar implicado no início da transformação maligna
do hepatócito não pode ser descartada. Não se encontrou associação entre a
expressão desta oncoproteína com os demais parâmetros analisados, ou seja,
padrões e graus histológicos. NONOMURA et al.(18), não encontraram positividade
nas lesões pouco diferenciadas.
Estudos mundiais de CHC em diversas regiões, incluindo algumas no Brasil,
demonstraram predomínio do seu desenvolvimento em fígados cronicamente lesados,
parecendo haver dois padrões distintos de carcinogênese, sejam os fígados
previamente cirróticos ou não(17).
Nos resultados do presente estudo, o p21ras no tecido cirrótico circunjacente
ao tumor (73%) teve diferença estatisticamente significativa quando comparada
com o tecido não-cirrótico (P = 0,0006), o que parece factível sugerir o seu
relevante papel na hepatocarcinogênese que ocorre através da cirrose.
O possível envolvimento do c-myc na carcinogênese hepática está restrito a
algumas análises e tem sido sugerido, quer pela associação temporal entre a sua
elevação e proliferação celular na regeneração hepática, quer pelo seu efetivo
aumento no CHC(1, 8, 27). Nos 47 casos estudados nesta série, detectou-se a sua
presença em 25 (53,2%), com localização essencialmente citoplasmática, que pôde
ser comprovada quando se substituiu, em alguns casos, o sistema
estreptoavidinabiotina-peroxidase pela fosfatase alcalina. A perda da
reatividade nuclear desta proteína pode ser atribuída ao processamento do
material em formol e parafina(14). Na presente análise, houve discreta
prevalência nas lesões pouco diferenciadas, o que também foi encontrado por
outros autores(10), levando-os, inclusive, a propor que o c-myc seja indicador
de pior prognóstico. Não se observou diferença significativa nos diferentes
padrões histológicos, assim como nos casos VHB e VHC positivos, o que vai ao
encontro dos resultados de outros autores quanto à infecção pelo VHB(13, 28).
Corroborando os referidos resultados, há a observação de PASQUANELLI et al.
(22), quanto à integridade estrutural deste gene em camundongos transgênicos
infectados pelo VHB. Todavia, em relação ao VHC, RAY et al.(24), demonstraram
que a proteína core do VHC regula a transcrição do c-myc, tornando possível,
desta forma, seu envolvimento na desregulação do hepatócito normal e na
hepatocarcinogênese.
A diferença entre a atividade do c-myc em fígados cirróticos e não-cirróticos
também foi estatisticamente significativa (P = 0,025). A presença desta
proteína, nestes casos de regeneração hepática, pode ser decorrente do maior
índice mitótico encontrado nos hepatócitos em regeneração e a sua manutenção
parece ter importante papel no desenvolvimento do CHC.
Diversos estudos têm evidenciado variação mundial na freqüência de detecção do
p53 em CHC e que a mesma está relacionada a fatores geográficos e ambientais.
Esta mutação chega a 50% em certas regiões da África e da China(21, 25),
enquanto que na Europa não ultrapassa 20%(4, 11). Neste estudo, a expressão
imunoistoquímica do p53 foi encontrada em 36,2% dos casos de CHC. Este
resultado nos coloca ao lado de países onde a expressão deste gene é
considerada intermediária, como por exemplo no Japão(15). No Brasil, os
resultados desta série assemelham-se aos 33,3% de ALVES et al.(2), em São
Paulo; entretanto, diferem dos 61,5% de PEREIRA et al.(23), da região sul. O
fato de estes autores terem utilizado três diferentes anticorpos talvez
justifique a divergência dos resultados acima. Não se verificou associação
entre a positividade dos marcadores sorológicos virais, padrão e graus
histológicos com a detecção do p53, embora tenha sido mais freqüente nas lesões
pouco diferenciadas. Convém, ainda, atentarmos para a maior freqüência da
imunorreatividade em pacientes HBsAg e anti-HCV negativos. A realização de um
estudo de genética molecular do p53 talvez venha a contribuir
epidemiologicamente, caso esta mutação ocorra no códon 249, pois a mesma
poderia ser atribuída à aflatoxina B1.
A detecção desta proteína não foi encontrada no fígado circunjacente ao tumor,
o que se assemelha a outros resultados(20, 31), e permite sugerir a ocorrência
tardia desta mutação.
Em resumo, os resultados deste estudo sugerem que na hepatocarcinogênese humana
pode haver participação das oncoproteínas p21ras ,c-myc e p53 e que a freqüente
associação do c-myc e da p21ras denota possível interação entre as mesmas.
Quanto ao p53, sua freqüência foi intermediária, situando-se entre as descritas
em países de alta e baixa incidência para o CHC, enquanto que na cirrose não
foi detectado, o que sugere sua participação, principalmente, nos estágios
tardios da hepatocarcinogênese. Já, o elevado percentual das oncoproteínas
p21ras e c-myc na cirrose pode apontar para a sua maior participação na
carcinogênese hepatocelular pela via da cirrose do que naquela que ocorre de
novo diretamente no fígado não-cirrótico.