Tumor sólido-cístico pseudopapilar do pâncreas (tumor de Frantz): estudo de
quatro casos
RELATO DE CASOS CASE REPORTSINTRODUÇÃO
O tumor sólido pseudopapilar do pâncreas (TSPP), também conhecido como tumor de
Frantz, embora raro, é uma neoplasia que tem sido cada vez mais descrita na
literatura(8). É encontrado na maioria dos casos em adolescente do sexo
feminino sendo considerado uma neoplasia com pequeno grau de malignidade, desde
que passível de ressecção cirúrgica completa, o que é possível na maioria dos
casos. O conhecimento dos aspectos epidemiológicos e clínicos desse tipo de
tumor pode levar à suspeita do diagnóstico no pré-operatório, o que sem dúvida
pode permitir abordagem cirúrgica mais radical que intencione a ressecção por
completo de lesão.
Apresenta-se casuística uni-institucional, sendo discutidos aspectos clínicos,
histopatológicos, imunoistoquímicos terapêuticos e de prognóstico.
PACIENTES E MÉTODOS
No período de dezembro de 2000 a fevereiro de 2003, quatro pacientes tratados
na Santa Casa de Misericórdia de Presidente Prudente, SP, foram incluídos neste
estudo por serem portadores de TSPP.
Três pacientes eram adolescentes do sexo feminino com variação de idade entre
17 e 26 anos e um único paciente do sexo masculino com 42 anos.
Em três casos a apresentação clínica era inespecífica, com sintomas de
desconforto abdominal e dispepsia. Em apenas um caso (sexo masculino) a queixa
inicial foi de massa abdominal palpável. Em nenhum deles foi observada perda de
peso. O exame físico, com exceção deste último caso, apresentava-se sem
alterações. Exames laboratoriais, incluindo enzimas hepáticas e amilase, foram
normais.
O primeiro exame solicitado a todos os pacientes foi a ultra-sonografia de
abdome, que revelou, sem exceção, a presença de massa pancreática, sendo este
seguido em metade dos pacientes de tomografia de abdome e ressonância nuclear
magnética na outra metade. Em três pacientes o tumor estava localizado na
cabeça do pâncreas e em apenas um no corpo e cauda pancreática (Figuras_1, 2,
3).
Em um caso (sexo masculino) o paciente havia recebido previamente o diagnóstico
de pseudocisto pancreático, tendo sido submetido a drenagem endoscópica da
lesão. Como complicação, apresentou dor abdominal e queda dos níveis de
hematócrito, sendo operado de urgência para controle do sangramento. O paciente
evoluiu com aumento progressivo da lesão, optando-se por sua ressecção 4 meses
depois, quando se diagnosticou TSPP por exame anatomopatológico.
Nos pacientes do sexo feminino, apenas no caso 1 o diagnóstico pré-operatório
foi compatível com cisto pancreático; nas demais já se suspeitava de TSPP.
RESULTADOS
O tratamento empregado encontra-se discriminado na Tabela_1. No caso 1, em
virtude do tumor apresentar extensão extra-pancreática, foi possível sua
enucleação. No caso 2 em que o tumor estava localizado em corpo e cauda
pancreático e o paciente havia sido submetido previamente a drenagem
endoscópica (já descrito anteriormente), foi identificada durante a cirurgia
firme aderência do tumor ao rim esquerdo, sendo necessária a nefrectomia. No
caso 4 houve lesão intra-operatória acidental da artéria mesentérica superior,
sendo necessária a reconstrução com veia jugular externa. Esta paciente
apresentou oclusão do enxerto sendo reoperada para implante de prótese de
politetrafluoroetileno, evoluiu com quadro de sangramento digestivo alto e
hepatite isquêmica, permanecendo por 29 dias na UTI, com alta após 35 dias de
internação. Os demais casos evoluíram sem intercorrências. Não houve
mortalidade na presente casuística.
O tamanho das lesões variou de 6,5 cm (caso 3) a 15 cm (caso 2). Ao exame
macroscópico, o tumor se apresentava com aspecto cístico-papilar, com conteúdo
hemorrágico em três casos e, em apenas um, era sólido-papilar (caso 4). Em
todas as peças cirúrgicas havia margens livres de tumor. A microscopia mostrou
no caso 1 invasão vascular e no caso 2 invasão angio-linfática. O estudo
imunoistoquímico foi realizado em três casos e é apresentado na Tabela_2 .
O tempo médio de seguimento foi de 15 meses (1 a 27 meses), estando todos os
pacientes vivos até a presente data, sem evidências de recurrência ou
metástases.
DISCUSSÃO
A primeira descrição do TSPP foi feita por Frantz em 1959, quando relatou como
uma nova entidade quatro casos previamente definidos como neoplasias não-
funcionantes de células de ilhotas pancreáticas(2, 16). Essa neoplasia tem sido
descrita sob vários termos: "papillary cystic neoplasm", "solid and cystic
acinar cell tumor", "papillary cystic neoplasm", "papillary cystic carcinoma",
"solid and cystic tumor" e "low-grade papillary tumor". Apenas recentemente, em
1996, esse tumor foi denominado "solid-pseudopapillar tumor" pela Organização
Mundial de Saúde(7, 10).
O tumor de Frantz é uma neoplasia rara do pâncreas, ocorrendo em
aproximadamente 0,17%-2,7% dos tumores não-endócrinos do pâncreas(16). Até o
momento, existem cerca de 452 casos relatados desse tumor na literatura inglesa
(9). Recentemente, tem sido notado o aumento de sua incidência com mais de 2/
3 dos casos totais descritos nos últimos 10 anos. A possível explicação é o
maior conhecimento da doença e a maior uniformidade de conceituação nos últimos
anos(10). No Brasil, a maior casuística em uma única instituição foi feito pelo
Serviço de Cirurgia de Vias Biliares e Pâncreas do Hospital das Clínicas da
Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, com 14 casos operados(1).
A origem do tumor de Frantz é, sem dúvida, grande motivo de controvérsia. A
despeito do seu grande uso, o método imunoistoquímico tem se revelado de
auxílio apenas marginal no esclarecimento dessa controvérsia. Resultados
inconsistentes têm sido encontrados para marcadores epiteliais,
neuroendócrinos, de enzimas pancreáticas, de hormônios de células de ilhotas e
para outros antígenos(15). A despeito da falta de diferenciação específica para
determinada linhagem celular, o TSPP apresenta uma imunofenotipagem
característica. A vimentina é consistentemente expressa, assim como marcadores
para alfa-1 anti-tripsina, alfa-11 anti-quimiotripsina e enolase neuro-
específica(10, 15). Esses achados confirmam a opinião da maioria dos autores
que concorda com a teoria da célula precursora do tumor ser oriunda de uma
célula epitelial primitiva(12, 16). Os resultados dos exames de
imunoistoquímica realizados nos pacientes desta casuística foram uniformemente
compatíveis com a presença desses marcadores, com exceção do alfa-11 anti-
quimiotripsina, que não foi testado.
A teoria da origem do tumor a partir de células embrionárias é defendida por
KOSMAHL et al.(8). Esses autores, estudando 59 tumores e aplicando grande
número de marcadores em análises imunoistoquímicas, observaram forte
reatividade para vimentina, alfa-1 anti-tripsina, enolase neuroespecífica e
para receptores do progesterona. Em virtude dos achados não terem sido
compatíveis com nenhuma linhagem celular específica do pâncreas e também pela
presença do receptor hormonal nas amostras avaliadas, os autores sugeriram que
algumas células embrionárias pudessem permanecer no pâncreas durante a
embriogênese, diferenciando-se posteriormente no TSPP. A predileção pelo sexo
feminino encontrado nesses tumores dá suporte a essa teoria. LAM et al.(9), no
entanto, avaliando oito pacientes não encontraram em nenhum caso positividade
imunoistoquímica para nenhum receptor hormonal. REBHANDL et al.(14), em revisão
da literatura sobre o assunto, encontraram o receptor da progesterona em apenas
27 casos, sugerindo que os hormônios sexuais tenham papel no crescimento e não
na patogênese desse tumor. No presente estudo em apenas um paciente em que foi
testado o receptor de progesterona não houve positividade.
A maioria dos casos diagnosticados têm sido encontrada em mulheres jovens,
especialmente em adolescentes, o que é compatível com 75% da presente
casuística. Os achados clínicos são vagos e podem incluir dor abdominal leve e
saciedade precoce(10). No momento do diagnóstico, os tumores, comumente,
apresentam grandes dimensões. A despeito disso é rara a invasão de estruturas
vasculares ou biliares, o que torna a ressecção possível na maioria dos
pacientes. Na maioria das séries o tumor acomete, preferencialmente, o corpo e
cauda pancreática(10, 13, 14). No presente estudo o inverso foi observado, com
75% dos casos ocorrendo na cabeça pancreática. Tal achado pode ser justificado
pelo pequeno número de pacientes estudados.
A ressecção cirúrgica é o melhor tratamento para o TSPP, sendo na maioria das
vezes, o único tratamento suficiente. O tipo de ressecção depende da topografia
do tumor e deve objetivar a preservação das estruturas adjacentes.
Duodenopancreatectomias com preservação do piloro e pancreatectomias
corpocaudais com preservação do baço devem ser tentadas(1). Em casos
selecionados, a enucleação também é alternativa viável, o que foi realizada em
um dos casos na presente série, sem morbidade e com margens cirúrgicas livres.
As taxas de ressecabilidades são altas em virtude do tumor, ao crescer,
deslocar as estruturas adjacentes ao invés de invadi-las(16). A maioria dos
estudos concorda que ressecções alargadas ou linfadenectomias não estão
indicadas(14). As metástases devem ser ressecadas, mesmo quando associadas à
recidiva tumoral, o que é mais comum na população mais idosa(5, 11).
A experiência com o tratamento adjuvante é limitada aos bons resultados obtidos
com a ressecção do tumor. Alguns esquemas de quimioterapia têm sido propostos,
porém sem números suficientes para conclusões definitivas. A radioterapia foi
relatada com sucesso em apenas um caso com invasão do hilo hepático(3).
Em virtude da longa história natural da doença e da relativa raridade, tem sido
difícil estabelecer critérios histopatológicos preditivos de agressividade do
tumor(6). NISHIHARA et al.(12), analisando 22 pacientes portadores de TF
identificaram, em 3 casos com potencial maior de malignidade em virtude de
metástases para gânglios, peritônio e órgãos distantes, a presença de invasão
venosa, atipia nuclear e áreas de necrobiose, sugerindo que tais achados
pudessem predizer doença mais avançada. A despeito disso, sobrevida em longo
prazo de 7'10 anos tem sido relatada em pacientes com ressecção completa da
lesão e também naqueles com doença residual, o que tem justificado se
considerar o TSPP como uma neoplasia de bom prognóstico. No entanto, em
aproximadamente 15% dos casos metástases são descritas(4, 5, 6, 17), e até o
momento cinco casos de morte por doença à distância foram relatados(10, 16). Em
virtude de dois pacientes desta casuística apresentarem, à microscopia, invasão
venosa, encontram-se sob rigoroso seguimento anual no sentido de detecção
precoce de metástases à distância. Por enquanto, não há sinais de recidiva em
nenhum dos casos operados, o que, apesar do pequeno tempo de seguimento,
certamente atesta o caráter menos agressivo dessas lesões quando comparadas ao
adenocarcinoma pancreático.