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BrBRCVHe0004-28032006000200005

BrBRCVHe0004-28032006000200005

variedadeBr
Country of publicationBR
colégioLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN0004-2803
ano2006
Issue0002
Article number00005

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Linfomas em pacientes com a forma hepatoesplênica da esquistossomose mansônica ARTIGO ORIGINALORIGINAL ARTICLESINTRODUÇÃO O número de internamentos hospitalares para tratamento da esquistossomose e suas complicações foi reduzido drasticamente, de 3/10 000 em 1989 para 1,5/10 000 em 1995(11, 17, 19, 20). Apesar de se verificar redução de cerca de 50% no número de casos de esquistossomose mansônica (EM) no Brasil nas últimas duas décadas, assim como redução da taxa de mortalidade, a EM continua representando sério problema de saúde pública(6, 13, 26).

Formas graves da EM continuam a colocar em risco a vida dos pacientes. Cerca de 5%-8% dos pacientes esquistossomóticos poderão desenvolver a forma hepatoesplênica e quando o fazem, cerca de 87,5% deles irão apresentar varizes esofagianas(6, 12). A incidência de hemorragia digestiva destes acometidos da forma hepatoesplênica varia entre 11%-25%(9, 10, 12, 18).

A associação de neoplasias malignas tanto epiteliais, como principalmente linfoproliferativa, com esquistossomose hepatoesplênica (EHE) é relatada na literatura como condição relativamente rara, na medida em que referências a esta associação limitam-se a poucos relatos de casos(3, 4, 5, 22, 25). Os primeiros foram registrados na Bahia, em 1969, mas desde então seu número é tão pequeno que se questiona a ocorrência dos dois processos patológicos em um paciente. Questiona-se se seria apenas coincidência ou se realmente haveria relação de causa-efeito(3, 4, 5, 22).

Nos últimos anos, no entanto, vem-se melhor estabelecendo a correlação entre agentes infecciosos e doenças linfoproliferativas, sobretudo vírus e bactérias, através da ativação de linfócitos(2).

PACIENTES E MÉTODOS Descrevem-se 6 pacientes, dentre os 254 com EM na forma hepatoesplênica, acompanhados no período de janeiro de 1992 a dezembro de 2004 no ambulatório do Serviço de Cirurgia Geral do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco, Recife, PE (HC-UFPE).

O diagnóstico da esquistossomose foi baseado em dados epidemiológicos, caracterizados por banho de rio em área endêmica, assim como antecedente de hemorragia digestiva alta. Houve ainda a confirmação por biopsia hepática da patologia esquistossomótica.

Caso 1 ' feminino, 37 anos, história de perda de peso e linfonodomegalias cervicais, 2 meses, tendo sido diagnosticado linfoma maligno de grandes células não clivadas, por biopsia de linfonodo cervical, no estágio IV (comprovado por tomografia axial computadorizada de tórax e abdome). Cerca de 11 meses atrás havia sido esplenectomizada em outro Serviço devido à hipertensão portal e hemorragia digestiva secundária à fibrose periportal da esquistossomose. Iniciou-se tratamento quimioterápico com esquema CHOP (ciclofosfamida, vincristina, doxorrubicina e prednisona) porém a doente foi a óbito por sepse após cerca de 2 meses da admissão hospitalar.

Caso 2 ' feminino, 58 anos, história de anemia, febre vespertina, perda de peso, esplenomegalia. A ultra-sonografia revelou hepatoesplenomegalia, fibrose periportal e aumento do calibre das veias porta e esplênica, sendo que o baço apresentava nodulações heterogêneas, além de linfonodomegalias de hilo esplênico. Após a esplenectomia, a microscopia revelou linfoma não-Hodgkin difuso de grandes células. Durante o seguimento pós-operatório, passou a apresentar adenomegalias cervicais e vem sendo acompanhada no Serviço de Oncologia do HC-UFPE.

Caso 3 ' feminino, 22 anos, história de hematêmese 1 ano e 6 meses. A investigação diagnóstica revelou hepatoesplenomegalia, hipertensão portal e fibrose periportal. Havia relato de tratamento para linfoma esplênico, 7 anos, diagnosticado como doença de Hodgkin. Nessa ocasião, a paciente havia sido tratada com quimioterápicos e evoluía assintomática, sem qualquer evidência de linfoma até a hemorragia digestiva. Foi submetida a esplenectomia e o estudo anatomopatológico do fígado e baço revelou fibrose periportal grau II e esplenomegalia esclerocongestiva. Vem sendo acompanhada 9 anos sem sinais da doença linfoproliferativa.

Caso 4 ' feminino, 58 anos, história de equimoses espontâneas, perda de peso, dor e massa abdominal, além de esplenomegalia gigante. O hemograma identificou plaquetopenia. O exame ultra-sonográfico evidenciou fibrose periportal grau II e esplenomegalia gigante, sem linfonodomegalia, e a endoscopia mostrou varizes esofágicas. A tomografia confirmou volumosa esplenomegalia com formações nodulares associada à linfonodomegalia no seu hilo. Foi realizada laparotomia para ressecção do baço, o que não foi possível em virtude da linfonodomegalia perihilar e periaorticocaval. O estudo histopatológico comprovou linfoma maligno de grandes células com predomínio de imunoblastos. A paciente foi submetida a quimioterapia, mas foi a óbito por progressão do linfoma após 4 meses.

Caso 5 ' feminino, 44 anos, apresentava dor em hipocôndrio esquerdo e perda de peso, sem passado de hemorragia digestiva ou alterações no hemograma. O ultra- som e a tomografia mostraram esplenomegalia com imagem nodular de 12 x 11 cm, além de fibrose periportal incipiente. Foi submetida a esplenectomia e o exame histopatológico evidenciou linfoma de células B da zona marginal esplênica.

Encontrava-se em acompanhamento no Serviço de Oncologia, quando desenvolveu espessamento de alças intestinais no flanco esquerdo após 1 ano, comprovado por tomografia. Iniciou-se quimioterapia, observando-se regressão da massa.

Posteriormente desenvolveu obstrução intestinal, secundária a bridas, complicada por perfuração de alça e óbito por peritonite.

Caso 6 ' feminino, 67 anos, história de perda de peso e esplenomegalia gigante.

A investigação evidenciou pancitopenia, e ao ultra-som observou-se fibrose periportal, além de esplenomegalia gigante. A endoscopia revelou varizes esofágicas e o mielograma foi normal. Decidiu-se indicar laparotomia exploradora em virtude da volumosa esplenomegalia e da experiência prévia do serviço com outros casos de doença linfoproliferativa. O achado cirúrgico mostrou fígado esquistossomótico e esplenomegalia gigante, além de sinais de hipertensão portal. O exame histopatológico evidenciou tratar-se de linfoma de zona marginal esplênica com comprometimento hepático. A paciente encontra-se em acompanhamento no Serviço de Oncologia do HC-UFPE.

RESULTADOS A idade média foi de 47 anos, variando entre 22 e 67 anos, sendo todas do sexo feminino, com exames pré-operatórios, especialmente ultra-sonografia, que evidenciavam hipertensão portal e fibrose periportal esquistossomótica. Todos os casos eram provenientes de zona endêmica para EM e referiam antecedentes de banhos de rio.

Todas apresentaram fibrose de Symmers ao exame histopatológico do fígado e foram afastados aspectos sugestivos de outras patologias hepáticas, inclusive hepatite viral crônica.

Os exames histopatológicos evidenciaram tratar-se de dois casos de linfomas de zona marginal esplênica: um de linfoma de grandes células com imunoblastos, um de linfoma difuso de grandes células, um de linfoma maligno de grandes células não clivadas, e um outro caso de doença de Hodgkin. Metade dos seis evoluiu para o óbito devido à progressão da doença de base ou por complicações da mesma, sendo entre 4 a 15 meses após o diagnóstico, notando-se não existir relação com a cirurgia. Os outros três persistem em acompanhamento no Serviço de Oncologia do HC-UFPE, estando um deles com cerca de 9 anos sem sinais de atividade do linfoma.

DISCUSSÃO Apesar de terem sido relatados 6 casos de linfomas de um total de 254 (2,36%) pacientes com EM na forma hepatoesplênica, a real incidência na presente casuística fica comprometida pelo fato de serem encaminhados ao Serviço de Cirurgia Geral apenas os pacientes com indicação cirúrgica ou para a realização de alguns procedimentos diagnósticos.

Os linfomas constituem grupo heterogêneo de neoplasias que surgem a partir da proliferação monoclonal de uma célula de origem linfóide, que pode ser do tipo T ou B(15). Embora fenômenos auto-imunes e fatores genéticos possam estar envolvidos, em grande parte dos casos a proliferação é induzida por agentes infecciosos, como vírus ou bactérias. A oncogênese parece ser proporcional à intensidade e continuidade do estímulo imunológico, sendo maior nas infecções crônicas e nos pacientes imunocomprometidos, como os transplantados e naqueles com a síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS). De fato, ultimamente, vem- se descrevendo nítida correlação entre processos linfoproliferativos e o próprio vírus da AIDS, o vírus de Epstein-Barr, o vírus da hepatite C e o Helicobacter pylori(1, 7, 14, 16, 24).

A associação da doença com o vírus Epstein-Barr tem sido suspeitada por dados sorológicos e epidemiológicos. Utilizando a metodologia de hibridização molecular, pode-se isolar o vírus Epstein'Barr em 18%-50% dos casos de linfomas. A detecção do genoma do vírus Epstein'Barr aliada ao linfoma está associada ao tipo histológico de celularidade mista, à faixa etária mais jovem e ao baixo nível socioeconômico(21).

A EM é uma enfermidade em que a presença do parasita no organismo determina constantes estímulos imunológicos, estando a resposta primariamente condicionada às células da linhagem linfóide, em especial linfócitos B, linfócitos T e histiócitos(15). evidências de que células componentes do linfoma folicular expressam os mesmos receptores da membrana que os linfócitos B constituintes do folículo linfóide normal(15). Desta forma, poder-se-ia sugerir que as células neoplásicas são, provavelmente, originárias do linfonodo normal, que submetidas a estímulos repetidos de hiperplasia e regeneração, além de possível susceptibilidade genética, sinalizariam para o desenvolvimento da célula neoplásica do folículo(22). Esse tipo de reação poderia ocorrer em qualquer um dos sítios do tecido linfóide, notadamente linfonodos, medula óssea, pele e mucosa entérica. Essa cadeia de eventos pode ser parcialmente exemplificada através de estudos imunoistoquímicos e histopatológicos de pacientes esplenectomizados com EM, que mostram que a polpa branca pode apresentar várias alterações, incluindo hiperplasia e hipertrofia folicular. A proliferação celular é aspecto importante nas fases iniciais da esplenomegalia (8, 23). O acometimento isolado do baço é condição rara(15).

Na presente série de pacientes esplenectomizados com EM, encontram-se 6 casos de linfoma dentre 254 acompanhados, no período de 13 anos, o que corresponde a 2,36%. Em 1971, ANDRADE et al.(5) descreveram a ocorrência de 8 casos de linfoma numa série de 863 esplenectomias em pacientes com EM, que corresponde a 0,9%. Dez anos após, em São Paulo, PAES et al.(22) descreveram outros 6 casos numa série de 714 esplenectomias, o que equivale à ocorrência de 0,8%.

Salienta-se que todos estes 14 casos descritos foram de linfoma folicular gigante.

O maior percentual encontrado no presente estudo poderia ser decorrente do fato deste estudo ter sido desenvolvido em um serviço de cirurgia e, deste modo, receber pacientes com indicação cirúrgica ou necessitado de algum procedimento invasivo, selecionando, desta forma, este tipo de paciente.

Cabe salientar que na série de seis casos todos ocorreram em mulheres, como curiosamente também ocorreram nos 14 referidos em dois estudos anteriores(5, 22). Encontra-se apenas um caso descrito no sexo masculino de linfoma histiocítico em pacientes com EM(3). Não se observam, entretanto, justificativas fisiopatológicas que expliquem a maior ocorrência de linfomas em pacientes com EM do sexo feminino.

Enfim, o presente estudo pretende chamar a atenção, especialmente de cirurgiões e patologistas, para a ocorrência de linfomas nos baços de pacientes com EM, na forma hepatoesplênica. Mais estudos, todavia, serão necessários para avaliar o real papel da infecção esquistossomótica no desenvolvimento de processos linfoproliferativos.


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